Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FÁTIMA FURTADO | ||
Descritores: | AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO AUSÊNCIA DO ARGUIDO A SESSÕES OMISSÃO DA NOTIFICAÇÃO AO ARGUIDO INVALIDADE DA AUDIÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/05/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I) A audiência de julgamento, que começa com os atos introdutórios, comporta várias fases e não termina com o encerramento da discussão – a que alude o artigo 361.º do Código de Processo Penal –, que é coisa diversa do encerramento da audiência, que em regra só ocorre com a leitura pública da decisão judicial (sentença ou acórdão) que conhece a final do objeto do processo. II) O n.º 10 do artigo 113.° do Código de Processo Penal impõe que certos atos, pela sua importância e relação com as garantias do processo penal, sejam notificados não só ao defensor como também ao arguido. Como é o caso da própria notificação da data designada para a leitura da sentença, posto que também ela faz parte integrante da audiência de julgamento. III) Constitui nulidade insanável, nos termos da al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, a ausência do arguido nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade. Situação que também se verifica quando o arguido está ausente processualmente, em virtude de não lhe ter sido garantido o direito de estar presente, por não ter sido regularmente notificado da data da leitura da sentença. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães. (Secção Penal) Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Elsa Paixão. I. RELATÓRIO No processo comum singular n.º 512/15.1PBVCT, da instância local de Viana do Castelo, juiz 2, da comarca de Viana do Castelo, em que é arguido A. C., com os demais sinais dos autos, foi, em 3 de novembro de 2016, proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «1-Julga-se procedente por provada a acusação pública deduzida e, em consequência: Condena-se o arguido A. C. pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº1 do C.P., nas penas de 120 (cento e vinte) dias de multa e de 90 (noventa) dias de multa à razão diária de 5 (cinco) euros. Operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas, condena-se o arguido A. C. na pena única de 160 (cento e sessenta) dias de multa à razão diária de 5 (cinco) euros, no montante global de 800 (oitocentos) euros. Custas a cargo do arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC. 2-Julga-se parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante B. G. contra o demandado A. C. e, em consequência, condena-se o demandado a pagar ao demandante a quantia de 600 (seiscentos) euros a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a presente data e até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se o demandado do demais peticionado. Não há lugar a custas – artº 4º, nº1, n) do RCP. 3-Julga-se parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado pela demandante A. G. contra o demandado A. C. e, em consequência, condena-se o demandado a pagar à demandante a quantia de 500 (quinhentos) euros a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a presente data e até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se o demandado do demais peticionado. Não há lugar a custas – artº 4º, nº1, n) do RCP. Deposite. Remeta boletim.» * Inconformado, o arguido A. C. interpôs recurso, apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões: «1 - A audiência de julgamento ocorreu na ausência do arguido/recorrente, invocando a nulidade insanável prevista no artigo 119, alínea c) do C.P.P. 2 – O arguido/recorrente não requereu, nem deu expressamente consentimento para que a audiência tivesse lugar na sua ausência – artigo 334º, n.º 2 do C.P.P. 3 – Com efeito, no âmbito dos presentes autos, o arguido/recorrente foi regularmente notificado para a data da audiência de julgamento, por carta depositada no receptáculo do seu domicílio. 4 - O arguido não compareceu no dia designado para o julgamento – 22/09/2016, sendo certo que conforme se atesta do teor da acta de julgamento de fls._ 205 e 206, o Ministério Público requereu o início na sua ausência, sem prejuízo de se designar nova data para a sua inquirição, nos termos do artigo 332º, n.º 2 do C.P.C. 5 - A Meritíssima Juiz proferiu despacho, considerando que a presença do arguido desde o inicio de julgamento não seria indispensável para a descoberta da verdade, pelo que, nos termos do n.º 2 e 3 do artigo 333º do C.P.P. entendeu que o mesmo deveria se deveria iniciar. 6 - Foi designada nova data para a continuação do julgamento (25/10/2016), tendo o arguido/recorrente sido notificado por carta, por depósito. 7 - No dia 20/10/2016, ou seja, cinco dias antes da segunda data designada para continuação do julgamento, o arguido/recorrente informou os autos de que não poderia estar presente no julgamento por se encontrar a trabalhar em França, disponibilizando-se, contudo, para prestar declarações, entre os dias 23/12/2016 e 01/01/2017. 8 - A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo não se pronunciou sobre o teor do requerimento, continuando o julgamento na data agendada – 25/10/2016. 9 - A leitura da sentença foi designada para o dia 03/11/2016, para a qual o arguido/recorrente não foi notificado. 10 – Em abono da verdade, a audiência de julgamento iniciou-se sem que a Meritíssima Juiz tivesse tomado as diligências necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência (art. 333.º, n.º 1, do CPP), sendo obrigatória a sua presença, considerando-se apenas e tão só no despacho de fls._ que o julgamento deveria iniciar-se por não ser indispensável a presença do arguido. 11 - Iniciou-se, ainda, a segunda sessão de julgamento, sabendo o Tribunal a quo que o arguido/recorrente não poderia estar presente por se encontrar a trabalhar em França, decisão essa que contende com o exercício pleno do direito de defesa e o princípio da procura da verdade material que se impõe ao julgador. 12 - Ora, sendo obrigatória a presença do arguido em audiência, sem prejuízo do disposto no art.º 333° nºs 1 e 2, – v. art.º 332° nº 1 do CPP, o mesmo, poderia querer prestar declarações (embora a tal não seja obrigado e, sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo ) – art.º 343º nº 1 do CPP, podendo, naturalmente, a Meritíssima Juiz fazer-lhe perguntas sobre os factos que lhe sejam imputados e solicitar-lhe esclarecimentos sobre as declarações prestadas, bem como o Ministério Público, o advogado do assistente e o defensor podiam solicitar á Meritíssima Juiz que formulasse ao arguido perguntas - Art.º 345.º nºs 1 e 2 do CPP. 13 - Mesmo que a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo tenha considerado que a audiência poderia começar sem a presença do arguido/recorrente, mantinha este o direito a prestar declarações até ao encerramento da audiência. 14 – O facto de não ter sido requerida a audição do arguido/recorrente na segunda data designada, nos termos dos artigos 312º e 333º do C.P.P., não significa a exclusão da obrigatoriedade imposta ao tribunal, quando iniciar uma audiência sem a presença do arguido notificado para a sua data de realização, de tomar as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, tanto mais que na primeira data designada desconhecia que o mesmo se encontrava a trabalhar em França 15 – Esta tem sido a tendência da jurisprudência mais recente, designadamente da Relação de Guimarães, sendo que somente no caso de estas medidas não surtirem efeito é que se compreende o disposto no nº 5 do artigo 333º do C.P.P. 16 - Dispõe o artigo 118.º, n.º 1, do CPP que a violação ou inobservância das disposições da lei do Processo Penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, consagrando a alínea c) do artigo 119.º do C.P.P. que constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais, a ausência do arguido nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência.» 17 - Certo é que tendo-se realizado o julgamento na ausência do arguido/recorrente - acabando por ser por ser condenado pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples - apesar de notificado e de a esta ter faltado, sendo obrigatória a sua presença, o mesmo é nulo por ter ocorrido na sua ausência sem que a Meritíssima Juiz tenha tomado as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência. 18 - Tal declaração implica a invalidade da audiência de julgamento e dos actos que dela dependem (designadamente, a sentença condenatória), devendo o mesmo tribunal proceder à respectiva repetição, nos termos do art. 122.º, n.ºs 1 e 2, do CPP. 19 - Para além destas disposições legais, violou o Tribunal a quo o artigo 32.º, n.º 1, 5 e 6 da Constituição da Republica Portuguesa e artigo 61º, n.º 1 do C.P.P. 20 - O facto do arguido/recorrente não ter sido notificado para a data designada para a leitura da sentença também constitui nulidade insanável tipificada na al. c) do art. 119º do CPP. 21- Nesse sentido, Acórdão da RELAÇÃO DE GUIMARAES, de 10-07-2014 – processo n.º 424/10.5GAPTL.G1 – in www.dgsi.pt, cujo sumário se transcreve: “ I – A leitura da sentença integra a audiência de julgamento e exige a presença do arguido. II – O tribunal tem o poder de dar início à audiência de julgamento fora da presença do arguido, mas não o isenta do dever de o notificar pessoalmente da realização de qualquer sessão de julgamento suplementar, não prevista inicialmente. III – Ocorre a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119º do CPP, se a leitura da sentença for feita em data não prevista inicialmente, sem a presença física do arguido, que não foi notificado para esse efeito.” 22 – Sem prescindir, à data dos factos (01/06/2015) o arguido/recorrente tinha 19 anos de idade, está assim abrangido pelo regime especial para jovens delinquentes, previsto no Decreto Lei 401/82 de 23 de setembro. (Institui o regime aplicável em matéria penal aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos). 23 – Acontece que a sentença recorrida revela uma omissão total de pronúncia relativamente à aplicação daquele regime legal. 24 – A douta sentença proferia é, assim, nula nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal, na parte respeitante à determinação da sanção aplicada (artigo 369º do Código de Processo Penal) pelo que deverá o tribunal recorrido, nomeadamente tendo em conta a idade do recorrente, fundamentar a aplicação (ou não) do regime penal especial de jovens adultos previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23/09, tomando em conta os factos apurados nos autos e, caso o entenda necessário, outros que repute necessário solicitar com vista a fundamentar devidamente a decisão que venha a tomar. 25 – Finalmente, é nula a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo nos termos do artigo 379º, n.º 1, alíneas a) e c) ambos do C.P.P, de acordo com o disposto nos arts. 374º, n.º 2 e 4, n.º 1 do mesmo código, pelo facto da mesma não se encontrar devidamente fundamentada de facto e de direito quanto à medida da pena aplicável ao arguido/recorrente. 26 - Imposição decorrente do disposto no art. 71º, n.º 3 do C. Penal, pois a douta sentença não indica os critérios utilizados na fixação da taxa diária da multa, nem os mesmos resultam, por qualquer forma, da matéria de facto provada, uma vez que se desconhecem as condições pessoais e situação económica do arguido (ausente durante todo o julgamento), designadamente se estuda, trabalha, trabalha, com quem vive, como se sustenta, que despesas tem, em que valor e como as provê, se tem rendimentos e a sua origem, qual o seu modo de vida, 27 - Condições sócio-económicas do arguido que o Tribunal a quo poderia e deveria ter averiguado nos termos do disposto nos artigos 340º e 370º e 371º todos do C.P.P, violando, assim, o Tribunal a quo os artigos 47º, n.º 2, 71º, n.ºs 2, al. d) e 3 do Código Penal e ainda o artigo 9º, n.º 1 do Decreto-Lei 401/82, de 23.09.» * O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães por despacho datado de 9 de fevereiro de 2017. O Ministério Público junto do Tribunal a quo e os assistentes B. G. e A. M. responderam, ambos pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida. Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral adjunto proferiu douto parecer, igualmente no sentido de que o recurso não merece provimento. * Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sem resposta. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. * II. FUNDAMENTAÇÃO Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer Cfr. artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.. * 1. Questões a decidir Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, as questões a decidir são as seguintes: . nulidades insanáveis, previstas no artigo 119.º, al. c) do Código de Processo Penal: julgamento na ausência do arguido e omissão de notificação do arguido da data designada para a leitura da sentença; . omissão da aplicação do regime especial para jovens; . nulidade da sentença por falta de fundamentação quanto à medida da pena. * 2. Factos Provados Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados, constantes da sentença recorrida: «Feito o julgamento e com relevância para a decisão da causa, resultou provada a seguinte factualidade (considerando agora apenas a factualidade inerente aos crimes imputados ao arguido A. C., face à extinção do procedimento criminal quanto aos arguidos B. G. e P. P.): 1.No dia 01.06.2015, cerca das 13h, na Avenida …, junto à entrada do prédio com o n…, em …, num contexto de discussão, arguido A. C. depois de ter subido alguns degraus das escadas de entrada do prédio, saltou e desferiu um pontapé na face de B. G., projectando-o para o chão. 2.Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, o arguido A. C. deu um pontapé na zona do tórax de A. G., tendo esta colocado as mãos sobre o peito para se proteger, atingindo-a, então, nos membros superiores. 3.Em consequência directa e necessária da actuação do arguido A. C., B. G. sofreu dores, equimose na face, escoriações na região lombar, edema e equimose no membro inferior esquerdo, lesões essas que lhe determinaram 6 dias de doença sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional. 4.Em consequência directa e necessária da actuação do arguido A. C., A. G. sofreu dores, e equimoses nos membros superiores, lesões essas que lhe determinaram 5 dias de doença sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional. 5. Ao agir do modo descrito, teve o arguido A. C. o propósito conseguido de molestar o corpo de B. G. e de A. G., causando-lhes dores e lesões da natureza das verificadas. 6. O arguido agiu livre, deliberada, e conscientemente, bem sabendo que a respectivas condutas era proibidas e penalmente punida. 7.O arguido não tem antecedentes criminais. 8.Reside e trabalha em França. 9.Em consequência da conduta do arguido, os demandantes sentiram, para além de dores, nervosismo e humilhação e sofreram perturbações no sono. Com relevância para a decisão da causa, não se provou que: 1. Que os ferimentos causados no demandante B. G. só desapareceram ao fim de uma semana. |