Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | FRANCISCO SOUSA PEREIRA | ||
| Descritores: | PREVPAP REGULARIZAÇÃO DE VÍNCULOS PRECÁRIOS PRINCÍPIO DA IGUALDADE ANTIGUIDADE | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/20/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
| Sumário: | I – No âmbito do PREVPAP o legislador não pretendeu a criação de novas relações laborais, mas o reconhecimento de relações pré-existentes, pelo que é de considerar que a antiguidade do trabalhador deve retroagir ao início das suas funções II – A retribuição do trabalhador deve ser fixada com referência ao valor que por último auferia, e não de um qualquer valor inferior, sob pena de tal se traduzir numa diminuição da sua retribuição que não é admitida nem pelo art.º 14.º n.º 3 da Lei n.º 112/2017, de 29/12, nem pelos princípios de direito laboral, que proíbem a diminuição da retribuição, excepto nos casos previstos na lei ou nos instrumentos de regulação colectiva do trabalho, acrescendo os subsídios de férias e de Natal; os valores pagos pela ré à autora referentes ao reembolso do seguro social voluntário a que esta voluntariamente aderiu não entram para o cômputo da retribuição, posto que não constituem contrapartida do trabalho da autora. III – A interpretação e aplicação das normas realizada pelo tribunal a quo não viola nem o art. 2.º nem o art. 47.º da CRP, uma vez a regularização do vínculo da Autora foi efectuada de acordo com o estabelecido no PREVPAP (o qual constitui uma excepção à regra da contratação em obediência aos princípios de natureza pública). | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães Apelantes: Universidade ... e M. F. Apeladas: M. F. e Universidade ... I – RELATÓRIO M. F., com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum laboral, contra Universidade ... – doravante, designada, abreviadamente, por Universidade …, e também com os sinais dos autos -, pedindo seja esta condenada a: a). Reconhecer a existência de vínculo jurídico laboral entre ambas desde 01.04.2016; b). Pagar-lhe a retribuição mensal líquida de € 1.350,00, ou, caso assim não se entenda, a retribuição mensal líquida que totalize o valor líquido anual de € 16.200,00, ou, não se entendendo por qualquer dos indicados modos, e pelo menos, a retribuição base de € 1.479,89; c). Pagar-lhe os diferenciais de retribuição vencidos a partir de 01.02.2020 e os que vierem a vencer-se na pendência da acção, a totalizar já, à data da PI, o montante de € 4.489,12; d). Pagar-lhe os subsídios de férias e de Natal, vencidos entre 01.04.2016 e 31.01.2020, no valor de € 7.492,50; e). Pagar-lhe juros de mora vencidos, sobre as quantias mencionadas em c). e d), desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento. Fundamentou as correspondentes pretensões, alegando, em síntese, que, sendo a ré uma instituição de ensino superior pública de natureza fundacional com regime de direito privado, foi admitida ao serviço da mesma no dia 01.04.2016, para exercer actividade, sob as respectivas ordens, direcção e fiscalização; que iniciou funções ao abrigo de contrato denominado “Contrato de Bolsa de Investigação”, que, contudo, correspondia, materialmente, a vínculo jurídico-laboral; que, nesse enquadramento, sempre desempenhou actividade nas instalações da ré e em horário de trabalho por esta definido, que, para além de encontrar subordinada a controlo de superiores hierárquicos, passou, a partir de 04.05.2016, a picar ponto, sendo que submetia a apreciação e aprovação daqueles seus superiores os períodos em que pretendia gozar férias, estando, também, dependente de validação por parte dos mesmos para ver justificadas das suas faltas; que no desempenho das respectivas tarefas utilizava, exclusivamente, materiais, equipamentos e instrumentos pertença da ré; que, como contrapartida da prestação a que se obrigou, recebeu, 12 vezes por ano, no período compreendido entre 01.04.2016 e 31.03.2018, a quantia mensal de € 745,00, tendo passado, a partir de 01.04.2018, a receber, o que se manteve até 31.03.2019, o valor mensal de € 980,00; que, em 01.04.2019, essa contrapartida passou a cifrar-se no valor mensal de € 1.350,00; que, para além disso, recebia mensalmente da ré o reembolso relativo ao pagamento que, mensalmente também, realizava à SS, a título de Seguro Social Voluntário e que, em Janeiro de 2020, se cifrava na importância de € 129,89; que, desde 01.04.2016 e até à actualidade, desempenhou funções administrativas e técnicas inerentes aos projectos de ensino pós-graduado da responsabilidade das Unidades de Investigação CTAC e ISISE, para além de outras previstas em planos de actividades, consistentes, tarefas essas que lhe foram atribuídas por superiores hierárquicos; que a relação mantida com a ré foi sendo, ininterrupta e sucessivamente, renovada, entidade para a qual vem trabalhando em regime de exclusividade, nisso assentando a sua única fonte de rendimento; que, tendo sido abrangida pelo Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários – PREVPAP -, foi emitido pela CAB parecer favorável à regularização do seu vínculo, por ter essa entidade considerado que as funções que exercia satisfaziam necessidades permanentes da ré e que o vínculo com esta mantido era inadequado; que, na sequência disso, recebeu da ré proposta para a formalização do seu vínculo, com integração na carreira de técnico superior, mediante a remuneração mensal base de € 995,51, relativamente à qual, por pronúncia escrita, se manifestou em desacordo, designadamente, quanto ao valor da retribuição; que, não tendo sido atendida a posição que então manifestou, veio, sob protesto, a assinar contrato de trabalho individual por tempo indeterminado; que, por efeito da cláusula relativa à retribuição, passou a receber o valor líquido de € 771,00, que representou diminuição em € 579,00 do montante que antes auferia; que, excepcionalmente, de Fevereiro a Março de 2020, recebeu quantia a título de remanescente, que totalizou € 721,84; que, entre 01.04.2016 e 31.01.2020, nunca recebeu da ré qualquer quantia a título de subsídio de férias e de Natal; que a ré manifestou relativamente a si comportamento discriminatório, na medida em que integrou outros trabalhadores, ao abrigo do mesmo programa, em carreiras inferiores, pagando-lhes quantias superiores, sendo que, também quanto a alguns trabalhadores integrados, através de diversos despachos reitorais, autorizou a celebração de contratos por valores superiores, assim como contratou, posteriormente, novos trabalhadores para iniciarem carreiras de técnicos superiores por valores base superiores ao seu. * Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se a conciliação entre elas. * A ré contestou as pretensões contra si formuladas, alegando, em síntese, que, não obstante tratar-se de fundação pública em regime de direito privado, encontra-se sujeita ao disposto nos artºs 47º, nº 2 e 266º, nº 2 da CPR, de que constitui concretização o estatuído no artº 134º, nºs 1 e 2 da L. nº 62/2007, de 10.09, contexto emque se encontra impossibilitada de reconhecer, motu proprio, a existência de contratos de trabalho, apenas podendo celebrá-los, de acordo com o respectivo Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador, regulamento esse que demanda que, a preceder a contratação, tenham lugar processos de recrutamento e selecção prévios, em convergência com os princípios subjacentes à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; que o PREVPAP se apresenta como excepção ao regime a que ela, ré, se encontra subordinada, no que à contratação de trabalhadores concerne, regime esse que lhe permitiu contratar, directamente sem concurso prévio, os opositores ao procedimento do PREVPAP, cujas relações contratuais com ela, ré, cumprissem os requisitos para o efeito previstos; que a relação mantida entre ela, ré, e a autora, até à celebração de contrato de trabalho, assentou no exercício por esta de funções como Bolseira de Gestão de Ciência e Tecnologia, não passíveis de qualificação como laborais; que do regime do PREVPAP não emerge que toda a relação contratual existente fosse de natureza laboral; que o dever de reconhecimento da existência de contrato de trabalho apenas produziu efeitos imediatos, a partir da situação prevista no respectivo diploma, o que fez cumprir; que, de todo o modo, as funções exercidas pela autora sempre corresponderam ao plano de actividades inerente ao projecto que desenvolveu como bolseira, contra o pagamento da bolsa devida, para além de que a autora nunca esteve sujeita a poder disciplinar e a mobilidade; que, para além de o vínculo mantido com a autora, até à data da regularização, não ser laboral, ainda que viesse a entender-se de contrário, nunca isso teria por efeito que a retribuição devesse ter sido fixada pelo valor que a mesma propugna, posto que o vínculo não se encontrava, naquela data, nesses termos formalizado; que, de todo o modo, a considerar-se que a autora deveria beneficiar da aplicação do nº 2 do artº 14º da L. nº 112/2017, isso apenas poderia conduzir a que a respectiva retribuição se fixasse no valor mensal de € 1.157,14 e não no montante que reclama, sob pena de se sufragar o entendimento, desprovido de base legal, de que o regime do PREVPAP consente o aumento de retribuições; que, de todo o modo, vindo a entender-se que o valor da retribuição devida à autora é aquele que peticiona, sempre o mesmo deve ser tomado como ilíquido, por a bolsa passar a revestir natureza retributiva, com consequente dedução dos valores devidos a título de IRS e de quotizações para a SS; que o valor pago a título de seguro social voluntário não deve integrar o conceito retributivo, por se tratar de contribuição facultativa e não de contrapartida pela disponibilidade para o trabalho; que a interpretação proposta pela autora do regime do PREVPAP, e que o ultrapassa, é inconstitucional, por violação do que se dispõe no artº 47º, nº 2 da CRP, o que se estende às pretensões que formulou relativamente à condenação no pagamento dos subsídios de férias de Natal. Concluiu, pugnando pela respectiva absolvição. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença cujo dispositivo é o seguinte: “a). Condenar a ré Universidade ... a: i. Reconhecer a existência de contrato de trabalho entre ela e a autora desde 01.04.2016, com efeitos, para além da antiguidade, reportados a essa data; ii. Fixar a retribuição base mensal da autora no montante ilíquido de € 1.350,00 – sujeito, portanto, ao tratamento fiscal e para a segurança social aplicável aos trabalhadores -, com efeitos a partir de 01.02.2020, e sem prejuízo da progressão salarial a que tiver direito; iii. Pagar à autora a diferença entre o valor da retribuição mensal ilíquida reportada em ii. e o valor ilíquido que, desde a formalização do contrato de trabalho, lhe tem vindo a pagar - com oportuna dedução, depois de apurados os valores líquidos que, na sequência do tratamento fiscal e para a segurança social, se impõe realizar, da quantia recebida pela autora nos referidos na al. u) da materialidade que se deu por assente; iv. Pagar à autora os subsídios de férias e de Natal desde de 2016 – quanto a este ano, proporcionalmente ao tempo de serviço prestado – até 31.01.2020, incidindo sobre os respectivos montantes ilíquidos as deduções fiscais e contributivas para a SS a que se encontram legalmente sujeitos os trabalhadores; v. Pagar juros de mora, à taxa supletiva legal, sobre as quantias mencionadas em iii. e iv., desde a data em que cada uma delas devia ter sido liquidada e até efectivo e integral pagamento; b). Absolver a ré do mais peticionado. Custas a cargo da autora e da ré, na proporção de 3/10 e 7/10, respectivamente” Inconformada com esta decisão, dela veio a ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam com a formulação das seguintes conclusões: “III.1. DA ANTIGUIDADE: A. A Recorrente, enquanto fundação pública sujeita ao regime de direito privado, está obrigada a observar os princípios constitucionais respeitantes à administração pública, nomeadamente a prossecução do interesse público e os princípios da igualdade, imparcialidade, justiça e proporcionalidade. B. A Recorrente, não obstante ter poder para celebrar contratos de trabalho sujeitos ao direito privado, nomeadamente ao Código do Trabalho, está obrigada a observar um procedimento público, imparcial e escrutinável de selecção de candidatos a cada posto de trabalho que pretenda preencher. C. O PREVPAP (criado pela Lei 112/2017, de 29 de Dezembro) permitiu à Recorrente celebrar contratos de trabalho sem observância do procedimento imparcial e escrutinável de selecção de candidatos a cada posto de trabalho que pretenda preencher, desde que observados os limites e requisitos ali vertidos. D. O PREVPAP destina-se a regularizar os vínculos contratuais existentes, passando a ser qualificados como contratos de trabalho, das pessoas a que se refere o n.º 1 do artigo 2.º da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro, que exerçam ou tenham exercido as funções em causa no período entre 1 de janeiro e 4 de maio de 2017, ou parte dele, e durante pelo menos um ano à data do início do procedimento concursal de regularização; E. Nos casos em que a relação contratual prévia ao contrato a celebrar na sequência do procedimento PREVPAP não era uma relação laboral, estabelece a alínea b) do número 1 do artigo 14.º que Em órgãos, serviços ou entidades abrangidos pelo n.º 1 do artigo 2.º, tratando-se de relações laborais abrangidas pelo Código do Trabalho, a homologação, pelos membros do Governo competentes, dos pareceres das CAB das respetivas áreas governamentais que identifiquem situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes, sem vínculo jurídico adequado e, no setor empresarial local, a decisão da respetiva câmara municipal nos termos do n.º 4 do artigo 2.º, obriga as mesmas entidades a proceder imediatamente à regularização formal das situações, conforme os casos e nomeadamente mediante o reconhecimento: Da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes. F. Desde logo, retira-se de forma inequívoca a diferença de redacção entre a alínea b) e a alínea c) deste número 1 do artigo 14.º: ao passo que na previsão dos contratos de trabalho a termo (o vínculo precário a regularizar), a lei diz de forma expressa que o reconhecimento da relação contratual ocorre desde o início do contrato de trabalho a termo, nos demais casos nada diz a esse respeito, ou seja, não ordena que se faça qualquer reconhecimento desde o inicio do vínculo precário não laboral. G. Desta diferença de regime tem que resultar uma diferença de actuação, pois que se o legislador pretendesse que o regime fosse o mesmo, tê-lo-ia plasmado na letra da lei, incluindo na alínea b) do número 1 do artigo 14.º menção idêntica à que faz na alínea seguinte (e na d), também, mas esta por via de remissão). H. De facto: a. A Recorrente apenas pode contratar trabalhadores por via de procedimento público, transparente e escrutinável, pois deve obediência ao princípio do concurso previsto no artigo 47.º, número 1, da CRP. b. O PREVPAP apresenta-se como uma excepção a este princípio, o que permitiu à Recorrente contratar trabalhadores sem que tivesse levado a cabo procedimento concursal prévio, desde que tais trabalhadores tivessem sido opositores ao PREVPAP, e tivessem sido sinalizados para tal integração pela CAB. c. O PREVPAP não impõe à Recorrente que esta reconheça uma antiguidade aos opositores ao PREVPAP que celebram contratos de trabalho por tempo indeterminado que reporte ao início do vínculo que sustentou o exercício das funções permanentes (que justificaram a oposição ao procedimento de integração), d. Por conseguinte, a excepção ao regime concursal, que é delimitada pelo regime jurídico do PREVPAP, não franqueia tal amplitude de decisão: nem a Recorrente nem ao Tribunal. I. A decisão de reconhecimento de antiguidade da Recorrida a 01 de Abril de 2016, por não ter fundamentação legal que a sustente (nem concurso para ingresso nos quadros da Recorrente, nem lei autorizante que excepcione a regra do concurso) é ilícita, devendo, por conseguinte, ser revogada. J. O Tribunal a quo socorre-se, assim, de uma interpretação da norma ínsita no artigo 14.º, número 1, alínea b) da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro que é contrária ao disposto no artigo 47.º, número 1, da CRP, pois permite-se afastar a obrigatoriedade do concurso quando tal não consta da norma (resultando, de facto, regime diferente da mesma), sendo que o princípio do concurso é aplicável à Recorrente, por força do regime jurídico a que a mesma está sujeita. K. Esta interpretação, porque não ancorada na letra da lei (que, como acima analisado, não permite tal abrangência, o que se conclui pela mera análise comparativa com o regime estabelecido para os casos previstos nas alíneas c) e d)), viola igualmente o princípio do estado de direito, especificamente os subprincípios concretizadores do mesmo que são o princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos. L. Conforme sumariza o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, prolatado a 13-11-2007, que se encontra disponível para consulta em www.dgsi.pt: I - O princípio do Estado de Direito concretiza-se através de elementos retirados de outros princípios, designadamente, o da segurança jurídica e da protecção da confiança dos cidadãos. II - Tal princípio encontra-se expressamente consagrado no artigo 2.º da CRP e deve ser tido como um princípio politicamente conformado que explicita as valorações fundamentadas do legislador constituinte. III - Os citados princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança assumem-se como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado. M. Também a este respeito, cita-se o JJ Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e a Teoria da Constituição, Almedina, 2.ª Edição, página 250 e seguintes: A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. N. No âmbito da protecção da segurança jurídica relativamente a actos normativos, vigora o princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas. De acordo com o Autor acima citados, na mesma obra, página 251, A segurança jurídica postula o princípio da precisão ou determinabilidade dos actos normativos, ou seja, a conformação material e formal dos actos normativos em termos linguisticamente claros, compreensíveis e não contraditórios. (…) O princípio da determinabilidade das leis reconduz-se, sob o ponto de vista intrínseco, a duas ideias fundamentais. A primeira, é a da exigência de clareza das normas legais, pois de uma lei obscura ou contraditória pode não ser possível, através da interpretação, obter um sentido inequívoco dapaz de alicerçar uma solução jurídica para o problema concreto. A segunda aponta para a exigência de densidade suficiente na regulamentação legal, opois um acto legislativo (ou um acto normativo em geral) que não contém uma disciplina suficientemente concreta (=densa, determinada) não oferece uma medida jurídica capaz de: (1) alicerçar posições juridicamente protegidas dos cidadãos; (2) constituir uma norma de actuação para a admministração; (3) possibilitar, como norma de controlo, a fiscalização da legalidade e a defesa dos direitos e interesses dos cidadãos (Acs. 285/92, DR, 17-8-92, e 233/94, RD, II, 27-8-94). O. Tendo o antedito em consideração, impõe-se que as normas sejam claras e tenham um sentido unívoco. Pelo que, atendendo a tudo o vindo de dizer, não se pode senão concluir que face à insegurança jurídica que acarreta a norma ínsita no artigo 14.º, número 1, alínea b) da Lei do PREVPAP, especificamente quando interpretada e aplicada no sentido de que deve o empregador, mesmo que sujeito à regra do concurso prevista no artigo 47.º, número 1, da CRP, reconhecer ao opositor do PREVPAP uma antiguidade coincidente com o início da relação contratual não laboral que esteve subjacente ao exercício das funções que representavam necessidades permanentes daquela, a mesma viola o artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa. P. Por conseguinte, deverá se recusada a aplicação da mencionada norma quando interpretada naquele sentido. III.2. – DA FIXAÇÃO DA RETRIBUIÇÃO: Q. Tal como constante na douta sentença, é aplicável ao caso concreto o número 3 deste artigo 14.º, uma vez que a relação contratual prévia ao contrato celebrado na sequência do PREVPAP não era laboral. R. O regime constante nos números 3 e 4 do artigo 14 da Lei do PREVPAP apresenta-se distinto, por forma a abarcar duas realidades distintas de forma justa. S. Não é possível estabelecer um paralelismo entre o exercício actividade como bolseira e o exercício de funções em regime de contrato de trabalho, nomeadamente no que à contrapartida pecuniária respeita. Desde logo porque na definição da bolsa nem sequer são consideradas tabelas de remunerações mínimas, não existe uma carreira a ser integrada nem expectativas de evolução ou de segurança no vínculo. Do mesmo modo que, num contrato de bolsa – tal como o regime jurídico da mesma estabelece – não são considerados valores respeitantes a subsídios de férias e de Natal. Ou seja, as condições de definição da bolsa são diferentes das condições em que é definido um salário para um trabalhador dependente. Razão pela qual a comparação cega entre um valor e o outro seria iníqua, principalmente entre os trabalhadores da Recorrente, os que já se encontravam ao serviço, admitidos ab initio com contrato de trabalho, na sequência de um concurso e os que são admitidos por esta via. T. O legislador, tendo esta realidade em consideração, estabeleceu dois regimes distintos: a. Para os casos em que passam a ter contrato de trabalho por tempo indeterminado opositores que previamente tinham um contrato de trabalho, tem que ser mantida a retribuição – pois era já uma retribuição que estava a ser paga, no âmbito da integração numa carreira, e sujeito a tabelas salariais, se as mesmas fossem aplicadas. b. Para os casos em que a relação contratual prévia não era laboral, não se aplica o número anterior, ou seja, não há retribuição nenhuma a manter. Há que se definir uma retribuição por referência aos critérios gerais, particularmente a retribuição mínima mensal garantida e as tabelas salariais das convenções coletivas aplicáveis. U. O legislador criou um sistema com uma unidade lógica para os casos dos opositores que não tinham uma relação contratual laboral prévia com o organismo que integra os opositores: (i) não há nenhum comando legal que imponha um reconhecimento de antiguidade; (ii) não há nenhum comando legal que imponha a manutenção do nível de ressarcimento pela actividade prestada. Isto porque, para estes casos, a relação laboral formalmente reconhecida se inicia com as portas franqueadas pelo PREVPAP. V. Assim, a decisão do Tribunal a quo não tem em consideração as diferenças reais entre o contrato de bolsa e o contrato de trabalho, e considerou retribuição, como a mesma é percebida e regulada pelo Código do Trabalho, bolsa recebida pela Recorrida em Janeiro de 2020. W. Esta decisão ancora-se numa interpretação do artigo 14.º, número 3, que entendemos não ser admissível, pois não tem apoio nem na letra da norma, nem no próprio regime, como acabado de descrever. X. Acresce que, uma vez que não existe qualquer antiguidade a reconhecer, não existe qualquer retribuição a considerar. Y. Assim, o valor que foi fixado a título de retribuição, porque está em obediência com a tabela retributiva para os técnicos superiores da Recorrente e com o previsto para a retribuição mínima mensal garantida, é absolutamente licito, obedecendo à previsão do artigo 14.º, número 3 da Lei do PREVPAP. Z. Já a decisão do Ilustre e Sapiente Tribunal a quo viola esta norma, pois interpreta-a em violação do conceito de retribuição ínsito no artigo 258.º do Código do Trabalho, e também dos já acima citados princípios constitucionais constantes dos artigos 47.º, número 1 e 2.º da Constituição da República Portuguesa. a. De facto, e quanto ao princípio do acesso à função pública por via do concurso, este princípio deve ser interpretado em sentido amplo, ou seja: não só o acesso deve ser feito por via de concurso, como as condições desse acesso também assim devem ser asseguradas. b. Sendo que, e no que à retribuição respeita, conforme verificado, não existe na norma qualquer imposição para que seja pago valor igual ao valor que era pago antes do início do contrato. c. Uma vez que não existe contrato de trabalho anterior, não existe retribuição a manter, não sendo aplicável por referência ao valor de uma bolsa um princípio do direito laboral, especificamente o que consta do artigo 129.º, número 1, alínea d) do Código do Trabalho. AA. Encontramos, assim, uma norma cuja interpretação causa insegurança, violando o artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, pelo que deverá se recusada a aplicação da mencionada norma quando interpretada no sentido que lhe é dado na douta sentença a quo. III.3. – DOS SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL: BB. A decisão que condena a Recorrente no pagamento dos subsídios de férias e de natal do período que mediou entre 01/04/2016 e 01/01/2020 ancora-se na decisão prévia de reconhecimento da antiguidade da Recorrida. CC. Uma vez que estava vedado ao Tribunal – por razões de legalidade e constitucionalidade – o reconhecimento da antiguidade da Recorrida a momento anterior à celebração do contrato na sequência do procedimento de PREVPAP, revogando-se esta primeira decisão, deixa a condenação no pagamento dos subsídios de férias e de Natal de ter o pressuposto fáctico necessário à sua confirmação – pelo que se impõe a sua revogação.” Também a autora recorreu, apresentando alegações que terminam com as seguintes conclusões: “1.ª Com o presente recurso, a Recorrente visa questionar a apreciação da prova feita do que resulta o aditamento de novos factos ao elenco de factos provados. 2.ª Com efeito, a Recorrida estava obrigada a pagar à Recorrente mensalmente uma quantia fixa para reembolso das despesas desta com o Seguro Social Voluntário - facto alegado no art.º 16º da PI e cuja prova documental corresponde ao DOC. 6. 3.ª Duas das testemunhas, em cujos depoimentos o tribunal alicerçou a decisão, confirmaram o pagamento mensal de tal quantia pela Recorrida, bem como o uso que garantia que tal reembolso seria efetivado. 4.ª E, no mesmo sentido, foram as declarações de parte da Recorrente que serviram para fundar a convicção do julgador. 5.ª E, assim, do confronto entre os depoimentos, a declaração da parte e a prova documental resulta que a A. tinha aderido ao SSV, suportando mensalmente a contribuição devida à Segurança Social e era, todos os meses, reembolsada desse pagamento pela Recorrida e que esta se encontrava obrigada a tal prestação, conforme era prática na instituição. 6.ª Nos termos do art.º 258º /3 do CT presume-se que constitui retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador. 7.ª Pelo que se imporia - e se imporá ao Venerando Tribunal - dar como provado que: «l-1). A Autora aderiu ao Seguro Social Voluntário pagando mensalmente as contribuições e que, em 2020, correspondiam a 129,89€./mensais;» e «l-2). A Ré estava obrigada ao reembolso das contribuições para a Segurança Social pagas pela Autora, o que efetivamente fazia, de acordo com o uso em vigor entre as partes e dentro daquela instituição.» 8.ª Erro de apreciação do Tribunal recorrido que deverá ser corrigido por este Venerando Tribunal em correta interpretação do 662º/1 do CPC. 9.ª O PREVPAP consiste no reconhecimento de que a situação dos trabalhadores abrangidos correspondia a uma relação laboral pré-existente, não representando a criação de uma nova relação contratual. 10.ª Daquela asserção extraiu o Tribunal recorrido diversas consequências: obrigatoriedade do pagamento de todos os subsídios em falta e a manutenção da retribuição auferido à data da formalização do vínculo (janeiro de 2020). 11.ª Porém, o Tribunal a quo, não retirou todas as consequências do princípio da irredutibilidade da retribuição, comando previsto no art.º 129º /1 d) do CT. 12.ª A retribuição da Recorrente à data da formalização do vínculo integrava duas parcelas cujo pagamento era efetuado mensalmente pela Recorrida à Recorrente: (i) a quantia paga a título de bolsa e (ii) a quantia paga a título de reembolso dos encargos com as contribuições para a Segurança Social (SSV). 13.ª Isto é, uma retribuição mensal ilíquida de 1479,89€ (1350,00€ + 129,89€) e sobre a qual incidiam os descontos legais. 14.ª A base de incidência contributiva não é arbitrária ou voluntária, antes correspondendo a uma remuneração convencional indexada ao valor do IAS - cfr. art.º 180º /1 do Código dos Regimes Contributivos. 15.ª Tendo aderido a Recorrente ao SSV, a Recorrida estava obrigada a reembolsá-la das quantias suportadas mensalmente, quer porquanto assim impõem os usos em vigor na instituição Recorrida, quer porque esta se encontrava obrigada ao cumprimento do Regulamento das Bolsas de Investigação da FCT que determina tal reembolso. 16.ª A situação de base da Recorrente não cessou com a formalização do contrato de trabalho ocorrida em fevereiro de 2020, uma vez que se mantem ligada ao mesmo sistema previdencial ainda que ao abrigo de um regime diferente previsto no mesmo Código Contributivo. 17.ª Pelo que se impõe a manutenção da quantia que a Recorrente auferia, fixando, agora, a remuneração base mensal em 1479,89€, sob pena de violação do princípio da irredutibilidade da retribuição. 18.ª Sobre esta quantia global incidirão todos os descontos relativos ao tratamento fiscal e para a Segurança Social que são aplicáveis a todos os trabalhadores. 19.ª O mesmo sucede com os subsídios de Férias e de Natal e as diferenças salariais em falta - a base que serve de cálculo para o montante dos subsídios em dívida tem de corresponder à quantia ilíquida total efetivamente paga à data do vencimento de cada um deles (bolsa e encargos com o SSV) e, apenas sobre esse montante global, poderão incidir os descontos dos impostos e as contribuições para a Segurança Social. 20.ª O entendimento sustentado pelo Tribunal a quo conduz a uma ilegal porque dupla incidência dos descontos: à quantia global recebida à data da formalização do vínculo (1479,89€), bem como à data de vencimento de cada um dos subsídios de férias e de Natal, o Tribunal a quo entendeu subtrair a quantia relativa ao pagamento do SSV e sobre essa quantia diminuída deliberou que se processassem os novos descontos. 21.ª O Tribunal recorrido incorreu, assim, considerando que a retribuição anterior não incluía a parcela auferida relativa aos encargos com a Segurança Social (SSV), mas sujeitando-a aos descontos decorrentes do tratamento fiscal e para a Segurança Social, quer quanto à fixação da retribuição base, quer quanto às diferenças salariais e aos subsídios em dívida, em erro de julgamento, errando na aplicação da norma dos art.ºs 129º /1 d) do CT e 14º /3 da Lei PREVPAP.” Não foram apresentadas contra-alegações a qualquer dos recursos. Admitidos os recursos na espécie própria e com os adequados regimes de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido douto parecer no sentido da improcedência dos recursos. Tal parecer não mereceu qualquer resposta. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento. II OBJECTO DO RECURSO Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então, e por ordem de precedência lógica, as questões que cumpre apreciar: a) Impugnação da matéria de facto (recurso da autora) b) Antiguidade da autora; (recurso da ré) c) Valor da retribuição e se são devidos os subsídios de férias e de Natal reclamados; (recursos da autora e da ré) d) Violação dos art.s 2.º e 47.º n.º 1 da CRP. (recurso da ré) III – FUNDAMENTAÇÃO: - Da impugnação da matéria de facto: Estabelece o artigo 662.º n.º 1 do CPC, sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” Dispõe, por seu lado, o artigo 640.º do CPC, cuja epígrafe é Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Decorre com clareza das normas citadas que ao recorrente cumpre discriminar os pontos de facto que a seu ver foram incorrectamente julgados, especificar os meios probatórios que impunham, relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnados, decisão diversa da recorrida, sendo que se se tratar de declarações/depoimentos gravados, incumbe ao recorrente indicar com precisão as passagens da gravação em que funda o recurso - sem prejuízo de poder, aí querendo, proceder à transcrição dos excertos das gravações que considere relevantes -, impondo-se-lhe ainda que explicite a decisão que, no seu entender, deveria ter sido dada a cada um dos pontos de facto por si impugnados. A autora quer que, a acrescer ao elenco dos factos que o Tribunal recorrido deu como provados, excepto os que se encontram provados sob a al. l) (que os factos aditandos visam substituir), se considere ainda provado que: “l-1). A Autora aderiu ao Seguro Social Voluntário pagando mensalmente as contribuições e que, em 2020, correspondiam a 129,89€./mensais; l-2). A Ré estava obrigada ao reembolso das contribuições para a Segurança Social pagas pela Autora, o que efetivamente fazia, de acordo com o uso em vigor entre as partes e dentro daquela instituição.” Factos estes que, segundo invoca a autora, integram a matéria que alegou em 16.º da petição inicial. Ora, esse artigo 16.º tem a seguinte redacção: “16.º Além disso [14.º Em 01/04/2019 tal valor foi aumentado passando a A. a receber, até à data da formalização do contrato de trabalho a que adiante se fará referência, um valor fixo mensal de 1350,00€ - cfr., a título de exemplo para este período, DOC. 5B - VERBETE DE ABRIL DE 2019. 15.º Tais quantias foram pagas pela Ré à A., apenas, 12 vezes por ano.], a A. recebia da Ré mensalmente o reembolso relativo ao pagamento mensal que efetuava à Segurança Social a título de Seguro Social Voluntário (regime contributivo de caráter facultativo) e que em Janeiro de 2020 correspondia a 129,89€ - cfr., a título de exemplo, DOC. 6 - REEMBOLSOS DO SSV EFETUADOS RÉ RELATIVOS AOS MESES DE JULHO A DEZEMBRO DE 2019.” E, na falada al. l) dos factos provados, consignou o Tribunal a quo como provada a seguinte factualidade: “l). Tendo a autora aderido ao regime de seguro social voluntário, a ré reembolsava-a dos montantes que, a esse título, liquidava, cifrados, em 2020, no valor mensal de € 129,89.” Ou seja, embora usando uma terminologia ligeiramente diferente, o tribunal recorrido considerou provado o essencial do alegado pela autora em 16.º do articulado inicial. Certamente por isso, adiantamos nós, não elencou como matéria de facto não provada qualquer da factualidade alegada pela autora no artigo 16.º da P.I. (na sentença recorrida apenas se assinalou expressamente como não provado que A pessoa(s) que se encontrasse(m) nas mesmas condições da autora, a ré haja dispensado tratamento mais favorável.), nem, na motivação dos factos não provados lhe fez qualquer referência (“No que concerne à materialidade que se deu por indemonstrada, considerou o tribunal que a prova que se produziu não se apresentou de molde a suportar a correspondente afirmação de veracidade ou realidade. Com efeito, a autora, nas declarações que lhe foram tomadas, fez pouco mais do que algumas referências difusas sobre a matéria considerada, sendo que, por seu turno, a documentação junta aos autos não permite, de forma clara, extrair quaisquer conclusões, registando-se que a apodada lista de integração não passa de mera proposta, para além de se desconhecer em que circunstâncias se encontravam as pessoas que pela ré, ao tempo da integração ou posteriormente, foram contratadas.”) E, ademais, o que a autora quer ver agora aditado à matéria de facto provada tem manifesta natureza conclusiva e até jurídica. Com efeito, saber se a ré estava obrigada ao reembolso das contribuições para a Segurança Social pagas pela autora – ou mais rigorosamente, do Seguro Social Voluntário pago pela autora - é conclusão que só poderá extrair-se de concretos factos que, valorados à luz das pertinentes normas jurídicas, a permitam eventualmente extrair, o mesmo acontecendo quanto a tal reembolso ser efectuado de acordo com o uso em vigor entre as partes e dentro daquela instituição. Não merece, pois, acolhimento a pretensão da autora, sendo despiciendos quaisquer outros considerandos. E, assim, os factos relevantes para a decisão da causa são, como resulta da decisão recorrida, os seguintes: “a). A ré é uma Fundação Pública com regime de direito privado. b). No dia -.03.2016, foi entre a ré e a autora celebrado, por escrito, contrato denominado “Contrato de Bolsa de Investigação”, pelo período de 12 meses e com início a 01.04.2016, sujeito a renovação. c). O contrato mencionado em b), foi sendo renovado, ininterrupta e sucessivamente, tendo-se mantido em vigor até 31.01.2020. d). A coberto da vinculação assim formalizada, e sem prejuízo de outras funções previstas em planos de actividade, a autora, a partir de 01.04.2016, exerceu, em continuidade mantida até depois de 31.01.2020, as seguintes funções administrativas e técnicas inerentes aos projectos de ensino pós-graduado da responsabilidade das unidades de investigação CTAC [Centro de Território, Ambiente e Construção] e ISISE [Institute for Sustainability and Innovation in Structural Engineering], designadamente: - Gestão de processos administrativos relacionados com os alunos do 3º ciclo (Programa Doutoral em Engenharia Civil, FCT – InfraRisk, FCT – iRail, FCT – EcoCoRe); - Organização dos workshops do Programa Doutoral em Engenharia Civil (PDEC) e apoio à organização dos workshops anuais do CTAC; - Apoio à Direcção. e). As sobreditas funções foram à autora atribuídas pelo director do programa doutoral e pelos directores do CTAC e do ISISE, tendo sido sempre exercidas pela autora nas instalações da ré, em particular na secretaria do Departamento de Engenharia Civil, sita no campus de … – Guimarães, e naqueles dois centros. f). Na execução das consideradas funções, a autora utilizou, sempre também, e em exclusivo, os materiais, equipamentos e instrumentos que lhe foram facultados pela ré e pertença desta. g). Para além disso, a autora observou sempre o horário definido pela ré, que cumpria das 9h00m-12h30m e das 14h00m-17h30m, com subordinação a controlo pelo director do programa doutoral e pelos directores do CTAC e do ISISE, sendo que, a partir de 04.05.2016, na sequência do Despacho RT-25/2016, passou a picar o ponto. h). A autora submetia, ainda, à apreciação do director do programa os períodos em que pretendia gozar descanso anual, períodos esses sujeitos à respectiva aprovação, estando, de igual forma, sujeita a validação pelo mesmo da justificação das suas faltas. i). Como contrapartida das funções que exerceu, a autora recebeu da ré, 12 vezes por ano, os seguintes valores: i. Entre 01.04.2016 e 31.03.2018: € 745,00; ii. Entre 01.04.2018 e 31.03.2019: € 980,00; iii. Entre 01.04.2019 e 31.01.2020: € 1.350,00. j). A autora desenvolvia actividade em exclusivo para a ré, constituindo a contrapartida que desta recebia a sua única fonte de rendimento. l). Tendo a autora aderido ao regime de seguro social voluntário, a ré reembolsava-a dos montantes que, a esse título, liquidava, cifrados, em 2020, no valor mensal de € 129,89. m). No âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários [PREVPAP], foi, na sequência de requerimento apresentado com respeito à situação da autora, emitido pela Segunda Comissão de Avaliação Bipartida [CAB] da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior parecer favorável à regularização extraordinária do vínculo que vinha mantendo com a ré, por ter sido considerado que as funções que exercia satisfaziam necessidade permanentes da universidade e que o vínculo estabelecido – contrato de bolsa – era inadequado. n). Tendo o referido parecer ter sido objecto de homologação pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das Finanças, do Trabalho, da Solidariedade e Segurança Social, a autora foi notificada do Projecto de Decisão aprovado pelo Conselho de Gestão da ré de 28 de Novembro, relativo à sua integração no âmbito do PREVPAP. o). Desse projecto constava que a ré pretendia integrar a autora na categoria de Técnico Superior e que a sua retribuição se quantificaria em € 995,51, correspondente ao nível retributivo 11-A, tendo a definição dessa posição retributiva tido por base a remuneração mensal bruta de € 745,00 nos termos previstos na Deliberação do Conselho de Gestão nº 17/2019, de 31 de Outubro. p). Em 16.12.2019, a autora manifestou o seu desacordo ao projecto de decisão que lhe foi comunicado, mormente quanto ao valor da retribuição aí previsto. q). Não tendo a ré a atendido a essa manifestação, apresentou à autora escrito denominado “Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado”, que por esta veio, sob protesto, a ser assinado aos 24.01.2020. r). Da Cláusula 1ª do mencionado escrito ficou a constar que: “1. O presente contrato é celebrado por tempo indeterminado e tem início em 01.02.2020. 2. Ao abrigo do disposto no artigo 11º da Lei PREVPAP, o tempo de serviço prestado na situação de exercício de funções a regularizar é contabilizado para efeitos de duração do decurso do período experimental, sendo o mesmo dispensado quando aquele tempo de serviço seja igual ou superior à duração de 180 dias, definida no artigo 112º nº 1, alínea b) do Código do Trabalho. 3. Em conformidade com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 14º da Lei PREVPAP, a antiguidade na categoria reporta-se a 01-04-2016”. s). Mais foi feito constar da Cláusula 5ª do escrito sob consideração que: “1. O primeiro outorgante pagará ao segundo outorgante a retribuição base mensal de € 995,51 (novecentos e noventa e cinco euros e cinquenta e um cêntimos), correspondente entre à 1ª posição retributiva da categoria e ao nível retributivo 11-A, da tabela retributiva única constante no anexo III do Regulamento, em conformidade com o preceituado no artigo 37º nº 5 do Regulamento. 2. Sobre a remuneração incidem os descontos legalmente previstos”. t). Por seu turno, da Cláusula 6ª foi feito constar: “1. À retribuição referida na cláusula anterior será acrescido o respectivo subsídio de refeição (…). 2. O Segundo Outorgante terá ainda direito aos subsídios de Férias e de Natal, de acordo com a legislação aplicável em vigor”. u). Em Fevereiro e Março de 2020, a autora recebeu da ré, nos termos previstos pelo artº 3º, nº 1 do Dec. L. nº 123/2019, de 28.08, a quantia global de € 721,84.” - Da antiguidade da autora: A recorrente insurge-se, logo em primeiro lugar, contra o reconhecimento na sentença recorrida da antiguidade da autora por reporte a 01 de Abril de 2016. Assim, e designadamente, diz a recorrente que “Sendo indubitável que a Recorrida apenas foi integrada com contrato de trabalho por tempo indeterminado porquanto foi opositora ao regime do PREVPAP (previsto e regulado pela Lei 112/2017, de 29 de dezembro), entende a Recorrente que tal regime não pressupõe que, nos casos em que os opositores não detinham um vínculo laboral prévio, haja o reconhecimento da existência de uma relação laboral prévia.” Vejamos. Já previa o n.º 1 do art. 25.º da Lei 42/2016, de 28.12 (Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2017) que “No âmbito da estratégia de combate à precariedade definida no artigo 19.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, e na sequência do levantamento dos instrumentos de contratação utilizados pelos serviços, organismos e entidades da Administração Pública e do setor empresarial do Estado, o Governo apresenta à Assembleia da República até ao final do primeiro trimestre de 2017 um programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública para as situações do pessoal que desempenhe funções que correspondam a necessidades permanentes dos serviços, com sujeição ao poder hierárquico, de disciplina ou direção e horário completo, sem o adequado vínculo jurídico.” Também o ponto 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2017, de 28.2, e depois de no seu preâmbulo ter nomeadamente consignado que “Efetivamente, em obediência ao princípio da garantia de efetivação dos direitos fundamentais, corolário constitucional do Estado de direito democrático, importa regularizar as situações contratuais desadequadas que vierem a ser definitivamente identificadas, tendo em vista corrigir situações de flagrante injustiça da responsabilidade do próprio Estado, ainda que tenham tido por objetivo dar cabal cumprimento às obrigações de serviço público que lhe são legalmente atribuídas.” determinava que “são abrangidos pelo PREVPAP todos os casos relativos a postos de trabalho que, não abrangendo carreiras com regime especial, correspondam a necessidades permanentes dos serviços da administração direta, central ou desconcentrada, e da administração indireta do Estado, incluindo o setor empresarial do Estado, sem o adequado vínculo jurídico, desde que se verifiquem alguns dos indícios de laboralidade previstos no artigo 12.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro.” Foi nesta senda que a Portaria n.º 150/2017, de 03.5 (Portaria que criou as designadas Comissões de Avaliação Bipartida – CAB), prevê também no seu preâmbulo: “Pretende-se que sejam ponderadas as situações de exercício de funções que correspondam a trabalho subordinado que concorrem para a satisfação de necessidades permanentes e não sejam baseadas num vínculo jurídico adequado.”. Posto o que, em harmoniosa decorrência, no art. 1.º, n.º 1, da Lei 112/2017, de 29.12, que estabelece o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários, se diz que “A presente lei estabelece os termos da regularização prevista no programa de regularização extraordinária dos vínculos precários de pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam a necessidades permanentes da Administração Pública, de autarquias locais e de entidades do setor empresarial do Estado ou do setor empresarial local, sem vínculo jurídico adequado, a que se referem o artigo 25.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2017, de 28 de fevereiro.” e, no art. 2.º/1 e acerca do seu âmbito de aplicação, que “A presente lei abrange as pessoas que exerçam ou tenham exercido funções que correspondam ao conteúdo funcional de carreiras gerais ou especiais e que satisfaçam necessidades permanentes dos órgãos ou serviços abrangidos pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e alterada pelas Leis n.os 84/2015, de 7 de agosto, 18/2016, de 20 de junho, 42/2016, de 28 de dezembro, 25/2017, de 30 de maio, 70/2017, de 14 de agosto, e 73/2017, de 16 de agosto, bem como de instituições de ensino superior públicas de natureza fundacional, de entidades administrativas independentes com funções de regulação da atividade económica dos setores privado, público e cooperativo e de entidades do setor empresarial do Estado ou do setor empresarial local, cujas relações laborais são abrangidas, ainda que em parte, pelo Código do Trabalho, com sujeição ao poder hierárquico, à disciplina ou direção desses órgãos, serviços ou entidades, sem vínculo jurídico adequado”. E o art. 14.º da mesma Lei 112/2017 estabelece: “Entidades abrangidas pelo Código do Trabalho 1 - Em órgãos, serviços ou entidades abrangidos pelo n.º 1 do artigo 2.º, tratando-se de relações laborais abrangidas pelo Código do Trabalho, a homologação, pelos membros do Governo competentes, dos pareceres das CAB das respetivas áreas governamentais que identifiquem situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes, sem vínculo jurídico adequado e, no setor empresarial local, a decisão da respetiva câmara municipal nos termos do n.º 4 do artigo 2.º, obriga as mesmas entidades a proceder imediatamente à regularização formal das situações, conforme os casos e nomeadamente mediante o reconhecimento: a) De que as entidades ficam, para este efeito, dispensadas de quaisquer autorizações por parte dos mesmos membros do Governo; b) Da existência de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da presunção de contrato de trabalho, e por tempo indeterminado por se tratar da satisfação de necessidades permanentes; c) De que os contratos de trabalho celebrados com termo resolutivo ao abrigo dos quais essas funções são exercidas se consideram desde o seu início sem termo, ou se converteram em contratos de trabalho sem termo, de acordo com o artigo 147.º do Código do Trabalho; d) De que, havendo trabalho temporário prestado à entidade em causa com base em contrato de utilização de trabalho temporário celebrado fora das situações de admissibilidade, o trabalhador se considera vinculado à mesma entidade por contrato de trabalho sem termo, de acordo com o n.º 3 do artigo 176.º do Código do Trabalho. 2 - De acordo com a legislação laboral, o reconhecimento formal da regularização, produzida por efeito da lei, não altera o valor das retribuições anteriormente estabelecido com a entidade empregadora em causa quando esta era parte do vínculo laboral preexistente. 3 - Nas situações a que não se aplica o número anterior, as retribuições serão determinadas de acordo com os critérios gerais, particularmente a retribuição mínima mensal garantida e as tabelas salariais das convenções coletivas aplicáveis. 4 - As entidades da Administração Pública não pertencentes à administração direta ou indireta do Estado, cujas relações laborais são reguladas pelo Código do Trabalho, procedem à identificação de situações de exercício de funções que satisfaçam necessidades permanentes e sem vínculo adequado, sendo aplicável a regularização formal das situações de acordo com o disposto no n.º 1. 5 - O procedimento de regularização dos vínculos precários nas entidades abrangidas pelo Código do Trabalho termina em 31 de maio de 2018.” (o realce é sempre nosso) Da análise conjugada destes diplomas, e particularmente dos princípios e normas citados, resulta claro que o legislador pretendeu corrigir situações no seio da administração pública que, constituindo materialmente contratos de trabalho por tempo indeterminado, os prestadores de actividade estavam formalmente ligados à administração mediante os mais variados tipos de vínculo – contratos de trabalho a termo resolutivo, contratos de trabalho temporário, contratos emprego-inserção, estágios, bolsas de investigação, bolsas de gestão de ciência e tecnologia, contratos de prestação de serviços… -, todos de «natureza precária». Como tem sido reafirmado em diversos acórdãos desta Relação, “com a criação do programa PREVPAP [regularização dos vínculos precários na Administração Pública e no Sector Empresarial do Estado], não foi intenção do legislador criar uma nova relação contratual de natureza laboral, mas sim teve como finalidade impor à entidade beneficiária do trabalho precário a obrigação de reconhecer a pré existência do vínculo laboral, nas situações em que se verificassem os requisitos para o efeito – cfr art.º 14.º n.º 1 b) da Lei n.º 112/2017. Só se reconhece aquilo que já existe assim partindo do pressuposto que o legislador soube exprimir corretamente o seu pensamento (cfr. artigo 9.º do Código Civil), é manifesto que a sua intenção foi a de que a entidade beneficiária assuma que a relação existente antes da regularização do vínculo precário era já uma relação de natureza laboral, pois, só assim se explica o recurso à figura da presunção do contrato de trabalho e da expressão “reconhecer”. Tal tem sido entendido em paridade com o que sucede na ARECT relativamente ao sector privado, salvaguardando assim o princípio da unidade do ordenamento jurídico.” (1) Também no Ac. do STJ de 22.6.2022 (2), se assentou que «(…) quanto à reclassificação e remuneração da recorrida no âmbito da integração nos quadros da Ré, através do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública e setor empresarial do Estado (PREVPAP), importa ter em consideração o que salientou o acórdão recorrido: “o PREVPAP não cria novos vínculos laborais, antes regulariza situações (precárias) preexistentes, consistindo o dito programa, como resulta da exposição de motivos da referida Proposta de Lei 91/XIII, no reenquadramento contratual das situações laborais irregulares de modo a que as mesmas passem a basear-se em vínculos contratuais adequados” e, ainda como é referido na mesma peça “na sequência daquele processo de regularização, impunha-se à Ré proceder ao enquadramento da Autora, considerando a sua antiguidade, tipo de funções desempenhadas, grau de complexidade e responsabilidade, bem como retribuí-la em conformidade”.» Foi também este o caminho seguido na decisão recorrida, onde a propósito se escreveu: “Fundamentalmente, aquilo que por via do sobredito regime se pretendeu foi estender ao sector público o que, através da L. nº 63/2013, de 27.08, havia sido feito já relativamente à precaridade dos vínculos no domínio do sector privado, com a previsão da acção com processo especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, disciplinada nos artºs 186º- K e ss. do CPT, de que se destaca a previsão do nº 8 do artº 186º-O, no qual se prescreve que a sentença que reconheça a existência de um contrato de trabalho fixa a data do início da relação laboral. Ora, também por via do PREVPAP o que se pretendeu foi, justamente, garantir o reconhecimento de que situações anteriormente constituídas correspondiam já a relações laborais, impondo-se a respectiva regularização, através da formalização de contratos de trabalho em funções públicas ou de contratos individuais de trabalho, nos termos previstos pelo artº 7º da LTFP e 11º do CT, respectivamente. Importa ressaltar, em convergência com o que vem de dizer-se, a previsão do artº 13º da L. nº 112/2017, do qual emerge a imposição de respeito pela antiguidade, a significar, reforçadamente, não ter estado na mente do legislador a criação, por via do sobredito regime, de vínculos ex nunc, mas, outrossim, a formalização por via da celebração de contratos de trabalho do reconhecimento de situações pré-constituídas e qualificáveis como tal.” Concordamos inteiramente com o entendimento assim expendido. Com efeito, enfatiza a recorrente, em abono da sua tese, que no caso em análise a prestadora da actividade/recorrida não detinha um vínculo laboral prévio, mas facto este que convém precisar. Efectivamente, a autora/recorrida não se encontrava previamente (à regularização do seu vínculo no âmbito do PREVPAP) vinculada à ré/recorrente através de um contrato formalizado como contrato de trabalho, antes de um contrato, que foi sendo sucessivamente renovado, designado de “Contrato de bolsa investigação” (cf. al.s b) e c) da factualidade provada). Todavia, na sua execução tais contratos configuravam um verdadeiro contrato de trabalho (cf. al.s d) a j) do elenco dos factos provados e art.s 11.º e 12.º, este particularmente al.s a) a d) do seu n.º 2, do CT). E é, em suma, porque assim acontecia que a autora foi abrangida pelo PREVPAP. E o que em essência se fez no âmbito deste, e utilizando as palavras da lei, foi “o reconhecimento formal da regularização”. Ora, tendo a autora iniciado a prestação do seu trabalho para a ré em 01.4.2016, não se alcança nenhuma razão valida para não se considerar a sua antiguidade desde essa data, mas apenas desde 01.02.2020 (apenas se fazendo reportar a 01.04.2016 a antiguidade na categoria; cf. al. r) dos factos provados), olvidando na parte que medeia entre uma e outra data o «primado da realidade», e cortando ao contrato de trabalho que – nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 14.º da Lei 112/2017, de 29.12 – deve ser reconhecido à autora parte da sua “existência”. Não se afigura correcta a afirmação da recorrente que da diferença do regime previsto na al. b do n.º 1 do referido art. 14.º, em contraponto com o regime previsto nas al.s c) e d) do mesmo artigo, “tem que resultar uma diferença de actuação, pois que se o legislador pretendesse que o regime fosse o mesmo, tê-lo-ia plasmado na letra da lei, incluindo na alínea b) do número 1 do artigo 14.º menção idêntica à que faz na alínea seguinte (e na d), também, mas esta por via de remissão).” Na mencionada al. b) prevê-se o reconhecimento de contratos de trabalho, nomeadamente por efeito da já falada presunção (art. 12.º do CT), sem qualquer amputação. Se o contrato de trabalho deve ser reconhecido, que é o que a lei prescreve, e fazendo apelo aos critérios legais da interpretação (v.g. art. 9.º/3 do CC), deve sê-lo na íntegra, desde o seu início. Ademais, se alguma utilidade orientadora se pode retirar da redacção das referidas al.s c) e d) para a interpretação da al. b), é que a lei pretende que seja considerada toda a antiguidade. Daí que, concordando-se com a recorrente quando diz que “o programa de regularização extraordinária dos vínculos precários na Administração Pública, PREVPAP, regulado pela Lei 112/2017, de 29 de dezembro, surge como uma excepção ao regime jurídico a que a Recorrente está obrigada, no que à contratação de trabalhadores respeita.”, discordamos quando, trazendo nomeadamente à colação o Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador da Universidade ..., publicado no Diário da República, 2ª série, de 12 de maio de 2017, e que nos seus termos a celebração de contratos de trabalho terá de ser precedida de um processo de recrutamento e seleção prévio, em obediência aos princípios gerais de direito, designadamente “Liberdade de candidatura, igualdade de condições e oportunidades para todos os candidatos”, pretende estar legalmente impedida de reconhecer a antiguidade nos termos reclamados pela autora. Como vimos, o regime excepcional estabelecido pelo PREVPAP consagra o reconhecimento do contrato de trabalho sem que preveja qualquer restrição (relativamente à situação a reconhecer como integrando um contrato de trabalho) à fixação da data do seu início e, assim, abarcando toda a antiguidade do, agora assim considerado, trabalhador. Acresce que se afigura claro que o disposto no art. 3.º/1 a) da Lei 112/2017 destina-se apenas a estipular uma janela de tempo para determinação dos interessados (opositores aos procedimentos concursais) ilegíveis para efeitos do PREVPAP e a data aposta no contrato como do seu início (01.02.2020) é «apenas» a data do início do contrato formalizado como contrato de trabalho. - Da retribuição devida à autora: A ré defende que está correcto o valor mensal que, a título de retribuição, consta do contrato de trabalho por tempo indeterminado (€ 995,51; valor ilíquido), e que o Tribunal recorrido errou ao fixar a retribuição no valor mensal de € 1.350,00 (ilíquidos). Na decisão recorrida fundamentou-se a opção tomada, e nomeadamente, nos seguintes termos: “Ora, no particular de que ora nos ocupamos, e tal como emerge da materialidade que se demonstrou, a retribuição base da autora foi fixada no valor mensal de € 995,51, tendo por base os critérios termos previstos pela Deliberação do Conselho de Gestão nº 17/2019, de 31.10, ou seja, de acordo com o valor bruto anual mencionado na al. i), subponto i., que foi ajustado ao nível 11-A da tabela retributiva única constante do anexo III ao Regulamento de Carreiras, Recrutamento e Contratação em Regime de Contrato de Trabalho de Pessoal não Docente e não Investigador da Universidade ... – cuja última versão foi publicada no Diário da República, 2ª Série, nº 92, de 12 de Maio de 2017. Por via disso, avulta que, para a determinação da retribuição mensal ilíquida da autora, a ré atendeu ao valor que a mesma auferia como bolseira, sem que, quanto a isso, as partes estejam em desacordo. Sucede, contudo, que a ré, partindo, embora, daquele critério, que é o correcto, tomou por referência o valor percebido pela autora no período temporal reportado na sobredita al. i), subponto i., quando, na verdade, deveria, isso sim, ter tomado em consideração aquele que a mesma recebia no momento da formalização do vínculo laboral, e que era de € 1.350,00. A opção da ré passou, na oportunidade da formalização do vínculo, por considerar um período temporal, em que, do ponto de vista retributivo, a autora recebia valor mensal inferior ao que lhe era pago aquando daquela formalização. E, com isso, veio a resultar diminuição na retribuição da autora, com produção na esfera jurídica desta de injustificado prejuízo, contrário aos princípios subjacentes à L. nº 112/2017, que, como se disse acima, inserida no âmbito de política de combate à precaridade laboral, não pretendeu originar a constituição de novos vínculos, mas, outrossim, o reconhecimento de vínculos pré-existentes de natureza laboral. À ré impunha-se, por conseguinte, que esse reconhecimento, realizado por via do contrato de trabalho que veio a ser formalizado, por razões não oponíveis à autora, apenas em Janeiro de 2020, tivesse tido por base aquela que era contemporaneamente a medida da contrapartida por esta auferida, e que, na circunstância, era, como se disse já, de € 1.350,00, representando o procedimento que, em contrário, a ré prosseguiu violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, com assento na al. d) do nº 1 do artº 129º do CT.” Os já citados números 2 e 3 do artigo 14.º da Lei 112/2017, de 29 de Dezembro, cuja pertinência para a análise da questão reconhecemos, estabelecem: “2 - De acordo com a legislação laboral, o reconhecimento formal da regularização, produzida por efeito da lei, não altera o valor das retribuições anteriormente estabelecido com a entidade empregadora em causa quando esta era parte do vínculo laboral preexistente. 3 - Nas situações a que não se aplica o número anterior, as retribuições serão determinadas de acordo com os critérios gerais, particularmente a retribuição mínima mensal garantida e as tabelas salariais das convenções coletivas aplicáveis.” Como já se aludiu e resulta dos factos provados, a autora não prestava o seu trabalho à ré mediante um contrato formalizado como contrato de trabalho. É particularmente à luz do citado número 3 que temos, portanto, de dilucidar a questão. O ponto passa, pois, por determinar o que quer o legislador significar com a expressão “as retribuições serão determinadas de acordo com os critérios gerais”. Quais critérios gerais? Afigura-se que os critérios ínsitos à legislação laboral, v.g. aqueles a que recorreu o Tribunal recorrido. O tema da fixação do valor da retribuição surge, na própria economia da lei, como consequência do reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, reconhecimento que podia até implicar já (como no caso) o recurso ao CT, mormente ao disposto no seu art. 12.º. E um dos princípios consagrados na legislação laboral em matéria de retribuição é o da sua irredutibilidade – cf. art. 129.º/1 d) do CT. O que não retira razão de ser nem conflitua com a alusão na mesma norma à “retribuição mínima mensal garantida” e às “tabelas salariais das convenções coletivas aplicáveis”, pois sempre poderão conter patamares mínimos que, nos «termos gerais», tenham de ser respeitados. Esgrime a recorrente que “não é possível estabelecer um paralelismo entre o exercício actividade como bolseira e o exercício de funções em regime de contrato de trabalho, nomeadamente no que à contrapartida pecuniária respeita.” Este raciocínio parecer-nos-ia correcto se estivéssemos a contrapor um verdadeiro exercício de actividade como bolseira a um contrato de trabalho. Sucede que, uma vez mais utilizando terminologia da lei, o vínculo formalizado com a autora, “Contrato de bolsa de investigação”, não era o adequado; o que se reconheceu – pois que eram esses os pressupostos a verificar no caso; cf. designadamente al. b) do n.º 1 do art. 14.º da Lei 112/2017 – é que a autora, não estando formalmente vinculada à ré mediante um contrato de trabalho, esteve vinculada à ré, ab initio, em termos que materialmente configuravam um contrato de trabalho. Por isso que entendemos que a decisão da 1.ª instância também é neste plano correcta, fazendo uma boa aplicação da lei. O recurso (para fixar o valor da retribuição mensal) ao valor que por último pagava a ré à autora é o único que se mostra idóneo a respeitar o princípio da irredutibilidade da retribuição. A autora pretende que aquele valor de € 1.350,00 acresça o valor de € 129,89, valor este que pagava mensalmente de Seguro Social Voluntário, a que aderiu, e cujo reembolso lhe era efectuado pela ré. Alega, com efeito que, nos termos do art. 258.º/3 do CT, se presume que constitui retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador, e que tal presunção não foi ilidida pela ré. Que dizer? Efectivamente o n.º 3 do art. 258.º do CT estabelece que “Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.”. Simplesmente no caso sabe-se a razão de ser da prestação: está provado, de resto em conformidade com o alegado pela própria autora, que tendo a autora aderido ao regime de seguro social voluntário, a ré reembolsava-a dos montantes que, a esse título, liquidava, cifrados, em 2020, no valor mensal de € 129,89. O pagamento deste valor pela ré à autora deriva, pois, de uma causa diversa da remuneração do trabalho. Constitui o reembolso da quantia que mensalmente a autora despendia com o seguro social voluntário, a que aderiu. Ora, nos termos do n.º 1 do artigo citado, “Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.” (sublinhado nosso) De resto, que nem todas as prestações pagas pelo empregador são consideradas retribuição decorre também do art. 260.º CT. Concorda-se assim com o que a propósito se diz no douto parecer da Exm.ª PGR, em linha com o propugnado na decisão recorrida, “No caso em apreciação, trata-se do reembolso dos montantes pagos pela Autora a título de Seguro Social Voluntário, não integrando a retribuição, pois não constituíam contrapartida da prestação do trabalho. Em nosso entender, tal reembolso não tem natureza retributiva pois que o seu fundamento não é a actividade prestada.” Também em douto acórdão do STJ de 21.9.2017, e valendo-nos da síntese do respectivo sumário, se defendeu que “1. Princípio reitor na definição da retribuição (stricto sensu), visto o carácter sinalagmático que informa o contrato de trabalho, é a exigência da contrapartida do trabalho, pois só se considera retribuição aquilo a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. (…)” (3) Demonstrado que está que a quantia em causa não constitui contrapartida do trabalho da autora, e sem necessidade de mais largos considerandos, tem a sua pretensão de improceder. Por último: Como também decorre das normas que na decisão recorrida se identificaram, são devidos subsídios de férias e de Natal. Daí que, e tendo-se reconhecido a antiguidade da autora com referência a 01.4.2016, sejam devidos os valores reclamados pela autora a este título. - Da invocada violação dos art.s 2.º e 47.º n.º 1 da CRP: Cumpre agora pronunciarmo-nos quanto à invocada inconstitucionalidade da interpretação das normas em que se fundamentou a sentença recorrida, já que a recorrente defende que por força da Lei 112/2017, que aprovou o PREVPAP, só estava autorizada a regularizar a relação contratual que mantinha com a recorrida nos termos em que o fez, pelo que, ao fazer-se reportar – para todos os efeitos, e não somente para cômputo da antiguidade na categoria - a antiguidade da autora a Abril de 2016, ao fixar-se o valor da retribuição que se fixou na sentença, e ao estabelecer-se que a autora tem direito a receber os subsídios de férias e de Natal que peticionou, o Tribunal está a aplicar e a interpretar o regime jurídico do PREVPAP em violação do disposto nos art.s 2.º e 47.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa. O art. 2.º da CRP consagra o princípio fundamental de que a República Portuguesa é um Estado de Direito Democrático (“baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa”), e os n.ºs 1 e 2 do art. 47.º do mesmo diploma fundamental estabelecem, respectivamente, que “Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade.” e “Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.”. Não se lobriga que a aplicação, e interpretação, que acima se fez, corroborando o entendimento da 1.ª instância, das normas da Lei 112/2017, particularmente dos assinalados segmentos do seu art. 14.º, colidam com os princípios ínsitos às normas da CRP que a recorrente trouxe à colação. Diga-se, com particular referência ao n.º 2 do art. 47.º da CRP, que mesmo a regra do concurso como forma normal de provimento de lugares na Administração Pública mais do que determinar a exclusividade desta forma de recrutamento impõe, sim, que sejam devidamente justificados os casos de provimento de lugares sem concurso. (4) A Lei 112/2017 afigura-se clara quer na sua redacção quer na sua intencionalidade, aliás já bem expressa nos diplomas que, versando a matéria, a antecederam, limitando-se o Tribunal recorrido a fazer a sua aplicação ao pleito submetido a julgamento. Como já se escreveu em acórdão desta Relação (5), “Salvo o devido respeito por opinião em contrário, não podemos concordar com a Recorrente, pois a posição assumida na sentença recorrida a propósito quer da antiguidade, quer do direito a receber os subsídios de férias e de natal desde o início da relação contratual estabelecida entre as partes” – e, acrescentamos nós, quanto ao valor da retribuição fixado – “tem acolhimentos na Lei n.º 112/2017, de 29-12.” Não se olvida que, como regra, a ré tem razão quando diz que a celebração de contratos de trabalho terá de ser precedida de um processo de recrutamento e seleção prévio, designadamente em obediência aos princípios gerais de “Liberdade de candidatura, igualdade de condições e oportunidades para todos os candidatos” – já desde a Lei n.º 23/2004, de 22/6 (que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública) se previa que “Aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial, com as especificidades constantes da presente lei.” (art. 2.º, n.º 1), sendo que logo o seu art. 5.º prescrevia sobre o processo de selecção, e obrigava a que fossem respeitados diversos princípios atinentes aqueles referidos pela ré – mas foi precisamente para, indo além deste regime, permitir a integração de trabalhadores, “sujeitos a situações de flagrante injustiça da responsabilidade do próprio Estado”, no seio da administração Pública que foi publicada toda a legislação relativa ao PREVPAP. De todo o modo, como se diz da decisão recorrida, o processo que levou à formalização do contrato individual de trabalho aqui em causa nada teve de arbitrário. Ante o exposto, é de confirmar in totum a sentença recorrida. V – DECISÃO Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedentes ambos os recursos e confirmar a decisão recorrida. Custas das apelações a cargo da respectiva recorrente. Notifique. Guimarães, 20 de Outubro de 2022 Francisco Sousa Pereira (relator) Antero Veiga Vera Maria Sottomayor 1. Cf. Ac. RG de 16.12.2021, Proc. 6149/20.6T8BRG.G1, Relator: Vera Sottomayor, www.dgsi.pt. 2. Proc. 987/19.0T8BRR.L2.S1, Relator: Pedro Branquinho Dias, in www.dgsi.pt. 3. Proc. 393/16.8T8VIS.C1.S1, Gonçalves Rocha, www.dgsi.pt. 4. Ac. n.º 61/2004 TC (Pleno), Proc, 471/01, Relator: Mário Torres, www.tribunalconstitucional.pt. 5. Ac. de 6.12.2021, Proc. 6149/20.6T8BRG.G1, Relator: Vera Sottomayor, www.dgsi.pt. |