Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | HELENA MELO | ||
Descritores: | DIREITO AO REPOUSO DIREITO AO TRABALHO COLISÃO DE DIREITOS PRINCÍPIO DA IGUALDADE | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/15/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | . O direito ao descanso e ao sono são aspectos do direito à integridade pessoal que faz parte do elenco dos direitos fundamentais, do acervo de direitos, liberdades e garantias pessoais de cada um (artº 25º da CRP), direito de personalidade que beneficia da tutela do artº 70º nº 1 da CRP. . . Se, por força de Regulamento Camarário, os titulares do estabelecimento situado em zona de habitação não podem funcionar para além das 22 horas ou das 24 horas se se tratar de estabelecimento afecto à restauração, não há colisão de direitos entre o direito ao descanso dos residentes e o direito ao trabalho e à iniciativa privada dos requeridos, a exercer para além desse horário. Ainda que as actividades exercidas se mantenham dentro dos limites de horário e dentro dos níveis sonoros estabelecidos, poderá ocorrer violação do direito de personalidade a justificar a limitação de direitos dos titulares dos estabelecimentos, nos termos do artº 335º nº2 do CC. O Regulamento Municipal da cidade de Guimarães não viola o princípio da igualdade previsto no artº 13º da CRP, ao permitir um horário mais alargado relativamente aos estabelecimentos situados em zonas históricas, porquanto a circunstância desses estabelecimentos se encontrarem em zonas históricas, mais atractivas para os turistas, potenciando o desenvolvimento do turismo é um elemento diferenciador, pelo que não se trata de regular diferentemente situações iguais, mas desiguais. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório B. veio propor providência cautelar comum contra: - 1º C…, - 2º D…, - 3º E…, - 4º F…, - 5º G…, - 6º H…, -7º I…, e, - 8º J…. pedindo, a final, que se ordene o encerramento compulsivo e obrigatório de todos os requeridos às 22:00 horas e que seja decretada a proibição compulsiva dos requeridos manterem as esplanadas em funcionamento e de deixarem os equipamentos de esplanada nas áreas privativas comuns do referido prédio. A fundamentar o seu pedido alega, em síntese, que é arrendatário de uma fracção onde reside no Edifício …, constituído por 59 fracções, e que os requeridos são estabelecimentos comerciais, bares e cafés/snack-bares instalados no rés-do-chão que, apesar de terem licença para funcionar até às 22 horas, funcionam além das 00:00/02:00, prejudicando com o ruído provocado pelos requeridos e clientes, o sono e tranquilidade do requerente e dos restantes moradores. O condomínio já apresentou queixa às entidades competentes e deliberou, depois de teste de incomodidade efetuado ao estabelecimento E…, não aprovar o encerramento dos bares para além das 22 horas. Acrescenta que os requeridos mantêm as esplanadas em zona comum para a qual não têm autorização e que permitem que os clientes saiam com garrafas, que depois ficam nas zonas comuns. Foi admitida a providência e citados os requeridos. O 1º, 2º, 4º e 8º requeridos deduziram OPOSIÇÃO, alegando, em síntese que possuem licença para laborar além das referidas 22 horas, cumprindo os horários para os quais estão licenciados, tendo o direito de exploração dos seus estabelecimentos. Acrescentam que não foram indicados factos concretos imputados aos requeridos, impugnando os documentos juntos, não se verificando os pressupostos para a procedência da providência. A requerida G…, apresentou oposição invocando, além do mais, a exceção de ILEGITIMIDADE PASSIVA, alegando que não é proprietária de qualquer fração tendo cedido a exploração do estabelecimento a L…. Foi suscitada e admitida a INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA de L…que veio alegar que procedeu à resolução do contrato de cessão de exploração, com efeitos a partir de 8 de maio de 2015 e pugnar também pela sua ilegitimidade. G.. e L… foram absolvidas da instância por ilegitimidade passiva (fls. 566). Realizada a audiência foi proferida sentença que determinou que os requeridos encerrassem os respetivos estabelecimentos até às 24 horas. O 1º, 2º, 4º e 8º requeridos não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, concluindo do seguinte modo: 1º) Salvo melhor opinião e o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, ao julgar a providência cautelar parcialmente procedente, uma vez que deveria ter sido a mesma julgada totalmente improcedente por não provada. 2º) Salvo o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, na sua Douta sentença, que salvo melhor viola o estatuído no disposto na alínea b) do artigo 643º do Código de Processo Civil. 3º) De facto o Mmo. Juiz a quo, na sua douta sentença, limitou-se a debitar sem no entanto especificar mediante exame crítico, porque motivo não foi valorado o depoimento das testemunhas dos Recorrentes, sendo que algumas nem sequer foram consideradas ou mereceram qualquer credibilidade, o mesmo já não se passando com as do Recorrido, que foram plenamente aceites. 4º) Nos termos do disposto no nº 3 do artigo 607º do Código de Processo Civil “(…) na fundamentação da sentença o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o Tribunal colectivo deu como provados, fazendo um exame critico das provas que lhe cumpre conhecer (…)”. 5º) Ora a alínea b) do nº 1 do artigo 643º do Código de Processo Civil refere que “(…) é nula a sentença (…) que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifique a decisão (…)” . In casú, salvo melhor opinião, o Mmo. Juiz a quo, não andou bem ao não fundamentar devidamente a Douta sentença, o que constitui uma nulidade da sentença que deve ser arguida pelas partes e que ora expressamente se argui, com todas as suas legais consequências. 6º) O que é relevante é a possibilidade de, perante o despacho de fundamentação, as partes e o Tribunal de recurso poderem efectuar um controle crítico da lógica da decisão, ou seja, controlar a razoabilidade da convicção. 7º) Apesar da deficiente fundamentação da sentença não constituir fundamento de anulação da decisão sobre a matéria de facto, nem o reenvio do processo para novo julgamento no Tribunal de 1ª instância, dando lugar isso sim, à remessa dos autos à primeira instância para que o Tribunal fundamente a sentença não devidamente fundamentada, o que ora expressamente se requer. 8º) Por ultimo constata-se, salvo o devido respeito, que a referida sentença padece igualmente de omissão de pronuncia no que se refere às nulidades invocadas nas oposições e que o Mmo. Juiz a quo, na sua sentença não se pronuncia, conforme lhe era imposto, 9º) Relativamente à matéria de facto dada como provada, a convicção do Tribunal fundou-se, alegadamente, nos documentos juntos no processo bem como nas declarações prestadas, no decurso da audiência de julgamento, pelas várias testemunhas que ainda assim no entendimento do Mmo. Juiz a quo, conseguiram esclarecer o Tribunal sobre o alegado barulho produzido pelos Requeridos. 10º) Como é sabido, a lei portuguesa consagrou e ainda consagra o principio do dispositivo (apesar de agora um pouco mais limitado) – artigo 5º do Código de Processo Civil – pelo que às partes compete alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções. 11º) Contudo, com a reforma do processo civil, por um lado, as partes perderam o quase monopólio que detinham sobre a lide, e por outro, o tribunal passou a assumir uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material, ou seja, a alcançar a justa composição do litígio, que é, em derradeira análise, o fim último de todo o processo. 12º) Dai que, para além da atendibilidade dos factos que não carecem de alegação e de prova - artigo 514º do Código de Processo Civil – e do dever de obstar ao uso anormal do processo – cfr. artº 665º do Código de Processo Civil, reconhece-se ao Juiz a possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, os factos meramente instrumentais e de os utilizar quando resultem da instrução e julgamento da causa. 13º) No entanto, o Mmo. Juiz a quo, salvo o devido respeito, não valorou devidamente, não só os documentos juntos pelos próprios Recorrentes, como os referidos depoimentos que se encontram gravados. 14º) Ora, quer os depoimentos das testemunhas, quer os referidos documentos não valorados eram fundamentais, para se alcançar a verdade material, 15º) Salvo o devido respeito e melhor opinião o Mmo. Juiz a quo não levou em consideração o documento junto pelo Requerido E…, no que a uma avaliação acústica concerne e que foi junta aos autos durante o julgamento, sendo que o mesmo era relevante para comprovar que tal Requerido E… cumpre com as normas sobre o ruído, pelo que de novo se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais – cfr. doc. nº 1. 16º) Não se consegue vislumbrar, salvo o devido respeito, porque motivo não foi devidamente valorado os documentos juntos relativos aos horários emitidos pela Câmara Municipal de Guimarães, mas que a titulo de exemplo ora se juntam de novo, fazendo-se referencia na sentença que os Requeridos não se encontram licenciados até às 2.00 horas e remetendo-se para uma Regulamento Camarário que entrou em vigor em 06 de Março de 2015. 17º) Sucede que tal regulamento refere como norma transitória o seu artigo 11º que o mesmo não prejudica os horários fixados antes da sua entrada em vigor, pelo o Regulamento apenas revogou os horários que haviam sido fixados pelo regulamento publicado pelo edital de 14 de Maio de 2013, pelo que salvo o devido respeito e melhor opinião, tais documentos deveriam ter sido devidamente valorados. 18º) Por outro lado consta da sentença que I…, referiu no seu depoimento de parte, que apenas um bar faz barulho: o de E…, no entanto se ouvirmos convenientemente as gravações, o mesmo refere quando indagado de onde vem o barulho o mesmo refere “(…) de uma discoteca chamada P… (…)”06-10-2015152307. Ou seja o depoimento de tal testemunha, que por sua vez também era parte, permitiria concluir não apenas que o barulho derivava em grande parte da discoteca P…, o que não se entende ter sido omitido tal facto na sentença, sendo que o restante barulho que o mesmo refere para além do espaço de E… era das pessoas que ali se deslocam ao local, dizendo inclusivamente que a discoteca P… em termos de barulho “(…) faz trinta vezes mais barulho que o espaço de E… (…)” 06-10-2015, 153509. 19º) Aliás, tal referencia à discoteca P…, que fica a pouca distância do prédio do Recorrido não foi apenas dada por esta testemunha – parte, mas também por outras testemunhas, mas da qual nada consta igualmente em toda a sentença. 20º) A testemunha Sara, refere relativamente ao barulho “(…) o barulho vem dos bares e de uma discoteca P… (…)” 22- 10-2015, 163815, referindo que entre o P… e o prédio “(…)não há nada, é relativamente perto (…)” mais referindo “(…) aos fins de semana quando eu ficava em Guimarães ouvia-se muito do P… (…)” 22-10-2015, 164055 e 164201.Ou seja, não houve quaisquer referencia na sentença, nomeadamente aos depoimentos das testemunhas ora indicadas e que faziam referencias à referida discoteca P…, o que se nos afigurava relevante para se poder apurar que o barulho tinha uma origem diferente dos estabelecimentos dos Recorrentes, pelo que a providência deveria ter sido julgada improcedente. 21º) Por outro lado, cumpre referir que uma Universidade só existe porque há alunos. É normal que dos 19100 estudantes, 1100 docentes e 800 funcionários, passem na proximidade do prédio todos os dias – atento que o mesmo se situa em frente à Universidade, do outro lado da rua – sendo aliás difícil sair da Universidade a pé, em direcção à cidade, sem passar pelo prédio, pelo que se trata de uma zona com um elevado índice de ruido, sendo que inclusivamente foi referido por diversas testemunhas outro factor que nada tem a ver com os Requeridos, como é o caso do chamado “Botelhon”, em que os jovens adquirem bebidas nas grandes superfícies e levam para a porta dos bares, conforme referiu a testemunha Sara no seu depoimento – 22-10-2015, 165033. 22º) O mesmo se passa com o teste de som que foi junto aos autos e que a testemunha Adão faz referência no seu depoimento dizendo quando indagado se tinha conhecimento do mesmo este refere “(…) sim fui eu que abri a porta aos senhores que foram lá (…)” 03-11-2015, 151016, mais referindo que o teste foi efectuado e confirmou o que constava do relatório apresentado – 03-11-2015, 151318. 23º) No entanto, estranhamente e sem se fazer referencia a nada a sentença é omissa quanto ao depoimento desta testemunha, da sua credibilidade ou não e sobretudo é o2missa quanto ao referido documento que permitia verificar que o bar de E, cumpria com os requisitos de som. 24º) De igual forma nada se diz quanto aos depoimentos das testemunhas Olinda, Sandra, Martinho e Tiago, sendo que todos eles eram relevantes para o esclarecimento da verdade material, quer quanto á origem do barulho, quer quanto á referida discoteca P…, quer quanto ao referido Botelhon, tudo factos relevantes e que salvo o devido respeito não foram levados em consideração e que não aparece qualquer indicação dos mesmos na referida sentença, sem qualquer justificação. 25º) Ora o artigo 607º do Código de Processo Civil consagra o principio da livre apreciação da prova. De acordo com esta disposição “(…) salvo quando a lei dispuser diferentemente a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (…)”. 26º) Havendo pois, lugar a um erro notório na apreciação da prova, a que alude o disposto no artigo 690º - A, do Código de Processo Civil, pois que a apreciação desta, salvo o devido respeito, não teve como pressuposto valorativo, a obediência aos critérios de experiência comum supra aludidos. 27º) Pelo exposto supra, afigura-se aos Recorrentes que a sentença recorrida traduz um manifesto erro na apreciação da prova, justificativo de que os Exmos. Senhores Desembargadores conheçam de facto e de direito no presente caso, admitindo a renovação da prova, ou de que ordenem o reenvio do processo para novo julgamento – cfr. artigo 662º do Código de Processo Civil. 28º) Salvo o devido respeito o Mmo. Juiz a quo não levou em consideração o documento junto aos autos com um estudo de incomodidade, que refere que relativamente ao Requerido E…, o mesmo obedece a todos os requisitos não produzindo ruído que ultrapasse os mínimos estipulados na Lei, fazendo apenas referencia no ponto 11 da sentença ao outro estudo que para além do mais foi totalmente impugnado e que se encontra em total oposição com este ultimo. 29º) Para além disso, foi dado como provado que o prédio se encontra insonorizado e que a própria assembleia de condóminos autorizou o alargamento do horário de funcionamento até às duas horas da manhã – pontos 4 e 5 da sentença. Ora tais factos encontram-se em contradição entre si, sendo que se desconhece o motivo pelo qual o Mmo. Juiz a quo se refere que os Requeridos não têm qualquer licença de funcionamento para operar até ás 2 horas da manhã em qualquer dia de semana, pois foram juntas aos autos os documentos emitidos pela Câmara Municipal de Guimarães a autorizar tal funcionamento. 30º) O que se assiste na Douta sentença salvo o devido respeito, é uma violação do principio da igualdade consagrado no nº 2 do artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que o Mmo Juiz a quo, ainda que mal, se limita a consagrar um regulamento da Câmara Municipal de Guimarães, que por sua vez viola igualmente tal principio constitucional. 31º) De facto, não se entende, pois qual é a diferença entre os estabelecimentos dos Requeridos e os de um outro bar situado na zona histórica da cidade ?. É apenas e só a localização e por tal motivo não se compreende quer a actuação da Câmara Municipal de Guimarães, que por um lado emite as licenças para as empresas explorarem as lojas comerciais e por outro emite licenças de utilização de imóveis de habitação, ganhando obviamente os preparos de ambas, mesmo sabendo da colisão de interesses em jogo. 32º) Mas pior do que isso é, como é o caso que se constata com o actual regulamento vir distinguir sem qualquer fundamento lógico, quem exerce uma actividade numa rua da zona histórica, de quem, como os Requeridos não o faz, apenas porque não se encontra situado dentro dos limites por si fixados, em manifesta violação do artigos 13º da Constituição da República Portuguesa, o que desde já se invoca para todos os efeitos legais. 33º) Mas dai até se consignar, conforme consta da sentença ora em crise, que não existe um conflito de direitos e que os Requeridos não possuem licença de funcionamento para operar até ás 2.00 horas da manhã vai uma grande diferença, pois a Câmara emitiu documentos contendo horários de funcionamento ate às 02. 00 horas, conforme flui dos que a titulo de exemplo de novo se juntam e se dão por reproduzidos – cfr. docs. nºs 2 e 3. 34º) Para além disso o Mmo. Juiz a quo, salvo o devido respeito, qualifica por igual todos os estabelecimentos requeridos, alegando inexistir outras informações sobre a classificação dos estabelecimentos requeridos, sem no entanto no uso das suas prerrogativas legais, ter solicitado a sua obtenção. 35º) Ou seja não apenas existe uma violação do principio da igualdade, como uma nítida e patente colisão ou conflito de direitos, pois por um lado temos o direito ao descanso do Requerido e do outro lado temos o direito ao trabalho dos Requeridos e de continuação da sua actividade económica, sendo que neste caso, conforme refere Capelo de Sousa in o Direito Geral de Personalidade, pág. 459 “(…) mesmo o direito inferior deve ser respeitado até onde for possível e apenas deve ser limitado na exacta proporção em que isso é exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses (…)”. 36º) Ora in casú, concluímos que quando o direito de personalidade apenas é ligeiramente beliscado não há que decretar quaisquer medidas, sobretudo em situação de colisão de direitos. Donde, afigura-se-nos que a intensidade e a densidade do desvalor sofrido não deve levar a que os direitos dos Requeridos à propriedade privada, à iniciativa económico-empresarial e ao trabalho, sejam pura e simplesmente cerceados. 37º) Mas, como sabemos, o n.º 1 do artigo 335.º do Código Civil diz-nos que, no caso de colisão de direitos, "devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes." Isso significa que "o direito inferior deve ser respeitado até onde for possível e apenas deve ser limitado na exacta proporção em que isso é exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses" . É, assim, indispensável ponderar os direitos em conflito e a "ponderação deve ser feita em concreto" , tendo em vista alcançar uma solução em que os direitos "se não prejudiquem mutuamente", ou, não sendo possível atingir esse objectivo, em que o prejuízo seja o menor possível. "Há que encontrar a concordância prática, isto é, devem procurar-se soluções concretas que harmonizem, na medida do possível, os preceitos divergentes e que distribuam de modo proporcional os custos do conflito". Com efeito, "essencial é aqui que as medidas a tomar sejam orientadas pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, traduzindo-se o primeiro na adequada (proporção) entre os valores em análise, aquilatando em que medida é que o sacrifício que se impõe ao titular de um direito se justifica face à lesão do outro; o "princípio da razoabilidade" vedando o uso de um meio intolerável para quem é afectado pela medida restritiva" . 38º) Por outro lado, salvo o devido respeito de novo, não se encontravam reunidos os pressupostos para que a presente providência fosse decretada. 39º) De facto, constituem pressupostos legais do decretamento da providência cautelar comum não especificada a probabilidade séria da existência do direito de que se ocupa a acção, proposta ou a propor, que tenha por fundamento o direito tutelado, o justo e fundado receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação a esse direito, a não existência de providência específica para acautelar o mesmo direito e que o prejuízo resultante da providência não exceda o valor do dano que com ela se pretende evitar. Efectivamente, esta providência tem por base e fundamento o justificado e fundado receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação a esse direito, o “periculum in mora”, ainda que não seja exigível que a perda se torne efectiva com a demora, em conformidade, igualmente, com o estipulado pelos artigos 362º, nº 1 e 365º, do CPC, que prevêem os pressupostos genéricos da procedência de qualquer providência conservatória ou antecipatória, e não a lesão grave do direito. 40º) No caso específico da providência cautelar comum, deve existir um justificado e fundado receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação ao direito invocado, um indispensável juízo de certeza, sendo certo que este receio há-de ser de tal ordem que fundamente a providência requerida, o que só acontece, quando as circunstâncias se apresentem de modo a convencer que está iminente a lesão do direito. 41º) Como assim, esta providência tem que se antecipar à lesão, porquanto o requisito do justo receio pressupõe que a ofensa se não acha ainda consumada, que os actos susceptíveis de produzir a lesão devem encontrar-se em potencialidade e não realizados, visam factos futuros e não passados, pois que a providência se destina a evitar o prejuízo e não a repará-lo, sob pena de não acautelar o efeito útil da acção. 42º) É que o receio só pode ser qualificado como justificativo da providência requerida quando as circunstâncias se apresentam de modo a convencer que se encontra iminente a lesão do direito. 43º) Ora in casú não existe qualquer lesão eminente do direito do Requerente, sendo que inclusivamente o último requisito igualmente não se aplica pois que o prejuízo resultante da providência não deveria exceder o valor do dano que com ela se pretenderia evitar, o que in casu não sucede. 44º) A ser assim, a providência cautelar deveria ter sido indeferida, devendo o recurso ora interposto revogar a mesma, o que desde já expressamente se requer, tanto mais que sendo mantida a limitação do horário de funcionamento dos estabelecimentos dos Requeridos às 24.00 horas equivalerá a proceder ao encerramento e falência dos mesmos, pois alguns deles têm a sua actividade a desenvolver-se a partir dessa hora, o que qualquer limitação de tal horário levará ao encerramento das mesmas, colocando em risco os vários funcionários e os próprios Requeridos e suas famílias que dependem exclusivamente destes estabelecimentos para viver. 45º) A Douta sentença violou o disposto no artigo 5º, 195º, 365º, 607º, 643º e 690º A todas do Código de Processo Civil e artigo 13º da Constituição da República Portuguesa. Termos em que, pelo que vem de expor-se e pelo muito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao recurso e em consequência: a) julgar-se procedente o recurso, nomeadamente a nulidade dela constante revogando-se a sentença recorrida, devendo a providência ser julgada totalmente improcedente por não provada; ou quando assim não se entenda, b) conheça este Venerando Tribunal da sentença, de facto e de direito, admitindo para tanto a renovação da prova a final requerida, por verificação de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no nº 2 do artº 662º do Código de Processo Civil; c) na hipótese de se considerar que apesar da verificação do referido erro na apreciação da prova, não sendo possível decidir a causa, determine este Venerando Tribunal o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil. O requerente contra-alegou, tendo concluído do seguinte modo: .1. Vieram os requeridos interpor recurso da Douta Sentença proferida nos autos, que decretou a providência cautelar, não nos concretos moldes peticionados pelo requerente, mas parcialmente, decretando que os requeridos são obrigados a estarem totalmente encerrados, até às 24:00/0:00 horas (considerando-se para este efeito também a limpeza, manutenção e fecho de caixa). 2. Conforme provado nas audiências de julgamento, quer testemunhalmente, quer documentalmente, para além de não terem os recorrentes licença para funcionar até ás 02:00 horas como alegavam, os referidos estabelecimentos fazem muito barulho, o que impede o requerente, e demais habitantes do prédio da…, de descansar e dormir, prejudicando o sono, a tranquilidade e o descanso do requerente e demais moradores. 3. Pretendem os recorrentes, conforme plasmado nas suas alegações de recurso, o efeito suspensivo do recurso, o que contraria o preceituado no CPC, o que o recorrido também não aceita. 4. Ora o recurso dos procedimentos cautelares tem efeito meramente devolutivo, e não efeito suspensivo, caso contrário de nada valeriam as providências cautelares, uma vez que os recursos sobre o decretamento das mesmas sempre suspenderia a sua aplicabilidade e eficácia. 5. Por outro lado, a natureza urgente das providencias cautelares, e o periculum in mora, não podem ser afastados pelo pretendido efeito suspensivo deste recurso, sob pena de ad eternum se manterem os problemas/perigos pretendidos afastar com as providências cautelares, por forma a evitar dano grave e de difícil reparação. 6. O efeito meramente devolutivo significa, tão simplesmente, que interposto o recurso da decisão, esta é, ainda assim, imediatamente exequível na primeira instância, mesmo que de modo provisório. 7. Efeito que se aplica neste recurso, tanto mais que o mal que se pretende afastar com a providência decretada, manter-se-á no caso de ser atribuído efeito suspensivo, ou seja a continuada agressão e violação dos direitos do recorrido/requerente. 8. Devendo o mesmo ter efeitos meramente devolutivo! 9. A vexata quaestio centra-se assim na condenação e decretamento pelo tribunal a quo da providência cautelar requerida, obrigando os recorrentes, finalmente, a estarem totalmente encerrados, até às 24:00/0:00 horas (considerando-se para este efeito também a limpeza, manutenção e fecho de caixa). 10. Da prova produzida em audiência de julgamento, maxime da prova documental, resulta que efectivamente os recorrentes não detêm licença de funcionamento para lá das 22:00 horas (Doc. 1 – Decisão do auto de contra-ordenação). 11. Uma vez que os recorrentes limitaram-se a juntar meras comunicações de alteração de horário de funcionamento, como se de licenças se tratassem. 12. O Exmo. Juiz do tribunal a quo fundamentou a sua decisão na ponderação critica e conjugada de todos os elementos da prova produzida na audiência de julgamento 13. Prova essa, mormente os depoimentos prestados e documentos jungos, manifestamente suficientes para estribar o decretamento da providência, como veio a suceder, dos recorrentes. 14. No que concerne às invocadas nulidades, inexistem quaisquer nulidades que devessem ser apreciadas pelo tribunal a quo, e que V. Exas. confirmarão. 15. O tribunal a quo especificou os fundamentos quer de facto quer direito, que justificam e alicerçam a decisão ora em crise. 16. O problema do ruído é descrito de forma consistente por todos os moradores que foram ouvidos, ainda que alguns não refiram a música que em concreto se faz ouvir de um ou outro estabelecimento, a verdade é que todos referem o barulho das pessoas que se juntam nas partes comuns do prédio e do funcionamento dos estabelecimentos até de madrugada, mesmo com a sua limpeza e arrumação. 17. A testemunha Maria Helena, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital com a duração de 44 minutos e 38 segundos – Ficheiro 20151006143607_4900693_2870583, cônjuge do requerente, descreve em particular a situação vivida na sua habitação, fração V do 2.º andar (1.º andar após os estabelecimentos comerciais), com o barulho da música que vai aumentando à medida do decorrer da noite, em especial ao fim de semana, o que os impede de descansar ... “é um crescendo a partir das 10horas da noite...(4:34) e a partir da meia noite... a música eleva-se sempre (4:41)...vem dos bares e cafés de E…, J…, do C…, do D….. (5:19) até às 3:00-4:00 horas (7:02) Não conseguimos dormir (23:13)”, ao ponto de terem encetado várias diligências junto do condomínio, polícia e câmara para resolverem o problema. 18. Os vizinhos do requerente, Maria de Fátima declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital com a duração de 40 minutos e 06 segundos – Ficheiro 20151006155316_4900693_2870583, da fração 2.º U que descreveu o ambiente, ... “tem um filho deficiente com paralisia cerebral (3:12), ... não temos tido sossego (3:40), ... é um barulho ensurdecedor (3:54), ... a casa trepida (3:55)” referindo que ouve música até depois das duas da manhã, que a impedem e ao filho de dormir. 19. Paulo, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital com a duração de 30 minutos e 14 segundos – Ficheiro 20151022160433_4900693_2870583, Sara, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital com a duração de 19 minutos e 36 segundos – Ficheiro 20151022163451_4900693_2870583, confirmam o barulho de diferentes tipos de música, dos diversos bares e o barulho das pessoas, de forma repetida e regular, tanto que tiveram de recorrer ao uso de tampões para conseguirem descansar, principalmente às quartas e ao fim de semana. 20. Luís, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital com a duração de 21 minutos e 46 segundos – Ficheiro 20151022165437_4900693_2870583, proprietário de uma fração, 4.º BV, referiu que “... teve vários inquilinos que saíram, porque pura e simplesmente não conseguiam morar lá por causa do barulho (2:29), “eu sai dali por não conseguia dormir, principalmente noites de 4.ª e 5.ª feira (3:14), com música até às 4 horas da manhã e tinha de me levantar às 6 horas (à semana), não sendo eficaz a atuação da polícia, desisti”. 21. O administrador do condomínio, Paulo, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital com a duração de 41 minutos e 32 segundos – Ficheiro 20151006164237_4900693_2870583, desde 2008/2009, referiu que nas assembleias o ruído sempre foi discutido, afirmando que desde 2008/2009 os condóminos se queixam do barulho produzido pelos bares/requeridos (3:20). 22. Mesmo as testemunhas dos recorrentes Raquel, moradora numa fração do 5.º andar e Brian, que frequentam o café de J… e que referem que acontece ouvir pessoas na altura das festas universitárias, onde se ouve barulho até à 1h/2h da manhã e também mais barulho ao fim de semana. 23. Até um dos requeridos, I, em depoimento de parte, declarações gravadas através do sistema integrado de gravação digital com a duração de 31 minutos e 59 segundos – Ficheiro 20151006152100_4900693_2870583 referiu que “... o barulho vem dos bares (3:18), ... ouve o barulho de sua casa (3:26), uma coisa é ter um bar outra coisa é ter uma discoteca (6:25)... se fosse vizinho do bar de E…já tinha vindo cá abaixo” 24. Assim, e não obstante o edifício se encontrar numa zona de movimento de veículos e de pessoas da universidade, com altos níveis de ruído, atendendo à descrição das testemunhas, o tribunal a quo, com razoável certeza concluiu que a existência dos diversos estabelecimentos abertos até às duas da manhã origina ruído que torna o descanso impossível em condições normais e que potencia a aglomeração dos clientes no espaço exterior, que, atendendo às características, potencia a propagação do ruído normalmente produzido pelas habitações nos andares superiores. 25. Este facto, ainda que não se possa concluir que um qualquer bar apenas seja responsável pelo ruído acima do legalmente permitido, ou que o sejam todos, é suficiente para não permitir o descanso do recorrido/requerente e demais residentes no edifício da …. 26. Juridicamente, entendeu o Tribunal a quo que se encontram indiciariamente verificados os requisitos legalmente estatuídos para a sua procedência. 27. Ora, nos termos do artigo 362.º do CPC, “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.” 28. A lei exige, para tanto, a verificação cumulativa de determinados requisitos para o decretamento de uma providência cautelar, sendo neste caso, a probabilidade séria da existência de um direito de que seja titular o requerente – o direito ao descanso, o fundado receio de que outrem, antes de proposta a ação principal ou na pendência desta, cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito – a violação dos recorrentes do horários de funcionamento e o constante ruído - e a adequação da providência decretada para evitar essa lesão e não ser o prejuízo resultante da providência superior ao dano que com ela se pretende evitar. 29. Resultou dos factos provados que o barulho dos estabelecimentos perturba o descanso do requerente e de outros vizinhos, direito de personalidade lesado pelos requeridos estabelecimentos - recorrentes. 30. A douta sentença recorrida refere que: “A produção ou emissão de ruído, seus efeitos lesivos para o homem e a sociedade, e tutela dos direitos e interesses envolvidos, pode ser encarada por três óticas: a do direito do ambiente, enquanto causa de poluição [artigos 10.º a) e 11.º c) da Lei das Bases da Política de Ambiente], a do direito de propriedade, no domínio das relações de vizinhança (artigo 1346.º, do Código Civil) e a dos direitos da personalidade, enquanto ofensa à personalidade física ou moral de alguém (artigo 25.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigo 70.º do Código Civil) – Ac. STJ de 17-01-2002, p. 4140/01, disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisptematica/direitodescansosossego.pdf.” 31. Já o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono, são aspectos do direito à integridade pessoal, que fazem parte do elenco dos direitos fundamentais, do acervo de direitos, liberdades e garantias pessoais protegidos constitucionalmente (artigo 25.º da CRP). 32. Ora, este direito de personalidade beneficia também da tutela do artigo 70.º, n.º 1 do Código Civil, o qual e s t a t u i que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa lícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”. 33. E decorre do n.º 2 do mesmo preceito legal, que sendo o descanso absolutamente indispensável à saúde, é de fazer cessar qualquer causa adequada à sua lesão (cf. Ac. STJ de 22.6.95, BMJ 448-344 e Ac. RC de 06-12-2005, p. 2962/05, www.dgsi.pt). 34. A existência de vários estabelecimentos de restauração e bares, instalados num prédio habitacional, designadamente no edifício da …, alguns com aparelhos de som e música, nas horas consagradas ao descanso, é potencialmente lesiva do sono, descanso e repouso do requerente e demais residentes; sendo que o simples funcionamento nas referidas horas, potencia a aglomeração de pessoas e a existência de barulho que, noutro caso, não existiriam. 35. Assim, dúvidas não restam que a decisão quanto à matéria de facto proferida na sentença recorrida deve ser confirmada por douto Acórdão proferido por Vossas Excelências, no mínimo, decidindo-se pela manutenção da decisão em crise, e ainda que V. Exas. determinem uma sanção pecuniária compulsiva, justa e adequada, pelo não acatamento da decretada providencia, o que expressamente se requer. II - Objecto do recurso: Considerando que: . o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e, . os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questões a decidir são as seguintes: . se a sentença é nula por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia; . se deve ser ordenado que o tribunal de 1ª instância fundamente a decisão; . se ocorre contradição entre os factos dados como provados nos pontos 4 e 5 da matéria de facto; . se deve ser ordenada a renovação da prova; . se deve ser alterada a matéria de facto; . se a decisão deve ser alterada por não estarem reunidos os pressupostos para o decretamento da providência e se ocorre colisão de direitos entre o direito do requerente ao sossego e ao descanso e o direito dos requeridos ao trabalho e à livre iniciativa privada. III – Fundamentação Na 1ª instância foram considerados indiciariamente provados os seguintes factos: 1. O requerente é residente no Condomínio do Edifício da …, sito …, freguesia de …, concelho de Guimarães. 2. Os requeridos são estabelecimentos comerciais, Bares e Cafés/Snack-bares que se encontram instalados no rés-do-chão do referido prédio. 3. O referido prédio é constituído por frações habitacionais e ainda várias frações comerciais. 6. Os requeridos funcionam, em alguns dias da semana – quarta académica e fim de semana – para além das 0:00 horas (algumas vezes até às 3:00 horas da madrugada), com música alta e ruído dos clientes, que se repercutem no edifício, provocando ruído, vibrações e ressonâncias na parte habitacional. 7. A abertura prolongada dos estabelecimentos contribui para a permanência dos seus clientes no seu espaço exterior prejudicando o descanso dos seus moradores com “berros “ e “gargalhadas”. 8. São constantes as situações de barulho, ruído, comoção proveniente dos bares e dos seus clientes, que impedem o requerido, sua família e alguns habitantes do Edifício … de descansar, repousar e até de dormir. 9. O requerente, bem como alguns moradores do referido prédio, há meses que têm vindo a queixar-se do ruído proveniente da zona dos estabelecimentos, tentando junto dos requeridos que fechem até à meia-noite em assembleias de condóminos, quer junto das Autoridades competentes (Câmara Municipal e Polícia de Segurança Pública), mediante missivas e abaixo assinados, datados de 27-11-2012; 27-01-2013 e 20-06-2014. 10. O requerente solicitou a presença das autoridades policiais por inúmeras vezes no local, tendo apresentado inúmeras queixas na Polícia de Segurança Pública. 11. O condomínio solicitou um ensaio de incomodidade quanto ao BAR de E…, que concluiu que “a atividade não se encontra para o período de referência noturno, de acordo com as exigências regulamentares”, tendo, em consequência deste ensaio, decidido, em assembleia 28 de abril de 2014, aprovar a oposição expressa por parte dos condóminos, ao funcionamento dos requeridos após as 22h00. 12. As pessoas que se juntam nos espaços comuns do prédio, onde ficam localizados os estabelecimentos, procedem ao abandono de resíduos, nomeadamente copos e garrafas, nesse espaço. 13. A existência de esplanadas dos requeridos nas zonas pertencentes ao Edifício da …, sem autorização, origina o prolongamento do barulho e do horário de funcionamento dos requeridos. Da junção de documentos com o recurso: Tanto os apelantes como a apelada vieram juntar documentos com os recursos que interpuseram. No entanto, como se trata da junção de documentos que já se encontravam juntos aos autos, não estamos perante uma nova junção de documentos, não sendo caso de apreciar se os mesmos são ou não admissíveis, em face das disposições conjugadas dos artºs 423º, 425º e 651º do CPC. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação e da deficiente fundamentação As decisões devem ser fundamentadas, em obediência ao disposto no art 154º nº 1 do CPC e ao artº 205º nº 1 da Constituição. O destinatário da decisão tem o direito de conhecer o percurso cognitivo que suportou uma determinada decisão, de modo a avaliar se deve ou não aceitar a decisão ou recorrer da mesma. A fundamentação da decisão é também essencial para o tribunal do recurso ajuizar do seu acerto. Os apelantes alegam que a sentença não está fundamentada, pelo que viola o disposto na alínea b) do nº 1 do artº 615º do CPC, pugnando pela remessa dos autos para a primeira instância para melhor fundamentação. O vício que os apelantes apontam à sentença recorrida não é o vício que gera a nulidade da sentença nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 615º do CPC. A sentença recorrida será nula se nela não constarem os factos provados e não provados e/ou, não constarem as razões de direito que conduziram a uma determinada decisão. No caso, a Mma. Juíza discriminou os factos dados por provados e consignou não existirem factos não provados e fundamentou a decisão de direito. Questão diferente da falta de fundamentação geradora de nulidade da sentença nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 615 do CPC é a falta de fundamentação da decisão de facto, ou seja, as razões pelas quais, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deu como provados uns factos e não deu outros, o que significa, designadamente, dar a conhecer as razões porque razão acreditou numa ou numas determinadas testemunhas e não noutras ou porque, não obstante a existência de determinados documentos não dotados de força probatória plena, não deu como provados determinados factos que os mesmos pretendiam demonstrar ou porque julgou relevantes ou irrelevantes as conclusões dos peritos. A sentença deverá estabelecer o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código do processo Civil, Almedina, 2013, p. 242). Antes do CPC aprovado pela Lei 41/2013, o Tribunal podia ordenar que o tribunal de 1ª instância fundamentasse melhor a decisão, a requerimento de uma das partes, se a decisão proferida sobre algum facto fundamental para a decisão da causa não estivesse devidamente fundamentada, nos termos do artº 712º nº 5 do CPC. Actualmente, o Tribunal de recurso pode fazê-lo oficiosamente, verificado o mesmo condicionalismo (artº 662º nº 2 º alínea c) do CPC). Os recorrentes insurgem-se quanto ao facto de, no seu entender, a Mma Juiza a quo não ter considerado os depoimentos das suas testemunhas, referindo no segmento do seu recurso dedicado à impugnação da matéria de facto, que a sentença é omissa quanto ao depoimento da testemunha Adão, nem nada diz quanto aos depoimentos das testemunhas Olinda, Sandra, Martinho e Tiago “sendo que todos eram relevantes para o esclarecimento da verdade material, quer quanto à origem do barulho, quer quanto à referida discoteca P…, quer quanto ao referido Botelhon, tudo factos relevantes e que salvo o devido respeito não foram levados em consideração e que não aparece qualquer indicação dos mesmos na referida sentença, sem qualquer justificação.” Transparece da posição dos apelantes que entendem que, com base no depoimento das referidas testemunhas, se provou que a origem do ruído que deu causa ao presente procedimento cautelar provém de uma discoteca denominada P… e do facto de diversas pessoas se concentrarem no local a beber com bebidas que não adquiriram naqueles estabelecimentos (fenómeno social que designa de “Botelhon”). Efectivamente na motivação o Tribunal não faz referência ao depoimento destas testemunhas, provavelmente porque nas oposições não foram alegados factos no sentido de o barulho existente provir de outros locais que não dos explorados pelos requeridos (nas oposições de J… (Café…) e de C…, nega-se mesmo a existência no local de discotecas(artº21º). Mas a Mma. Juíza fundamentou a resposta que deu aos factos que considerou provados, designadamente quanto ao barulho proveniente dos estabelecimentos dos requeridos. Relativamente ao barulho e à sua proveniência, a Mma. Juiza fundou a sua convicção no depoimento dos moradores do local e dos proprietários das fracções ali situadas e socorreu-se ainda de presunções judiciais (artº 349º e 351º do CC), referindo que “podemos com razoável certeza concluir que a existência dos diversos estabelecimentos abertos até às duas da manhã origina ruído que torna o descanso impossível em circunstâncias normais e que potencia a aglomeração dos clientes no espaço exterior, que, atendendo às características, potencia a propagação do ruído normalmente produzido pelas habitações nos andares superiores. “ Não é assim caso de ordenar a descida dos autos para fundamentação de facto essencial, pois que a Mma. Juíza fundamentou a matéria de facto, se bem que entendemos que a fundamentação poderia estar mais completa, fazendo-se referência na decisão ao depoimento das testemunhas referidas pelos apelantes, designadamente, sendo caso disso, mencionando que não ofereceram credibilidade e porquê ou que nada sabiam sobre os factos em discussão. Os apelantes igualmente se insurgem por não ter sido feita referência na motivação da decisão a documentos juntos aos autos que, em seu entender, demonstram que estão autorizados pela Câmara Municipal de Guimarães a estarem abertos até às duas horas da manhã e ao estudo acústico realizado a pedido do requerido E…, demonstrador que cumprem os requisitos legais quanto à emissão de ruído. Só que, tanto relativamente aos estudos, como às autorizações para funcionamento, dado que os factos que os documentos se destinariam a provar não constam do elenco dos factos provados nem não provados, o Tribunal não tinha que se lhes referir. Questão diversa é se houve factos alegados que não foram considerados provados nem não provados, mas os apelantes não a colocam. Sempre se dirá que não foram juntos quaisquer documentos que atestem a autorização dos requeridos para laborarem até às duas horas da manhã, pelo que a Mma. Juíza a quo não lhes podia fazer referência. Vejamos: A Câmara Municipal de Guimarães por deliberação de 19.02.2015, sancionada pela Assembleia Municipal de 27.02.2015, aprovou o Regulamento Municipal dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos Comerciais e de Prestação de Serviços no Município de Guimarães, o qual entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação/afixação. De acordo com o artº 4º, nº 1 do referido Regulamento os estabelecimentos situados em edifícios de habitação, individual ou colectiva, o que é o caso, ou que se localizem em zona com prédios destinados a uso habitacional num raio de 50 metros, apenas podem adotar o horário de funcionamento entre as 8 e as 22 horas, podendo os estabelecimentos de restauração, adotar o horário de funcionamento até às 24 horas, nos termos do nº 2. Apenas os estabelecimentos situados em zonas específicas que o Regulamento enumera (e que não contempla a zona onde se situam os requeridos) que se dediquem às actividades referidas no nº 3, entre eles os estabelecimentos de café, bares, snack-bares e restaurantes, é que podem adotar um horário de funcionamento até às duas da manhã, às quartas, quintas, sextas e sábados, assim como nas vésperas de feriado (artº 6º nº 1). E de acordo com o artº 7º, nº 2 o Presidente da Câmara, ou o vereador com competências delegadas para o efeito, pode autorizar o alargamento do horário de funcionamento em circunstâncias específicas, designadamente, em ocasiões festivas. Poderá ainda a Câmara Municipal alargar os períodos de funcionamento em localidades em que os interesses de certas actividades profissionais o justifiquem, nomeadamente ligadas ao turismo, ouvidos os sindicatos, as forças de segurança, as associações de empregadores, as associações de consumidores, a Junta de Freguesia e ainda os moradores, caso se trate de estabelecimento situado em edifício de habitação ou a 50 metros de um (artº 7º nº 1, alínea b)). O artº 11º do Regulamento, ao contrário do defendido pelos apelantes, não subtrai da sua aplicação os estabelecimentos dos requeridos. Ora, a prova de que um estabelecimento situado como os dos requeridos está autorizado a laborar para além dos horários estabelecidos no artº 4º do Regulamento só pode ser feita mediante a junção da competente autorização. Nenhum dos apelantes juntou documentos comprovativos de estar autorizado a laborar com carácter regular até às duas horas da manhã, pelo que a Mma. Juíza não podia fazer referência a tais documentos, por inexistentes. Os documentos juntos pelos apelantes não o comprovam. A licença especial emitida para dias concretos junta pela recorrente J…a fls 249 apenas demonstra a concessão de licença para os dias 23, 24, 25 e 26 de fevereiro de 2015, entre as 22 e as 02h00 horas e foi concedida antes da entrada em vigor do actual Regulamento. Não estão assim reunidos os pressupostos para remeter os autos para melhor fundamentação, ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 2 do artº 662º do CPC. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia Alegam os apelantes que a sentença é nula por não se ter pronunciado sobre as nulidades invocadas nas oposições, sem referir quais são. A sentença será nula, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (artº 615, nº 1, alínea d), do CPC), disciplina aplicável aos despachos por força do disposto no 613º, nº 3 do CPC. Desde logo, importa precisar o que deve entender-se por questões, cujo conhecimento ou não conhecimento constitui nulidade por excesso ou falta de pronúncia. Como tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista no artº 668, nº 1, al. d) do CPC. Deve-se assim distinguir as verdadeiras questões dos meros “raciocínios, razões, argumentos ou considerações”, invocados pelas partes e de que o tribunal não tenha conhecido ou que o tribunal tenha aduzido sem invocação das partes (Entre outros, Abílio Neto, Código do Processo Civil Anotado, 14.ª ed., pág. 702). Lidas as oposições, apenas as apelantes J… (Café…) e C…. vieram arguir a nulidade da acta nº 13 da Assembleia de Condóminos referida no artº 5º do requerimento inicial e junta com este. A acta diz respeito à reunião da assembleia de condóminos realizada a 28.04.2014 , na qual foi deliberado por unanimidade dos presentes “apresentar uma exposição na Câmara Municipal de Guimarães, tendo por base o Relatório do Estudo de Incomodidade Acústica referido, com o objectivo de solicitar ao Município a implementação de medidas de Correcção da situação analisada e de fiscalização dos restantes estabelecimentos, sendo que, os horários de encerramento dos estabelecimentos localizados no edifício deverão ser revistos à luz dos dados colhidos no decorrer do estudo elaborado e passarem necessariamente para as 22 horas”. Os apelantes alegaram a nulidade da acta, pretendendo certamente referir-se não à acta mas sim à invalidade da deliberação que se opõe ao funcionamento dos estabelecimentos pertença dos requeridos para além das 22 horas por falta de quórum deliberativo e por o assunto discutido não constar da ordem do dia. Efectivamente a sentença recorrida não se pronunciou sobre a alegada nulidade da deliberação. O Tribunal deve conhecer das questões suscitadas, a não ser que o seu conhecimento se mostre prejudicado pela decisão dada a outras questões. O não conhecimento de questões é causa da nulidade da sentença, como ocorre no caso. Contudo, o tribunal de recurso ainda que declare nula a decisão que ponha termo ao processo, deve conhecer do objecto da apelação, por força da regra de substituição do tribunal recorrido constante do nº 1 do artº 665º do CPC, o que se fará de seguida. Contradição entre a matéria de facto – pontos 4 e 5 da sentença Lidos ambos os pontos não vislumbramos qualquer contradição entre eles. O ponto 4 refere-se às características de construção do imóvel e o ponto 5 refere-se à realização de uma assembleia de condóminos realizada em 6 de Outubro de 2006, não ocorrendo qualquer contradição entre os factos dados como provados nos pontos 4 e 5. Da renovação da prova Os apelantes pedem subsidiariamente que o Tribunal conheça de facto e de direito, procedendo à renovação da prova e oferecem como prova a documental constante dos autos e a que juntam com o recurso e a testemunhal constante do rol de testemunhas. Nos termos do artº 662º, nº 2, alíneas a) e b) do CPC a Relação deve, ainda que oficiosamente, ordenar a renovação da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento e ordenar, em caso de fundada dúvida sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova. Ao ampliar os poderes da Relação não pretendeu o julgador a repetição do julgamento perante a 2ª instância com a inquirição de todas as testemunhas e a renovação de toda a prova produzida. Trata-se de um poder/dever para usar em casos limitados expressamente previstos na lei e não para a repetição da prestação total da prova produzida em audiência de discussão em julgamento, como pretendem os apelantes que nem invocaram factos de onde se pudesse concluir a existência de sérias dúvidas sobre a credibilidade de alguns dos depoentes, nem a existência de fundada dúvida sobre a prova realizada, pelo que não estão reunidos os pressupostos para a renovação de prova. Da alteração da matéria de facto: A parte que pretender impugnar a matéria de facto está adstrita ao cumprimento de diversos ónus impostos pelo artº 640º do CPC, cuja falta conduz à rejeição do recurso e não permite o despacho de aperfeiçoamento, porquanto esse convite se encontra apenas consagrado no n.º 3 do artigo 639º do Código de Processo Civil para as conclusões relativas às alegações sobre matéria de direito. São eles: -especificação ou individualização concreta dos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, pois não são admissíveis recursos genéricos de tal matéria(1); -especificação, de entre os constantes do processo, nele registados ou gravados em áudio ou vídeo, dos concretos meios de prova que, na perspectiva dele, impunham decisão diversa de cada um de tais pontos e fundamentam a sua alteração; -no caso de serem invocados meios probatórios que tenham sido gravados, indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso; -sem prejuízo da possibilidade de o recorrente proceder à transcrição dos excertos que a parte considere relevantes; -especificação da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida (alínea c), do nº 1, do artº 640º). E todos eles devem ser observados. Embora não seja unânime quais os requisitos de impugnação que devem ser obrigatoriamente incluídos nas conclusões, sob pena de rejeição, afigura-se-nos pacífico o entendimento de que os pontos concreto impugnados e a decisão que o Tribunal deve dar devem constar obrigatoriamente das conclusões, mesmo para os que defendem uma posição mais moderada no cumprimento dos ónus em causa, de que é exemplo o Acórdão do STJ, de 19-02-2015(2). No caso, as conclusões formuladas pelos apelantes não contém qualquer referência aos pontos concretos da matéria de facto que no entender dos apelantes foram incorrectamente julgados, nem a decisão que sobre esses concretos pontos concretos da matéria de facto o Tribunal deverá dar. Indicar os pontos concretos significa, no caso de impugnação de factos dados como não provados, referir se tais factos devem ser considerados provados ou parcialmente provados e em que termos e no caso de impugnação de matéria de facto dada como provada, se tais factos devem ser considerados como não provados ou apenas parcialmente provados e em que termos. Os apelantes limitam-se a transcrever extractos retirados dos depoimentos das testemunhas e a referir documentos, manifestando a sua discordância quanto à apreciação da matéria de facto, mas não concretizam os pontos da matéria de facto com a qual discordam. O único ponto da matéria de facto a que os apelantes fazem referência na matéria de facto é na conclusão 28ª ao ponto 11. Nesta conclusão os apelantes alegam que o Tribunal não levou em conta um estudo que juntaram relativo ao requerido E…, fazendo apenas referência a outro estudo no ponto 11 que está em oposição com o estudo por si junto, mas não requerem que este ponto seja dado como não provado (no ponto 11 apenas foi dado como provado a realização de um estudo e não quaisquer factos que sustentem a conclusão a que o estudo chegou). Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artº 640º, nº 1 do CPC, rejeita-se a impugnação da matéria de facto. Do Direito Vejamos se os factos apurados permitem o decretamento da providência requerida. Nos termos do artº 362, nº1 do CPC “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”. Na sentença recorrida entendeu-se estarem reunidos os requisitos exigidos pelo artº 362º, nº 1 do CPC uma vez que assistia ao requerente o direito ao descanso e ao sono, sendo que o direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono são aspectos do direito à integridade pessoal que faz parte do elenco dos direitos fundamentais, do acervo de direitos, liberdades e garantias pessoais (artº 25º da CRP), direito de personalidade que beneficia da tutela do artº 70º nº 1 da CRP. Entende o apelante que não se verificam os pressupostos , pois que a lesão já se encontra consumada, não existindo qualquer lesão eminente. Contudo, não tem razão. Trata-se no caso de uma lesão continuada. Enquanto os estabelecimentos estiverem a laborar, o ruído que resulta do seu funcionamento mantém-se a prejudicar o descanso dos moradores. A lesão está continuamente a ser consumada e em perigo de voltar a ocorrer. Invoca ainda os apelantes que ocorre colisão de direitos, de conflito entre o direito ao descanso e o direito ao trabalho, não devendo ser decretadas quaisquer medidas. Mas também neste ponto não lhe assiste razão. Se de um lado está o direito ao descanso do requerente, do outro, não está o direito ao trabalho do requerente para além do horário fixado em regulamento. O direito ao trabalho e à livre iniciativa sofrem as limitações decorrentes do regulamento que estabelece o horário de funcionamento dos estabelecimentos. Não se trata de um caso de colisão de direitos. Como refere o Prof. Menezes Cordeiro, há colisão de direitos , em sentido amplo, “quando um direito subjectivo, na sua configuração ou no seu exercício, deva ser harmonizado com outro ou com outros direitos. Num sentido estrito, a colisão ocorre sempre que dois ou mais direitos subjectivos assegurem, aos seus titulares, permissões incompatíveis entre si”( “Da Colisão de Direitos”, apud, “O Direito”, 137, 2005, 38). Só haverá colisão quando coexistam pluralidade de direitos pertencentes a titulares diversos, não sendo é possível o respectivo exercício simultâneo e integral por ambos. Só configuraria um caso de colisão de direitos, no caso se tratar de ruído provocado pelo funcionamento dos estabelecimentos dentro do horário estabelecido no Regulamento, o que não é o caso. Mais ainda que assim não se entendesse, ocorrendo um conflito de direitos, um deles teria de prevalecer, o que fosse considerado superior (artº 335º nº 1 do CC), que no caso não poderia deixar de ser o direito ao descanso do requerente que vive mesmo por cima de um dos estabelecimentos (no 2º andar), como direito de personalidade e atendendo às consequências nefastas para a sua saúde e do seu agregado familiar causadas pela exposição contínua ao barulho por o privar do necessário descanso. No sentido de que mesmo quando as actividades exercidas se mantenham dentro dos limites de horário e dentro dos níveis sonoros estabelecidos, poderá ocorrer violação do direito de personalidade a justificar a limitação de direitos dos titulares dos estabelecimentos, nos termos do artº 335º nº2 do CC, Acs. do STJ de 15.12.98, proferidos na Revista 839/2ª secção e na Revista 427/99 (relator Roger Lopes), ambos acessíveis em http//www.stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/direitodescansosossego.pt. E o Regulamento Municipal supra referido não viola o princípio da igualdade previsto no artº 13º da CRP. Os apelantes entendem que ocorre violação do princípio da igualdade porque aos estabelecimentos situados em zonas históricas é-lhes permitido laborar até mais tarde (artº 5º do Regulamento). Mas a circunstância desses estabelecimentos se encontrarem em zonas históricas, mais atractivas para os turistas, potenciando o desenvolvimento do turismo é um elemento diferenciador, pelo que não se trata de regular diferentemente situações iguais, mas desiguais. Por último, dir-se-á ainda a propósito da deliberação constante da acta nº 13: As deliberações da assembleia são anuláveis quando incidam sobre matéria não indicada na ordem do dia, não gerando nulidade como alegam os apelantes. Pode requerer a anulação qualquer condómino que não tenha aprovado a deliberação (artº 1433º nº 1 do CC). O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação (nº 4 do artº 1435º 4 do CC). Este prazo é um prazo de caducidade que o tribunal não pode suprir ex oficio, precisando de ser invocado , judicial ou extrajudicialmente (artº 303º ex vi do artº 333 do CC). Resulta da acta como constando da ordem do dia a análise de outros assuntos de interesse geral para o condomínio. Ora a questão apreciada – do barulho provocado pelo funcionamento dos estabelecimentos para lá das 22 horas - é um assunto de interesse geral para o condomínio e como tal tem que se considerar inscrito na ordem do dia. Ainda que assim não se entendesse, a deliberação da assembleia de condóminos não poderia conceder autorização aos requerentes para laborarem num horário não permitido pelo Regulamento, nem tal deliberação vincularia o requerente que não é condómino, mas apenas arrendatário de uma fracção situada no empreendimento onde laboram os requeridos. Quanto à alegada falta de quórum: Resulta da acta que estava presente 28% do capital investido do edifício, sendo que a assembleia reuniu em segunda convocatória, conforme também da acta consta. As deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido (nº 3 do artº 1432º do CC), a não ser que se trate de segunda data, caso em que a assembleia poderá deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio (nº 4 do 1432º do CC). A lei para certos casos estabelece uma maioria mais qualificada, como no caso do nº 2 do artº 1424º do CC. Ora, estando presente mais de um quarto do capital investido e estando a assembleia a reunir-se em segunda data, a deliberação aprovada por unanimidade não enferma de qualquer vício por falta de quórum. Mantém-se assim a providência decretada. Sumário: . O direito ao descanso e ao sono são aspectos do direito à integridade pessoal que faz parte do elenco dos direitos fundamentais, do acervo de direitos, liberdades e garantias pessoais de cada um (artº 25º da CRP), direito de personalidade que beneficia da tutela do artº 70º nº 1 da CRP. . . Se, por força de Regulamento Camarário, os titulares do estabelecimento situado em zona de habitação não podem funcionar para além das 22 horas ou das 24 horas se se tratar de estabelecimento afecto à restauração, não há colisão de direitos entre o direito ao descanso dos residentes e o direito ao trabalho e à iniciativa privada dos requeridos, a exercer para além desse horário. Ainda que as actividades exercidas se mantenham dentro dos limites de horário e dentro dos níveis sonoros estabelecidos, poderá ocorrer violação do direito de personalidade a justificar a limitação de direitos dos titulares dos estabelecimentos, nos termos do artº 335º nº2 do CC. O Regulamento Municipal da cidade de Guimarães não viola o princípio da igualdade previsto no artº 13º da CRP, ao permitir um horário mais alargado relativamente aos estabelecimentos situados em zonas históricas, porquanto a circunstância desses estabelecimentos se encontrarem em zonas históricas, mais atractivas para os turistas, potenciando o desenvolvimento do turismo é um elemento diferenciador, pelo que não se trata de regular diferentemente situações iguais, mas desiguais. IV – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em: .a) declarar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, substituindo-se este tribunal ao tribunal recorrido, por força do disposto no nº 1 do artº 665º do CPC; .b) rejeitar o recurso quanto à impugnação da matéria de facto; e, .c) julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida. Custas da apelação pelos apelantes. Notifique. Guimarães, 15 de Março de 2016 Helena Gomes de Melo Isabel Silva Heitor Gonçalves (1) Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, página 124 e seguintes. (2) Proferido no processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1 (Consº Tomé Gomes). |