Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | AFONSO CABRAL DE ANDRADE | ||
Descritores: | MAIOR ACOMPANHADO INTERNAMENTO LEI SAÚDE MENTAL | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/23/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | 1. A Lei nº 49/2018 de 14 de Agosto criou o Regime Jurídico do Maior Acompanhado eliminando os institutos da interdição e inabilitação. Ocorreu então o que se tem designado como uma alteração de paradigma, substituindo-se um sistema que assentava naqueles dois institutos - interdição e inabilitação - que limitavam a capacidade de exercício do requerido de forma estanque e pré-definida na lei por um sistema que criou a figura maleável do maior acompanhado, com um conteúdo a preencher casuisticamente pelo juiz em função da real situação, das capacidades e possibilidades da pessoa em concreto. 2. O art. 139º,2 CC permite que em qualquer altura do processo sejam determinadas as medidas de acompanhamento provisórias e urgentes, necessárias para providenciar quanto à pessoa e bens do requerido. 3. O art. 148º CC, que dispunha que o internamento do maior acompanhado depende de autorização expressa do tribunal (1) e que em caso de urgência, o internamento pode ser imediatamente solicitado pelo acompanhante, sujeitando-se à ratificação do juiz (2), foi revogado pela Lei 35/2023, de 21 de Julho, que aprovou a Lei de Saúde Mental. 4. Essa revogação teve em vista clarificar o regime legal do internamento compulsivo, e deixar claro que o internamento de maior que estava previsto no Código Civil era uma realidade bem diferente da prevista na LSM, v. g. a possibilidade de integração do beneficiário, como medida de apoio e tratamento, em instituição adequada para o receber e tratar. 5. Se a situação em que o beneficiário se encontra for uma daquelas que na Lei de Saúde Mental está prevista como permitindo ou até exigindo o internamento, então o regime legal aplicável será o da Lei 35/2023 de 21 de Julho, e não o internamento que estava previsto no revogado artigo 148º CC. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Cível de Braga - Juiz 1 corre termos processo de Acompanhamento de Maior em que é visada AA. Os autos iniciaram-se por impulso da própria beneficiária. Ainda antes de proferida a sentença, foi junto aos autos expediente a dar conta da situação de “sem abrigo” em que se encontrava a beneficiária, que viria a ser integrada em instituição de emergência social. Menos de duas semanas após essa integração, a instituição onde a AA foi integrada comunicou nos autos comportamentos disruptivos daquela, que levaram ao cancelamento da sua vaga (a mesma tinha deixado de pernoitar na instituição e não observava as regras de funcionamento da mesma). Os acompanhantes requereram a localização e subsequente condução da beneficiária a consulta no Hospital ..., no ..., o que foi deferido, assinalando o Tribunal que os acompanhantes estão autorizados a proceder ao internamento da AA sempre e só enquanto tal se mostre necessário à sua estabilização, pelo que foram notificados para, caso viesse a ser efectivado o internamento, o informarem nos autos e juntarem declaração médica que o repute de necessário. A AA veio a ser efectivamente internada, ainda que em sede de internamento compulsivo. Por sentença de 13.2.2023 o Tribunal: 1. Decretou o acompanhamento, por razões de doença e comportamento, de AA AA; 2. Nomeou como acompanhantes da Beneficiária, os seus pais BB e CC; 3. Atribuiu aos acompanhantes os poderes gerais de representação e administração total de bens, cabendo-lhes ainda promover que seja prestada a assistência médica e medicamentosa de que necessite e o auxílio permanente para todas as actividades da vida diária, cuidados de higiene/arranjo pessoal e alimentação, por forma a salvaguardar a sua saúde, segurança e conforto, autorizando-se, concretamente, internar a Requerente quando tal se mostre necessário ao seu tratamento e/ou a encontrar-lhe solução habitacional adequada. Foi ainda feita menção expressa de que é necessária autorização expressa do Tribunal para internamento da acompanhada (artigo 148º C.C – consentimento dado na sentença). A determinada altura veio a mãe da beneficiária requerer a aplicação da medida de internamento. O MP, por promoção de 15.9.2022, manifestou reservas à aplicação imediata da medida de internamento, dizendo que o internamento solicitado (compulsivo) parece só ter enquadramento na Lei da Saúde Mental e por isso foi já extraída certidão para o efeito (cfr. refª ...98). Não obstante, poder-se-ão configurar necessárias medidas cautelares. Para habilitar o tribunal a tomar tais medidas, o MP requereu se solicite ao Instituto da Segurança Social a realização de um inquérito social urgente sobre as condições de vida da AA, as alterações do comportamento por ela evidenciadas e a necessidade de tomar de medias urgentes para sua protecção. Em 12.3.2023 a GNR executou mandado de condução para internamento da beneficiária. A 23.3.2023 foi proferido despacho que considerou que a AA estava internada compulsivamente, existindo processo de internamento compulsivo, e que enquanto estiver pendente esse processo de internamento compulsivo não pode o Tribunal sobrepor-se, no sentido de apreciar a validade do internamento. Entretanto foi arquivado o processo de internamento compulsivo, por ter passado a internamento voluntário. A 24.4.2023 foi proferido despacho no qual se pode ler: “Ref.ª ...87: Conforme o Tribunal já salientou no despacho com a Ref.ª ...46, a decisão da necessidade de internamento é uma decisão médica, cumprindo a este Tribunal autorizar o internamento sempre que haja um juízo médico que ateste a necessidade. Na verdade, insiste a acompanhante em pretender que o Tribunal determine, motu próprio e contra o entendimento dos médicos, o internamento da Beneficiária em instituição por si (acompanhante) escolhida e, pelo que parece, suportando os custos eventualmente através do IGFIEJ. Contudo, não pode o Tribunal fazê-lo. Poderá, se a acompanhante lograr vaga e se mostrar necessário o internamento na instituição por si indicada, ser chamado a autorizar a institucionalização, o que fará sempre que os elementos probatórios o recomendem. No mais, deverá a acompanhante e caso necessite de apoio económico para prestar apoio à filha, recorrer, no exercício das suas funções, ao organismo competente: Instituto de Segurança Social, IP. Como tal e por falta de fundamento legal e até factual (no momento presente, o parecer médico é no sentido da alta de internamento), indefere-se o requerido”. Posteriormente, apurou-se que a beneficiária se encontrava sujeita a um processo de internamento compulsivo que corre os seus termos com o n.º 5696/23..... Por despacho de 10.11.2023 considerou-se que: “após a prolação da sentença em causa, a mesma tem continuado um quadro de instabilidade permanente e de dificuldades de adaptação, com instabilidade comportamental, fugas sucessivas, sem ser possível apurar o seu paradeiro, ausências da instituição não-comunicadas, pernoite na viatura de indivíduos, violência verbal em relação aos funcionário da instituição, desarrumação no quarto, apesar de ser reiteradamente chamada à atenção para o efeito, sendo necessário para ao Tribunal diligenciar pela localização da requerida (refª ...03 (27/02/2023), ...75 (01/03/2023), ...22 (06/03/2023)); a beneficiária foi já objecto de um processo de internamento compulsivo que correu os seus termos nos autos n.º 1740/23.... (Juízo Local Criminal de Braga (J...)), tendo sido arquivado por alta da beneficiária – cfr refª ...80 (22/03/2023), ...46 (23/03/2023), ...79 (05/04/2023); posteriormente à alta hospitalar, chegou ao autos informação de que a beneficiária foi internada na Casa de Saúde ... no dia 19/04/2023; posteriormente foi remetida aos autos informação de que a mesma foi referenciada para o SICAD atendendo aos antecedentes de uso de substância canabinóides (refª ...31 (17/05/2023), ...85 (02/06/2023)); tendo sido notificada para comparecer a fim de ser ouvida quanto às medidas a tomar em relação à sua situação, a mesma não compareceu, sendo o seu paradeiro desconhecido (refª ...99 (10/07/2023); ...72 (10/07/2023)); tendo finalmente sido ouvida, a mesma concordou com o seu internamento na Comunidade Terapêutica (refª ...25 (13/07/2023)); após ter sido admitida na comunidade terapêutica, chegaram aos autos informação de que a beneficiária teria sido violenta com a sua progenitora, actualmente acompanhante, em frente aos seus irmãos, estando actualmente em parte incerta, tendo a acompanhante solicitado escusa do cargo que lhe foi confiado (refª ...15 (24/10/2023); ...39 (24/10/2023)); entretanto chegou aos autos comunicação da Comunidade Terapêutica de ... dando conta de comportamentos disruptivos por parte da beneficiária, recusando-se a acatar as regras da casa, não tratar da higiene, não arrumar o quarto, sendo um factor de desestabilização para os demais utentes; mais se referiu que a mesma não teve quaisquer progressos na inserção da comunidade, tendo sido suspensa (refª ...61 (30/10/2023)); chegou ainda aos autos informação de que o paradeiro da beneficiária é desconhecido (refª ...11 (08/11/2023); ...84 (08/11/2023)). Isto posto. Em primeiro lugar, importa começar por referir que as medidas de acompanhamento decretadas na douta sentença aparentemente não surtiram qualquer efeito, visto que a requerida manteve a mesma conduta instável, desafiadora, disruptiva e de sem-abrigo que motivaram a decretação do acompanhamento, em consequência das suas perturbações psiquiátricas. Em segundo lugar, cremos que a forma mais adequada de abordar a problemática que aflige a requerida não pode ser feita no âmbito do processo de acompanhamento mas antes no processo de tratamento involuntário, nos termos previstos nos arts 14º e ss da Lei de Saúde Mental. Em terceiro lugar, a acompanhante nomeada tem evidenciado ao longo dos autos uma total incapacidade de ter qualquer controlo sobre a beneficiária pelo que se impõe a sua substituição; cremos que deverá ser nomeada acompanhante a directora da instituição onde a beneficiária eventualmente venha a ser internada. Isto posto: 1. Extraia certidão deste despacho e de todas os documentos constantes das referências supra-mencionadas e remeta ao DIAP para: a. efeitos de instauração de um processo de tratamento involuntário, nos termos previstos nos arts 14º e ss da Lei de Saúde Mental, contra AA; b. que o Digno Magistrado do Ministério Público promova, se assim o entender, a localização celular da beneficiária, nos termos previstos no art 252º-A do Cód de Proc Penal, atento a que o paradeiro da beneficiária é desconhecido; 2. Independentemente do exposto no ponto anterior, oficie à PSP e GNR para que averigue e paradeiro da requerida, visto que a mesma é sobejamente conhecida das autoridades policiais, bem como as suas rotinas e locais de paragem habituais e emita mandado de condução da beneficiária, para que a mesma seja apresentada ao DIAP, para que o/a Digno Magistrado do Ministério Público competente promova o que entender por conveniente; 3. Notifique os progenitores da mesma para que informem, o mais rapidamente possível, de pessoa idónea que entendem que deve ser nomeada como acompanhante que tenha ascendente sobre a beneficiária”. Por despacho de 21.11.2023 decidiu-se: “o eventual internamento da requerida não poderá ser decidido nos presentes autos mas antes no processo de tratamento involuntário cuja comunicação fizemos no n/ despacho com refª ...98 (10/11/2023), se assim o for eventualmente determinado pelo/a Mmª Juiz competente. Só se for determinado o internamento é que poderá ser nomeado o director da instituição. Atendendo à falta de ascendente dos requerentes sobre a beneficiária, contacte telefonicamente o Sr Pároco e o Sr Presidente de Junta de Freguesia da área de residência da requerida e averigue a sua disponibilidade para o exercício das funções de acompanhante; abra cota com informação sobre a sua disponibilidade”. Por despacho de 19.12.2023 decidiu-se: “compulsados os autos, resulta do ofício com refª ...24 (18/12/2023) que a maior acompanhada AA estará a residir na ..., 530, ... andar, ..., .... Visto que não se afigura possível decretar o internamento e só muito excepcionalmente mandados de condução nos presentes autos, transmita esta informação aos autos de PA n.º 5696/23...., a correr os seus termos na Procuradoria da República da Comarca de Braga, Unidade Orgânica: ... - MP Local Criminal, para que providenciem pelo necessário”. A 4.1.2024 é proferido o seguinte despacho: “A requerente vem informar os autos da evolução do estado da beneficiária, informando da suspeita de envolvimento da mesma em episódios de violência, carência de medicação e consumo de estupefacientes e requerendo que a mesma seja submetida a tratamento médico urgente em unidade que disponha de tratamento específico para a doença de foro psiquiátrico, nomeadamente, o Hospital ... (...) onde a AA já esteve internada. O Ministério Público promoveu que se solicitasse ao Hospital ... (...) informação acerca da disponibilidade próxima para eventual acolhimento da maior vulnerável. A este respeito, cumpre dizer-se que este processo não constitui o foro próprio para o efeito visto que o art 54º, al. d) da Lei n.º 35/2023 de 21/07 revogou o art 148º do Cód Civil, norma que permitia que fosse decretado o internamento do maior acompanhado. Esse pedido de internamento e sujeição a tratamento deve realizado no âmbito de um processo de internamento compulsivo ou tratamento involuntário cujos trâmites devem ser feitos através da Lei de Saúde Mental. Este Tribunal já determinou que se oficiasse ao Ministério Público – Local Criminal para que abrissem um processo de internamente compulsivo, estando neste momento a correr sob o n.º 5696/23....; é neste processo de internamento compulsivo que os requerentes devem diligenciar pelo internamento da beneficiária por constituir a sede própria para o efeito. Oficie aos autos de PA n.º 5696/23...., a correr os seus termos na Procuradoria da República da Comarca de Braga, Unidade Orgânica: ... - MP Local Criminal para que informe do estado dos mesmos nomeadamente se já tomaram qualquer providência quanto à beneficiária. Mais remeta o requerimento que antecede aos autos de PA n.º 5696/23.... para conhecimento”. A 2.2.2024 o MP juntou aos autos promoção na qual, em síntese, afirma que “o internamento civil (cf. não confundir com o internamento compulsivo da Lei de Saúde mental) depende sempre de autorização expressa do tribunal. Que a revogação do art. 148.º do Cód. Civil não impede o internamento civil. Trata-se de um internamento contra vontade, determinado em processo contraditório, com suprimento judicial do consentimento, verificada a anomalia psíquica ou outro factor justificativo. Cita um acórdão do Tribunal da Relação do Porto. Porém, de notar que esse acórdão é datado de 06/09/2021, e logo ainda em período de vigência do art. 148º CC. Termina assim: “encontramos, pois, aqui, um fundamento substantivo para o suprimento do consentimento da adulta vulnerável AA, que se requer, nos termos do art.º 139.º, n.º 2 do Cód. Civil e artigo 891.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, como medida cautelar que a situação concreta justifica (e neste sentido veja-se informação anterior da CPCJ, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), ordenando-se em conformidade o seu internamento, após verificação junto do Hospital ... (...) informação acerca da disponibilidade próxima para eventual acolhimento da maior vulnerável (cfr. nosso req. referência: ...55 de 04.01.24)”. Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho (o recorrido): “O Ministério Público veio peticionar o internamento da acompanhada AA enquanto medida cautelar, com fundamento nos arts 139º, n.º 2 do Cód Civil e 891º, n.º 2 do Cód de Proc Civil. Conforme referimos no n/ despacho com refª ...17 (04/01/2024), o processo de acompanhamento de maiores não constitui o foro próprio para o efeito visto que o art. 54º, al. d) da Lei n.º 35/2023 de 21/07 revogou o art 148º do Cód Civil, norma que permitia que fosse decretado o internamento do maior acompanhado. Esse pedido de internamento e sujeição a tratamento deve realizado no âmbito de um processo de internamento compulsivo ou tratamento involuntário, a ser tramitado de acordo com os pressupostos da Lei de Saúde Mental. Resultando ainda dos autos que esse processo de internamento compulsivo já está a correr os seus trâmites no DIAP desta Comarca nos autos de PA n.º 5696/23...., é a estes que deve ser dirigido o pedido de internamento compulsivo. Termos em que se indefere o requerido, por impossibilidade legal”. Inconformado com esta decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, (arts. 627º,1, 629º,1, 631º,1, 638º,1,7 639º, 640º e 641º,2 CPC), com subida em separado e com efeito meramente devolutivo. Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões: A. Em 13.02.2023, sob a referência Citius: 183142606, foi proferida douta sentença, transitada em julgado que decidiu decretar o acompanhamento, por razões de doença e comportamento, de AA e nomear como seus acompanhantes, os pais, BB e de CC, a quem se atribuiu poderes gerais de representação e administração total de bens. B. A beneficiária do acompanhamento está referenciada em avaliação psiquiátrica com diagnóstico de Perturbação de Personalidade Borderline. C. Esteve três meses internada na Comunidade Terapêutica da ..., desde o dia ../../2023, para tratamento das dependências patológicas, e abandonou o tratamento, em outubro de 2023. D. Em 17/11/23, sob a referência citius 15353131, os progenitores da AA requereram que: “8º- Pelo que, mui respeitosamente se Requer a V. Exa. que determine a nomeação como acompanhante o/a director/a da instituição onde a AA venha a ser internada”. E. Desde então, foram realizadas múltiplas diligências, não só para apurar o seu paradeiro, mas também, para encontrar acompanhantes alternativos porquanto os seus progenitores demandaram a respectiva substituição atento o seu esgotamento e incapacidade de sustentar uma solução para a situação. i. Na sequência daquelas, sabe-se que a maior vulnerável, AA, terá, há cerca de um mês (de 09.01.24), deixado de frequentar a residência sita na Av. ..., ..., ... – cfr. comunicação da GNR-PT ... de 18.01.24, sob a referência citius 15615377. i. Sendo que a CPCJ, em 01.02.24, sob a referência citius 15681915, informa que a maior beneficiária do acompanhamento deambula pela Av. ..., em execução de alegados comportamentos graves. iii. Destacando-se ainda que, já em 19.12.2023, o Ministério Público sob a referência citius 188215855, requereu a difusão da comunicação de desaparecimento pelos diversos OPC. E incidiu o douto despacho de indeferimento (Referência: ...13 de 19.12.23). Existe sim o Proc. Administrativo (Saúde Mental) 5696/23.... no âmbito do qual o internamento da visada não foi (ou não é destes autos), nesta data, conseguido/conhecido. F. Em 02.02.2024, neste quadro e porque do sobredito iter processual tout court, consta-se que muito pouco verdadeiramente eficaz está a ser feito em prol do verdadeiro acompanhamento da maior, o Ministério Público requereu, sob a referência: ...70, em síntese, “(…) o suprimento do consentimento da adulta vulnerável AA, que se requer, nos termos do art.º 139.º, n.º 2 do Cód. Civil e artigo 891.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, , como medida cautelar que a situação concreta justifica (e neste sentido veja-se informação anterior da CPCJ, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), ordenando-se em conformidade o seu internamento, após verificação junto do Hospital ... (...) informação acerca da disponibilidade próxima para eventual acolhimento da maior vulnerável (cfr. nosso req.-referência: ...55 de 04.01.24).”. G. Recaindo o douto despacho, do qual agora se recorre, que determinou o indeferimento do requerido, por impossibilidade legal. H. Em primeira linha, invoca-se a NULIDADE do despacho por falta de fundamentação e ainda por ausência de contraditório – artigos 154.º e 615.º, n.º 1, alínea b) do Código Processo Civil, art.ºs 138º e ss do Código Civil, bem como os art.ºs 14º e 19º da Convenção Sobre os Direitos Das Pessoas Com Deficiência, Adoptada a 13.12.2006 (resolução A/RES/61/106), em especial, através da M.I. Defensora da visada. I. Caso não proceda o conhecimento da sobredita nulidade, subsidiariamente, sustentam-se as objecções substanciais ou de fundo do douto despacho em crise. O regime jurídico do acompanhamento do maior permite ao tribunal escolher e adequar, em cada situação real, as medidas que melhor possam contribuir para alcançar o seu “objecto”, que é, o de assegurar o bem-estar, a recuperação e o pleno exercício da capacidade de agir da Requerida, razões pelas quais as medidas aplicadas estão sujeitas a um controlo periódico (consentâneo com a natureza casuística e reversível do acompanhamento). A situação dos autos não é isenta de dificuldades. J. Contudo, dada a natureza complexa da doença que afecta a requerida e a notícia de que desenvolverá comportamentos de risco (para si própria e terceiros), dir-se-á, por um lado, que, há alternativa às decretadas (genéricas) medidas de acompanhamento (representação geral e apoio patrimonial) e, por outro lado, justificar-se-á o desencadear os procedimentos considerados adequados tendentes a uma oportuna/tempestiva reavaliação das medidas aqui determinadas com a eventual adopção de outras que melhor respondam à vontade da requerida e assegurem o seu bem estar. K. Cremos que estes autos permitem uma melhor compreensão e ajuda à pessoa doente, na sua diversa (psico)patologia e personalidade, sendo que a maior vulnerável deve ter direito ao tratamento mais eficaz e completo, neste momento actual, com possível re-internamento, para a recuperação da saúde e, sobretudo, proteção de AA na medida das suas vulnerabilidades. L. Assim, poder-se-ia sustentar que a ausência de regulação legislativa, sobretudo após revogação do art.º 148.º do Código Civil, impede o internamento civil. M. Todavia, não nos parece que o internamento contra vontade, determinado em processo contraditório, com suprimento judicial do consentimento, aqui requerido (em 02.02.2024) com legitimidade activa do Ministério Público, no exercício da sua função de representação dos incapazes (cf. art.º 3.º, n.º 1, al. a), EMP e artigo 141.º, n.º 1, Código Civil), verificada que está a anomalia psíquica, seja proibido. N. O suprimento da autorização deve ser concedido quando o beneficiário não a possa dar livre e conscientemente ou quando o tribunal considere que existe um fundamento atendível para o conceder (artigo 141.º, n.º 2 do Código Civil), como neste caso, atenta a patologia de natureza psíquica de que sofre a maior vulnerável e ainda considerando a situação de extremo risco social a que se encontra exposta por não estar, no momento presente, a beneficiar do acompanhamento de que tanto necessita. O. Por outro lado, a Constituição da República Portuguesa consagra no artigo 25.º, o direito universal à inviolabilidade da integridade moral e física e a Lei de Bases da Saúde operacionaliza este conceito na Base XIV com o direito do cidadão a ser informado sobre a sua situação, as alternativas possíveis de tratamento e a evolução provável do seu estado, permitindo a decisão de receber ou recusar a prestação de cuidados que lhe é proposta. Estes princípios estão fixados, enquanto regime jurídico do consentimento em saúde, na Convenção de Oviedo (cfr. art.º 6.º, n.º 3). Ao visar proteger a liberdade da pessoa enquanto bem jurídico, esta matéria é tutelada pelo direito, sendo reforçada no Código Civil e no Código Penal. P. Encontramos, pois, aqui, um fundamento substantivo para o suprimento do consentimento da adulta vulnerável AA, como se requereu, nos termos do art.º 139.º, n.º 2 do Cód. Civil e artigo 891.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, enquanto medida cautelar que a situação concreta justifica (e neste sentido veja-se informação da CPCJ de 01/02/24 – referência ...15), ordenando-se em conformidade o seu internamento, após verificação junto do Hospital ... (...) informação acerca da disponibilidade próxima para eventual acolhimento da maior vulnerável (cfr. nosso req.-referência: ...55 de 04.01.24). Q. Ora, ao recusar a adaptação actualista do concreto regime de protecção do acompanhamento decretado, mormente, através do suprimento do consentimento da adulta vulnerável AA, como se requereu - referência: ...70, de 02.02.2024, nos termos do art.º 139.º, n.º 2 do Cód. Civil e artigo 891.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, enquanto medida cautelar que a intensificação do risco da situação concreta justifica, agora (em 01/02/24 através da comunicação da CPCJ), o tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 139.º, n.º 2 e 141.º, n.º 1 ambos do Código Civil e ainda o disposto no artigo 891.º, n.º 2 do Código Processo Civil. Porquanto da interpretação e aplicação das normas supra referenciadas, em atenção ao interesse da beneficiária AA, o tribunal “a quo” só poderia concluir pela admissibilidade do suprimento do consentimento da adulta vulnerável e pela readmissão em instituição. Face ao exposto, o tribunal “a quo” devia também ter decidido admitindo: a realização da diligência requerida pelo Ministério Público (in fine da referência: ...70, de 02/02/24). R. Termos em que o despacho recorrido, caso não seja decretada a sua nulidade, deverá ser revogado e substituído por outro que, após contraditório e instrução, mediante, entre outras, deferimento do requerido em 19.12.2023, pelo Ministério Público sob a referência citius 188215855 (difusão da comunicação de desaparecimento pelos diversos OPC) e o deferimento do requerido em 02.02.2024, pelo Ministério Público sob a referência citius 188943770 (verificação junto do Hospital ... - ... - informação acerca da disponibilidade próxima para eventual acolhimento da maior vulnerável (cfr. nosso req. - referência: ...55 de 04.01.24), e em consequência e conformidade, supra o consentimento da adulta vulnerável AA, como se requereu, em 02.02.2024, nos termos do art.º 139.º, n.º 2 do Cód. Civil e artigo 891.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, enquanto medida cautelar que a intensificação do risco da situação concreta justifica, decretando o seu re-internamento em instituição de saúde especializada. § NORMAS VIOLADAS. Artigo 138.º, 139.º, n.º 2, 141.º, n.º 1 todos do Código Civil; artigos 154.º, 615.º, n.º 1, b) ambos do Código Processo Civil, bem como, o disposto no artigo 25.º da Constituição da República Portuguesa; artigo 6.º, n.º 3 da Convenção de Oviedo e artigos 14º e 19º da Convenção Sobre os Direitos Das Pessoas Com Deficiência, Adotada a 13.12.2006 (resolução A/RES/61/106). Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o recurso interposto ser julgado Totalmente procedente e, consequentemente, o despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que, após exercício pleno do contraditório, determine, em atenção ao interesse actualístico da beneficiária AA, o suprimento do consentimento da adulta vulnerável, enquanto medida cautelar que a intensificação do risco da situação concreta justifica, determinando-se a readmissão em instituição, devendo ainda– para efeitos operativos – decidir-se admitir a realização da diligência requerida pelo Ministério Público (in fine da referência: ...70, de 02/02/24) e em 19.12.2023, sob a referência citius 188215855 (difusão da comunicação de desaparecimento pelos diversos Órgãos de Polícia Criminal). Os Acompanhantes (pais da acompanhada) igualmente interpuseram recurso do mesmo despacho, findando com as seguintes conclusões: 1- A beneficiária do acompanhamento está referenciada em avaliação psiquiátrica com diagnóstico de Perturbação de Personalidade Borderline. 2- Foi sujeita internamento na Casa de Saúde ... e posteriormente, mais três meses na Comunidade Terapêutica ..., quando foi suspensa por 15 dias por não acatar regras e condutas da instituição, culminado com o abandono do tratamento, encontrando-se desde então, em parte incerta. 3- Dado o desgaste psicológico que os aqui Recorrentes/Progenitores se encontram, foi por estes requerida a sua escusa da sua posição de acompanhantes, requerendo que se determinasse como acompanhante da AA o/a Director da instituição onde a esta viesse a ser internada. 4- Face esta breve resenha dos factos mais preponderantes ocorridos nos presentes autos, a Digníssima Magistrada do Ministério Público requereu, sob a referência: ...70, em síntese, “(…) o suprimento do consentimento da adulta vulnerável AA, que se requer, nos termos do art.º 139.º, n.º 2 do Cód. Civil e artigo 891.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil , como medida cautelar que a situação concreta justifica (e neste sentido veja-se informação anterior da CPCJ, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), ordenando-se em conformidade o seu internamento, após verificação junto do Hospital ... (...) informação acerca da disponibilidade próxima para eventual acolhimento da maior vulnerável. 5- Vindo tal requerimento indeferido por impossibilidade legal. 6- Perfilham os recorrentes do entendimento que este douto despacho que ora se recorre, carece, além do mais, de sustentação legal e fundamentação uma vez que não justifica as razões de facto e de direito que justificam tal determinação, nos termos do disposto no artigo 615 nº1, al. b) do CPC., o que gera a sua nulidade, que desde já se invoca. 7- Dispõe o artigo 154.º n.º 1 do Código de Processo Civil que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”, o que não sucedeu “in casu”. Sem prescindir; 8- Na eventualidade de não ser este o entendimento sufragado por este Insigne Tribunal, o que só por mero múnus de patrocínio se concebe, sempre se dirá que, ainda assim, que apesar do artigo 148º do Código Civil que permitia o internamento do maior em caso de urgência ter sido revogado pelo artigo 54º, al. d) da Lei nº 35/2023 de 21 de julho, muito mal interpretou a Lei este Digníssimo Tribunal a quo, ao que parece confundir o internamento compulsivo da Lei de Saúde Mental que exige pressupostos mais restritos, com o internamento civil (Acompanhamento de Maior). 9- A Lei Constitucional portuguesa pressupõe anomalia psíquica que inviabilize o internamento civil adequado, exigindo decisão judicial prévia ou confirmação de decisão judicial e ainda regulação legislativa. 10- A aqui maior acompanhada está diagnosticada por avaliação psiquiátrica de Perturbação de Personalidade Borderline, pelo que todo e qualquer internamento carece de ser autorizado, contudo, tal autorização poderá ser suprimida quando o beneficiário não o possa dar de forma livre e consciente ou quando tribunal considere que existe fundamento sério para o decretar, como neste caso, atenta a patologia de natureza psíquica de que sofre a maior vulnerável e ainda considerando a situação de extremo risco social a que se encontra exposta por não estar, no momento presente, a beneficiar do acompanhamento médico e medicamentoso de que tanto necessita. 11- O Tribunal a quo, ao recusar a adaptação actualista do concreto regime de protecção do acompanhamento decretado, mormente, através do suprimento do consentimento da adulta vulnerável AA, como o Ministério Público requereu, nos termos do art.º 139.º, n.º 2 do Cód. Civil e artigo 891.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, enquanto medida cautelar que a intensificação do risco da situação concreta justifica, violou o disposto nos artigos 139.º, n.º 2 e 141.º, n.º 1 ambos do Código Civil e ainda o disposto no artigo 891.º, n.º 2 do Código Processo Civil. 12- Porquanto da interpretação e aplicação das normas supra referenciadas, em atenção ao interesse da beneficiária AA, o tribunal “a quo” só poderia concluir pela admissibilidade do suprimento do consentimento da adulta vulnerável e pela readmissão em instituição de saúde especializada, dando como exemplo a Unidade de Saúde ... ou no Hospital .... Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e como consequência, que determine o suprimento do consentimento da adulta vulnerável e pela readmissão em instituição de saúde especializada, enquanto medida cautelar. Não foram apresentadas contra-alegações. II As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber: a) ocorreu alguma nulidade da decisão; b) se no processo de acompanhamento de maior pode ser decretado o internamento do beneficiário, a título cautelar; III Tudo o que é necessário para decidir o recurso consta do relatório supra. IV Conhecendo. A- Nulidades A primeira questão colocada pelos recorrentes é a alegação que o despacho recorrido é nulo nos termos do artigo 615º,1,b CPC, por falta de fundamentação, e ainda por ausência de contraditório – artigos 154.º e 615.º, n.º 1, alínea b) do Código Processo Civil, arts. 138º e ss do Código Civil. O Tribunal recorrido pronunciou-se no próprio despacho que recebeu o recurso, dizendo: “sobre a nulidade por falta de fundamentação: art. 615º, n.º 1, al.b) do Cód de Proc Civil; Vêm o Ministério Público e a Defensora Oficiosa da requerida alegar a nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação, invocando o disposto no art 615º, n.º 1, al.b) do Cód de Proc Civil. Em primeiro lugar, constitui entendimento sedimentado da jurisprudência que o vício a que alude o art 615º, n.º 1, al.b) do Cód de Proc Civil somente ocorre quanto exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respectivo destinatário a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial; somente a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade (cfr o acórdão do STJ de 03/03/2021 (3157/17.8T8VFX.L1.S1); TRG de 02/11/2017 (42/14.9TBMDB.G1)). Em segundo lugar, no despacho em crise (refª 188952428 (04/02/2024)), vertemos o nosso entendimento de que o internamento da maior acompanhada, peticionado tanto pelo Ministério Público como pela sua Defensora Oficiosa, não pode ser decretado nestes autos por impossibilidade legal, tendo explicado devidamente as normas aplicáveis, aquele que entendemos ser o foro próprio para o efeito, bem como o processo de tratamento involuntário em curso. Como tal entendemos, s.m.o, que deve improceder a nulidade invocada. Sobre a nulidade por omissão de contraditório: art 3º, n.º 3 do Cód de Proc Civil; O Ministério Público veio ainda invocar a nulidade do despacho recorrido por omissão do contraditório, considerando que a maior acompanhada deveria ter sido ouvida (art 3º, n.º 3 do Cód de Proc Civil). Em primeiro lugar, importa começar por referir que o princípio do contraditório, consagrado no art 3º, n.º 3 do Cód de Proc Civil, não constitui uma regra absoluta na medida em que a própria norma já alude à sua dispensa nos casos de manifesta desnecessidade; destina-se a evitar as designadas »decisões-surpresa«, i.e: uma situação em que uma pessoa é surpreendida com uma decisão da qual não se pôde defender (cfr o acórdão do TRC de 03/05/2021 (1250/20....)). Em segundo lugar, consideramos que se verifica aqui a cláusula da manifesta desnecessidade (art 3º, n.º 3 do Cód de Proc Civil); desde logo, por o requerido ter sido indeferido logo a esfera jurídica da beneficiária não ter sido em nada afectada; por outro lado, decorre dos autos que a própria Defensora Oficiosa da requerida tinha vindo anteriormente peticionar o internamento da beneficiária (refª ...49 (22/12/2023)), pelo que o contraditório se afigurava inútil visto que já tinha manifestado a sua intenção para o mesmo efeito. Termos em que, s.m.o, consideramos que não se verifica a invocada nulidade”. Pois bem. Não gostaríamos de perder tempo com nulidades, porque as mesmas impedem o Tribunal de se concentrar no que realmente interessa, que é a substância da causa, o saber se existem os direitos de que as partes se arrogaram, qual a sua extensão e configuração. As nulidades só relevam, e até verdadeiramente só existem quando o Tribunal de recurso se veja impedido de apreciar o mérito da causa. Ao falar em nulidades da decisão, recordamos a famosa frase do físico Alemão Wolfgang Pauli, que dizia, irritado, ao ler um trabalho científico dúbio: “isto não está certo…; isto nem sequer está errado !” A decisão nula deveria ser vista exactamente da mesma maneira: é uma decisão que não está certa, nem está errada: não serve como decisão. Não é manifestamente o caso destes autos. Aliás, basta-nos remeter para o despacho acabado de citar, pois o mesmo está correcto e nada precisamos de acrescentar. A decisão está obviamente fundamentada. E quanto ao contraditório, para além do que o próprio Tribunal a quo referiu, vemos que o despacho se limitou a decidir uma questão puramente processual. Tal decisão não afectou nem beliscou qualquer direito da beneficiária, limitando-se a dizer qual o mecanismo processual correcto para pedir o seu internamento. Donde, não se verifica qualquer nulidade, e assim podemos ir concentrar-nos no que realmente interessa, que é saber se a decisão recorrida é juridicamente correcta. B- Julgamento da matéria de direito Está em causa neste recurso saber se o internamento da beneficiária, enquanto medida cautelar, pode ser ordenado nestes autos de acompanhamento de maior, ou se, tal como decidiu o Tribunal recorrido, esse pedido de internamento e sujeição a tratamento deve ser realizado no âmbito de um processo de internamento compulsivo ou tratamento involuntário, a ser tramitado de acordo com os pressupostos da Lei de Saúde Mental. Algumas notas de localização legislativa. A Lei nº 49/2018 de 14 de Agosto criou o Regime Jurídico do Maior Acompanhado eliminando os institutos da interdição e inabilitação. Ocorreu então o que se tem designado como uma alteração de paradigma, substituindo-se um sistema que assentava naqueles dois institutos - interdição e inabilitação - que limitavam a capacidade de exercício do requerido de forma estanque e pré-definida na lei por um sistema que criou a figura maleável do maior acompanhado, com um conteúdo a preencher casuisticamente pelo juiz em função da real situação, das capacidades e possibilidades da pessoa em concreto. A este propósito refere António Pinto Monteiro, in RLJ, Ano 148, nº 4013, pág. 79: “Em suma (…) de um modelo, do passado, rígido e dualista, de tudo ou nada, em que prepondera a substituição, deve partir-se para um modelo flexível e humanista, baseado em medidas adoptadas casuisticamente e periodicamente revistas, prioritariamente destinadas a apoiar quem delas necessite, mas sem prejuízo de elas poderem vir a suprir a incapacidade em situações excepcionais, sempre com respeito pelos princípios da adequação, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana”. E na p. 77: ““Proteger sem incapacitar” constituiu, hoje, a palavra de ordem (…)”. Miguel Teixeira de Sousa, in O Regime do Acompanhamento de Maiores: Alguns Aspectos Processuais, e-book do CEJ subordinado ao tema “O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado”, p. 51. Refere: “A medida de acompanhamento de maior só é decretada se estiverem preenchidas duas condições: -Uma condição positiva (orientada por um princípio de necessidade): tem de haver justificação para decretar o acompanhamento do maior e, designadamente, uma das medidas enumeradas no art.º 145.º, n.º 2 do CC; isto significa que, na dúvida, não é decretada nenhuma medida de acompanhamento; -Uma condição negativa (norteada por um princípio de subsidiariedade): dado que a medida de acompanhamento é subsidiária perante deveres gerais de cooperação e assistência (nomeadamente, de âmbito familiar) (art. 140.º, n.º 2, CC), o tribunal não deve decretar aquela medida se estes deveres forem suficientes para acautelar as necessidades do maior”. Os fundamentos da interdição e da inabilitação foram substituídos por uma formulação ampla prevista no art. 138º CC das pessoas maiores que necessitam de medidas de acompanhamento. Feito este enquadramento, vamos directamente ver se o direito legislado resolve o nosso problema. Dispõe o art. 139º,2 CC que em qualquer altura do processo, podem ser determinadas as medidas de acompanhamento provisórias e urgentes, necessárias para providenciar quanto à pessoa e bens do requerido. O art. 148º CC (na redacção da Lei n.º 49/2018 de 14 de Agosto), sob a epígrafe “internamento”, dispunha: 1- O internamento do maior acompanhado depende de autorização expressa do tribunal. 2- Em caso de urgência, o internamento pode ser imediatamente solicitado pelo acompanhante, sujeitando-se à ratificação do juiz. Porém, esse artigo foi revogado pela Lei 35/2023, de 21 de Julho, que aprovou a Lei de Saúde Mental. A pergunta que cumpre fazer é por que razão o legislador foi revogar este artigo 148º CC. António Pinto Monteiro afirma no seu artigo “Das incapacidades ao maior acompanhado - Breve apresentação da Lei n.º 49/2018”, incluído no e-book “O NOVO REGIME JURÍDICO DO MAIOR ACOMPANHADO”, disponível em https://cej.justica.gov.pt, que: “quanto ao internamento do maior acompanhado, prevê a lei que o mesmo depende de “autorização expressa do tribunal”, podendo embora, em caso de urgência, ser imediatamente solicitado pelo acompanhante, sujeitando-se, neste caso, à ratificação do juiz (art.º 148.º). Embora a letra da lei não o diga, parece-nos que deve entender-se que a norma abrange tanto o internamento por razões de saúde, num hospital ou clínica particular, como o internamento num lar.” Por seu turno, Miguel Teixeira de Sousa, no seu artigo “O regime do acompanhamento de maiores: alguns aspectos processuais”, afirma que na decisão final do processo o juiz deve, além do mais, “Autorizar, se for o caso, o internamento do maior (art.º 148.º, n.º 1, CC)”. Ainda no referido e-book, o Juiz Desembargador Nuno Luís Lopes Ribeiro, no estudo “O maior acompanhado – Lei nº 49/2018, de 14 de Agosto”, refere que: “Quanto ao art.º 148.º, não se compreende a referência ao internamento, enquanto dependente de autorização expressa do tribunal, ou, em caso de urgência, de ratificação, quando existe já um conhecido regime de internamento compulsivo. Repare-se que falamos apenas de internamento não aceite pelo maior acompanhado, pois, quando o seja, não se antevê qualquer necessidade de autorização judicial para tanto. Por exemplo, uma intervenção cirúrgica necessária a debelar um problema de saúde do acompanhado, poderá ser decidida pelo próprio, no exercício dos seus direitos pessoais, não se mostrando restringida nos termos previstos no art.º 147.º. Nos casos em que o exercício dos direitos pessoais esteja restringido, o internamento e eventual sujeição a tratamentos médicos contra a vontade do acompanhado, sempre poderá ser determinado pelo acompanhante, nos termos que, necessariamente, lhe foram permitidos pela decisão judicial anterior”. Ainda no mesmo e-book, a Procuradora da República Margarida Paz, escreve, em artigo “O Ministério Público e o novo regime do maior acompanhado”: “outra novidade, mais enigmática, é o internamento previsto no artigo 148.º do CC. Assim, o internamento do maior acompanhado depende de autorização expressa do tribunal (n.º 1), sendo que, em caso de urgência, o internamento pode ser imediatamente solicitado pelo acompanhante, sujeitando-se à ratificação do juiz (n.º 2). A cláusula demasiado aberta e indefinida deste preceito irá suscitar, com grande probabilidade, dúvidas quanto ao respectivo âmbito de aplicação. De qualquer forma, numa primeira abordagem, muito sumária, impõe-se referir que este internamento não se confunde com o internamento compulsivo previsto na Lei de Saúde Mental. Por outro lado, parece estar talhado para a colocação em lar, embora seja igualmente admissível para a prestação de cuidados de saúde”. Somos assim levados a pensar que foi intenção do legislador clarificar o regime legal do internamento compulsivo, e que a revogação do art. 148º teve em vista deixar claro que o internamento de maior que estava previsto no Código Civil era uma realidade bem diferente. A ser assim, então daqui decorre outra consequência: se a situação em que o/a beneficiário/a se encontra for uma daquelas que na Lei de Saúde Mental está prevista como permitindo ou até exigindo o internamento, então o regime legal aplicável será o da Lei 35/2023 de 21 de Julho, e não o internamento que estava previsto no revogado artigo 148º CC. O art. 15º,1 da LSM dispõe que “são pressupostos cumulativos do tratamento involuntário: a) A existência de doença mental; b) A recusa do tratamento medicamente prescrito, necessário para prevenir ou eliminar o perigo previsto na alínea seguinte; c) A existência de perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais: i) De terceiros, em razão da doença mental e da recusa de tratamento; ou ii) Do próprio, em razão da doença mental e da recusa de tratamento, quando a pessoa não possua o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento; d) A finalidade do tratamento, conforme previsto no artigo anterior”. O nº 2 acrescenta que “o tratamento involuntário só pode ter lugar se for: a) A única forma de garantir o tratamento medicamente prescrito; b) Adequado para prevenir ou eliminar uma das situações de perigo previstas na alínea c) do número anterior; e c) Proporcional à gravidade da doença mental, ao grau do perigo e à relevância do bem jurídico”. E o nº 3 dispõe que “o tratamento involuntário tem lugar em ambulatório, assegurado por equipas comunitárias de saúde mental, excepto se o internamento for a única forma de garantir o tratamento medicamente prescrito, cessando logo que o tratamento possa ser retomado em ambulatório”. E o Ministério Público deve requerer o tratamento involuntário sempre que tome conhecimento de uma das situações de perigo previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º (art. 17º,2 LSM). Após seguidos os trâmites impostos na lei, se o Juiz concluir que deve ser ordenado o tratamento involuntário, deve decidir em conformidade, sendo que o art. 23º impõe que a decisão sobre o tratamento involuntário seja sempre fundamentada, e sob pena de nulidade, deva: a) Identificar a pessoa a submeter a tratamento involuntário; b) Indicar as razões do tratamento involuntário, por referência ao disposto no artigo 15.º; c) Especificar se o tratamento involuntário tem lugar em ambulatório ou em internamento; d) Indicar as razões da opção pelo tratamento involuntário em internamento, bem como as razões da não opção pelo tratamento em ambulatório. E se o Juiz entender que o tratamento deve ter lugar em internamento, emite mandado de condução com identificação da pessoa a internar, o qual é cumprido, sempre que possível, pelo serviço local ou regional de saúde mental responsável pelo internamento, que, quando necessário, solicita a coadjuvação das forças de segurança (art. 24º). Pensamos que a forma de dar utilidade e razão de ser à revogação do art. 148º CC é considerar que essa norma e o regime da LSM tinham campos de aplicações diversos, e o legislador quis evitar confusões entre os dois casos. Assim, os casos tipificados no art. 15º,1 LSM serão tratados no âmbito dessa Lei, e o art. 148º regia para as situações que podem ocorrer no âmbito do acompanhamento de maiores, como por exemplo a possibilidade de integração do beneficiário, como medida de apoio e tratamento, em instituição adequada para o receber e tratar. Sobre esta matéria, e criticando o legislador pela pouco feliz opção de usar em matéria de acompanhamento de maior a mesma expressão (“internamento”) que consta da LSM, quando é óbvio que se trata de realidades diferentes, veja-se o Acórdão TRL de 12.1.2023 (Laurinda Gemas), acórdão esse proferido, realce-se, em plena vigência do art. 148º CC. Ainda nesse Acórdão podemos ler o seguinte: “compreende-se que a interpretação do art.º 148.º do CC venha já gerando alguma controvérsia, ante a sua formulação tão ampla e a existência de outras normas legais que aludem ao internamento, incluindo, além da referida Lei de Saúde Mental, o art.º 899.º, n.º 2, do CPC, nos termos do qual quando, ante a elaboração do relatório pericial, permaneçam dúvidas, o juiz pode autorizar o exame numa clínica da especialidade, com internamento nunca superior a um mês e sob responsabilidade do director respectivo. Em nosso entender, a previsão do art.º 148.º do CC, no sentido da indispensabilidade de autorização judicial para uma medida de internamento, abarca todo e qualquer internamento, seja como medida provisória/cautelar (cf. artigos 139.º, n.º 2, do CC e 891.º, n.º 2, do CPC), seja como medida do acompanhamento determinado na decisão final [cf. art.º 145.º, n.º 2, al. e), do CC e 900.º, n.º 1, do CPC], e tanto em instituição de tipo residencial, como em instituição hospitalar ou clínica, tendo na sua ratio a protecção dos direitos de liberdade da pessoa beneficiária, em linha com o disposto no art.º 27.º da CRP e no art.º 14.º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Parece-nos, pois, que o internamento de maior acompanhado deve ser sempre autorizado pelo tribunal, quando seja justificado, tendo em vista o bem-estar e a recuperação do acompanhado (cf. art.º 145.º, n.º 1, do CC), em instituição idónea e adequada à situação de saúde daquele (que com frequência poderá ser de cariz residencial, incluindo a prestação de alguns cuidados de enfermagem e/ou fisioterapia), ante a inexistência de alternativa, mormente no seio familiar, que se mostre mais benéfica”. Importa recordar aqui que resulta do art. 891º,1 CPC que o processo de acompanhamento de maior tem carácter urgente, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes. E resulta do nº 2 do mesmo artigo que “em qualquer altura do processo, podem ser requeridas ou decretadas oficiosamente as medidas cautelares que a situação justificar. Nos termos do art. 900º,1 CPC, sob a epígrafe “Providências provisórias”, em qualquer altura do processo, pode o juiz, oficiosamente ou a requerimento do autor ou do representante do requerido, proferir decisão provisória, nos próprios autos, nos termos previstos no artigo 142.º do Código Civil. Assim, perante exigências cautelares de relevo, caberá ao Julgador decidir se as mesmas poderão ser debeladas por recurso a qualquer outra medida menos grave, ou se só o poderão ser através de internamento compulsivo. No primeiro caso, poderá tal medida ser decretada no âmbito do processo de acompanhamento de maior. No segundo, perante a expressa e incontornável revogação do artigo 148º CC, não vemos outra solução que não seja a de concluir que o legislador quis estabelecer uma distinção clara entre as situações previstas no art. 15º da LSM e as situações que podem ocorrer no âmbito de um processo de maior acompanhado. Ergo, se a situação em que se encontra o maior acompanhado couber na previsão tipificada no citado art. 15º,1 LSM, será o regime da Lei de Saúde Mental o aplicável. Não o sendo, a solução deverá ser procurada dentro do regime próprio do Acompanhamento de maiores. Este parece-nos ser o regime legal vigente. No caso destes autos, na sentença que decretou o acompanhamento da AA pode ler-se: “resulta dos factos provados que a Requerida sofre de Perturbação da Personalidade Cluster B, o que a impede de desempenhar com autonomia, independência e consciência, todas as funções inerentes ao assegurar da sua subsistência, tão pouco sendo capaz de gerir e administrar o seu património, sendo particularmente preocupante o facto de ser aparentemente funcional, podendo não ser perceptível a patologia de que padece, tornando-a vulnerável perante terceiros. Por outro lado, a incapacidade de manter a terapêutica ou de resistência à frustração, aliados à auto-imagem negativa que tem, exponenciam o risco de comportamentos desajustados e até violentos, sendo evidente a sua incapacidade de organizar convenientemente a sua vida – apesar de conseguir empregar-se, não consegue manter um emprego, tendo, quando sem supervisão, uma vida errática, sem morada certa, sem alimentação certa, sem qualquer tipo de referências [factos provados 2) a 8]. Mais se logrou provar que a Requerida carece da intervenção permanente de terceiras pessoas para desempenhar as suas actividades básicas quotidianas; não sendo previsível qualquer melhoria clínica da Requerida. [factos provados 2) a 8)]. Por conseguinte, considerando a materialidade fáctica provada, terá de concluir-se que a Requerente, maior, se encontra impossibilitada, por razões de doença, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos e de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, o que justifica o decretamento de medidas de acompanhamento à Beneficiária AA, afigurando-se uma situação de verdadeira e absoluta incapacidade de exercício, susceptível apenas de ser suprida através do instituto de representação geral, com administração total de bens e limitação para o exercício de quaisquer direitos e para a celebração de negócios da vida corrente, salvo em períodos de compensação clínica (pois que, fora destas situações, há risco de aplicação de quantias de que disponha, por exemplo, na aquisição de produto estupefaciente). E por isso foi decretado o acompanhamento, por razões de doença e comportamento, da beneficiária AA, fixando como Acompanhantes os Pais. Estes foram notificados de que lhes cabe promover que seja prestada a assistência médica e medicamentosa de que aquela necessite e o auxílio permanente para todas as actividades da vida diária, cuidados de higiene/arranjo pessoal e alimentação, por forma a salvaguardar a sua saúde, segurança e conforto, autorizando o Tribunal, concretamente, internar a beneficiária, quando tal se mostre necessário ao seu tratamento e/ou a encontrar-lhe solução habitacional adequada. Ora, tendo presente o que consta do relatório supra, verificamos que após a sentença proferida nestes autos, a AA já foi internada compulsivamente uma vez, até que esse processo de internamento compulsivo foi arquivado, por ter passado a internamento voluntário. Posteriormente, foi instaurado outro processo de internamento compulsivo que correu os seus termos com o n.º 5696/23..... A 10.11.2023, a situação da beneficiária era a de ostentar “um quadro de instabilidade permanente e de dificuldades de adaptação, com instabilidade comportamental, fugas sucessivas, sem ser possível apurar o seu paradeiro, ausências da instituição não-comunicadas, pernoite na viatura de indivíduos, violência verbal em relação aos funcionário da instituição, desarrumação no quarto, apesar de ser reiteradamente chamada à atenção para o efeito, sendo necessário para ao Tribunal diligenciar pela localização da requerida (…); referenciada para o SICAD atendendo aos antecedentes de uso de substância canabinóides; após ser ouvida concordou com o seu internamento em Comunidade Terapêutica; após ter sido aí admitida, chegaram aos autos informação de que teria sido violenta com a sua progenitora, actualmente acompanhante, em frente aos seus irmãos, estando actualmente em parte incerta, tendo a acompanhante solicitado escusa do cargo que lhe foi confiado (refª ...15 (24/10/2023); ...39 (24/10/2023)); entretanto chegou aos autos comunicação da Comunidade Terapêutica de ... dando conta de comportamentos disruptivos por parte da beneficiária, recusando-se a acatar as regras da casa, não tratar da higiene, não arrumar o quarto, sendo um factor de desestabilização para os demais utentes; mais se referiu que a mesma não teve quaisquer progressos na inserção da comunidade, tendo sido suspensa (refª ...61 (30/10/2023)); chegou ainda aos autos informação de que o paradeiro da beneficiária é desconhecido. Foi determinada a extracção de certidão do despacho e a sua remessa ao DIAP para efeitos de instauração de um processo de tratamento involuntário, nos termos previstos nos arts 14º e ss da Lei de Saúde Mental, contra a beneficiária. A 4.1.2024 chegam aos autos relatos de suspeita de envolvimento da beneficiária em episódios de violência, carência de medicação e consumo de estupefacientes. Perante todo este cenário, nenhuma censura merece a decisão recorrida, pois os factos transmitidos ao Tribunal permitem enquadrar a situação da AA na previsão do tratamento involuntário constante do art. 15º,1 LSM, a saber: existe doença mental (perturbação de personalidade borderline); recusa de tratamento medicamente prescrito; existência de perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais de terceiros e da própria. Assim, e para concluir, os procedimentos para obviar a toda esta situação e para conseguir o internamento compulsivo da AA, necessário para que a mesma seja submetida ao tratamento de que manifestamente tanto precisa, serão os previstos na Lei de Saúde Mental. Isso mesmo foi o que se verteu no despacho recorrido: “esse pedido de internamento e sujeição a tratamento deve realizado no âmbito de um processo de internamento compulsivo ou tratamento involuntário, a ser tramitado de acordo com os pressupostos da Lei de Saúde Mental”. Mais ainda, resultando ainda dos autos que esse processo de internamento compulsivo já está a correr os seus trâmites no DIAP desta Comarca nos autos de PA n.º 5696/23...., é a estes que deve ser dirigido o pedido de internamento compulsivo. Por isso o Tribunal recorrido indeferiu ao requerido, por impossibilidade legal. Decisão que consideramos correcta. Donde o recurso improcede. V- DECISÃO Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar os recursos totalmente improcedentes e confirma na íntegra a decisão recorrida. Havendo isenção legal, não há lugar à condenação dos Apelantes no pagamento das custas do presente recurso (art. 4º,2,h RCP). Data: 23.5.2024 Relator (Afonso Cabral de Andrade) 1º Adjunto (Paulo Reis) 2º Adjunto (António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida) |