Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1038/07-2
Relator: CRUZ BUCHO
Descritores: LEI TUTELAR EDUCATIVA
INTERNAMENTO
LIMITE DE IDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/17/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: I – A decisão de aplicar a um menor de 13 anos à data da aplicação da medida, uma medida tutelar de internamento em centro educativo em regime fechado, viola o estatuído no artigo 17º n.º 4 alínea b) da Lei 166/99, de 14 de Outubro.
II – Com efeito, no artº 17º, nº 4, al. b) da LTE, estabelece-se como requisito de aplicação da medida de internamento, ter o menor idade superior a 14 anos à data da aplicação da medida, pelo que é irrelevante que o menor em causa completasse os 14 anos dali a 4 dias.
III – Reportando-se a fixação daquela idade, os 14 anos, a pelo menos cinco momentos distintos - data da prática dos factos; data da instauração do processo; data da aplicação da medida; data do transito em julgado da decisão que aplicou a medida e data do início da execução da medida -, o legislador perfilhou claramente o terceiro dos apontados critérios: a data da aplicação da medida.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório

No 1º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, no âmbito do Processo Tutelar Educativo n.º 194/06.1TAFLG, por acórdão de 18 de Abril de 2007, foi decidido aplicar ao menor A, com os demais sinais dos autos, a medida de internamento em centro educativo, em regime fechado, pelo período de 2 (dois) anos.
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Inconformado com tal decisão, o menor dela interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem:
«A- A douta decisão ao aplicar ao menor de 13 anos à data da aplicação da medida, uma medida tutelar de internamento em centro educativo em regime fechado pelo período de dois anos, violou o estatuído no artigo 17º n.º 4 alínea b) da Lei 166/99, de 14 de Outubro.
B- A data da aplicação da medida é o momento em que é proferida a decisão(cfr. art. 118.° da L.T.E.), e não o do trânsito em julgado ou da execução da mesma(art.129.º da L.T.E).
C- A douta decisão do tribunal misto a quo" deveria ter decidido pela aplicação ao menor de uma medida tutelar de internamento em centro educativo, mas em regime semiaberto, pelo período de dois anos, de acordo com as normas dos artigos 4.°, n.º 1 alínea i) e n.º 3 alínea b), 17.° n.º 3, 18.° n.º 1, e artigo 206º, todos da L.T.E, pelo que interpretou mal e aplicou erradamente a lei, atento ao circunstancialismo deste caso concreto. »
Termina pedindo que, na procedência do recurso se revogue a decisão na parte relativa ao regime de execução da medida de internamento aplicada em regime fechado, o qual deverá ser substituída pelo regime semi-aberto pelo período de dois anos.
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O recurso foi admitido, para o Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 226.
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O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.
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Nesta Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer pronunciando-se igualmente no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Cumprido o disposto no art. 417º, n.º2 do CPP, foram colhidos os vistos legais.
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II- Fundamentação

1. É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo:
A) Factos provados (transcrição; numeração nossa)
1) No dia 23-04-2006, pelas 11h, nas imediações do Estádio Dr. Machado de Matos, em Felgueiras, quando a I se encontrava no interior do seu veículo acompanhada da B, o menor A abordou-as e, exibindo uma pedra numa das mãos e fazendo o gesto de a arremessar contra elas, aproximou-se da janela do lado da I, e com a pedra em riste disse-lhes para lhe darem o dinheiro, se não partia os vidros do carro e batia-lhes.
2) Assustada, a I trancou a porta do carro do seu lado, mas o A dirigiu-se para o lado oposto do carro, abriu a porta do lugar ocupado por B, agarrou esta por um braço e arrastou-a para fora do carro enquanto lhes dizia num tom alto e ameaçador para lhe dar o dinheiro que tivessem e as suas carteiras.
3) Nessa altura, e por recear que A pudesse agredir ou molestar fisicamente a B, a I entregou-lhe cinco euros.
4) Na posse desse dinheiro, o A ainda lhe exigiu que entregasse a carteira.
5) Porém, como entretanto aproximaram-se outras pessoas, cuja identidade não foi possível apurar, e como a I recusava entregar-lhe a carteira, o A decidiu largar a B e abandonar o local, levando consigo os cinco euros que a I lhe entregou momentos antes.
6) O menor A agiu assim de uma forma livre, deliberada e conscientemente, com intenção de se apoderar, com recurso à violência física, do dinheiro e dos bens que pudesse retirar à I e à B, bem sabendo que esses bens não eram seus e que o fazia contra a vontade destas.
7) O A só não se apropriou de bens da B e de mais dinheiro da I, porque elas decidiram não lhe entregar e porque, ao ver outras pessoas a aproximarem-se do local, o A decidiu abandonar o mesmo.
8) No dia 5 de Janeiro de 2006, pelas 12h15m, o A, acompanhado de outros indivíduos de jovem idade, cujas identidades não foi possível apurar, dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado “X”, e enquanto os indivíduos falavam com o funcionário dessa loja, o A agarrou numa consola de jogos “Playstation2” que estava exposta para venda nesse local, no valor de 250 euros, e fugiu.
9) O menor A agiu assim de forma livre, deliberada e conscientemente, com intenção de se apropriar do referido bem, contra a vontade do seu proprietário, o que conseguiu, não obstante saber que a sua conduta era proibida e punida por lei.
10) No dia 17 de Maio de 2006, pelas 22h40m, (…), o menor A, acompanhado de outros indivíduos ainda jovens mas de identidade não apurada, deslocou-se para junto de uma viatura automóvel de matrícula HX, de marca e modelo Fiat, de cor preta, onde se encontrava a S e o seu namorado M, com a finalidade de, através de actuação violenta, apoderar-se dos bens e valores que estes trouxessem consigo.
11) De seguida, e aproveitando o factor surpresa, o A tentou abrir a porta do lado do condutor dessa viatura.
12) Uma vez que não conseguiu abrir essa porta, atirou uma pedra contra o vidro da mesma.
13) Após partir esse vidro, meteu as mãos no seu interior, abriu a porta, e retirou uma bolsa que estava entre os dois bancos da frente, da qual retirou a quantia de 50 euros em dinheiro, devolvendo depois essa bolsa.
14) Após, o menor A e os outros indivíduos atiraram pedras, de características não apuradas, contra o vidro do lado do ocupante, onde se encontrava o M, tendo então a S, com receio pela sua integridade física e da do M, atirado para junto do A dois telemóveis de sua propriedade.
15) O menor, após apoderar-se desses telemóveis abandonou o local.
16) Em consequência directa da actuação do A, com o lançamento das pedras contra o vidro do veículo, a S sofreu um corte no ombro esquerdo e necessitou de assistência médica.
17) O menor A agiu assim de forma livre, deliberada e conscientemente, com intenção de se apoderar, com recurso à violência física, do dinheiro e dos bens que pudesse retirar à S e ao M, o que conseguiu, bem sabendo que esses bens não eram seus e que o fazia contra a vontade destes.
18) No dia 09 de Junho de 2006, pelas 09h40m, no lugar de Pinhal, quando o P estava dentro do seu veículo automóvel, foi surpreendido pelo menor A e mais dois indivíduos de jovem idade, que se aproximaram dele e lhe pediram dinheiro.
19) O P recusou entregar qualquer dinheiro ao A.
20) De seguida, o A aproximou-se do P e puxou-lhe, com força, por um fio em ouro amarelo, de valor não apurado, que este trazia ao pescoço.
21) Nesse fio em ouro estava colocada uma medalha com as menções de “lembrança de padrinho”.
22) Após apoderar-se desse fio em ouro, o A e os seus dois companheiros abandonaram o local.
23) O menor A agiu assim de forma livre, deliberada e conscientemente, com intenção de se apoderar, com recurso à violência física, do dinheiro e dos bens que pudesse retirar ao P, o que conseguiu, bem sabendo que o fio em ouro que retirou do pescoço do P não era seu e também que o fazia contra a vontade deste.
24) No dia 16 de Abril de 2006, pelas 12h15m, na Rua do Curral, o A, juntamente com outro indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, após ter saído de um veículo de marca Citroen, de cor cinzenta, dirigiu-se na direcção de um outro veículo onde se encontrava o D e a sua namorada.
25) Aí chegado, munido de um objecto metálico de características não apuradas, o A procurou abrir a porta do lado do passageiro da referida viatura, mas como não conseguiu porque a mesma estava trancada.
26) Após o D arrancou com a sua viatura.
27) No dia 24 de Junho de 2006, pelas 00h10m, (…) o menor A aproximou-se do veículo automóvel onde se encontravam o J e a L, com a finalidade de, através de actos violentos e ameaças contra a integridade física destes, apoderar-se dos bens e valores que estes traziam consigo.
28) Assim, na concretização desses seus intentos, e aproveitando o factor surpresa, aproximou-se do veículo e munido de uma faca apoderou-se de dois telemóveis, um de marca Nokia e modelo N-Gage, e outro de marca Motorola e modelo V3, propriedade dos referidos ocupantes do veículo.
29) O menor A agiu assim de forma livre, deliberada e conscientemente, com intenção de se apoderar, com recurso à violência física, dos telemóveis supra identificados, o que conseguiu, bem sabendo que os mesmos não eram seus e também que o fazia contra a vontade dos seus proprietários.
30) Os telemóveis vieram, de seguida e em face da perseguição de agentes policiais que entretanto passavam pelo local, a ser recuperados e entregues aos seus donos.
31) O menor A sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
32) O menor encontra-se actualmente submetido a medida de internamento no centro educativo, em regime semi-fechado (até fazer 14 anos) e depois em regime fechado.
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B) Factualidade não provada (transcrição)

«- No dia 25 de Janeiro de 2006, pelas 16h30m, no lugar de…, o menor A, juntamente com outros indivíduos de identidade não conhecida, aproximou-se do AS e, munido de um machado, e com tom intimidatório, exigiu a este que o mesmo lhe entregasse o dinheiro que trazia consigo.
- O menor A agiu assim de forma livre, deliberada e conscientemente, com intenção de se apoderar, com recurso à violência física, do dinheiro que pudesse retirar ao AS, bem sabendo que esses bens não eram seus e que o fazia contra a vontade deste.
- No dia 16 de Abril de 2006, pelas 12h15m, na Rua do Curral, freguesia de Margaride, desta Comarca, o A, quando se aproximou do veículo onde se encontrava o B e a sua namorada, fê-lo com o propósito de surpreender e assaltar estes.
- O menor, no dia 16 de Abril de 2006, pelas 12h15m, na Rua do Curral, freguesia de Margaride, desta Comarca, o A, quando se aproximou do veículo onde se encontrava o B e a sua namorada, agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, com intenção de se apoderar, com recurso à violência física, do dinheiro e dos bens que pudesse retirar ao B e à sua namorada, o que não conseguiu por motivos alheios à sua vontade, bem sabendo que o fazia contra a vontade destes.»

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C) Convicção (transcrição)
«A convicção do Tribunal fundou-se na valoração crítica e conjugada de todos os elementos de prova produzidos em sede de audiência preliminar e de audiência, apreciados à luz das regras de experiência comum e de normalidade.
Com efeito, relativamente ao que aconteceu no dia 23-04-2006, pelas 11 horas, junto do Estádio Dr. Machado de Matos, Felgueiras, o Tribunal formou a sua convicção na conjugação dos depoimentos claros, objectivos e convincentes das testemunhas I e B, as quais, de uma forma peremptória e clara, identificaram o menor A como sendo o autor dos factos descritos no requerimento de abertura da fase jurisdicional, factos esses que confirmaram na integra.
No que diz respeito aos factos que ocorreram no dia 25 de Janeiro, pelas 16h30m, no lugar das Maceiras, junto do Pinhal da Rebela, o Tribunal, em face do depoimento das testemunhas AS e L, ajuizou que o arguido não exigiu, com o recurso à violência, qualquer dinheiro ao AS e, por isso, entendeu dar essa factualidade como não provada.
Com efeito, considerando que a testemunha L nada sabia sobre o que sucedeu com o AS, nessas circunstâncias de tempo e lugar, por um lado, e que o AS negou que o A lhe tivesse exigido, sob ameaça física, qualquer quantia em dinheiro, por outro, nada mais restava ao Tribunal do que dar essa factualidade como não provada.
No que concerne aos factos que são imputado ao menor e que dizem respeito ao dia 9 de Junho de 2006, pelas 09h40m, no lugar das Maceiras, junto do Pinhal da Rebela, o Tribunal em face do depoimento objectivo, coerente e sincero da testemunha P, deu como provado que o menor agarrou e puxou do pescoço deste um fio em ouro.
Na verdade, essa factualidade foi confirmada de um modo peremptório pela referida testemunha, a qual, além do mais, disse que foi o menor A que lhe retirou o fio de ouro que trazia ao pescoço.
Relativamente ao que sucedeu no dia 16 de Abril de 2006, pelas 12h15m, na Rua do Curral, Margaride, Felgueiras, o Tribunal [não obstante as testemunhas B e M terem referido que o A, após sair de um veículo que parou à frente do seu, aproximou-se da porta do passageiro com um objecto que se assemelhava a uma faca, mas que não souberam identificar], entendeu, em face da insuficiência de factos objectivos que permitissem ao tribunal ajuizar da verdadeira intenção o menor, dar como não provada a intenção que lhe é imputada no requerimento de abertura da fase jurisdicional.
Daí a resposta negativa a essa factualidade.
No que diz respeito ao que aconteceu no dia 24 de Junho de 2006, pelas 00h10m, o tribunal formou a sua convicção na conjugação do depoimento das testemunhas MC e RD.
Com efeito, e não obstante a testemunha MC não ter identificado o menor como sendo o autor dos factos descritos, os quais confirmou de uma forma clara e objectiva, o Tribunal, em face do depoimento do militar da GNR R, considerou que foi o menor A o autor dos mesmos, uma vez que, conforme referiu esta testemunha, imediatamente após a apropriação desses telemóveis o menor A foi perseguido por este militar da GNR, e já no acampamento dos ciganos, acabou por restituir os telemóveis que foram retirados à MC e ao seu namorado.
No que diz respeito ao factos que ocorreram no dia 17 de Maio de 2006, pelas 22h40m, nas imediações do Estádio Dr. Machado de Matos, Felgueiras, o tribunal formou a sua convicção na conjugação dos depoimentos claros, objectivos e convincentes das testemunhas SF e MA, as quais, de uma forma peremptória e clara, identificaram o menor A como sendo autor dos factos descritos no requerimento de abertura da fase jurisdicional, factos esses que confirmaram na integra.
Por fim, os factos imputados ao menor no dia 05 de Janeiro de 2006, pelas 12h15m, na loja “X”, também foram confirmados, de uma forma isenta e coerente pela testemunha H.
Com efeito, esta testemunha, cujo depoimento se nos afigurou convincente, disse que o A, aproveitando o facto dele estar a falar com os outros indivíduos que o acompanhavam, agarrou e levou consigo uma consola de jogos no valor de 250 euros.
Relativamente a estes factos importa ainda dizer que o depoimento da testemunha MG foi irrelevante para apuramento dos mesmos uma vez que não os presenciou, e tudo o que disse na audiência foi-lhe transmitido pela testemunha H.»
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2. Conforme é sabido, as conclusões do recurso delimitam o âmbito do seu conhecimento e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões pessoais de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (artigos 402º, 403º, 412º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal e, v.g., Ac. do STJ de 19-6-1996, BMJ n.º 458, pág. 98).
Neste recurso, a única questão suscitada pelo recorrente reporta-se ao regime de execução da medida de internamento em centro educativo.
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3. É o seguinte o teor do citado artigo 17º da Lei Tutelar Educativa (LTE) aprovada pela Lei n.º 166/99:
«Artigo 17.º Internamento
1 - A medida de internamento visa proporcionar ao menor, por via do afastamento temporário do seu meio habitual e da utilização de programas e métodos pedagógicos, a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juri-dicamente responsável.
2 - A medida de internamento em regime aberto, em regime semiaberto e em regime fechado é executada em centro educativo classificado com o correspondente regime de funcionamento e grau de abertura ao exterior.
3 - A medida de internamento em regime semiaberto é aplicável quando o menor tiver cometido facto qua-lificado como crime contra as pessoas a que corresponda pena máxima, abstractamente aplicável, de pri-são superior a três anos ou tiver cometido dois ou mais factos qualificados como crimes a que corres-ponda pena máxima, abstractamente aplicável, superior a três anos.
4 - A medida de internamento em regime fechado é aplicável quando se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos:
a) Ter o menor cometido facto qualificado como crime a que corresponda pena máxima, abstractamen-te aplicável, de prisão superior a cinco anos ou ter cometido dois ou mais factos contra as pessoas qua-lificados como crimes a que corresponda pena máxima, abstractamente aplicável, de prisão superior a três anos; e
b) Ter o menor idade superior a 14 anos à data da aplicação da medida. »
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3. A medida de internamento em cen-tro educativo é última e a mais gravosa das medidas tutelares educativas para a autono-mia de decisão e de condução de vida do menor.
Por isso, como bem observam Anabela Miranda Rodrigues e António Carlos Duarte Fonseca:
Está (…) reservada apenas para os casos mais problemáticos, aqueles em que se reconhece que é necessário ou mesmo indispensável um afastamento temporário do meio habitual (a residência familiar, o bairro e a vizinhança, por vezes mesmo, a própria localidade) para que não se agudize o alarme social causado pelo facto praticado pelo menor e para que este interiorize valores conformes ao direito e adquira os recursos pessoais e sociais de que carece e que hão-de permitir-lhe conduzir futu-ramente a sua vida, de modo digno e responsável, na comunidade. Tal como a medida de acompanhamento educativo, também a medida de internamento em centro educativo consiste na execução de um projecto educativo pessoal (PEP), relativamente ao qual aquele afastamento é instrumental (…). Para que sejam atingidos os referidos desideratos, é indispensável que durante a separação do ar do seu meio habitual lhe sejam efectivamente tornados acessíveis meios formativos adequados, nomeadamente programas e métodos pedagógicos preparados para resposta à especificidade da sua problemática. Estes programas devem favorecer o sentido de responsabilidade dos menores internados e encorajá-los a adoptar atitudes e a adquirir conhecimentos e capacidades que lhes permitam uma vida social e juridicam-ente responsável (…). Não tem suporte a separação pura e simples do menor do seu meio ditada apenas por razões de tranquilização e segurança da comunidade, considerada só em si mesma e desacompanhada de efectiva e apropriada intervenção educativa e formativa, tanto quanto possível -específica (…)»- Comentário da Lei Tutelar Educativa, reimp., Coimbra, 003, pág. 97,

Conforme decorre do transcrito artigo 17º, a lei prevê três regimes de execução da medida de internamento em centro educativo: aberto, semiaberto e fechado (cfr. também artigos 167º a 169º). Essa ordenação tal como a das medidas tutelares é feita no n.º3 do artigo 4º, segundo a gravidade crescente limitações da autonomia da decisão e de condução da vida do menor. “Entendeu o legislador que o grau destas restrições no regime semiaberto e no regime fechado tem de estar relacionado com a gravidade do(s) facto(s) praticado(s) pelo menor. Pelo que o disposto no n.º 3 e na alínea a) do n.º 4 deste artigo constitui como que o estabelecimento da respectiva tabela elementar de correspondência” (Anabela Rodrigues- Duarte Fonseca, Comentário da lei Tutelar Educativa, cit., pág. 98).
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4. No caso em apreço o recorrente não questiona a aplicação da medida de internamento.
Sempre se dirá que tudo ponderado, considerando nomeadamente os factos provados, os critérios legais (artigos 2º, 6º e 7º, todos da LTE), o circunstancialismo que rodeou a prática dos factos, a sua motivação, a personalidade e as condições de vida do menor, o grau de ilicitude dos factos, a gravidade das suas consequências, as necessidades de prevenção geral e especial, se nos afigura que a medida de internamento aplicada ao recorrente foi criteriosamente determinada por se revelar necessária adequada e proporcional.
Como justamente se salientou no Acórdão desta Relação de Guimarães de 15 de Maio de 2006, proc.º n.º719/05-1, relatado pelo Exmo Des. Fernando Monterroso, agora 2º adjunto, cuja doutrina é inteiramente transponível para o caso em apreço:
"A medida de internamento visa proporcionar ao menor (…) a interiorização de valores conformes ao direito e a aquisição de recursos que lhe permitam, no futuro, conduzir a sua vida de modo social e juridicamente responsável" (art. 17 n.º 1 da LTE).
É do interesse do menor interiorizar que a sociedade não admite comportamentos do género e que reage privando da liberdade as pessoas que os têm. É certo que o internamento limita a liberdade do menor, mas é adequado a permitir-lhe perceber como é custosa esta consequência. É uma aprendizagem dentro de condições bem mais humanas do que a prisão e feita num ambiente especialmente vocacionado para a ressocialização (…).
Acresce que a Lei Tutelar Educativa representa a ultrapassagem do chamado modelo de protecção, segundo o qual o menor em situação de desvio seria apenas uma pessoa carecida de protecção, legitimando-se a intervenção do Estado apenas para o educar ou reeducar. O legislador não optou pelo abaixamento do limite etário da responsabilidade, mas, com a lei actualmente em vigor, pretendeu afirmar que o menor de 16 anos já é capaz de «avaliar a ilicitude da sua conduta» e de se determinar de acordo com essa avaliação. E não deixou de ter em consideração as exigências comunitárias de segurança e de paz social, de que o Estado não pode alhear-se só porque a ofensa provém de cidadão menor - V. Exposição de Motivos da proposta de Lei 266/VII.
Na conjugação de todos estes princípios não pode deixar de ser ponderada a gravidade objectiva do comportamento (cfr. art. 1 n.º 1 da LTE). Reagir com uma simples admoestação, ou outra medida não institucional, aos factos praticados pelo recorrente, seria transmitir-lhe uma errada ideia de lassidão, que não o prepararia para a vida adulta. E poria gravemente em causa os objectivos de prevenção geral e especial também visados pela lei.» (in www. dgsi.pt).
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5. A única questão suscitada neste recurso reporta-se ao regime de execução da medida de internamento.
Recorda-se que o tribunal a quo, com o aval do Ministério Público junto do tribunal recorrido e junto desta Relação, aplicou tal medida sujeita ao regime fechado, pelo período de 2 (dois) anos.
O recorrente entende, porém, que a decisão recorrida ao aplicar uma medida tutelar de internamento em centro educativo em regime fechado pelo período de dois anos, a um menor de 13 anos à data da aplicação da medida, violou o estatuído no artigo 17º n.º 4 alínea b) da Lei 166/99, de 14 de Outubro.
Assim equacionada a questão, não pode deixar de se reconhecer razão ao recorrente.
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§1. Conforme reconhece o Exmo PGA no seu douto parecer, “na data em que foi lavrado o acórdão que aplica a medida (18/4/2007) o menor tinha 13 anos. Mas fazia 14 em 22/4/2007, isto é, 4 dias depois.”
Concorda-se com a afirmação do Exmo PGA segundo a qual “O quotidiano é fértil em múltiplas situações que o legislador, muitas vezes, não prevê.”
Simplesmente a situação está prevista na lei, não havendo qualquer lacuna que careça de integração.
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§2. Com efeito a lei é clara impondo-se até pelo carácter inequívoco da sua letra.
Recorda-se que de acordo com a alínea b) do n.º 4 do citado artigo 17º, um dos dois requisitos cumulativos da medida de internamento em regime fechado consiste precisamente em “Ter o menor idade superior a 14 anos à data da aplicação da medida.»
Colocado perante a necessidade de fixar uma idade mínima para o regime fechado o legislador optou pelos 14 anos, o que se mostra de acordo com a Regra 11, al. a) das Regras das Nações Unidas para a protecção de Jovens Provados de Liberdade [cfr. Anabela Rodrigues e Duarte Fonseca, Comentário da Lei Tutelar Educativa, cit. pág. 99, onde os autores incorrem em manifesto lapso ao referir aquela idade mínima como sendo de 15 anos; já na introdução daquela obra, a págs. 24, a Prof.ª Anabela Rodrigues refere-se a “menores de idade superior a 14 anos”].
Como se refere no n.º10 da Exposição de Motivos da Lei Tutelar Educativa, muito justamente citado na resposta do recorrente:
“É rodeada de especiais cautelas a medida de internamento, cuja aplicação em regime fechado se reserva a menores de idade superior a 14 anos que pratiquem factos que indiciem uma especial necessidade de educação para o direito. Parece correcto este limite, justificado por uma concepção gradualista sobre a capacidade do menor para compreender e participar no processo educativo”.
A fixação daquela idade, nos 14 anos não era, porém, suficiente já que aquela idade se podia reportar a pelo menos cinco momentos distintos:
· à data da prática dos factos;
· à data da instauração do processo;
· à data da aplicação da medida;
· à data do transito em julgado da decisão que aplicou a medida;
· à data do início da execução da medida
A este respeito, o legislador foi muito claro, tendo claramente perfilhado o terceiro dos apontados critérios: “Ter o menor idade superior a 14 anos à data da aplicação da medida.»
Como bem sublinha o recorrente a data da aplicação da medida é o momento em que é proferida a decisão (cfr. artigo 118º da LTE).
Pode pois concluir-se que o internamento sob regime fechado só é aplicável a maiores de 14 anos à data da imposição da medida (cfr. expressamente neste sentido, José Norberto Martins, Medidas Tutelares Educativas, sua execução e acompanhamento, in Direito Tutelar de Menores - O Sistema Em Mudança, Coimbra, 2002, pág. 179).
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§3. É evidente que a fixação de um qualquer limite etário envolve sempre uma certa margem de aleatoriedade [assim também acontece quanto à fixação da idade mínima do menor para que a prática de um facto qualificado pela lei como crime possa assumir relevância à luz da LTE (artigo 1º), quanto à idade máxima limite (21 anos) em que a execução da medida tutelar pode prolongar-se (artigo 5º), quanto à idade dos jovens (compreendida entre os 16 e os 21 anos) a quem é aplicável o regime penal especial para jovens previsto pelo Dec.-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, quanto à fixação da imputabilidade penal em 16 anos (artigo 19º do Código Penal)].
Mas esse é o eterno dilema entre a segurança e a justiça, dilema que atormentou o legislador, mas que não pode levar o intérprete, a pretexto da interpretação da norma, a desrespeitar a opção legislativa que foi efectuada.
Por isso, conforme estatui o artigo 9º do Código Civil, válido para todos os ramos do direito (cfr., v.g., Freitas do Amaral, Da necessidade de revisão dos artigos 1º a 13º do Código Civil, in Themis, ano I, n.º1-2000, págs. 9-10 e Taipa de Carvalho, Direito Penal-Parte Geral, vol.I, Porto 2003, pág. 207) na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e, por outro lado, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
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§4. Perante o que se deixou consignado no precedente §3. temos por evidente que a alegada circunstância de o menor em questão ter completado 14 anos de idade quatro dias depois de a medida lhe ter sido aplicada, é absolutamente irrelevante.
O que é decisivo é que à data da aplicação da medida, o menor tinha apenas treze anos de idade.
Por isso que nunca lhe pudesse ser aplicado o regime fechado, por a isso o proibir o disposto na alínea b) do n.º4 do artigo 17º da LTE.
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§5. Por outro lado, ainda, nada permite afirmar – como o faz o Exmo PGA – que a medida em causa é a mais adequada para a recuperação social do menor satisfação das exigências de reprovação e prevenção.
Relembra-se que, a este nível, o julgador não pode substituir-se ao legislador sob pena de clara violação do princípio da legalidade.
Com efeito, vigora neste domínio o princípio da tipicidade (ou taxatividade) como sentido de que as medidas tutelares aplicáveis devem estar previstas na lei e só podem ser aplicadas as medidas previstas na lei, não podendo ser aplicadas medidas de espécie ou em modalidade ou regime diversos dos previstos na lei - artigos 3º e 4º da LTE (sobre o significado e âmbito deste princípio cfr. Anabela Rodrigues, Comentário da Lei Tutelar Educativa, cit., págs. 64-65 ).
Se é certo que algumas medidas tutelares foram tipificadas com alguma flexibilidade quanto ao conteúdo e quanto à modalidade de execução, deixando alguma manobra ao julgador [cfr. nomeadamente as medidas de imposição de regras de conduta (art. 13º§1) e de imposição de condutas (artigo 14º§2)], o mesmo não ocorre quanto à medida de internamento em centro educativo e quanto aos seus regimes de execução.
Por outro lado, quer o critério de escolha das medidas previsto no artigo 6º da LTE, quer o de aplicação de várias medidas consagrado no artigo 8º estão, naturalmente, subordinados ao princípio da legalidade previsto no citado artigo 4º.
A solução encontrada pelo acórdão recorrido redunda na criação (jurisprudencial), de um novo regime ou modalidade de execução da medida de internamento: o regime fechado pode também ser decretado se, não obstante o menor não ter ainda atingido 14 anos à data da aplicação da medida, o mesmo se revelar “a medida mais adequada para a recuperação social do menor e satisfação das exigências de reprovação e prevenção”.
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III- Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido na parte em que decretou a medida de internamento em centro educativo, em regime fechado, pelo período de 2 (dois) anos, substituindo-a pela medida de internamento em centro educativo em regime semi-aberto, pelo período de 2 (dois) anos.
Sem custas.
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Guimarães, 17 de Setembro de 2007