Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1488/22.4T8BRG.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MARTINS MOREIRA DIAS
Descritores: LEGITIMIDADE PASSIVA
COMPRA E VENDA
FRACÇÃO AUTÓNOMA
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
PARTES COMUNS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- Mediante o pressuposto processual de legitimidade exige-se que para que o juiz possa entrar na apreciação do mérito da relação jurídica material controvertida delineada subjetiva (quanto aos sujeitos) e objetivamente (quanto ao pedido e à causa de pedir) pelo autor na petição inicial, em regra, atenta essa relação jurídica delineada na petição inicial, autor e réu sejam as “partes exatas” dessa relação jurídica, isto é, que atentos os factos constitutivos do direito a que se arroga titula o autor na petição inicial e por ele aí alegados, de onde faz derivar/assentar o pedido, de acordo com a lei substantiva abstratamente aplicável a essa relação jurídica (independentemente de o autor vir ou não a fazer prova desses factos que alega), de acordo com as várias soluções jurídicas plausíveis que decorram dessa lei substantiva, o autor seja o titular do direito a que se arroga titular naquele articulado inicial e de onde faz derivar o pedido que nele aí formula, e o réu seja a pessoa que deverá opor-se à procedência do pedido por aquele formulado, por ser a pessoa cuja esfera jurídica será diretamente atingida pela procedência desse pedido.
2- Em ação intentada por condómino contra o vendedor de fração, em que o autor, com fundamento em incumprimento do contrato de compra e venda celebrado decorrente da fração que lhe foi vendida pelo réu apresentar defeitos ou desconformidades decorrentes de no interior dessa fração ocorrerem infiltrações de água provinda da parede exterior do edifício constituído em propriedade horizontal, pede a condenação do réu a reparar os estragos causados no interior da fração e a executar as obras na parede exterior do edifício (parte comum), de modo a eliminar a origem de tais infiltrações e, bem assim, a compensá-lo pelos danos não patrimoniais sofridos, autor e réu dispõem de, respetivamente, legitimidade ativa e passiva para essa ação.
3- É que, de acordo com uma corrente jurisprudencial, a circunstância da compra e venda ter por objeto uma fração autónoma integrada em edifício constituído em propriedade horizontal, não isenta o vendedor de responder perante o comprador, a título de responsabilidade contratual, com fundamento no instituto de venda de coisa defeituosa, designadamente, nos termos do art. 914º do CC, ainda que os vícios apresentados na fração ocorram ou tenham a sua origem ao nível das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal, não podendo o vendedor invocar contra o comprador quaisquer limitações quanto às decisões ou à execução de obras nas partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal que decorram do regime da propriedade horizontal, por forma a eximir-se à sua responsabilidade contratual perante o comprador da fração.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:
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I- RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ... ..., instaurou a presente ação declarativa, de condenação, com processo comum, contra N... Investimentos Imobiliários, Lda., com sede na Rua ..., ..., ... ..., pedindo que se procedesse ou mandasse proceder, à custa da Ré, no prazo de sessenta dias, à realização de obras necessárias e adequadas à eliminação integral dos defeitos discriminados na petição inicial: reparação do teto do quarto e pintura do mesmo, cujo preço estima em € 585,00; se condenasse a Ré a reparar, a expensas suas, e no mesmo prazo, os isolamentos exteriores, por forma a evitar que continuem as infiltrações em períodos de chuva, cujo custo, na parte que respeita à fração do Autor estima em € 3.300,00; ou, caso a Ré não proceda às obras referidas nos n.ºs anteriores, no referido prazo, se condenasse esta a pagar-lhe a quantia de € 3.885,00, acrescidos de IVA, para que possa contratar quem faça as referidas obras e pagar o custo das mesmas.
Em todo o caso, se condenasse a Ré a pagar-lhe a quantia de € 1.500,00, a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos.
Para tanto alegou, em síntese, que, em 29 de julho de 2019 comprou à Ré a fração designada pela letra ..., no ... andar, afeto a habitação, do tipo ..., com garagem fechada, com o n.º ... sito na Rua ..., na freguesia ..., ..., designado por lote ..., do prédio constituído em propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...89 da freguesia ... e descrito na matriz predial urbana sob o art. ...52º.
O Autor adquiriu essa fração para nela instalar a sua habitação permanente e, desde 29 de julho de 2019, reside efetivamente na fração em causa.
Acontece que na fração ocorrem infiltrações de água nas paredes e teto da divisão da casa que constitui o quarto situado na fachada poente do prédio, atualmente utilizado pelo Autor como escritório, processando-se essas infiltrações pela parede dessa fachada poente do edifício constituído em propriedade horizontal.
As ditas infiltrações já estragaram o teto e a parede daquele quarto, e impedem o uso normal deste devido ao cheiro a mofo, que chega a ser insuportável, e existe o risco de desprendimento do revestimento do teto nas partes que já estão escuras e com bolor.
O Autor interpelou a Ré para que efetuasse as obras necessárias à eliminação de tais infiltrações e para que reparasse os estragos por elas causados, o que se recusou a fazer.
O comportamento da Ré, ignorando as reclamações do Autor, demonstra que nada pretende fazer para reparar os estragos resultantes das infiltrações e para pôr fim às mesmas, não restando ao Autor outra via que não a judicial para obrigar a Ré ao cumprimento de todas as obrigações resultantes do contrato de compra e venda de imóvel, tal como está obrigada pelas disposições legais, nomeadamente no art.º 2º, nº 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de oito de abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de maio.
Os vícios em causa, quer os interiores quer os exteriores, não resultam do uso normal do imóvel, mas são defeitos que já existiam na data da celebração do contrato de compra e venda, embora tenham sido escondidos do comprador, o aqui Autor; não obstante, os resultados das infiltrações manifestaram-se já depois da fração estar na posse e ocupada pelo comprador.
O Autor é professor do ensino superior, com uma vida demasiado ocupada, e tem-se visto obrigado a inúmeras reuniões e contactos para tentar resolver a situação descrita.
Passaram-se meses e a Ré nada se digna dizer, o que determinou que o Autor se sinta desiludido e deprimido, tanto mais que a compra do apartamento é a “compra” da sua vida, quando aquele não consegue usufruir da sua casa nas condições que sempre ambicionou, nem pode, como gostaria, receber familiares e amigos.
As humidades referidas transmitem cheiros desagradáveis a toda a casa, causando desconforto ao Autor e inibindo-o de receber familiares e amigos.
O Autor teme pela sua saúde, posto que, com frequência, tem problemas respiratórios que associa às humidades infiltradas nas paredes.
A Ré contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocou a exceção dilatória da ilegitimidade passiva, sustentando que, atenta a relação jurídica material controvertida delineada pelo Autor na petição inicial, as infiltrações que alega têm origem nos isolamento exterior do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, mais concretamente, na fachada poente desse prédio, não tendo, por isso, a mesma qualquer interesse em contradizer a presente ação, na medida em que a responsabilidade pela correção de qualquer patologia decorrente da fachada exterior do prédio, ou de qualquer outra parte comum não é daquela, nem de qualquer outro condómino, mas sim do condomínio.
Impugnou parte da facticidade alegada pelo Autor.
Concluiu pedindo que, por via da procedência da exceção dilatória da ilegitimidade passiva, “fosse absolvida dos pedidos” e que, em todo o caso, se julgasse a ação improcedente e se absolvesse aquela dos pedidos.
Por despacho de 11/05/2022 ordenou-se a notificação do Autor para que se pronunciasse quanto à matéria de exceção dilatória de ilegitimidade passiva deduzida pela Ré.
O Autor pronunciou-se no sentido da improcedência da mencionada exceção dilatória.
Em 11/07/2022 proferiu-se despacho saneador, em que se julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva suscitada pela Ré e, em consequência, absolveu-se esta da instância, constando esse despacho saneador, nesse segmento, do seguinte teor:
“Na sua contestação invoca a ré a exceção dilatória da sua ilegitimidade passiva para os termos da presente ação, invocando, em síntese, que o prédio do qual faz parte integrante a fração autónoma do autor está constituído em regime de propriedade horizontal, sendo que este pretende obter a reparação de alegados defeitos que, como o próprio assume, têm origem nos “isolamentos exteriores”, que provocarão as infiltrações de água que alega existirem nas paredes e no teto do quarto da fachada poente da fração autónoma que comprou à ré. Por essa razão, sustenta, uma vez que a origem das patologias invocadas pelo autor se localiza em parte comum do edifício – a responsabilidade pela respetiva correção não é da ré, mas, antes, do condomínio constituído, na medida em que qualquer intervenção em partes comuns tem necessariamente de ser levada a cabo pelo condomínio, e não por qualquer condómino. Daqui retira a ré que não é a titular do interesse relevante nos presentes autos, resultando do disposto no artº 30.º, do C.P.C., ser parte ilegítima.
Convidado para o efeito veio o autor a pronunciar-se sobre a exceção em questão, pugnando pela improcedência da mesma para o que, em síntese, argumenta que o que deverá relevar é a disposição do nº 3, do artº 30.º, do C.P.C., da qual decorre que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor. E, nesse conspecto, sublinha o autor, o que interessa, do seu ponto de vista, é que, na sua petição inicial, o autor alega que a ré lhe vendeu a fração em causa, estando em causa uma relação contratual e a invocação do cumprimento defeituoso por banda da ré, pretendendo o autor que seja a ré condenada a proceder à reparação do imóvel, corrigindo os vícios que ocultou aquando da celebração do contrato de compra e venda, e a pagar indemnização por danos não patrimoniais, sendo, assim, manifesto o interesse da ré em contradizer.

Vejamos
Nos termos do disposto no artº 30.º, do C.P.C., o réu é parte legítima quando tendo interesse direto em contradizer (nº 1), aferindo-se o interesse em contradizer pelo prejuízo derivado da procedência da ação (nº 2), sendo que, na falta de indicação da lei em contrário, e para efeitos da legitimidade, são titulares do interesse relevante os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (nº 3).
Na circunstância dos autos, em traços essenciais, o autor alega ter adquirido, por contrato de compra e venda celebrado com a ré, enquanto vendedora, determinada fração, inserida em prédio constituído em propriedade horizontal, sucedendo que tal fração apresenta infiltrações de água que ocorrem nas paredes e teto da divisão da casa que constitui o quarto da fachada poente, as quais já estragaram o teto e a parede, e impedem o uso normal do referido quarto devido ao cheiro a mofo, que chega a ser insuportável, provocando danos no interior da fração que o autor quantifica e que pretende que a ré seja condenada a reparar, mais alegando que para «evitar que as infiltrações se repitam com o ciclo das chuvas, é necessário que a Ré proceda à revisão e reparação do isolamento exterior» (itálico e sublinhados ora inseridos).

Termina pedindo que a ré seja condenada:

a) a proceder ou mandar proceder à sua custa, no prazo de sessenta dias, às obras necessárias e adequadas para à eliminação integral dos defeitos discriminados na petição inicial; e
b) na reparação, a expensas suas, e no mesmo prazo, dos isolamentos exteriores, por forma a evitar que continuem as infiltrações em períodos de chuva.

Conforme resulta evidente da própria alegação do autor, a origem dos danos na sua fração, e, portanto, os defeitos ou desconformidades que a mesma apresenta, localizam-se na parede exterior da fração.
Ora, no que ora interessa, nos termos do disposto no art.º 1421.º, nº 1, do C.C., são partes comuns o solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio, do que resulta que, quer a origem das infiltrações causadoras dos danos alegados pelo autor, quer a reparação que o autor pretende ver a ré condenada a fazer, se verificam numa parte comum da fração do autor, adquirida à ré. E, nos termos do disposto no art.º 1420.º, nº 1, do C.C., cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, pelo que, apesar de serem incindíveis os dois direitos (n.º 2, do mesmo normativo), existem limitações condominiais, que cerceiam as possibilidades de intervenção dos condóminos em partes comuns do edifício, conforme resulta do disposto no art.º 1422.º, do C.C.
Do que vem de se escrever resulta, no entender do tribunal, que tal como o autor não pode, de motu próprio, fazer qualquer intervenção nas partes comuns do edifício (por exemplo, no caso do autos, proceder à reparação da parede exterior da sua fração, por forma a eliminar a eventual origem das infiltrações), também, por maioria de razão, nunca a ré poderia ser condenada pelo tribunal a realizar qualquer intervenção nessa mesma parte comum, por imposição de um condómino (o ora autor) e não do próprio condomínio.
Do que vem de se expor resulta que, independentemente da fonte jurídica do direito do autor relativamente à ré – no caso dos autos, a responsabilidade contratual – nunca a ré poderia, independentemente de tal fonte do direito do autor, ser condenada no pedido formulado quanto às partes comuns. Por outro lado, sem este pedido, não fazem sentido os restantes pedidos, na medida em que a reparação do defeito não pode deixar de passar por tal reparação nas partes comuns, sob pena da total inutilidade da ação.
Conclui-se, assim, que a ré não tem interesse em contradizer porque, em função da lei aplicável, nunca poderia ser condenada a proceder a reparações nas partes comuns e, portanto, nenhum prejuízo lhe advém da demanda. O réu, nestas circunstâncias, apenas poderia ser o condomínio, o qual, por sua vez, caso se verificasse que os alegados defeitos nas partes comuns decorriam de ação ou omissão da aqui ré, poderia, ele sim e não o autor enquanto condómino, demandar a aqui ré.
Pelo exposto, tudo visto e considerado, julgo verificada a exceção dilatória da ilegitimidade passiva da ré, absolvo a mesma da instância, ao abrigo do disposto nos artºs 30.º, nº 2; 278.º, nºs 1, al. d), e 3; 576.º, nºs 1 e 2; 577.º, al. e); e 578.º, todos do C.P.C.; e art.º 64.º, nº 1, al. a), do D.L. 291/2007.
Custas, na sua totalidade, pelo autor – art.º 527.º; e 607.º, nº 6, ambos do C.P.C.”.

Inconformado com o decidido, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as conclusões que se seguem:
A. O Recorrente não pode concordar com a douta decisão do Tribunal a quo que, considerando que “independentemente da fonte jurídica do direito do Autor relativamente à no caso dos autos a responsabilidade contratual nunca a poderia, independentemente de tal fonte do direito do Autor, ser condenada no pedido formulado quanto às partes comuns. Por outro lado, sem este pedido, não fazem sentido os resultantes pedidos, na medida em que a reparação do defeito não pode deixar de passar por tal reparação nas partes comuns, sob pena da total inutilidade da ação.
Conclui-se, assim, que a não tem interesse em contradizer porque, em função da lei aplicável, nunca poderia ser condenada a proceder a reparações nas partes comuns e, portanto, nenhum prejuízo lhe advém da demanda. O réu, nestas circunstâncias, apenas poderia ser o condomínio, o qual, por sua vez, caso se verificasse que os alegados defeitos nas partes comuns decorriam de ação ou omissão da aqui ré, poderia, ele sim e não o autor enquanto condómino, demandar a aqui Ré”, julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da ré, absolvendo-a da instância.
B. Em causa na presente ação está, como refere o tribunal a quo na sua decisão, a responsabilidade contratual, no caso, resultante do contrato de compra e venda de imóvel celebrado entre a ré e o autor e pelo qual aquela vendeu a este uma fração destinada a habitação própria, melhor identificada supra.
C. Pela presente ação o Autor vem demandar a Ré, exigindo o cumprimento do contrato que considera que aquela não cumpriu na perfeição, causando-lhe prejuízo e danos morais.
D. Conforme resulta da jurisprudência que se transcreveu supra, o facto de se tratar de fração autónoma, incluída em prédio e de os defeitos que, no caso, o autor pretende ver reparados, ou pela verificação dos quais pretende ser indemnizado, provirem das partes comuns do edifício, não exclui ou limita a responsabilidade contratual do vendedor, no caso a aqui ré, vinculado que está ao cumprimento perfeito do contrato.
E. A decisão do Tribunal a quo baseia-se exclusivamente no facto de, estando o prédio da qual faz parte integrante a fração autónoma do autor constituído em propriedade horizontal e sendo que a origem dos danos na sua fração, e, portanto, dos defeitos ou desconformidades que a mesma apresenta, localiza-se na parede exterior da fração, nunca a ré poderia ser condenada pelo tribunal a realizar qualquer intervenção nessa mesma parte comum, por imposição de um condómino (o ora autor) e não do próprio condomínio.
F. O Tribunal a quo, na sua decisão, ignorou a responsabilidade contratual da ré invocada pelo autor, resultante do não cumprimento do contrato de compra e venda de imóvel, bem como o pedido da condenação da Ré na reparação dos vícios do imóvel, ou no pagamento dos respetivos custos, assim como a indemnização por danos morais.
G. Não tivesse o Tribunal a quo ignorado o que se alega, verificaria o interesse direto do autor em demandar e o interesse direto da Ré em contradizer, decidindo em conformidade pela improcedência da alegada ilegitimidade passiva da Ré.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V.Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser declarado procedente, por provado, e, em consequência, ser a decisão proferida revogada e substituída por outra que determine a não verificação da ilegitimidade passiva da Ré, e a consequente prossecução dos autos até final.

A apelada contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação, concluindo as suas contra-alegações nos termos seguintes:
(…).
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O recurso foi admitido pela 1ª Instância como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Ordenou-se a baixa dos autos à 1ª Instância para que fosse dado cumprimento ao disposto no art. 306º, n.º 3 do CPC, tendo, por despacho de 08/03/2023, sido fixado o valor da causa em 5.970,00 euros.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.                                  
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam do conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, o recorrente submeteu à apreciação do tribunal ad quem uma única questão que consiste em saber se o despacho proferido, que julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva e, em consequência, absolveu a apelada da instância, padece de erro de direito e se se impõe a sua revogação, julgando improcedente a referida exceção e ordenando o prosseguimento dos autos.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para conhecer da questão submetida pelo recorrente a esta Relação são os que constam do «Relatório» acima exarado.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

O apelante instaurou a presente ação contra a apelada pedindo que se procedesse ou mandasse proceder, à custa desta, no prazo de sessenta dias, à realização de obras necessárias e adequadas à eliminação integral dos defeitos discriminados na petição inicial: reparação do teto do quarto, e pintura do mesmo, cujo preço estima em € 585,00; se condenasse a apelada a reparar, a expensas suas, e no mesmo prazo, os isolamentos exteriores, por forma a evitar que continuem as infiltrações em períodos de chuva, cujo custo, na parte que respeita à fração do apelante estima em € 3.300,00; ou, caso a apelada não proceda às obras referidas, no referido prazo, se condenasse esta a pagar-lhe a quantia de € 3.885,00, acrescidos de IVA, para que possa contratar quem faça as mesmas e pagar o custo destas e, bem assim, que, em todo o caso, se condenasse a apelada a pagar-lhe a quantia de € 1.500,00, a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos.
Como causa de pedir de tais pretensões alegou o apelante ter celebrado, em 29 de julho de 2019, com a apelada um contrato de compra e venda mediante o qual esta lhe vendeu uma fração autónoma sita num prédio constituído em propriedade horizontal, destinada à sua habitação e onde este, desde então, reside efetivamente, e o incumprimento desse contrato por parte da última, decorrente da fração vendida apresentar defeitos ou desconformidades na parede exterior poente do prédio constituído em propriedade horizontal, que determinam que ocorram infiltrações de água pluvial nas paredes e teto de um quarto da fração comprada, vícios esses que já se verificavam à data da celebração do contrato de compra e venda, mas que a apelada (vendedora e Ré) lhe ocultou, tornando a fração destituída das qualidades normais de uma fração destinada à habitação e causando-lhe prejuízos não patrimoniais, cuja compensação reclama.
Com fundamento de que, segundo a alegação do apelante vertida na petição inicial, as alegadas infiltrações ocorrem através da parede exterior do edifício constituído em propriedade horizontal, onde se situa a  fração comprada por aquele à apelada, parede exterior essa que é parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal, entendeu a 1ª Instância que, “tal como o Autor não pode, de motu próprio, fazer qualquer intervenção nas partes comuns do edifício (por exemplo, no caso do autos, proceder à reparação da parede exterior da sua fração, por forma a eliminar a eventual origem das infiltrações), também, por maioria de razão, nunca a ré poderia ser condenada pelo tribunal a realizar qualquer intervenção nessa mesma parte comum, por imposição de um condómino (o ora autor) e não do próprio condomínio (…)”, pelo que,  “independentemente da fonte jurídica do direito do autor relativamente à ré – no caso dos autos, a responsabilidade contratual –, nunca a ré poderia, independentemente de tal fonte do direito do autor, ser condenada no pedido formulado quanto às partes comuns. Por outro lado, sem este pedido, não fazem sentido os restantes pedidos, na medida em que a reparação do defeito não pode deixar de passar por tal reparação nas partes comuns, sob pena da total inutilidade da ação” e, em consequência, concluiu que “a ré não tem interesse em contradizer porque, em função da lei aplicável, nunca poderia ser condenada a proceder a reparações nas partes comuns e, portanto, nenhum prejuízo lhe advém da demanda” e, em consequência, julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva suscitada pela apelada e absolveu-a da instância.
Imputa o apelante erro de direito ao assim decidido, asseverando que “o tribunal a quo, na sua decisão, ignorou a responsabilidade contratual da ré invocada pelo autor, resultante do não cumprimento do contrato de compra e venda de imóvel, bem como o pedido da condenação da Ré na reparação dos vícios do imóvel, ou no pagamento dos respetivo custos, assim como a indemnização por danos morais” e, bem assim, que “ não tivesse o Tribunal a quo ignorado o que se alega, verificaria o interesse direto do autor em demandar e o interesse direto da Ré em contradizer, decidindo em conformidade pela improcedência da alegada ilegitimidade passiva da Ré”.
Vejamos se assiste razão ao apelante para os erros de direito que assaca à decisão recorrida.
Enuncie-se que, perante uma determinada relação jurídica material controvertida submetida pelo autor à apreciação e à decisão do tribunal e que por ele vem delineada subjetiva (quanto aos sujeitos) e objetivamente (quanto ao pedido e à causa de pedir) na petição inicial, impõe-se que o tribunal verifique, antes de mais, se estão ou não recolhidos os elementos mínimos, considerados indispensáveis pela lei adjetiva, que lhe possibilitem entrar na apreciação do mérito dessa relação jurídica, ou seja, se estão ou não preenchidos os denominados pressupostos processuais.
Com efeito, os pressupostos processuais “são precisamente os elementos de cuja verificação depende o dever de o juiz proferir decisão sobre o pedido formulado, concedendo ou indeferindo a providência requerida. Trata-se das condições mínimas consideradas indispensáveis para, à partida, garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa. Não se verificando algum desses requisitos, como a legitimidade das partes, a capacidade judiciária de uma delas ou de ambas, o juiz terá, em princípio, que abster-se de apreciar a procedência ou improcedência do pedido, por falta de um pressuposto essencial para o efeito”[1].
A ausência de um pressuposto processual impõe, assim, ao juiz que profira uma decisão meramente processual, sem entrar na discussão do mérito, isto é, nos bens discutidos no processo, absolvendo o réu da instância ou, se esse for o caso e se encontrarem preenchidos os respetivos pressupostos legais, remetendo o processo para o tribunal competente (art. 576º, n.º 2 do CPC).
Atendendo ao fim visado almejar com os pressupostos processuais, compreende-se que estes tenham, em princípio, de ser aferidos por referência à relação jurídica material controvertida tal como esta é delineada, subjetiva e objetivamente, pelo autor na petição inicial.
Um desses pressupostos processuais é o da legitimidade das partes, a que alude o art. 30º do CPC.
Mediante o pressuposto processual da legitimidade exige-se que, para que o juiz possa entrar na apreciação do mérito da relação jurídica material controvertida que lhe é submetida pelo autor a apreciação e a decisão, julgando a ação procedente ou improcedente, que naquele concreto processo figurem como autor e como réu as “partes exatas” dessa relação jurídica controvertida submetida pelo autor ao tribunal.
“Ser parte exata no processo”, ou parte legítima neste, significa que nele tem de figurar como autor a pessoa que tem o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo, e como réu aquele que tem o poder de dirigir a defesa contra essa pretensão. “A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista; e terá legitimidade como réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é diretamente atingida pela providência requerida. Se assim não suceder, a decisão que o tribunal viesse a proferir sobre o mérito da ação, não poderia surtir o seu efeito útil, visto não puder vincular os verdadeiros sujeitos da relação controvertida ausentes da lide”[2].
Deste modo, exige-se que entre quem figure na ação como autor e como réu e o objeto dessa ação desenhado pelo autor na petição inicial interceda uma certa relação, de forma a que se possa afirmar que esses sujeitos são as partes certas dessa relação jurídica[3].
O pressuposto processual da legitimidade exprime-se precisamente pela relação que, segundo a lei processual civil, tem de existir entre as partes (sujeitos) que figuram no processo e o objeto desse processo (pedido e causa de pedir), sem o que não poderá o juiz entrar na apreciação do mérito dessa relação jurídica material controvertida que lhe é submetida pelo autor a fim de a dirimir naquele concreto processo, por nele não figurar como autor quem tem o poder de dirigir contra o aí réu aquele concreto pedido, atenta a respetiva causa de pedir que o suporta e que fora alegada pelo mesmo na petição inicial (ilegitimidade ativa) e/ou por não figurar como réu a pessoa a quem assiste o direito de defesa em relação a esse concreto pedido assente na específica causa de pedir alegada pelo autor na petição inicial (ilegitimidade passiva).
Dito por outras palavras, tal como no campo do direito material, há que se aferir pela titularidade dos interesses em jogo, isto é, se aquele que se arroga titular do direito contra determinada pessoa, de acordo com a lei substantiva, é efetivamente titular desse direito (ex: titular do direito de propriedade, credor da prestação contratual alegadamente incumprida, etc.), e se o demandado, de acordo com a lei substantiva, em caso da violação do direito que é alegado na petição inicial e de onde o autor faz derivar o pedido, é devedor da prestação pretendida pelo último, de molde a que se julgue procedente ou improcedente o pedido deduzido pelo autor - legitimidade substantiva -, em sede de pressuposto processual da legitimidade (exceção dilatória), há que se averiguar, se de acordo com a lei processual civil e, em regra, atenta a relação jurídica delineada pelo autor na petição inicial, figura no processo como autor e como réu quem deva deter essas qualidades jurídicas.
De acordo com os n.ºs 1 e 2 do art. 30º do CPC, o autor é parte legítima quando tenha interesse direto em demandar, o que se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação; e o réu é parte legitima quando tenha interesse direto em contradizer, o que se exprime pelo prejuízo que da procedência da ação lhe advenha. E, nos termos do n.º 3, desse art. 30º, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Significa isto que, de acordo com os comandos legais que se acabam de enunciar, para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da causa, terá, em sede de pressuposto processual de legitimidade, que considerar, exclusivamente e em regra (“na falta de indicação da lei em contrário”), a relação jurídica material controvertida delineada pelo autor na petição inicial, atentos os elementos subjetivos (sujeitos) e objetivos (pedido e causa de pedir) nela delineados por aquele e, bem assim, terá, em seguida, de recorrer ao direito substantivo para verificar se, em abstrato (isto é, independentemente da prova dos factos descritos na petição inicial constitutivos do direito de que o autor aí se arroga titular e de onde faz derivar o pedido),  em função dessa relação jurídica material controvertida que delineou nesse articulado fundamentador da ação, o autor é efetivamente a pessoa a quem a lei substantiva reconhece o estatuto de parte legítima para discutir em juízo o direito a que aquele se arroga titular, atentos os factos constitutivos desse direito que alegou naquele articulado inicial (no pressuposto de os vir a provar), por ser o titular incontestado do direito em causa e, bem assim, se foi demandado como réu a pessoa que, de acordo com a lei substantiva, por referência a essa mesma relação jurídica delineada na petição inicial, detém essa qualidade jurídica, por ser a pessoa que tem interesse direto em contradizer, por ser aquele cuja esfera jurídica é diretamente atingida por essa pretensão caso esta seja deferida.
Note-se que de acordo com o n.º 1 do art. 30º, para que o pressuposto processual da legitimidade ativa ou passiva se afirme, não basta que exista da parte daquele que figura no processo como autor e como réu um qualquer interesse, ainda que jurídico, respetivamente, na procedência ou improcedência da ação, na medida em que se exige que figurem no processo como autor e como réu quem tenha um interesse jurídico “direto”, seja em demandar, seja em contradizer.
Não basta assim à afirmação do pressuposto processual de legitimidade que, em função da relação jurídica material controvertida delineada pelo autor na petição inicial, as partes tenham um interesse moral, científico ou afetivo em demandar ou contradizer, nem sequer que o interesse jurídico que aquelas eventualmente tenham em discutir essa relação jurídica material controvertida delineada na petição inicial seja meramente indireto, reflexo ou derivado.
Conforme ponderam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, o promitente comprador não tem legitimidade ativa para requerer a declaração judicial de validade do contrato pelo qual o promitente vendedor adquiriu a coisa prometida vender-lhe de terceiro, embora tenha um interesse indireto na manutenção do contrato. O sublocatário, pela mesma razão, carece de legitimidade passiva para intervir como réu na ação de despejo intentada pelo senhorio contra o locatário, apesar de ser diretamente prejudicado com a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre senhorio e locador[4].
Destarte e em suma, de acordo com o comando do n.º 3 do art. 30º do CPC, para se aferir do pressuposto processual de legitimidade passiva e ativa, tem que se atender, por norma – “salvo disposição da lei em contrário” -, exclusivamente à relação jurídica material controvertida tal como esta vem delineada, subjetiva e objetivamente, pelo autor na petição inicial e indagar se, no pressuposto dos factos que por aquele aí vêm alegados como sendo constitutivos do direito a que se arroga titular e de onde faz derivar o pedido, de acordo com a lei substantiva aplicável em abstrato, o autor é o titular do direito que pretende exercer na ação e de onde faz derivar/assentar o pedido, caso em que se concluirá pela respetiva legitimidade ativa; e, por outro lado, verificar se a pessoa por ele demandada, ou seja, contra quem formula a pretensão que pretende que o tribunal lhe reconheça (pedido), é de facto a pessoa que, de acordo com a lei substantiva aplicável em abstrato, é aquela contra essa pretensão deve ser dirigida por ser aquela cuja esfera jurídica é diretamente atingida em caso de deferimento dessa pretensão.
Anote-se e reafirma-se, uma coisa é saber se as partes são os sujeitos da pretensão formulada para efeitos do pressupostos processual da legitimidade, em que apenas se impõe, em regra, atender à relação jurídica material controvertida desenhada pelo autor em sede de petição inicial, independentemente de este vir (ou não) a provar os factos aí alegados e que são constitutivos do direito a que se arroga titular e de onde faz derivar/assentar o pedido que deduz, e outra, diversa, é apurar se a pretensão que o autor formula nos autos lhe assiste efetivamente, ou seja, se o autor é o efetivo titular do direito que pretende exercer contra o réu e se a violação do mesmo lhe confere efetivamente o direito a que se arroga titular e a pretensão que, nessa sequência, pretende que o tribunal lhe reconheça contra a pessoa que demanda (réu) com fundamento na sua titularidade desse direito e/ou na respetiva violação pela pessoa que demanda, o que já nada tem a ver com o pressuposto processual de legitimidade, isto é, com a exceção dilatória de legitimidade ativa ou passiva, mas antes com o mérito da ação, isto é, com a legitimidade substantiva, por estar dependente da verificação dos requisitos de facto e de direito que condicionam o  nascimento dessa obrigação, o seu objeto e a sua perduração[5].
Significa isto que o legislador nacional, na esteira do que já era o entendimento jurisprudencial dominante, mediante a consagração do n.º 3 do art. 30º CPC, em que ordena que se atenda, em princípio, à relação jurídica material controvertida tal como esta é delineada ou configurada pelo autor na petição inicial, pôs termo à discussão clássica entre Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães, optando pela tese deste último autor, ao estatuir que ao apuramento da exceção de legitimidade ativa e passiva apenas interessa, por regra, a relação jurídica material controvertida desenhada pelo autor na petição inicial, independentemente da prova dos factos que a integram[6].
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, compulsada a petição inicial, as pretensões que o apelante nela formula contra a apelada consistem na condenação judicial desta a realizar, no prazo de sessenta dias, as obras necessárias e adequadas à eliminação dos defeitos discriminados na petição inicial, consistentes na reparação do teto do quarto, e pintura do mesmo, da fração que esta lhe vendeu em 29 de julho de 2019, por via das infiltrações de água pluvial que se introduzem nesse quarto, através da parede exterior poente do edifício constituído em propriedade horizontal onde se situa essa fração, bem como, a realizar as obras de isolamento dessa parede exterior do edifício constituído em propriedade horizontal, por forma a evitar que essas infiltrações se continuem a introduzir nesse quarto da fração, bem como, a condenar a apelada a pagar-lhe as quantias necessárias à execução dessas obras caso não as execute dentro desse prazo de sessenta dias e, bem assim, a pagar-lhe a quantia de 1.500,00 euros, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, fundam-se, de acordo com a facticidade alegada pelo apelante na petição inicial, no alegado incumprimento pela apelada, na qualidade de vendedora, do contrato de compra e venda celebrado em 29 de julho de 2019 com o apelante, mediante o qual vendeu ao último a dita fração, mais concretamente, no instituto da venda de coisa defeituosa, a que aludem os arts. 913º e ss. do CC e o regime jurídico do D.L. n.º 67/2003, de 08/04, na redação que lhe foi dada pelo D.L. n.º 84/2008, de 21/05, por ser o que se encontrava em vigor em 29/07/2019, data da celebração do contrato de compra e venda mediante o qual a apelada vendeu ao apelante a fração objeto dos autos, fundando-se, portanto, as pretensões (pedido) deduzidas nos autos pelo apelante no instituto da responsabilidade contratual.
Dúvidas também não subsistem que a fração que o apelante alega ter comprado ao apelante se situa em prédio que refere expressamente, na petição inicial, encontrar-se constituído em regime de propriedade horizontal e que as infiltrações que o mesmo alega verificarem-se no quarto dessa fração provêm da parede exterior desse edifício constituído em regime de propriedade horizontal.
Conforme decorre do art. 1420º do CC, na propriedade horizontal concorrem dois direitos distintos, um de propriedade singular, na medida em que cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence, e um direito de compropriedade, o qual incidente sobre as partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (n.º 1), sendo ambos esses direitos incindíveis, de modo que nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem sendo lícito aos condóminos renunciar à parte comum como meio de se desonerarem das despesas necessárias à sua conservação ou fruição (n.º 2).
Destarte, na propriedade horizontal concorrem necessariamente dois direitos dos condóminos interligados e incindíveis: o direito da propriedade plena de cada condómino sobre a fração de que é proprietário, sobre a qual exerce os poderes erga omnes de pleno e exclusivo gozo, fruição e disposição da fração de que é proprietário, reconhecidos pelo art. 1305º do CC, e o direito de compropriedade daquele sobre as partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal onde se situa a fração de que é exclusivo proprietário, sendo ambos esses direitos incindíveis,  na medida em que a compropriedade que se verifica em relação as partes comuns é uma compropriedade forçada, no sentido de que não é possível sair da indivisão, ao contrário do que sucede na compropriedade normal[7], pelo que, o condómino não pode vender a fração de que é proprietário exclusivo sem concomitantemente vender a sua quota parte nas partes comuns  do edifício constituído em propriedade horizontal de que é comproprietário, ou vice-versa, ou renunciar ao seu direito de compropriedade sobre as partes comuns.
A propriedade horizontal cria, portanto, “um novo estatuto para o prédio. Por efeito dela, o prédio perde a qualidade originária de coisa unitária para dar lugar a uma pluralidade de coisas novas – as frações autónomas -, a que por sua vez estão indissociavelmente afetas as partes comuns. O que singulariza o regime da propriedade horizontal, o “traço de caráter” que verdadeiramente lhe confere identidade própria, é a síntese que representa entre direitos de propriedade singular sobre as frações autónomas a favor da cada um dos condóminos, de um lado, e a compropriedade que a favor de todos, em conjunto, se estabelece sobre as partes comuns, de outro lado. Do ponto de vista da posição jurídica do condómino, o direito de propriedade horizontal aglutina de forma incindível aquelas duas espécies de titularidade. Em suma, surge uma nova realidade jurídica, a que, por via de regra, não corresponde uma nova realidade material, salvo se o novo regime, quando incidente sobre prédios antigos, implicar a realização prévia de obras para o adequar ao novo figurino”[8].   
O direito de compropriedade dos condóminos sobre as partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal no qual se situa a fração de que é proprietário exclusivo encontra-se sujeito ao regime jurídico da compropriedade enunciado nos arts. 1403º a 1413º do CC, com as especialidades próprias previstas nos arts. 1421º, 1424º, 1427º e 1430º a 1438º-A do CC.
No n.º 1 do art. 1421º, a lei enuncia, de modo taxativo, as partes do edifício constituído em propriedade horizontal que considera serem imperativamente comuns, enquanto no n.º 2 desse preceito, as que presume apenas como comuns, e prevê no n.º 3 que o título constitutivo pode afetar ao uso exclusivo de um condomínio certas zonas das partes comuns.
Enquanto as partes do edifício que se encontram elencadas taxativamente no n.º 1 do art. 1421º são imperativamente comuns, não admitindo, por isso, a lei que o título constitutivo ou os condóminos excluam essas partes da respetiva natureza comum que lhes é atribuída ex lege, sem prejuízo de admitir que o título constitutivo possa afetar ao uso exclusivo de um dos condóminos certas zonas dessas partes imperativamente comuns do edifício constituído em regime de propriedade, caso em que as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesses comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação (n.º 2, do art. 1424º), as partes do edifício constituído em regime de propriedade horizontal previstas taxativamente no n.º 2 desse art. 1421º presumem-se apenas terem natureza comum, o que significa que essa presunção pode ser ilidida, mediante prova em contrário, desde que se prove que os referidos elementos foram atribuídos pelo título constitutivo da propriedade horizontal a um ou alguns dos condóminos, ou adquiridos por estes através de atos possessórios, ou cuja natureza comum seja necessariamente afastada por esses elementos apenas poderem servir, pela sua destinação objetiva, apenas um ou alguns dos condóminos[9].
Entre as partes de edifício constituído em propriedade horizontal com natureza imperativamente comuns contam-se, além do mais, “as paredes mestras e todas as partes restantes do edifício que constituem a estrutura do prédio”, de que fazem parte as paredes exteriores do edifício constituído em propriedade horizontal, dado que essas paredes exteriores integram naturalmente a estrutura do edifício constituído em propriedade horizontal, ou seja, tal como decidido pela 1ª Instância, de acordo com a relação jurídica material controvertida delineada pelo apelante na petição inicial, a parede exterior do edifício de onde provêm as alegações infiltrações que se infiltraram, e continuarão a infiltrar-se enquanto essa parede exterior do edifício não for reparada, no quarto da fração que comprou à apelada é uma parte imperativamente comum.
Quanto às partes imperativamente comuns, onde, reafirma-se, se integra a parede exterior poente do prédio constituído em propriedade horizontal de onde, de acordo com a alegação do apelante, provêm as infiltrações de água pluvial que se introduzem no quarto que integra a fração comprada à apelada, nos termos do disposto no art. 1430º, n.º 1 do CC, a administração das partes comuns compete à assembleia de condóminos e a um administrador.
A assembleia de condóminos é o órgão deliberativo, enquanto o administrador é o órgão executivo (art. 1436º do CC, em particular a al. h), do CC).
Nos art. 1436º do CC a lei elenca as funções que cabem ao administrador, sem prejuízo de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia, onde se contam, além do mais, a cobrança de receitas a efetuar nas despesas comuns (al. d)); a realização de atos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns (al. f)); a execução das deliberações da assembleia (al. h)); e a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio (al. l)).
Acresce que, nos termos do art. 1437º, o administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiros, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia (n.º 1), podendo também o administrador ser demandando nas ações respeitantes às partes comuns do edifício (n.º 2), excetuando dos poderes de representação do condomínio por parte do administrador a representação nas ações relativas a questões de propriedade ou de posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador (n.º 3).
Decorre do cotejo dos arts. 1430º, 1436º e 1437º do CC que se vêm a referir que os poderes de administração e de representação das partes comuns de edifício constituído em propriedade horizontal compete à assembleia de condóminos e ao administrador.
O administrador tem os poderes de administração e de representação dessas partes comuns, que são os que se encontram elencados nos arts. 1436º e 1437º, podendo a assembleia conceder-lhe outros poderes de administração dessas partes comuns para além dos enumerados no art. 1436º e, bem assim, autorizá-lo a representar o condomínio em ações que extravasam os poderes representativos daquele que se encontram elencados no art. 1437º.
Acresce que, nos termos do n.º 1 do art. 1424º, salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.
Quanto às obras de conservação das partes comuns, cabe ao administrador realizar tais obras e diligenciar pelo respetivo pagamento (al. f) do art. 1436º), sem prejuízo de qualquer condómino poder realizar as reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do prédio, na fala ou impedimento do administrador (art. 1427º do CC).
Deste modo, como bem ponderou a 1ª Instância, nas relações propter rem estabelecidas entre, por um lado, o condomínio e, por outro, os condóminos ou terceiros, é pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial segundo o qual as obras necessárias à fruição e conservação das partes comuns de prédio constituído em propriedade horizontal cabem ao condomínio, isto é, ao conjunto dos condóminos, os quais, conforme antedito, são comproprietários dessas partes comuns, pelo que, salvo disposição em contrário, têm de pagar as despesas inerentes à conservação dessas partes comuns e, bem assim, à respetiva fruição (v.g., despesas com a limpeza) na proporção do valor das suas frações (n.º 1 do art. 1423º), e cumpre ao administrador do condomínio, em representação deste, realizar essas obras (al. f) do art. 1436º), apenas podendo qualquer dos condóminos substituir-se ao administrador na execução de tais obras de conservação das  partes comuns, na falta ou impedimento do condomínio, e caso se trate de executar obras de reparações indispensáveis e urgentes (art. 1427º do CC).
A partir do que se acaba de dizer, entendeu a 1ª Instância que, no caso de incumprimento contratual por parte de vendedor perante o comprador decorrente da fração objeto dessa compra e venda apresentar defeitos ou desconformidades, nunca poderia condenar o vendedor a reparar a fração quando essas desconformidades decorrem de vícios que provêm de parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal, como é o caso dos autos, em que segundo a relação jurídica material controvertida delineada pelo apelante na petição inicial, a origem das infiltrações que se fazem sentir nas paredes e teto do quarto que integra a fração que lhe foi vendida pela apelada reside na parede exterior poente do edifício constituído em propriedade horizontal, isto porque, constituindo essa parede exterior do edifício parte comum deste, compete ao condomínio, representado pelo administrador, realizar as obras de conservação dessas partes comuns, pelo que nunca poderia condenar a apelada, vendedora dessa fração, por via do alegado incumprimento contratual em que incorreu, nos termos do instituto da venda de coisa defeituosa, a reparar essa parede exterior, eliminando  as invocadas desconformidades alegadamente ocorridas na parede exterior desse edifício, por onde se processam as infiltrações da água pluvial no interior da fração vendida pela apelada ao apelante, dada a natureza de parte comum dessa parede exterior do edifício.
Adianta a apelada nas alegações de recurso que além disso, o apelante não disporia de legitimidade ativa para lhe exigir a reparação de tais desconformidades ocorridas nessa parede exterior do edifício constituído em propriedade horizontal, por essa legitimidade ativa competir, ope legis, ao condomínio, representado pelo seu administrador, e não aos condóminos individualmente considerados, como é o caso do apelante a quem confirma ter vendido a fração objeto dos autos.
Note-se que a posição adotada pela 1ª Instância na decisão recorrida e a que vem propugnada pela apelada nas contra-alegações de recurso que se acabam de enunciar tem sido aquela que tem sido defendida por parte da jurisprudência nacional, que tem sustentado ser “o administrador do condomínio, enquanto representante deste, e não o condomínio que goza de legitimidade ativa para pedir judicialmente a eliminação dos defeitos do prédio verificados nas partes comuns, devidamente mandatado pela assembleia de condóminos”[10].
Contudo, já uma outra corrente, defende que sendo o condomínio absolutamente estranho ao contrato de compra e venda celebrado entre vendedor e condómino tendo por objeto fração sita em prédio constituído em propriedade horizontal que padeça de vícios ou desconformidades em partes comuns do prédio, é ao condómino comprador que assiste legitimidade ativa para instaurar ação contra o vendedor reclamando a reparação da fração objeto daquela compra e venda e das partes comuns do edifício, por forma a eliminar a fonte desses prejuízos na fração objeto da compra e venda e, bem assim, a indemnização do comprador pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência desse incumprimento contratual, nos termos do art. 914º do CC, ainda que a fonte dessas desconformidades resida nas partes comuns do edifício.
Neste sentido expende-se no acórdão do STJ. de 24/09/2009 que os “Autores instauraram ação contra vendedor pedindo a condenação a pagar-lhe a quantia necessária para reparar a fração eliminando as infiltrações de água proveniente das chuvas que caem sobre a cobertura de prédio constituído em propriedade horizontal. Recorreu o réu invocando não lhe ser aplicável o regime da venda de coisas defeituosas afirmando mesmo que a ré não vendeu aos autores uma coisa defeituosa, sustentando que, sendo parte comum do edifício, a cobertura não constitui, nem poderá ter constituído, objeto da compra e venda celebrada entre as partes. Em seu entender, o que a ré vendeu foi uma fração autónoma de um prédio em regime de propriedade horizontal e, por arrasto, o seu direito de compropriedade sobre as partes comuns, incindivelmente ligado ao direito de propriedade sobre a fração autónoma. O ligado ao direito de propriedade sobre a fração autónoma. O que apresenta deficiência não é a fração autónoma alienada, mas sim uma parte comum, que não foi objeto (nem podia ser) do negócio celebrado entre as partes. Daqui retira que não é a responsabilidade contratual da ré, que não existe, mas a responsabilidade extracontratual dos demais condóminos que está em causa”.
A propósito do enunciado argumentário do aí recorrente, conclui o STJ “não ter qualquer fundamento tal alegação. A circunstância de a coisa vendida ser uma fração autónoma de um prédio urbano – a não a cobertura do prédio, ou parte dela – não isenta o vendedor de responder, perante o comprador, pelos vícios que a desvalorizam ou que impedem a sua utilização normal. Diferente seria se a fração tivesse sido alienada como fração carecida de reparação, por sofrer infiltrações na cobertura, ou seja, como fração por essa razão não apta a servir de habitação, em termos normais. Mas não foi este o caso (…). Não podem ser invocados pelo vendedor de uma fração quaisquer limitações que o regime da propriedade horizontal imponha às decisões que afetem as partes comuns, ou à execução de obras nas mesmas, para se exonerar, perante o comprador, da responsabilidade pela existência de defeitos na coisa vendida. A coisa vendida, em tal caso, é manifestamente constituída pelo incindível que foi alienado, não tendo cabimento a separação entre a fração autónoma e a quota nas partes comuns. Neste contexto, coisa sem defeito significa coisa apta a desempenhar a sua função; e é em função desse todo que a aptidão terá de ser aferida”[11].
Decorre do que se vem dizendo que, em função desta corrente jurisprudencial, de acordo com a relação jurídica material controvertida delineada pelo apelante na petição inicial, em que funda as diversas pretensões que formula contra o apelante e que pretende lhe sejam reconhecidas pelo tribunal com base no incumprimento contratual em que sustenta encontrar-se constituída a apelante perante si decorrente da fração que lhe vendeu apresentar vícios ou desconformidades decorrentes da parede exterior poente do edifício constituído em propriedade horizontal onde se situa essa fração deixar infiltrar a água pluvial no interior dessa fração, causando estragos no teto e nas paredes de um quadro da mesma, o apelante dispõe de legitimidade ativa para demandar o vendedor solicitando a reparação desses vícios (quer os verificados no interior da  fração objeto da compra e venda, quer os verificados na parede poente exterior do edifício constituído em regime de propriedade horizontal) nos termos do art. 914º do CC, assim como esta, na qualidade de vendedora de tal fração, dispõe de legitimidade passiva para o efeito, não podendo invocar quaisquer limitações que o regime de propriedade horizontal imponha às decisões que afetem as partes comuns do edifício ou à execução de obras nas mesmas para se exonerar da sua responsabilidade contratual decorrente da existência de defeitos na coisa vendida, a qual é constituída por um todo incindível formado pela fração e pelas partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal onde aquela se integra.
Ora, versando a exceção de ilegitimidade ativa e passiva sobre um pressuposto processual que se traduz em saber se, em função da relação jurídica material controvertida delineada pelo apelante na petição inicial, estão presentes as partes certas na ação para que ao tribunal seja consentido entrar no conhecimento do mérito dessa relação jurídica, e carecendo o juízo para o efeito de ser feito tendo presente os elementos subjetivos (sujeitos) e objetivos (pedido e causa de pedir) delineados pelo autor (apelante) na petição inicial, verificando se, à luz do direito substantivo, em abstrato e de acordo com todas as teses jurídicas suscetíveis de serem aplicáveis a esse direito substantivo, o autor é o titular dos direitos de reparação e indemnização que reclama da pessoa por si demandada com fundamento em responsabilidade contratual (ré e apelada) e se esta, de acordo com esse direito substantivo e em função de todas as teses jurídicas suscetíveis de lhe serem aplicáveis, é a pessoa que se encontra constituída nessa responsabilidade contratual e sobre quem impende a obrigação de reparar e de indemnizar o primeiro (autor e apelante), é apodítico, perante as referidas posições jurisprudenciais distintas sobre a questão de fundo suscitada nos autos – a opção por uma ou por outra das soluções jurídicas supra identificadas quanto a essa questão contende com o mérito, ou seja, com a legitimidade substantiva -, que a apelada dispõe de legitimidade passiva para a presente ação, assim como o apelante dispõe de legitimidade ativa, impondo-se, por conseguinte, concluir pela procedência da presente apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida que julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva e absolveu a apelada da instância, julgando-se essa exceção dilatória de ilegitimidade passiva suscitada pela apelada improcedente e ordenando o prosseguimento dos autos.
*
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- Mediante o pressuposto processual de legitimidade exige-se que para que o juiz possa entrar na apreciação do mérito da relação jurídica material controvertida delineada subjetiva (quanto aos sujeitos) e objetivamente (quanto ao pedido e à causa de pedir) pelo autor na petição inicial, em regra, atenta essa relação jurídica delineada na petição inicial, autor e réu sejam as “partes exatas” dessa relação jurídica, isto é, que atentos os factos constitutivos do direito a que se arroga titula o autor na petição inicial e por ele aí alegados, de onde faz derivar/assentar o pedido, de acordo com a lei substantiva abstratamente aplicável a essa relação jurídica (independentemente de o autor vir ou não a fazer prova desse factos que alega), de acordo com as várias soluções jurídicas plausíveis que decorram dessa lei substantiva, o autor seja o titular do direito a que se arroga titular naquele articulado inicial e de onde faz derivar o pedido que nele aí formula, e o réu seja a pessoa que deverá opor-se à procedência do pedido por aquele formulado, por ser a pessoa cuja esfera jurídica será diretamente atingida pela procedência desse pedido.
2- Em ação intentada por condómino contra o vendedor de fração, em que o autor, com fundamento em incumprimento do contrato de compra e venda celebrado decorrente da fração que lhe foi vendida pelo réu apresentar defeitos ou desconformidades decorrentes de no interior dessa fração ocorrerem infiltrações de água provinda da parede exterior do edifício constituído em propriedade horizontal, pede a condenação do réu a reparar os estragos causados no interior da fração e a executar as obras na parede exterior do edifício (parte comum), de modo a eliminar a origem de tais infiltrações e, bem assim, a compensá-lo pelos danos não patrimoniais sofridos, autor e réu dispõem de, respetivamente, legitimidade ativa e passiva para essa ação.
3- É que, de acordo com uma corrente jurisprudencial, a circunstância da compra e venda ter por objeto uma fração autónoma integrada em edifício constituído em propriedade horizontal,  não isenta o vendedor de responder perante o comprador, a título de responsabilidade contratual, com fundamento no instituto de venda de coisa defeituosa, designadamente, nos termos do art. 914º do CC, ainda que os vícios apresentados na fração ocorram ou tenham a sua origem ao nível das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal, não podendo o vendedor invocar contra o comprador quaisquer limitações quanto às decisões ou à execução de obras  nas partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal que decorram do regime da propriedade horizontal, por forma a eximir-se à sua responsabilidade contratual perante o comprador da fração.  
*
V- Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação procedente e, em consequência:
- revogam o despacho recorrido que julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva e absolveu a apelada da instância e julgam essa exceção improcedente e ordenam o prosseguimento dos autos.
*
Custas da apelação pela apelada (arts. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Notifique.
*
Guimarães, 10 de julho de 2023

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:
José Alberto Moreira Dias – Relator
Fernando Manuel Barroso Cabanelas - 1ª Adjunto
Rosália Cunha - 2ª Adjunta.



[1] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pág. 104.
[2] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 127.
[3] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, pág. 74, onde postula que “A questão da legitimidade é essencialmente uma questão de posição das partes em relação à lide”.
[4] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 135.
[5] Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 134.
[6] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 4ª ed., Almedina, pág. 93.
Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, Almedina, 2014, págs. 69 e 70, onde se lê: “… a legitimidade consiste numa posição concreta da parte perante uma causa. Por isso, a legitimidade não é uma qualidade pessoal, antes uma qualidade posicional da parte face à ação, ao litígio que aí se discute. (…). Conforme resulta da redação que a Reforma de 1995/96 deu ao n.º 3 do art. 26º do CPC de 1961 – redação mantida agora no art. 30º -, foi adotada a teoria que faz corresponder a legitimidade das partes à titularidade da relação controvertida descrita pelo autor na petição inicial”.
[7] Mota Pinto, RDES, n.º 21, pág. 113.
[8] Abílio Neto, “Manual da Propriedade Horizontal”, 4ª ed, março 2015, Ediforum, pág. 35.
[9] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1987, pág. 419.
[10] Ac. R.C., de 01/02/2022, Proc. 2281/20.4T8LRA.A.C1, in base de dados da DGSI, onde constam os acórdãos que se venham a enunciar, sem menção em contrário.
[11] Ac. STJ., de 24/09/2009, Proc. 09B0368. Em igual sentido Acs. R.P., de 12/03/2013, Proc. 306/11.3TJVNF.P1; RE. de 18/12/2007, Proc. 2642/07-3; R.L., de 01/11/2008, Proc. 2552/2008-1, em que se lê: “A administração de prédio constituído em regime de propriedade horizontal tem poderes para reclamar do construtor/vendedor os defeitos existentes nas partes do prédio; mas já não tem legitimidade para reclamar em nome dos condóminos os defeitos que existam nas frações autónomas do prédio. O mesmo não sucede com os condóminos: estes, por serem comproprietários nas partes comuns do prédio, podem denunciar ao vendedor defeitos nessas partes e reclamar a eliminação dos mesmos (arts. 1420º, n.ºs 1 e 2, 1452º, n.º 1 e 1427º do CC”; R.L., de 02/06/2016, Proc. 3941/14.4T8SNT: “Numa ação intentada contra o construtor/vendedor do prédio, o proprietário de uma fração autónoma tem legitimidade ativa para exigir a reparação dos defeitos das partes comuns que estão na origem dos defeitos existentes na sua própria fração”; R.C., de 12/03/2019, Proc. 190/15.8T8CNT.C1.