Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3641/19.9T8GMR.G1
Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Descritores: ACÇÃO DE RECONHECIMENTO DE CONTRATO DE TRABALHO
FIXAÇÃO DA DATA DO INÍCIO DO CONTRATO DE TRABALHO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/01/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C

I – A celebração de contrato de trabalho que cobre apenas parte do tempo de duração da relação contratual não impede a instauração da acção especial para reconhecimento de existência de contrato de trabalho, não ocorrendo “impossibilidade/inutilidade da lide” por falta de objecto, nem nulidade processual. A sentença deve reconhecer a existência da relação laboral e também fixar a data de início dos seus efeitos (186º-O/8, CPT), sendo “meio processual adequado” a tal. Existe “interesse em agir” na instância que é oficiosa, sendo parte legítima o autor Ministério Público na prossecução de um fim público de combate à precaridade laboral e às falsas prestações de serviços, o que transcende o interesse particular daquele trabalhador em concreto.
II- É de reconhecer a existência de contrato de trabalho caso de verifiquem os indícios de laboralidade elencados na presunção legal juris tantum do artigo 12º do CT (redacção da Lei 9/2006, de 20-03) que a ré não afastou. Ao invés, tais indícios são sedimentados pela prova de significativa inserção na organização da ré como o observar de local e tempo de trabalho, disponibilização de instrumentos de trabalho pela ré, submissão da trabalhadora a regulamentos internos extremamente pormenorizados em obrigações, incluindo a necessidade de comunicar/justificar faltas/permutas a aulas e outras actividades, com sujeição a avaliação de desempenho e à aplicação de sanções em caso de incumprimento do Regulamento Interno.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

AUTOR/RECORRIDO- Ministério Público
RÉ/RECORRENTE- “Associação Empresarial de X, Y e W”.

PEDIDO - O autor Ministério Público, através de acção especial prevista nos artigos 186º-H e seg. do CPT, pediu a condenação da ré a reconhecer como sendo de trabalho o contrato celebrado a 1-09-2006 com a trabalhadora S. C..

CAUSA DE PEDIR - Alegou, em suma, que, apesar de sucessivos contratos intitulados como de prestação de serviços formador externo, esta exerceu sempre as funções, subordinadamente, como docente na Escola Profissional de X, desde 1 de Setembro de 2006, invocando factos reveladores da existência desse contrato de trabalho, que assentam, nomeadamente na circunstância dela prestar as suas funções nas instalações da R., utilizar os seus instrumentos de trabalho, ter um horário pré-definido, o controle das horas de início e termo da prestação de serviços, a obrigação de justificar as respectivas faltas, o poder disciplinar que a R. tem sobre ela e estar sujeita à avaliação de desempenho.

CONTESTAÇÃO – a ré pediu a absolvição da instância, invocando:(i)a inutilidade/impossibilidade originária da lide ou excepção dilatória inominada (porque na data da propositura da acção já vigorava um contrato de trabalho celebrado entre a ré e a trabalhadora S. C., desde 1-09-2019); (ii) a falta de interesse em agir (estando reconhecido já o contrato de trabalho não há necessidade de tutela); (iii) o meio processual inadequado (estando em causa tão somente a antiguidade deveria ter sido intentada acção comum); (iv) a ilegitimidade/incompetência do autor (derivada do facto de o contrato de trabalho já estar celebrado e o autor não poder vir discutir a questão da antiguidade); (v) a nulidade do processo (por o MP intentar a acção quando o contrato de trabalho já está reconhecido, sendo cometido acto que a lei não prevê) e, finalmente, a absolvição de todos os pedidos, reiterando a existência de meros contratos de prestação de serviços.

O autor respondeu às excepções e nulidade invocadas, defendendo a sua improcedência.
A trabalhadora em causa não apresentou articulado, nem constituiu mandatário.
No despacho saneador julgaram-se improcedentes todas as excepções e questões prévias suscitadas pela ré.

RECURSO DE DECISÃO INTERCALAR: a ré interpôs recurso dessa decisão, que foi admitido, a subir com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final e com efeito meramente devolutivo. Questões arguidas:

(I) a inutilidade/impossibilidade originária da lide ou excepção dilatória inominada (à data da propositura da acção o contrato de trabalho já estava existia e estava reconhecido);
(ii) a falta de interesse em agir (estando reconhecido já o contrato de trabalho não há necessidade de tutela; permitir a discussão da antiguidade é susceptivel de gerar uma desigualdade de tratamento com outros trabalhadores que têm de recorrer, por si, à acção comum, com violação do princípio da igualdade));
(iii) o meio processual inadequado (estando em causa tão somente a antiguidade a acção de reconhecimento de contrato de trabalho não é idónea, deveria ter sido intentada acção comum);
(iv) a ilegitimidade/incompetência do autor (derivada do facto de o contrato de trabalho já estar celebrado e o autor não poder vir discutir a questão da antiguidade, tratando-se de uma ingerência pública injustificada);
(v) a nulidade do processo (por o MP intentar a acção quando o contrato de trabalho já está reconhecido e cumprida a advertência da ACT, sendo, portanto, cometido acto que a lei não prevê)

Realizou-se julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo:

Pelo exposto, julga-se a acção procedente por provada e, em consequência, reconhece-se que a relação contratual que existe desde 1 de Setembro de 2006 entre a R. e a trabalhadora S. C. consiste num contrato de trabalho enquadrável no conceito definido no artº 12º do C. do Trabalho.
Custas pela R.
Fixo à acção o valor € 2 000,00.

A RÉ RECORREU. IMPUGNA A DECISÃO DE FACTO E DIREITO. REQUER A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA. LEVANTA AS SEGUINTES QUESTÕES (SÍNTESE/CONDENSAÇÃO):

a) Impugnação da matéria de facto dada como provada sob os pontos 11, 12, 13, 15, 17, 18, 23, que devem ser não provados e o 23 deve ter a seguinte redacção “O pagamento dessa quantia era por transferência bancária para a conta do trabalhador que este fornecia à R”.
b) Impugnação de matéria não provada e que entende que deve ser provada contida nos pontos 3, 4 e 7. A matéria relaciona-se com a inaplicabilidade à trabalhadora do regulamento interno, com o facto de o horário de trabalho ser elaborado em função da disponibilidade da trabalhadora, e com as quantias auferidas pela autora.
c) Direito- Essencialmente defende que os contratos celebrados entre a trabalhadora S. C. e a ré são verdeiros contratos de prestação de serviço e não de trabalho celebrados ao abrigo do princípio estruturante da autonomia privada, tendo sido escolhido pelas partes um contrato de prestação de serviços.
CONTRA-ALEGAÇÕES DO AUTOR MINISTÉRIO PÚBLICO: propugna pela manutenção das decisões recorridas (despacho saneador e sentença).
Os recursos foram apreciados em conferência.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1)):

RECURSO DE DECISÃO INTERCALAR PROFERIDA NO ÂMBITO DO DESPACHO SANEADOR: excepção de:

(i) impossibilidade/inutilidade originária da lide; (ii) de falta de interesse em agir ou de interesse público insuficiente; (iii) de ilegitimidade ou incompetência; (iv) de uso de meio processual inadequado; (v) nulidade do processo.

RECURSO DA DECISÃO FINAL: impugnação da matéria de facto provada e não provada; verificação da existência de contrato de trabalho/prestação de serviços.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A- FACTOS

Factos provados:
1 - A R. (Associação Empresarial de X, Y e W), MPC ………, NISS ………, com sede na Rua …, X, exerce como actividade principal organizações económicas e patronais, à qual corresponde o CAE — ….
2 - No desenvolvimento dessa sua actividade é proprietária da Escola Profissional de X, titular da autorização prévia de funcionamento no 140, emitida em 9 de Maio de 2000, pelo Ministério da Educação/Direção Regional da Educação Norte.
3 - Os locais de trabalho onde se desenvolve esta actividade são geridos pela R. e situam-se na Praça …, X, na Rua ..., X e no Pavilhão Gimnodesportivo, na Travessa ..., …, X.
4 - A R. tem como Presidente da Direção, J. C., NIF ………, residente na Travessa de S…, X.
5 - A trabalhadora S. C., foi admitida ao serviço da Ré, como docente de Português nível IV e Língua Portuguesa, embora seja docente profissionalizada de Português grupo 300, e Orientadora Educativa de Turma/Diretora de Turma (turma 16.8 do curso técnico de multimédia e diretora de curso turma 15.6 do curso operador de fotografia), para o ano lectivo de 2006/2007, por contrato celebrado entre a R. e a trabalhadora a setembro de 2006, e denominado como contrato de prestação de serviços formador externo.
6 - A R. e a trabalhadora assinaram, ao longo dos anos, e para os respetivos anos lectivos contratos denominados como prestação de serviços formador externo.
7 - Todos os contratos estipulam como fim de vigência a data de 31 de Julho dos respectivos anos 2007, 2008, 2009, 2010, 2011,2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2016, 2017, 2018 e 2019.
8 - O mês de Agosto de cada ano corresponde a um dos períodos de interrupção das actividades escolares e lectivas.
9 - Está previsto no artº 128º, nº 1, inserido na Secção VI (Calendário Escolar), do Capítulo III (Direitos e Deveres da Comunidade Escolar) do Regulamento Interno da Escola Profissional de X 2017 – 2020, aprovado pela R. que: “o ano escolar é o período compreendido entre o dia 1 de setembro de cada ano e o dia 31 de agosto seguinte“ e nos nºs 2, 3 e 5, do mesmo artº que o calendário escolar anual é definido por despacho do Ministério da Educação; que se organiza em 3 períodos lectivos, ocorrendo a avaliação sumativa no final de cada um deles e que o mês de Agosto é reservado para as férias de verão.
10 - No artº 129º do mesmo Regulamento, que tem como epígrafe “Períodos de interrupção lectiva “, consta que o ano escolar é organizado de modo que sejam cumpridas, no mínimo, 3 interrupções das actividades escolares, coincidentes com o Natal, Carnaval e a Páscoa, e uma quarta, por um período nunca inferior a 22 dias úteis seguidos, a ocorrer, em cada ano escolar, entre 1 de Agosto e 1 de Setembro.
11 - A trabalhadora desenvolveu, ao longo destes anos lectivos a sua actividade de docente/formador, na área tecnológica e na área cientifica nas instalações da R. e por si geridas, referidas no nº 3 supra, nomeadamente, nas instalações sitas na Praça … e na Rua ....
12 - Para o desempenho das suas funções a trabalhadora sempre utilizou instrumentos e equipamentos pertencentes à R., nomeadamente, mobiliário nos locais de trabalho, mesa, cadeira e quadro interativo e branco, computador, videoprojector, fotocópias, colunas canetas, softwares onde escreve os sumários e registo de ocorrências e plataforma (moodle) para interagir com os alunos, nomeadamente entrega de trabalhos e testes e fornecimento de material.
13 - A trabalhadora dava as aulas que estavam previamente estabelecidas pela R., comparecia às reuniões de trabalho e de organização para que era convocado pela R. e participava como orientadora.
14 - A trabalhadora registava as aulas dadas e os respectivos sumários e através de uma plataforma informática existente na R., na qual entra através de “login“ no programa/plataforma “eschooling”.
15 - Para cada um dos anos lectivos era a R., quem no início dos respetivos anos, definia o horário de trabalho da trabalhadora e dos restantes colegas docentes, de acordo com as disciplinas que ministravam e que afixava nas instalações e entregava à trabalhadora.
16 - A trabalhadora aprecia os desempenhos escolares dos alunos e nota-os.
17- Como directora de turma a trabalhadora regista as faltas, elabora a reposição de aulas aos alunos, mapas das faltas, atende semanalmente os encarregados de educação dos alunos, reúne com os encarregados de educação, pelo menos, 2 vezes por período escolar, procede ao registo dos sumários pedagógicos, elabora um dossiê de direção de turma, segundo índice determinado pela Diretora pedagógica e elabora todo o processo de matrícula inerente ao processo individual de cada aluno em formato de papel e digital, ocupa-se da preparação e elaboração de toda a documentação inerente às reuniões de avaliação formativa e sumativa e transmite aos encarregados de educação as informações relativas aos seus educandos.
18 - A trabalhadora está sujeita a avaliação de desempenho, cujo resultado provém da avaliação dos alunos, direcção pedagógica e direcção executiva.
19 - A trabalhadora está obrigada a comunicar em impresso próprio dirigido ao Director Executivo e justificar previamente todas as faltas referentes às aulas e reuniões.
20 - Consta do artº 209º do Regulamento Interno, que tem como epígrafe “ Não cumprimento de deveres por parte do docente/formador”-“No caso dos docentes/ formadores não cumprirem os deveres que têm para com a escola enunciados em todo o presente regulamento, ser-lhes-ão aplicadas as seguintes sanções de acordo com a gravidade da infração:
a) Rescisão do contrato de prestação de serviços, nos termos enunciados no mesmo;
b) impossibilidade de o docente/ formador celebrar novo contrato de prestação de serviços com a escola nos anos lectivos seguintes;
c) Pagamento de uma indemnização à Escola, que se traduzirá numa perda de honorários correspondentes às infrações cometidas.”
21- E, no art º 210º do mesmo Regulamento, que tem como epigrafe “ Pressuposto de aplicação das sanções do docente” está previsto que:
“1 -As medidas previstas no artigo anterior, à exceção da rescisão do contrato referida na alínea a) para que sejam aplicadas, devem ser registadas no Processo Individual do Docente/Formador pela Direção da Escola e comunicadas por esta à DGE, entidade competente para as aplicar.
2 - Antes do registo a DGE deverá ouvir o docente e sua justificação para a infração praticada, e decidir em conformidade de forma proporcional à gravidade daquela e à culpa do docente.”
22 - Como contrapartida do trabalho que prestava para a R. e dos seus corpos directivos, a trabalhadora recebia o valor de € 12,50/hora, acrescido de IVA.
23 - O pagamento dessa quantia era, em regra, mensal e por transferência bancária para conta da trabalhadora que esta fornecia à R. .
24 - A trabalhadora no ano lectivo de 2006/2007 foi contratada pela Ré para lecionar 200 horas/ano.
25 - No ano lectivo de 2007/2008 foi contratada para lecionar 60horas/ano.
26 - No ano lectivo de 2008/2009 foi contratada para lecionar 472 horas/ano.
27 - No ano lectivo de 2009/2010 foi contratada para lecionar 707 horas/ano.
28 - No ano lectivo de 2010/2011 foi contratada para lecionar 980 horas/ano.
29 - No ano lectivo de 2011/2012 foi contratada para lecionar 616 horas/ano.
30 - No ano lectivo de 2012/2013 foi contratada para lecionar 1056 horas/ano.
31 - No ano lectivo de 2013/2014 foi contratada para lecionar 956 horas/ano.
32 - No ano lectivo de 2014/2015 foi contratada para lecionar 682 horas/ano.
33 - No ano lectivo de 2015/2016 foi contratada para lecionar 1056 horas/ano.
34 - No ano lectivo de 2016/2017 foi contratada para lecionar 934 horas/ano.
35 - No ano lectivo de 2017/2018 foi contratada para lecionar 938 horas/ano.
36 - No ano lectivo de 2018/2019 foi contratada para lecionar 965 horas/ano.
37 - Após a instauração do presente processo pela Autoridade para as Condições no Trabalho a R. celebrou com a trabalhadora S. C. um contrato de trabalho em 31 de Maio de 2009 e comunicou a 7 de Junho de 2019 à Segurança Social a sua admissão como trabalhadora por conta de outrem, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2019.
38 - Foram emitidos pela trabalhadora relativamente à R., pelo menos, as facturas-recibos juntos a fls. 202v. a 257 v. (documento nº 8), cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
39 - No ano 2015/2016 o Sistema de Antecipação de Necessidades de Qualificações (Nut III- Ave) elaborou um relatório sobre a tendência de evolução da necessidade de Recursos Humanos nos termos referidos no documento junto a fls. 162 a 165, que se dão por reproduzidos.
40 - O Conselho Intermunicipal de Educação da CIM do Ave reunido em 23/2/2016, aprovou a proposta intermunicipal de cursos profissionais, incluindo da Escola da R., nos termos e para os efeitos constantes de fls. 151 v. a 161v., aqui dados por reproduzidas.
41 - No ano de 2017/2018, a Comunidade Intermunicipal do Ave, deu parecer positivo para alteração da proposta inicial de oferta formativa de Cursos Profissionais, apresentada pela R., no sentido de alterar o Curso de Técnico de Apoio Familiar e Apoio À Comunidade para o Curso de Técnico de Coordenação e Produção de Moda, nos termos documentados na comunicação de fls. 167 e 168, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
42 - No ano 2019, a propósito das autorizações de funcionamento dos cursos na Escola da R. houve as comunicações de fls. 166, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

FACTOS NÃO PROVADOS:

Com relevância para a decisão da causa não se provaram os restantes factos, nomeadamente que:

1-A trabalhadora registasse os tempos de entrada através da plataforma mencionada no nº 14 dos factos provados ou outro sistema;
2 - A trabalhadora pudesse ausentar-se e não comparecer nas instalações da R. sem sancionamento disciplinar ou outra consequência;
3 - O Regulamento interno da R. não fosse aplicável à trabalhadora;
4 - O horário da trabalhadora fosse elaborado pela R. em função das disponibilidades que a trabalhadora concedia à R.;
5- A trabalhadora nunca tenha faltado;
6- A trabalhadora tivesse autonomia na elaboração dos sumários;
7 - A trabalhadora S. C. tivesse recebido durante a pendência da relação jurídica celebrada com a R. as quantias e nas datas referidas no artº 230º da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
8 - Além da mencionada no nº 41 dos factos provados tenham ocorrido outras propostas para alteração da proposta inicial de oferta formativa de Cursos Profissionais, apresentados pela R.;
9 - A homologação dos cursos pelos órgãos de tutela dependa da adequação das instalações e equipamentos disponibilizados pela ré para a ministração dos mesmos;
10- A oferta formativa da R. dependa de prévio financiamento.

B - RECURSO SOBRE DECISÃO INTERCALAR

(i) A impossibilidade originária da lide/inutilidade;
(ii) Uso de meio processual inadequado;
(iii) Falta de interesse em agir ou de interesse público insuficiente.
(iv) ilegitimidade/” incompetência” do Ministério Público
(v) nulidade processual

As “excepções/questões prévias” centram-se no facto de, em 31-05-2019, ter sido celebrado contrato de trabalho com efeitos reportados a 1-1-2019, entre a ré e a trabalhadora S. C., ou seja, antes da propositura da acção.
Segundo a ré/recorrente, a impossibilidade originária da lide ou inutilidade derivaria da circunstância de a acção não ter objecto, por ter sido celebrado contrato de trabalho entre a ré e a trabalhadora.
O uso de meio processual inadequado derivaria do facto de estar exclusivamente em causa a antiguidade da trabalhadora, o que deveria ser aferido por ação comum.
A falta de interesse em agir ou de interesse público insuficiente derivaria do facto de o Ministério Público não ter razão válida para se substituir ao trabalhador porquanto está unicamente em causa o reconhecimento de antiguidade laboral em acção especial. A defender-se o contrário, haveria violação do principio da igualdade relativamente ao trabalhador “comum “.
A ilegitimidade ou “incompetência do autor” derivaria das mesmas razões, isto é, do facto de o Ministério Público não poder representar ou substituir-se ao trabalhar para discutir, neste tipo de acção, a questão da antiguidade. A defender-se o contrário, pôr-se-ia em causa a autonomia privada.

Vejamos:

A legitimidade é um pressuposto processual que respeita à relação entre as partes e o objecto do processo (a matéria controvertida). Para que o juiz decida é essencial que no processo estejam “as partes exactas”. Ao caso importa a posição de autor. Este deve ser o titular do direito invocado. O autor tem legitimidade se for ele quem pode fazer valer juridicamente a pretensão que em concreto invoca (2). Note-se que casos há em que a legitimidade não é aferida pela regra do interesse particular ou directo (30º CPC), mas sim pela atribuição do direito de acção a certas entidades, mormente ao Ministério Público, nos casos de defesa de interesses colectivos (31º CPC) previstos em leis diversas. A ilegitimidade, sendo uma excepção dilatória, em caso de procedência, origina absolvição da instância -577º, e), CPC.
A impossibilidade ou inutilidade da lide é uma excepção dilatória ou processual nominada que obsta que se conheça de mérito e origina a extinção da instância – 277º/e), CPC.
A mesma ocorre quando ”…a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litigio deixa de interessar - além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio.” (3) (negrito nosso).
Se o evento ocorrer na pendência da acção a impossibilidade é originária, se ocorrer após a sua instauração é superveniente.
A morte de um dos cônjuges na acção de divórcio é exemplo de impossibilidade/inutilidade da lide (4) atinente aos sujeitos. O perecimento de coisa infungível em acção de reivindicação é um exemplo de impossibilidade da lide atinente ao objecto. O acto de perfilhação em acção de investigação da paternidade, ou o divórcio por mútuo consentimento no registo civil na pendencia de acção de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge são exemplos de inutilidade da lide atinente ao objecto.

O caso concreto:
Ora, olhando para o caso facilmente se conclui que a totalidade da tutela/ objecto que se pretendia obter nem foi atingida, nem é impossível de atingir, seja do ponto de vista físico ou legal.
O objecto da acção era o reconhecimento da existência de contrato de trabalho entre a ré e a trabalhadora S. C. com efeitos a 1-09-2006. Ficou provado no ponto 37 que, após a instauração do processo pela Autoridade para as Condições no Trabalho, a ré celebrou contrato de trabalho com a trabalhadora em causa, o que fez em 31-05-2019, mas somente com efeitos a partir de 1-01-2019.
Os presentes autos respeitam à acção especial regulada nos artigos 186º-K e ss, criada em 2013, de natureza oficiosa e cujo escopo principal é o combate à precaridade social e laboral, aos denominados falsos “recibos verdes” e falsas prestações de serviço, que encapotem verdadeiras relações contratuais de natureza laboral. Subjaz-lhe um interesse de ordem pública que se repercute e informa o seu regime, incluindo do ponto de vista da legitimidade.
Assim, o autor da acção, a parte activa com legitimidade para a intentar e apresentar a petição inicial, é o Ministério Público e não o trabalhador, o qual pode, inclusive, nem intervir como parte, como aliás aconteceu nos autos – 5º-A, 1, c), 186º-K, 1, 186-L, 1, 4, CPT.
Estamos no âmbito de interesses do domínio público em que o Ministério Público tem legitimidade para a acção acima referida, conforme menção expressa e inequívoca das normas processuais laborais acima referenciadas e artigo 31º CPC, 2º, 4º, 1, h), m), da Lei 68/2019, de 27-08 (EMP).
Mais, a propositura da acção tem por base uma participação da autoridade para as condições do trabalho (ACT) subsequente a um procedimento contra-ordenacional quando, no exercício da sua actividade fiscalizadora, aquela entidade constate a existência de características de contrato de trabalho numa actividade desenvolvida e quando, não obstante a notificação, o empregador não tenha regularizado a situação mediante a apresentação de contrato de trabalho reportado à data do inicio da relação laboral – 15º-A/1/2/3, Lei 107/2009, de 14-09.
O que leva a que, o Ministério Público, após a remessa da participação e elementos de prova, num curto prazo de 20 dias proponha a acção, o que bem evidencia a intenção legislativa de desmotivação deste tipo de realidades e de rápida resolução da situação.
Finalmente, importa referir que o procedimento contraordenacional se suspende até ao trânsito em julgado da decisão desta acção - 15º/A/4, Lei 107/2009, de 14-09.
Assim sendo, volvendo à questão da excepção de “impossibilidade/inutilidade da lide”, é cristalino que o objecto ou resultado do processo “não se tornou impossível”, não se extinguiu e não foi atingido na sua plenitude. Ao invés, continua em parte por decidir e a ter plena utilidade. Porque uma parte da relação não foi reconhecida pela ré como tendo natureza laboral (desde 2006 a 31-12-2108) e na acção a sentença deve reconhecer a existência de um contrato de trabalho e fixar a data de início da relação laboral – 186º-D/8, CPT.
Acresce que o processo contraordenacional está suspenso a aguardar o resultado da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, tendo, esta acção, também efeitos de outra ordem pública e contraordenacional que não se encontram solucionados com a celebração de um contrato de trabalho que cobre apenas parcialmente a relação contratual.
Terá a acção de prosseguir e ser o tribunal a decidir se a relação laboral deve abranger todo ou parte do período que está em causa, relembrando-se que a acção, embora tutele também aquela relação particular, tem uma função e um alcance mais vasto que entronca no seu carácter de natureza pública e imperativa, não disponível pelo trabalhador.
Quanto à “legitimidade”, remetemos para o supra dito quanto ao facto desta acção ter subjacente razões de ordem pública, não disponível pelo trabalhador, e de o autor nesta acção ser o Ministério Público que apresenta a petição inicial com vista ao reconhecimento do contrato de trabalho, sendo que a sentença deve não só reconhecer – ou não – a existência de um contrato de trabalho, mas também fixar a data de início da relação laboral – 186ºK-L-O/8, CPT.
Improcedem as excepções de inutilidade/impossibilidade da lide e de ilegitimidade.

Falta de interesse em agir ou interesse público insuficiente:

Diz a ré que o Ministério Público não terá razão válida para se substituir à trabalhadora no pedido de reconhecimento de antiguidade em acção especial, por violação do princípio da igualdade relativamente ao trabalhador “comum.
O interesse em agir ou interesse processual é entendido como uma excepção dilatória inominada que impede que se conheça do mérito da causa e origina a absolvição da instância - 278º/1/e), CPC. Traduz-se na necessidade ou utilidade de recorrer aos tribunais para solucionar um conflito existente ou tutelar um interesse material que, em face de algum tipo de incerteza, careça de intervenção judicial. Se não há violação do direito de alguém, se este não é contestado, ou se não há dúvida a dissolver e direito a reconhecer, então não há interesse sério para vir a juízo. Não sendo compreensível o recurso a tribunal e sua sobrecarga inútil (5), sendo o seu conhecimento oficioso.
Ora, nesta acepção, o Ministério Público, autor nesta acção de natureza oficiosa - e não a trabalhadora, que no caso nem interveio (6)-, tem pleno interesse em agir, porquanto a solução completa do litígio continua a interessar e ainda não foi atingida por outro meio pelas razões já assinaladas e ligadas ao facto de o contrato de trabalho abranger apenas parte do período temporal objecto de litígio.
Diga-se, ainda, que inexiste a pretensa desigualdade e violação do princípio constitucional da igualdade (13º CRP) entre o trabalhador que recorre à acção comum para ver reconhecido o contrato de trabalho e esta acção especial de reconhecimento do contrato de trabalho.
As acções são distintas e visam propósitos diferente. A primeira persegue um intuito exclusivamente particular daquele trabalhador e a segunda um propósito de natureza pública. Já se assinalou que o que está em causa nesta acção é um interesse social e colectivo de combate ao emprego precário e laboralidade dissimulada. Em que, reconhecidamente, o empregador, sujeito mais forte na relação, muitas vezes dita um modelo contratual que acarreta para ele menores obrigações legais, designadamente o pagamento de subsídios de férias e de natal e o cumprimento de obrigações perante a segurança social ou a subscrição de seguro.
Sendo em representação do Estado, titular deste interesse público, que o Ministério Público age oficiosamente e não em nome de um interesse particular ou em patrocínio de um único trabalhador (7). O próprio legislador reconhece que à partida existe uma desigualdade na relação contratual entre empregador e o trabalhador a “recibos verdes”, geradora de uma diminuição na liberdade psicológica, a que o trabalhador, que desencadeia uma acção comum, já não estará sujeito, liberto dessa limitação. Por isso consagrou este figurino processual que não se confunde com a acção comum destinada a propósitos “privados”. As variáveis não são iguais, portanto a solução terá de ser diferente. O princípio constitucional da igualdade está assim respeitado, na vertente em que exige tratamento diferente para situações desiguais.
Improcede a excepção.

Alega a recorrente o uso de meio processual inadequado:

Segundo a ré o vício ocorre, porque o contrato de trabalho já foi celebrado e está exclusivamente em causa a antiguidade da trabalhadora, o que deveria ser aferido por ação comum e pela parte interessada, estando em auto também a autonomia privada e direitos particulares da trabalhadora.
Recorda-se que o “pedido de reconhecimento de antiguidade laboral” está contido dentro da tutela conferida neste tipo de acção, remetendo-se para o acima dito.
Sempre se dirá que, caso ocorresse um “engano” na escolha da acção, então haveria erro na forma de processo.
Na verdade, fora deste campo (de erro na forma do processo) o ” uso do meio mais adequado”, entenda-se a espécie de acção correcta, não parece ter no nosso direito acolhimento (8). O que decorre, por exemplo, do tratamento dado aos casos em que a parte recorre desnecessariamente à acção de condenação apesar de dispor de título executivo ou do pedido de condenação, no futuro, de obrigação vincenda não contestada, acções que são admissíveis, originando apenas o recair das custas sobre o autor – 535 e 610 CPC .
Improcede a excepção.

Nulidade processual

Decorreria do facto de o MP intentar a acção quando o contrato de trabalho já está reconhecido, sendo cometido acto que a lei não prevê.
A nulidade processual é um vício formal que decorre da prática de um acto que a lei não admita ou da omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva- 195º CPC

Ora, como se refere na decisão recorrida:

A Lei nº 63/2013, criou dois mecanismos de natureza diversa, mas consecutivos:

a) Um que se desenrola numa fase administrativa- Procedimento Administrativo próprio para utilização pela Autoridade das Condições de Trabalho (ACT), quando esta considere estar na presença prestação de uma actividade com características de contrato de trabalho, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (regulado no artigo 15.º-A do Regime Processual aplicável às Contraordenações Laborais, constante da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro);
B) Outro, que consistiu na instituição de um novo tipo de Processo Judicial com natureza urgente, denominado Acção de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho, (regulado nos Artigos 186º-K a 186º.S do Código do Processo de Trabalho).
O citado artº 15º A, aditado por esta lei, com as alterações já introduzidas pela Lei nº 55/17, à Lei nº 107/2009, de 14/09 (regime das contra-ordenações laborais), consagra o procedimento a adoptar em caso de utilização de contrato de trabalho não declarado….:
«1 - Caso o inspetor do trabalho verifique, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente.
2 - O procedimento é imediatamente arquivado no caso em que o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral.(sublinhado nosso).
3 - Findo o prazo referido no n.º 1 sem que a situação do trabalhador em causa se mostre devidamente regularizada, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho».

Resulta, assim, da citada disposição legal que quando a empregadora, na sequência da notificação que lhe foi efectuada pela ACT nos termos do citado artº 15º A. nº 1, parte final, não proceder à regularização, a ACT remete, no prazo de 5 (cinco) dias a participação ao MP, junto do tribunal do lugar da prestação da actividade, acompanhado de todos os elementos de prova recolhidos, tendo em vista a propositura da respectiva acção de simples apreciação (al. a) do nº3 do artº 10ºdo C. P. Civil), uma vez que se destina a reconhecer a existência de um contrato de trabalho desde a data do seu início (como resulta nomeadamente do citado nº 2 parte final do citado artº 15A e do no nº 8 do artº 186º O, do C. P. Trabalho).
Como se escreveu no Ac. do STJ, de 21/03/2018, disponível in www.dgsi.pt “ A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma ação de cariz publicista que resulta da atividade da Autoridade para as Condições do Trabalho, com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 8 do art.º 186.º-O do Código de Processo do Trabalho.”

Concluindo-se, assim e com o que se concorda, que não se verifica a invocada nulidade, porque não houve regularização da situação na ACT, sendo celebrado contrato de trabalho apenas com efeitos a 1-01-2019, ao passo que foi formulado pedido de reconhecimento de relação laboral mais abrangentes a partir de 1-09-2006, em data muito anterior à extrajudicialmente reconhecida. Donde não foi praticado acto proibido, ao invés cumpriu-se o determinado na lei.
Improcede a nulidade.

C - RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

O tribunal superior deve modificar a decisão sobre a matéria de facto se os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente – art. 662º, CPC. A utilização do verbo “impor” confere um especial grau de exigência imposto à segunda instância que deve, assim, ser cautelosa na modificação da decisão de facto, em especial porque lhe falta a imediação.
Recorde-se também que o tribunal da relação é uma instância de recurso que conhece em moldes mais restritos sobre a matéria de facto, a qual já foi sujeita a um primeiro crivo. A reapreciação de prova não equivale a novo julgamento, devendo a modificação, com referência à matéria impugnada, circunscrever-se aos casos de segura desarmonia entre a prova disponível e a decisão tomada. Ou seja, o julgador do tribunal superior tem de estar bem seguro de que a prova foi mal apreciada e, só nessa circunstância, a deve modificar (9).
Por sua vez, o tribunal a quo, sendo livre na apreciação da prova e subsequente fixação da matéria de facto, a efectuar segundo a sua prudente convicção (10), tem o dever de explicar na fundamentação da matéria de facto qual o fio condutor lógico de raciocínio crítico que ditou aquela materialidade fáctica. Alcançando-se por essa via as razões de ciência, de lógica e as regras de experiência de vida que lhe estiveram subjacentes.

No caso concreto:

A recorrente impugna a matéria de facto dada como provada sob os pontos acima já transcritos e identificados sob os nºs 11 (local de trabalho), 12 (equipamentos de trabalho), 13 (dar aulas pré-estabelecidas e comparência a reuniões de trabalho para que era convocada), 15 (horário de trabalho), 17 (actividade desenvolvida enquanto directora de turma), 18 (sujeição a avaliação de desempenho), 23 (pagamento em regra mensal). Os quais no seu entender devem ser não provados e o 23 deve ter a seguinte redacção “O pagamento dessa quantia era por transferência bancária para a conta do trabalhador que este fornecia à R”.

Pretende ainda que os seguintes pontos não provados sejam provados:

3 - O Regulamento interno da R. não fosse aplicável à trabalhadora;
4 - O horário da trabalhadora fosse elaborado pela R. em função das disponibilidades que a trabalhadora concedia à R.;
7 - A trabalhadora S. C. tivesse recebido durante a pendência da relação jurídica celebrada com a R. as quantias e nas datas referidas no artº 230º da contestação, que aqui se dá por integralmente reproduzido; “

Alega que não foram valorados os depoimentos das testemunhas arroladas pela recorrente (N. M. e L. F.), as únicas que têm conhecimento directo dos factos. Diz que os inspectores da ACT não presenciaram directamente os factos e que o auto de contraordenação não tem valor probatório absoluto. Mais alega que o contrato de prestação de serviços não pode ser alvo de interpretação contraditória, dado que em alguns factos a julgadora socorre-se do mesmo e noutros afasta-o. Diz que o contrato não é um meio, mas sim o objecto de prova.
O essencial desta impugnação centra-se em ter sido dado como provado que a trabalhadora docente desenvolvia a actividade nas instalações da ré, que utilizava todo o equipamento/instrumentos da ré, que o horário era fixado unilateralmente pela ré, que a autora desenvolvesse toda a actividade inerente ao facto de ser directora de turma nos termos dados como provados, que estivesse sujeita a avaliação de desempenho, que fosse paga em regra com regularidade mensal.
Lida a motivação da sentença, para a qual remetemos, constatamos que na mesma se encontra a linha de raciocínio essencial que foi seguida, estando exposta a motivação em que se baseia a prova. Assim, indicou-se os meios de prova: acordo de partes nos articulados, documentos (contratos de “prestação de serviço”, regulamento interno, caderneta informativa do docente, documentos de justificação das faltas/permuta,) e depoimentos de testemunhas. Salientou-se os documentos mais valorados, como os constantes na participação da ACT, documentos anexos, que foram corroborados pelos inspetores da ACT, ouvidos em audiência F. A. e A. F., tecendo-se considerações justificativas sobre o modo como depuseram e porque motivo merecerem credibilidade.
Invoca a recorrente o depoimento de testemunha que apelida de “presenciais”. Em primeiro lugar, diga-se que L. F., director geral da ré, pese embora tenha sido testemunha noutros processos em que esteve em causa a mesma temática, nos presentes autos não foi ouvido.
Assim, a única prova que invoca para abalar a matéria provada é o testemunho de N. M., directora pedagógica da ré.
Ora, quanto aos aspectos impugnados, na verdade esta testemunha confirmou que: pese embora auscultasse os trabalhadores, o horário de trabalho era feito pela própria e pela sua equipa, que era efectuado um horário que a trabalhadora tinha de cumprir (também constante da al. i, m), art. 1º dos contratos celebrados, e dos anteriores modelos), que a trabalhadora tinha de comunicar as faltas à Directora pedagógica, que tinha de preencher um papel (doc. 8) para a directora técnica pondo a data e motivo da falta, que necessitava de comunicar as permutas, que tinha de comparecer a reuniões, que a trabalhadora dava aulas nas instalações da ré e em salas equipadas pela ré com computadores, mesas, quadros e outros equipamentos fornecido pela ré. Em suma, o depoimento desta testemunha não infirma a matéria provada.
Esta testemunha em rigor apenas divergiu das demais no que se refere à aplicação do Regulamento interno, começando por admitir que o regulamento está na plataforma e é aplicado ao pessoal docente, mas acabando, na contra instância, por excluir a trabalhadora S. C. sob o pretexto de que esta não era “docente formadora interna”, afirmando ser uma “gralha” do Regulamento. Ora, como se refere na sentença, tal explicação não tem o mínimo de plausibilidade, dado que a esmagadora maioria de pessoal docente eram os prestadores de serviços (13, havendo apenas 3 docentes com contrato de trabalho), para além do teor dos contratos de prestação de serviços e do regulamento desdizer tal conclusão.
Ademais, os inspectores da ACT, F. A. e A. F., que se deslocaram à empresa por diversas vezes, e falaram com elementos da ré e com diversos trabalhadores, confirmaram em audiência de julgamento o conteúdo do auto junto com a participação (a prova advém dos depoimentos, sendo o auto um documento auxiliar sujeito a livre apreciação), sendo traçado um quadro em que a trabalhadora prestava serviço nas instalações da ré, usando o equipamento das salas de aulas, estando inserido na estrutura organizativa da ré, sujeita a orientações, regulamento interno, podendo fazer outras actividades para além do estrito horário lectivo, com comparecer a reuniões, obrigações aliás constantes nos contratos. Os depoimentos não são indirectos (ainda que o fossem, sempre seria permitido, sendo os aspectos referidos constatados in locu, designadamente quanto ao local de trabalho e equipamentos disponibilizados.
De resto, há que atentar na abundante prova documental, emanada da própria ré.

Assim, por ex., considerando a última minuta dos contratos denominados “de prestações de serviços”, clª primeira, neles consta que compete ao trabalhador:

a) Fazer cumprir as normas emanadas pelos órgãos de direcção da escola, corresponsabilizando-se com estes pelo bom funcionamento e imagem interna/externa da escola e da respectiva entidade proprietária;
b) Colaborar com a direcção técnico-pedagógica da escola na elaboração de programas e orientações metadológicas, sempre que para tal for solicitado;
c) Leccionar os conteúdos programáticos da (s) respectiva (s) disciplina, segundo os programas e orientações metodológicas aprovados;
d) Assegurar a implementação do sistema de estrutura modelar;
e) Proceder a registo sumário das actividades lectivas e não lectivas, assim como a de todo o processo de acompanhamento e assiduidade do aluno;
f) Reunir sempre que necessário com o conselho de turma, Orientador Educativo de Turma/Director de Turma e com o Director de Curso;
g) Propor a aquisição de bibliografia, material e equipamento didáctico indispensável oi conveniente para a lecionação da disciplina respectiva;
f) Assegurar o acompanhamento dos projectos pessoais (PAP) a elaborar pelos alunos do 3º ano, corresponsabilizando-se com os Orientadores dos Projectos;
i) Desenvolver o seu trabalho nesta Escola de acordo com o horário atribuído pela Direcção, o qual poderá ser alterado pela Entidade Proprietária, sempre que necessário;
j) Disponibilizar-se, na medida das suas possibilidades, para substituir outro docente que tenha anunciado a sua intenção de faltar, leccionando a sua própria disciplina;
k) Comunicar ao Orientador Educativo de Turma/Director de Turma qualquer problema do foro disciplinar, ou outro que seja do seu conhecimento, relativamente a qualquer aluno. Deverá faze-lo por escrito, sempre que se trate de assunto disciplinar;
l) Propor aos Directores de Curso, alterações aos conteúdos e metodologias de cada disciplina;
m) Justificar, junto da primeira outorgante, todas as faltas referentes às aulas e reuniões, utilizando para tal o impresso próprio para o efeito disponível nos serviços administrativos.

A obrigação constante na alínea a) “Fazer cumprir as normas emanadas pelos órgãos de direcção da escola…” remete-nos para o Regulamento Interno (documento nº 6 junto com a participação da ACT) onde consta na sua introdução:
“O presente Regulamento Interno tem como principal objectivo: Definir a regulação da organização e funcionamento da Escola, nomeadamente, no estabelecimento de regras e normas que marcam a convivência entre os diferentes actores da acção educativa e estabelecem a estrutura organizacional da comunidade escolar.
A Direcção Geral da Escola, em 6 de novembro de 2017, promulga as disposições contidas neste documento e reafirma que compete a todos os Colaboradores, a todos os níveis, o cumprimento das determinações que dele constam. (negrito da nossa autoria).
O regulamento é uma peça extensa para a qual remetemos. Salientando-se que, do seu próprio conteúdo, resulta que é inequivocamente aplicado aos docentes/formadores, ainda que formalmente vinculados por contratos denominados de prestação de serviço. Disso é comprovativo, por exemplo a clª 190º onde se refere que a atribuição a um docente/formador de um cargo de orientador educativo de turma é formalizada através de assinatura de anexo ao contrato de prestação de serviços, também anual, que vincula o docente à Escola. E ainda da clª 209º, onde, ao se estipular sanções para o incumprimento dos deveres regulamentares, se alude à possibilidade de rescisão do contrato de prestação de serviços (sic). Diga-se que da sua globalidade resulta que o mesmo se dirige também aos docentes/formadores, peças pivôs na comunidade escolar e na organização da ré.
Ademais, o regulamento tem um anexo que é o organigrama onde está previsto precisamente o corpo docente, na “árvore” Direcção Técnico-Pedagógica. A ré tinha 13 docentes/formadores em “contrato de prestação de serviços” e apenas 3 docentes com vínculo efectivo, pelo que, como referimos, também por aqui, faria pouco sentido que tal documento regulativo, incluindo das actividades lectivas, não se destinasse ao universo maior de docentes/formadores.
Igualmente consta nos autos junto com a participação da ACT a Caderneta Informativa do Docente Formador (doc. Nº 7), com um ponto nº 5 totalmente dedicado aos normativos dirigidos ao docente/formador. Destacamos o ponto 5.3 referente aos deveres do docente, incluindo o dever de assiduidade e pontualidade no cumprimento dos horários (al a), de conhecimento dos regulamento (al. d), da necessidade de estar presente em todas as reuniões, provas e exames para que seja convocado (al. e), de não entrar na aula 10m depois no caso do inicio do 1º bloco da manha/tarde e após 5m nos restantes casos (al. k), do dever de colaboração com várias entidades (al.s f, h e i, com directores de turma, orientadores, directores de curso…), de cuidar do equipamento e materiais (al. r), da disponibilidade para uma actuação permanente extra fora da sala de aulas (al. v), só para citar alguns exemplos. Veja-se ainda o ponto 5.5 quanto a regras a observar em caso de falta/ substituições e justificação a fazer em 48h, associado ao documento nº 8 junto com a participação da ACT, destinado a justificar faltas.
Note-se que também outras minutas de contratos denominadas de prestação de serviços estipulam que o local de trabalho é na sede da ré e que o horário é fixado pela ré (cla. III) e, de resto, com as diferenças de carga horária que poderiam variar ao longo dos anos, ficou provado que o modo de prestação da actividae foi sempre idêntico.
Em suma, da conjugação de toda a documentação emitida pela própria ré resulta que a trabalhadora estava sujeita a regras e normas organizativas internas plasmadas no contrato, no regulamento e caderneta informativa do docente.
Ao contrário, do referido pela recorrente, os documentos em causa, incluindo o “contrato de prestação de serviços”, integra material probatório (prova documental) e o objecto da prova é a caracterização da relação contratada e estabelecida. O contrato serve de meio de prova na parte em que estabelece obrigações entre as partes. Mas já não é útil nas partes meramente conclusivas que não podem subtrair ao tribunal o seu poder de interpretação, até porque a sua elaboração (minuta) é actividade só de uma parte, a ora ré.
Razão pela qual, face à prova documental e testemunhal (inspectores da ACT), o depoimento da directora pedagógica, N. M., na parte em que pretendeu que o Regulamento Interno não lhe era aplicável, foi desvalorizado pelas razões supra enunciadas, mormente face ao teor da documentação que confirma o contrário.

Ainda em especial:
-quanto ao horário de trabalho da clausula 1ª, al. i) do “contrato de prestação de serviços” resulta que o horário era atribuído pela direcção e que esta o poderia alterar sempre que necessário, o mesmo resultando dos anteriores contratos. No Regulamento Interno, artigo 104º/4, al. b, consta que o docente deve ser assíduo e pontual no cumprimento dos horários. O mesmo consta na Caderneta Informativa do Docente, no ponto 5º/3 Deveres dos Professores”, alínea a). Nos contratos com diferente minuta resulta o mesmo;
- quanto ao equipamento usado, no auto de declaração, também no documento 3 junto com a participação, consta o rol do material e equipamento utilizado, o qual foi corroborado pelos inspectores da ACT. De resto, a directora pedagógica, em audiência de julgamento confirmou que o trabalhador tinha à sua disposição e utilizava os equipamentos e material da escola;
- quanto ao pagamento dos serviços prestados releva a cláusula dos contratos donde resulta que o pagamento era calculado à hora, sendo transferido o seu valor até ao final do mês subsequente mediante a apresentação de documento dos serviços prestados pelo trabalhador, regularidade mensal que foi confirmada pelo inspector F. A. conforme dados que na altura das vistas inspectivas recolheu, e constante no auto de declarações. Não se mostram juntos cópias das alegadas transferências bancárias, mas apenas algumas facturas recibo que já constam dos factos provados, pese embora o que esteja em causa não seja o modo de pagamento, mas o facto de este assumir pagamento regular, no caso mensal;
- quanto ao facto de a autora ter desempenhado funções de directora de turma/orientadora educativa e respectivas funções atente-se nos contratos juntos com a participação da ACT denominados “contratos de prestação de serviços, orientadora educativo de turma/director de turma”, e nas respetivas cláusulas, mormente a 1ª donde constam as respectivas obrigações, de resto constantes no doc. 3, declarações da trabalhadora, confirmadas em audiência pelos dois senhores inspectores ouvidos;
- quanto a sujeição a processo de avaliação ver cla. 104 do Regulamento.
Do exposto resulta que a matéria provada foi corretamente apreciada e, igualmente o foi a não provada que se relacionava com a não aplicação do regulamento, horário de trabalho e ausência de pagamento de regularidade mensal.
É de manter toda a matéria de facto.

E – ENQUADRAMENTO JURÍDICO/DIREITO

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes (11), e decididas as excepções processuais e as questões de facto, a única questão de direito a analisar é a de saber se estamos perante um contrato de trabalho ou de prestação de serviços.
Tendo sido julgada improcedente o recurso sobre a matéria de facto, a argumentação da ré perdeu autoridade, mormente na estipulação do horário de trabalho pela ré, na prestação da actividade em local da ré, na regularidade do pagamento e, sobretudo, na alegada não submissão do trabalhador ao regulamento interno e a orientações internas.
Na sentença recorrida, após correcto enquadramento da definição de contrato de trabalho e de distinção de figuras afins para o qual se remete, considerou-se que se verificam indícios de laboralidade que fazem funcionar a presunção legal e que a ré não a infirmou, ao invés, a prova sedimenta a convicção sobre a existência de um contrato de trabalho

Afirmando, entre o mais, com particular relevo para o recurso:

Aplicando as considerações supra expostas ao caso concreto concluímos que se verificam os vários indícios de subordinação jurídica. Na verdade, as funções da trabalhadora S. C. são exercidas no local propriedade do beneficiário do trabalho/R., no exercício dessas funções utilizava o equipamento e os instrumentos de trabalho disponibilizados pela R. e a esta pertencentes, regista as aulas dadas com os respectivos sumários através da plataforma existente na R., na qual entra através de “login” no programa/plataforma “eschooling”, dá as aulas que estavam previamente estabelecidas pela R., de acordo com horário por esta previamente definido, comparece às reuniões de trabalho e de organização para que era convocado pela R. e participa como orientadora. E, como directora de turma a trabalhadora regista as faltas, elabora a reposição de aulas aos alunos, mapas das faltas, atende semanalmente os encarregados de educação dos alunos, reúne com os encarregados de educação, pelo menos, 2 vezes por período escolar, procede ao registo dos sumários pedagógicos, elabora um dossiê de direção de turma, segundo índice determinado pela Diretora pedagógica e elabora todo o processo de matrícula inerente ao processo individual de cada aluno em formato de papel e digital, ocupa-se da preparação e elaboração de toda a documentação inerente às reuniões de avaliação formativa e sumativa e transmite aos encarregados de educação as informações relativas aos seus educandos.
Provou-se ainda que a mesma trabalhadora tinha de observar os deveres de assiduidade e pontualidade no cumprimento dos horários, as regras impostas pela R. relativas a faltas e substituições, designadamente tinha de justificar as faltas em impresso próprio.
Por seu turno, resultou provado que a mesma trabalhadora recebia um valor por hora, cujo cálculo era feito em função das aulas dadas e cujo pagamento era, em regra, mensal e subsequente à prestação das horas registadas, sendo efectuado após a emissão do respectivo recibo verde.
Também o tempo que perdurou a prestação desta actividade – 13 anos lectivos- o vínculo entre a referida trabalhadora e a R. iniciou-se em Setembro de 2006- denotam inquestionavelmente uma vinculação laboral permanente.
Podemos assim afirmar que a factualidade apurada é suficiente para o preenchimento da presunção, já que se logrou provar que a referida trabalhadora estava inserida na estrutura organizativa do beneficiário da actividade, exercendo a sua actividade de docente/formador durante 13 anos lectivos consecutivos, mediante ordens e orientações da R., que detinha o poder de fiscalização, quer porque procedia a avaliação do seu desempenho quer porque em caso de violação das normas regulamentares que estava obrigada a observar lhe podia aplicar as sanções que constam do seu regulamento interno, entre as quais destacamos com sendo a mais gravosa a da cessação imediata do contrato celebrado ( cfr. artº 209º, nº 1 al. a) ).
Está assim verificada a presunção legal da existência do contrato de trabalho, sendo certo que a R. não a afastou, designadamente porque não logrou desde logo provar, como lhe competia, que estivéssemos perante a prestação de uma actividade em que a trabalhadora desenvolvesse o seu trabalho com plena autonomia e que apenas estava obrigada a entregar ao beneficiário/R. determinado resultado.
Por outro lado, entendemos que, as circunstâncias invocadas pela R. na contestação (e que apenas logrou provar algumas) carecem, perante a força dos demais indícios apurados, de valor para infirmar a indicada presunção e para fundamentarem a qualificação do contrato como prestação de serviços. Na verdade, afigura-se-nos irrelevante para afastar a subordinação jurídica, o facto da trabalhadora não registar as suas entradas, uma vez que tal circunstância era transversal a todos os docentes da R., mesmo aqueles que estavam vinculados com contrato individual de trabalho, …..
Por seu turno, a carga horária exercida pela trabalhadora - no ano letivo de 2006/2007 foi contratada pela Ré para lecionar 200 horas/ano, no ano letivo de 2007/2008 foi contratada para lecionar 60horas/ano, no ano letivo de 2008/2009 foi contratada para lecionar 472 horas/ano, ano letivo de 2009/2010 foi contratada para lecionar 707 horas/ano, no ano letivo de 2010/2011 foi contratada para lecionar 980 horas/ano, no ano letivo de 2011/2012 foi contratada para lecionar 616 horas/ano, no ano letivo de 2012/2013 foi contratada para lecionar 1056 horas/ano, no ano letivo de 2013/2014 foi contratada para lecionar 956 horas/ano, no ano letivo de 2014/2015 foi contratada para lecionar 682 horas/ano, no ano letivo de 2015/2016 foi contratada para lecionar 1056 horas/ano, no ano letivo de 2016/2017 foi contratada para lecionar 934 horas/ano, no ano letivo de 2017/2018 foi contratada para lecionar 938 horas/ano, no ano letivo de 2018/2019 foi contratada para lecionar 965 horas/ano - impõe necessariamente uma dedicação de exclusividade para com a mesma.
Deste modo de todo o condicionalismo factual apurado, podem descortinar-se, com bastante clareza, indícios de que a actividade que a trabalhadora desenvolvia em benefício da R. era prestada de forma juridicamente subordinada (neste sentido entre outros Ac. da Relação de Guimarães, de 21/05/2020 Processo nº 3617/19.8T8GMR.G1 de 21/05/2020 Processo nº 3814/19.4 T8GMR.G1 e 07/05/2020 Processo nº 3644/19.4T8GMR.G1).
Nestes termos consideramos que o vínculo que existe desde 1 de Setembro de 2006 entre a trabalhadora S. C. e a R. consiste num verdadeiro contrato de trabalho enquadrável no conceito definido no artº 12º do C. do Trabalho.

Concordamos com a apreciação feita.
Dada a sucessão de leis laborais que se verificaram ao longo da relação contratual, há que atender à lei vigente na data da constituição do vínculo laboral (12), porquanto se mantiveram estáveis os termos essenciais da relação contratual estabelecida, que no caso remonta a Setembro de 2006.
Segundo o art. 10º do CT:/03, o contrato de trabalho:” …é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas.”
E, segundo o art. 12º do CT (redacção dada pela Lei 9/2006, de 20-03 (13):“ Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição.”
Dele se distingue o contrato de prestação de serviços, que é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar a outra certo resultado do seu trabalho, intelectual ou manual, com ou sem retribuição – 1154º do CC.
O objecto do contrato de trabalho é, em primeiro lugar, uma actividade. O objecto do trabalho autónomo é, ao invés, o resultado dessa actividade, sendo o prestador livre na organização e escolha dos meios para o atingir.
O traço característico do contrato de trabalho é a subordinação jurídica que é uma relação de dependência da conduta do trabalhador face do empregador, o qual pode, assim, conformar ou delimitar a execução do contrato. Está, contudo, definitivamente ultrapassada a ideia da subordinação associada à emissão de ordens claras, directas e sistemáticas, dada a crescente autonomia técnica dos trabalhadores e actuais formas de organização e de interacção laboral. O traço decisivo é o chamado elemento organizatório, opção aliás espelhada já na revisão de 2006 do CT/03 e mantida na actual redacção do CT/09 que utilizam, respectivamente, as expressões “estrutura organizativa” (12º CT/03) e no âmbito de organização” (11º do CT/09).
Donde, o fulcro da subordinação consistirá no facto de o prestador não trabalhar segundo a sua própria organização, mas sim inserido numa ciclo produtivo de trabalho alheio e em proveito de outrem, estando adstrito a observar os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário (14).
A doutrina e jurisprudência ao longo do tempo utilizaram o método indiciário para inferir a existência de contrato de trabalho, elencando indicadores de laboralidade, tais como a realização da actividade em local de trabalho determinado pelo beneficiário, a observância de horário de trabalho, a emissão de indicações/ordens, a periodicidade de pagamento de uma retribuição, o fornecimento de instrumentos de trabalho, etc….
Sabe-se que, com vista à qualificação do contrato de trabalho, com base nos indícios de subordinação jurídica, o CT/03 introduziu uma presunção da existência de contrato de trabalho, pretensamente com a utilidade de inverter a regra do ónus da prova (350º CC). Assim, verificando-se certos indícios, presumia-se a existência do contrato de trabalho, cabendo ao empregador ilidir a presunção. A formulação da presunção foi sofrendo sucessivas modificações, desde a inicial muito criticada pelo seu excessivo rigor (exigia-se a prova de todos os indícios o que se confundia com a prova do vínculo típico de trabalho, não se vendo utilidade na presunção) até à actual formulação mais facilitadora que se basta com a verificação de algumas das cinco características elencadas na lei (CT/09).
Na versão do código de trabalho aplicável aos autos (CT/03, formulação da Lei 9/2006, de 20-03), acima transcrita, simplificaram-se os indícios de laboralidade, mas, na verdade, a presunção continuou a padecer do defeito de ter pouca utilidade ao coincidir com os elementos essenciais da definição do contrato de trabalho (o que somente foi ultrapassado com a actual legislação) (15).
No caso dos autos haverá, então, que recorrer aos indícios legais (vigente à data do início da relação) elencados como base de presunção de laboralidade: 1) a dependência e inserção na estrutura organizativa do empregador; 2) a existência de ordens, direcção e fiscalização 3) a retribuição.
Ora, provou-se abundantemente a dependência e inserção da autora na organização da ré.
Disso é exemplo o facto de a actividade ser realizada em local pertencente ou determinado pela ré, o facto de os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencerem ao beneficiário da actividade, o facto de a trabalhadora observar horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma. Durante cerca de 13 anos lectivos a trabalhadora desempenhou a actividade de docência/formação e de orientadora/directora de turma em instalações pertencentes à ré (escolas) e usando todo o material que aquela fornecia, desde equipamento mobiliário nos locais de trabalho (mesa, cadeira e quadro), até outros equipamento como computador, videoprojector, fotocópias, colunas, canetas, programas informáticos(e-schooling).
O horário de trabalho é também comprovativo de dependência e da inserção. A trabalhador observava um horário de trabalho, no sentido de que tinha de exercer a actividade durante um certo período temporal definido pela ré, não sendo livre de a prestar quando e como entendesse, estando sujeito a uma série de obrigações. Mais, tinha de manter disponibilidade para outras actividades, incluindo reuniões para as quais era convocada.
A trabalhadora tinha de comunicar e justificar as faltas, bem como eventuais permutas que realizasse com outros colegas, o que evidencia inserção e submissão à organização ditada pela ré. Esta obrigação de comunicação/justificação de ausência estendia-a, não só às aulas a dar, mas a reuniões extra-horário e actividades. O que resulta à saciedade da cláusula 1ª do contrato, onde consta que compete ao trabalhador: a) Fazer cumprir as normas emanadas pelos órgãos de direcção da escola, ….f) Reunir sempre que necessário com o conselho de turma, Orientador Educativo de Turma/Director de Turma e com o Director de Curso; i) Desenvolver o seu trabalho nesta Escola de acordo com o horário atribuído pela Direcção, o qual poderá ser alterado pela Entidade Proprietária, sempre que necessário; j) Disponibilizar-se, na medida das suas possibilidades, para substituir outro docente que tenha anunciado a sua intenção de faltar, leccionando a sua própria disciplina;m) Justificar, junto da primeira outorgante, todas as faltas referentes às aulas e reuniões, utilizando para tal o impresso próprio para o efeito disponível nos serviços administrativos.
A vinculação a horário está igualmente bem patente na Caderneta Informativa do Docente Formador (doc. nº 7 junto com a participação da ACT), no ponto 5.3 referente aos deveres do docente, onde se refere o dever de assiduidade e pontualidade no cumprimento dos horários (al. d), da necessidade de estar presente em todas as reuniões, provas e exames para que seja convocado (al. e), de não entrar na aula 10m depois no caso do inicio do 1º bloco da manha/tarde e após 5m nos restantes casos (al. k), do dever de colaboração com várias entidades (al.s f, h e i, com directores de turma, orientadores, directores de curso…), de disponibilidade para uma actuação permanente extra fora da sala de aulas (al. v). Veja-se ainda o ponto 5.5 quanto a regras a observar em caso de falta/ substituições e justificação a fazer em 48h, associado ao documento nº 8 junto com a participação da ACT, destinado a justificar faltas.
Finalmente, no Regulamento Interno, artigo 104º/4, al. b, consta que o docente deve ser assíduo e pontual no cumprimento dos horários.
Nos indícios relacionados com as ordens, direcção e fiscalização (que também espelham inserção na organização) é particularmente relevante o Regulamento Interno. Trata-se de uma regulamentação detalhada e exaustiva dos deveres a cumprir, incluindo o de cumprir horário e de presença em outras actividades para além das aulas (como reuniões), e de justificar faltas/permutas. Incompatível com uma noção de auto-organização temporal, e muito diferente de alguns exemplos jurisprudenciais em que a fixação de “horários” pela entidade receptora da atividade, só por si e desacompanhada de outros indícios, não seria susceptível de indiciar vinculação laboral por corresponder a uma mera necessidade de coincidir professores e alunos. Aqui a atribuição de horário, associado ao circunstancialismo referido, indicia hetero-organização.
Ademais, a autora estava sujeita a avaliação de desempenho por parte da ré, a comandos ao abrigo do regulamento e, portanto, à suscetibilidade de lhe serem dadas directivas e orientações, além de estar sujeita a sanções (209º do Regulamento) em caso de incumprimento, que, no limite, originariam a possibilidade de a ré rescindir o contrato.
Finalmente, a trabalhadora recebia uma retribuição com caracter regular e de contrapartida certa, sendo paga em função da actividade (número de horas trabalhadas) e não do resultado. Resultou provado que a trabalhadora recebia da ré o valor que era pago à hora (ultimamente €12,50/hora, acrescido de IVA) e cujo cálculo das horas de docência era feito em função das aulas registadas no e-schooling e cujo pagamento era efectuado após o trabalhador emitir o respectivo recibo verde. Conforme clausulado no contrato o pagamento era mensal e subsequente à prestação das horas de docência, após o trabalhador apresentar o dito recibo até ao dia 5.
Da prova resulta, aliás, que a trabalhadora, para além de trabalhar para ré durante um número muito significativo de anos, tinha também uma carga horária relevante, o que se repercutia em dependência de rendimentos. Esta periodicidade (mensal, conforme vinculação contratual) criava legitima expectativa de ganho no trabalhador. Acresce que a mesma era certa, porque esta expressão significa apenas que é calculada em função do tempo de actividade (e não do resultado), sendo irrelevante que varie em função dos dias/número de horas lecionadas – 261º/2, CT.
Em suma, o autor comprovou os indícios que preenchem a presunção legal da existência de contrato de trabalho (inserção e dependência, sujeição a ordens, direcção e fiscalização e retribuição).
Acresce que a ré não afastou esta presunção júris tantum.
Ao invés, como referimos, a matéria apurada é tão abundante que comprova a subordinação jurídica, sendo quase desnecessário o auxílio da presunção. A prova no seu conjunto sedimenta o entendimento de que estamos perante uma prestação de actividade de docência, complementada com cargos acessórios de orientadora/directora de turma, com grande inserção na organização da ré. Com local de trabalho determinado pela ré, com uso de instrumentos por esta disponibilizados, com horário de trabalho, com necessidade de comunicar/justificar faltas/permutas não só às aulas, mas a reuniões, com a necessidade de estar disponível para outras actividades para que fosse convocado, com grande participação e envolvimento noutras actividades, com pagamento de uma retribuição periódica, com necessidade de se sujeitar ao regulamento interno e à caderneta do docente, normas internas extremamente pormenorizadas, bem como a outras diretrizes e orientações organizativa e pedagógicas.
Não se observa, portanto, a prestação de actividade de modo autónomo e autorregulado, próprio das prestações de serviço.
No sentido ora decidido vejam-se os acórdãos desta Relação de Guimarães que incidiram sobre casos similares de outras trabalhadoras: ac.s de 7-05-2020, p. 3644/19.3T8GMR.G1, 21-05-2020, p. 3814/19.4T8GMR.G1, 21-05-2021, 3617/19.8T8GMR.G1, in www.dgsi., e p. 3753/19.9T8GMR.G1.
Improcede a apelação.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, de acordo com o disposto nos artigos 87º do CPT e 663º do CP., acorda-se em negar provimento a ambos os recursos e confirmar as decisões recorridas.
Custas a cargo da recorrente
Notifique.
1-07-2021

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins


1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.
2. Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª ed. p 129.
3. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Vol. I, 4º ed., p.561.
4. No que respeita a efeitos pessoais.
5. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, 4ª ed., p. 441/3, 583.
6. Nem sequer se colocando, assim, sequer a questão de saber, se intervindo, tem estatuto de parte principal ou de assistente.
7. RG dois acórdãos de 12-03-2015, processos nºs 416/14.5T8VNF.G1 e 659/14.2TTGMR.G1
8. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo civil Anotado, Vol. 2, 4ª ed. p. 583-4.
9. Referindo-se às limitações da 2ª instância quanto a factores coligidos pela psicologia judiciária e no sentido de evitar alterações quando não seja possível concluir com segurança pela existência de erro, vd António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Código de Processo Civil, 5ª ed., p.s 292, 299, 300.
10. Salvo se a lei exigir formalidade especial- 607º CPC.
11. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.
12. Art. 7º, 1, da Lei 7/2009, de 12-02, que aprovou o CT/2009 donde resulta que a novo CT/09 não se aplica quanto “…a condições de validade e afeitos de factos ou situações totalmete passados …” e conforme jurisprudência constante- vd. ac. STJ de 16-12-2010, p. 996/07.1TTMTS.P1.S1
13. Com entrada em vigor em 25-03-2006.
14. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 19º ed., p. 148.
15. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado do Direito do Trabalho, Parte II, 4º ed., p. 48 e 49.