Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL BARGADO | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO PARA COMÉRCIO OU INDÚSTRIA REVOGAÇÃO DECLARAÇÃO TÁCITA VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/12/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - A revogação real do contrato de arrendamento para actividade comercial assenta num acordo entre o senhorio e o arrendatário, a que acresce a execução imediata, com dispensa de escrito, mesmo que o contrato exija essa forma. II - Incumbe ao réu o ónus da prova por ter alegado essa forma de extinção que terá de resultar de factos concludentes. III - Entende-se que são factos concludentes “todos aqueles nos quais se possa apoiar uma ilação para se constituir o significado do comportamento, sendo este o resultado da ilação”. IV – Se da matéria de facto apurada não resulta que o senhorio, ou o seu representante, se tenham comportado de forma a criar no locatário, a expectativa de que o contrato tinha cessado, não se pode afirmar que houve violação dos princípios da boa-fé ou confiança ou, dito de outro modo, o comportamento do senhorio não configura um abuso de direito, nomeadamente na vertente de venire contra factum proprium. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que lhe move A…, veio o executado B… deduzir oposição à execução alegando, em síntese, para além da inexistência de título executivo e da ineptidão do requerimento executivo, que as rendas e demais valores que lhe são exigidos na execução não são devidos, por se reportarem a quantias relativas a momento em que o contrato de arrendamento que celebrou com o exequente já se encontrava extinto, por revogação real e, por outro lado, de uma dessas quantias resultar de uma cláusula que não lhe foi comunicada, devendo, por isso, ser excluída, nos termos dos artigos 6.º e 8.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro. Termina pedindo a condenação do exequente como litigante de má fé. O exequente contestou, pugnando pela improcedência da oposição, quer no que se refere às excepções dilatórias invocadas, quer no que tange à invocada resolução do contrato de arrendamento, opondo-se ainda ao pedido de condenação como litigante de má fé. Em audiência preliminar para o efeito convocada, conheceu-se das excepções dilatórias referentes à inexistência de título executivo e da nulidade do processo, por ineptidão do requerimento executivo, as quais foram julgadas improcedentes, tendo-se dispensando a fixação da base instrutória com fundamento na manifesta simplicidade da causa. Realizou-se audiência e discussão e julgamento, tendo o tribunal decidido a matéria de facto nos termos do despacho inserido na acta de fls. 130 a 136, sem reclamação. Seguidamente foi proferida sentença a julgar a oposição parcialmente procedente, determinando a redução da quantia exequenda para a quantia de € 4.500,00, acrescida de juros de mora à taxa legal anual de 4% até efectivo pagamento. Inconformado, interpôs o executado/oponente o presente recurso de apelação, rematando as alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem: «I – O OBJECTO DO RECURSO aa. O recorrente não se conforma com a douta sentença condenatória, cingindo-se o recurso às seguintes questões: a) impugnação da matéria de facto e, b) da revogação real. II – IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: ab. No entendimento do recorrente, os factos vertidos nos artigos 32, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43 da oposição deveriam, face á prova produzida em julgamento, sido dados como assentes. ac. Na verdade, e sucintamente, entende o recorrente que ficou demonstrado, concretamente, que o ora recorrido sabia e aceitou a ocupação, exploração e tomada de posição de arrendatária da C…, promitente trespassária no contrato-promessa junto aos autos. ad. Sintetizando os depoimentos de ambas as testemunhas, parcialmente transcritos, supra registadas através da aplicação Habilus das 15:25:00 às 16:37:00 horas, na primeira sessão de julgamento (D…) e das 10:24:00 às 11:03:27 horas na continuação da audiência (C…), tem de resultar o seguinte: - A E… entregou um contrato de arrendamento aos anteriores arrendatários – recorrente e D… – para que a nova inquilina – C… – o assinasse. - Porque não concordavam com o teor de todo o contrato, foi solicitado junto daquela E… que o mesmo fosse alterado. - Em dois dias, a E… entregou aos anteriores inquilinos um novo contrato. - Esse contrato foi assinado pela C… e devolvido à E…. - Desde essa data, todos os meses, e durante um ano, a C… pagou as rendas do locado na E…. - A E… representa o proprietário do locado. ae. Face a estes depoimentos, e conjugando-os, quer com a factualidade dada como provada, infra transcrita, quer com a sentença, quer com a fundamentação da matéria de facto, tem de concluir-se o seguinte: O executado, ora recorrido, tinha conhecimento da cessão do estabelecimento comercial e aceitou-a; há uma revogação do contrato de arrendamento celebrado com o recorrente. af. Assim, deverá a resposta dada à factualidade vertida nos artigos 32, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43 da oposição à execução ser: “Provado.”. III – DAS QUESTÕES DE DIREITO A – DA REVOGAÇÃO REAL ag. Com relevância para a apreciação da existência de uma revogação real, chame-se a atenção para os factos provados nº 9º, 10º, 11º, 14º, 15º, 16º e 19º supra transcritos ah. Sucintamente, o Meritíssimo Julgador a quo entendeu que não se verificava uma situação de revogação real por três motivos: (a) nunca foi celebrado o prometido contrato de trespasse; (b) nunca foi celebrado novo contrato de arrendamento com a mencionada C…; (c) o senhorio/ora exequente/recorrido continuou a emitir os recibos em nome do executado/recorrente. ai. Se houve; (a) desocupação do prédio pelo arrendatário; (b) ocupação do mesmo por uma terceira; (c) as rendas começaram a ser pagas por essa terceira; (d) com o conhecimento do senhorio/exequente; (e) os antigos inquilinos diligenciaram no sentido de ser assinado contrato de arrendamento em nome daquela terceira junto da imobiliária que representa o senhorio; (f) entrega das chaves à terceira, como o conhecimento do senhorio, - não se percebe como pode o senhorio exigir as rendas e demais encargos ao ora exequente, quando bem sabia que aquele não ocupava o locado e, muito menos, pagava as respectivas rendas há vários anos. aj. Como resulta da matéria de facto provada, o recorrente/executado sempre tratou dos assuntos relativos ao arrendamento do prédio dos autos com a agência de mediação E…, sua representante nos assuntos conexos com o arrendamento dos autos. al. Como preceituam os arts. 258º e 259º do CC, o negócio jurídico celebrado com aquela E… produz os seus efeitos na esfera jurídica do ora recorrido e é, ainda, na pessoa daquela (representante) que deve verificar-se o conhecimento ou a ignorância dos factos que influam no negócio jurídico. am. Serve isto para dizer que jamais se poderá equacionar que o ora recorrido não tinha conhecimento do trespasse, não tinha conhecimento de que quem pagava as rendas era a C… e de que quem ocupava e explorava o locado era aquela mesma pessoa e não o executado, ora recorrente, desde 2006. an. O contrato-promessa de trespasse dos autos estipula, especificamente, “autorizam expressamente os primeiros outorgantes (trespassantes) que a ora segunda outorgante (trespassária) proceda imediatamente à integral ocupação e exploração do estabelecimento, auferindo exclusivamente os respectivos proventos.” Ora, apesar de se tratar de “mero” contrato-promessa, a verdade é que os seus efeitos corresponderam, integralmente, aos efeitos do contrato prometido. ao. Por outras palavras, desde 22 de Março de 2006 que a C… é detentora das chaves e do estabelecimento, ocupando-o e explorando, dele auferindo os seus proventos, assumindo todas as obrigações decorrentes da exploração, designadamente, pagando as rendas: - tudo com o conhecimento e consentimento do senhorio, ora executado, quer por si próprio, quer na pessoa da sua representante E…, Lda.. ap. EM SUMA, não parece à recorrente que, face a toda esta factualidade, se entenda não ter existido uma revogação real, pelo simples facto de nunca se ter celebrado o contrato de trespasse prometido, uma vez que todos os seus efeitos se verificaram. B) DO ABUSO DO DIREITO: aq. O comportamento do executado, recorrido consubstancia, claramente, um abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium. ar. O recorrido pretende prevalecer-se de uma situação por ele (ou por seu representante) sustentada durante um largo período de tempo, e por ele consentida. as. Foi o comportamento da E…, representante do recorrido que permitiu que o recorrente nunca, sequer, pensasse enviar uma carta que fosse a resolver o contrato de arrendamento. at. Em causa está ainda aquilo a que os alemães chamam «Verwirkung» com que se veta o exercício de um direito ou uma pretensão, por o titular não os ter exercido durante muito tempo e, por isso, ter criado na contraparte uma fundada expectativa de que tais direitos já não seriam exercidos, revelando-se posteriormente, um posterior exercício manifestamente desleal e intolerável. au. No caso dos autos, se alguém agiu incorrectamente foi aquela E…. av. Contudo, se há alguma extrapolação dos poderes a esta conferidos, tal responsabilidade não pode ser atribuída ao contraente de boa fé que nunca viu outro contraente senão aquela mesma E… que lhe criou a aparência de tomar todas as questões conexas com o contrato dos autos. IV – AS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS ax. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, entre outros, os artigos 258º, 259º, 334º e 1082º do CC. TERMOS EM QUE Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em conformidade, - Ser a resposta dada à factualidade vertida nos artigos 32, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43 da oposição à execução alterada para “Provado”; - Ser o contrato dos autos considerado revogado, com as legais consequências. Com o que fará a acostumada JUSTIÇA!» Não foram juntas contra-alegações. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. II - ÂMBITO DO RECURSO O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, consubstancia-se nas seguintes questões: - impugnação da matéria de facto; - se houve revogação real do contrato de arrendamento; - se existe uma situação de abuso de direito. III – FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos[1]: 1. Por contrato outorgado em 03 de Janeiro de 2006, o exequente deu de arrendamento a B…, co-executado, que o tomou, a partir de 1 de Janeiro de 2006, o prédio urbano sito na Rua …, nº …, rés-do-chão, freguesia de …, Braga; 2. A renda anual acordada foi de € 3.000,00 (três mil euros), dividida em duodécimos de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), vencendo-se cada um deles no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeitar; 3. O exequente procedeu à notificação do referido B… de que se encontravam vencidas e não pagas as rendas relativas aos meses de Março de 2007 a Outubro de 2007, perfazendo um total de € 2.000,00 (dois mil euros), acrescidos de juros de mora; 4. Segundo a cláusula 3ª, 1), do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, o inquilino poderá denunciar o mesmo a todo o tempo, mediante comunicação escrita a enviar ao senhorio, com antecedência mínima de 90 dias sobre a data em que se operam os seus efeitos; 5. O prazo supra indicado não foi respeitado pelo inquilino. 6. Nos termos da cláusula 12ª do contrato de arrendamento, em caso de acção de despejo ou de qualquer outra acção derivada do incumprimento do mesmo, ficou o inquilino obrigado ao pagamento de todas as despesas judiciais e extra-judiciais, incluindo honorários de Advogado, as quais foram fixadas em € 1.500,00 (mil e quinhentos euros). 7. Nos termos da cláusula 5ª do contrato o inquilino obrigou-se a proceder ao pagamento das despesas ordinárias de conservação e fruição das partes comuns do prédio locado, decorrente do orçamento anual do condomínio, as quais ascendiam a € 130,05 (cento e trinta euros e cinco cêntimos). 8. O co-executado F…, nos termos da cláusula 16ª do contrato obrigou-se como fiador e principal pagador, com renúncia ao benefício da excussão prévia, assumindo todas as obrigações emergentes do contrato. 9. O oponente tomou de arrendamento, em 2 de Novembro de 2004, a fracção “E”, correspondente ao rés-do-chão do nº …, da Rua …, à respectiva proprietária G…. 10. Tais fracções estavam fisicamente ligadas entre si. 11. Nas mesmas laborava um estabelecimento comercial de café/snack-bar denominado «…». 12. O oponente e D… tomaram de trespasse a H…, altura em que o estabelecimento tinha a denominação «…». 13. O oponente e o referido D… exerciam em conjunto a exploração do referido estabelecimento, dividindo entre si, em igual proporção, os custos e as receitas do mesmo. 14. Em 22 de Março de 2006 o executado e o referido D… prometeram trespassar a C…, solteira, maior, residente, então, na Rua …, nº …, freguesia de …, Braga, pelo preço de 28.000,00 (vinte e oito mil euros), o referido estabelecimento. 15. Providenciaram junto da senhoria identificada em 9º e junto da agência de mediação imobiliária que tratava dos assuntos do exequente a celebração de novos contratos de arrendamento, relativos às respectivas fracções. 16. A referida C… passou a explorar o estabelecimento acima identificado, tendo passado a pagar as rendas relativas às fracções identificadas supra. 17. Os recibos de quitação das rendas relativas à fracção objecto do contrato de arrendamento em mérito nos autos continuaram a ser emitidos em nome do oponente/executado, apesar de as rendas serem pagas pela mencionada C… e não pelo oponente; 18. Por carta registada com aviso de recepção datada de 07/05/2008 o oponente, invocando «não ser desde Março de 2006 locatário de Vª Exª. e sem prejuízo da defesa que irá apresentar em sede própria, na oposição à execução, “manda a jurisprudência das cautelas” que, sem mais, por cautela e de forma a evitar eventuais prejuízos, vem, por este meio, comunicar que procede à denúncia do presente contrato, respeitando o prazo de aviso prévio convencionalmente prescrito na lei, de 90 dias, a qual operará no próximo dia 07 de Agosto do corrente». 19. A C… outorgou contrato de arrendamento relativo ao gozo do nº 27-A, fracção “E”. 20. A C… comunicou ao oponente a resolução do contrato promessa de trespasse. 21. O contrato referido em 1º foi elaborado pela agência de mediação E…, Lda. B) O DIREITO Da impugnação da matéria de facto. Como resulta do art. 712º, nº 1, al. a), do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa (os pontos impugnados pelo recorrente) ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 685º-B, a decisão com base neles proferida. Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto – documentos, prova pericial e depoimentos testemunhais, registados através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal a quo. Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode-se dizer que o recorrente cumpriu formalmente os ónus impostos pelo nº 1 do art. 685º-B do CPC, já que: - indicou os concretos pontos da materialidade fáctica que considera incorrectamente julgados, com referência ao que foi decidido na sentença recorrida (que fixou também a matéria de facto provada). - referiu os concretos meios de prova que, na sua óptica, impunham decisão diversa, ou seja, os depoimentos das testemunhas nos quais o tribunal a quo alicerçou a sua convicção, os quais transcreve em parte. - indicou, como impõe o art. 522º-C, nº 2, do CPC, as passagens da gravação em que se fundam, referindo os minutos da gravação, o que permite a este Tribunal ad quem identificar, de forma fácil e segura, os depoimentos visados. No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorrecta avaliação da prova testemunhal cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo art. 712º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam[2], mas, também, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto[3]. Presente deve ter-se, outrossim, que o sistema legal, tal como está consagrado, com recurso à gravação sonora dos meios probatórios oralmente produzidos, não assegura a fixação de todos os elementos susceptíveis de condicionar ou influenciar a convicção do julgador perante o qual foram produzidos os depoimentos em causa, sofrendo a apreciação da matéria de facto pela Relação, naturalmente, a limitação que a inexistência da imediação de forma necessária acarreta. Feitas estas breves considerações, vejamos então a factualidade posta em causa pelos recorrentes – artigos 32º e 37º a 43º da oposição que, segundo o recorrente, deveriam ter sido dados como assentes -, e o que se afere dos meios de prova que na 1ª instância estiveram na base da decisão de facto proferida. Naqueles artigos da oposição alegou o executado/oponente o seguinte: 32º: «Em 22 de Março de 2006, o oponente e o D… trespassaram o referido estabelecimento comercial a C…, (…), pelo preço de € 28.000,00.» 37º: «Inicialmente, verificou-se alguma resistência por parte da E…, Lda. na outorga de novo contrato de arrendamento, atento que a nova locatária pretendia – naturalmente, pelo valor investido –um contrato de arrendamento de natureza vinculística (sem termo),» 38º: «o que, após diversas insistências, aquela E…, Lda. acedeu, comunicando que o seu cliente aceitava um contrato de arrendamento sem prazo determinado,» 39º: «tendo entregue ao oponente cópia desse mesmo contrato já com a assinatura da C..., nova locatária, aposta,» 40º: «faltando ainda a aposição da assinatura da fiadora e locador que aquela E…, Lda. se comprometeu a conseguir nos próximos dias – cfr. doc. 3.» 41º: «Mediante esse novo contrato de arrendamento e de acordo com o que havia sido convencionado com aquela E…, Lda., o oponente procedeu à entrega das chaves dos locados à nova locatária,» 42º: «e considerou-se naturalmente desvinculado do contrato de arrendamento de 03 de Janeiro de 2006,» 43º: «porque tal lhe foi assegurado pela E…, Lda., na qualidade de representante do locador». Sustenta o recorrente que tal factualidade resulta demonstrada através dos depoimentos das testemunhas C… (promitente-trespassária) e D…, filho do co-executado F…. Depois de ouvirmos na íntegra os depoimentos de todas as testemunhas que foram inquiridas durante a audiência de discussão e julgamento - e não apenas os das mencionadas testemunhas - e de analisarmos a prova documental trazida ao processo, podemos adiantar, desde já, que não merecem acolhimento as críticas apontadas pelo autor/recorrente à decisão sobre a matéria de facto. Tal como o Mm.º Juiz a quo, também a nós não nos mereceu particular credibilidade o depoimento da testemunha D…, através do qual o recorrente pretende demonstrar, em grande parte, o que entende ser o desacerto da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto. É certo que aquela testemunha disse, no seu depoimento, que os contratos relativos à fracção dos autos e à fracção onde se encontrava instalado o estabelecimento comercial, estavam «todos direitinhos», e que se os mesmos não estivessem assinados a trespassária C… não aceitaria pagar o preço acordado, o que até se afigura razoável. Porém, se é verdade que o contrato referente à fracção “E” de fls. 40-41 foi assinado por todos os outorgantes, já o mesmo não se pode dizer relativamente ao “contrato de arrendamento comercial” de fls. 31 a 34 referente à fracção em discussão nos autos, uma vez que o mesmo está apenas assinado pela C… e não já pelo senhorio, exequente e ora recorrido. De salientar que só após ter sido confrontada com este último documento, a testemunha D… afirmou que afinal tinha havido uma alteração do contrato relativa ao seu tempo de duração, tendo-lhe sido entregue a si e ao executado/recorrente um novo contrato pela agência imobiliária E…, Lda., que levaram à reunião entre as partes, e que apesar do mesmo não estar assinado pelo exequente «não houve problemas». Esta versão dos factos apresentada pela referida testemunha merece-nos as maiores reservas, não só pela parcialidade revelada, a que não é alheia a sua relação de parentesco com o co-executado F…, como também pelo facto da mesma ser infirmada pelo depoimento da testemunha I… – esta última mãe da C… e quem efectivamente esteve por trás da celebração do contrato-promessa de trespasse - pela notificação judicial avulsa feita ao recorrente e à testemunha D… (cfr. fls. 43 a 46) e pelo documento de fls. 91, dos quais resulta que aquilo que foi efectivamente celebrado entre as partes foi um contrato promessa de trespasse, com pagamento do respectivo preço, sem que os promitentes trespassantes tivessem sequer notificado o senhorio, ora exequente, daquele negócio, sendo certo que para além do depoimento da testemunha D… nada mais existe nos autos ou foi dito por outra testemunha que comprove ter o exequente aceite a substituição do executado/oponente pela dita C… no contrato de arrendamento. Ademais, como bem se observa na fundamentação do despacho decisório da matéria de facto, «se tal tivesse sido aceite pelo oponido não se vê porque é que não estaria o contrato – com a C… – assinado pelo mesmo e pelos fiadores do contrato, coisa que, obviamente, não sucede». Assumem ainda particular relevância os depoimentos das testemunhas J…, gerente da agência imobiliária E…, Lda. e L…, escriturária na mesma agência, as quais explicaram de forma clara e objectiva que a E… foi efectivamente contactada pelo executado/oponente para fazer a alteração do contrato de arrendamento para a dita C…, tendo para o efeito solicitado duas minutas de contrato – primeiro a prazo certo e depois sem prazo – para exibir à trespassária, mas que o proprietário, ou seja, o exequente, nunca aceitou celebrar contrato com a mesma, razão pelo qual o mesmo nunca foi por si assinado. Diga-se, por último, que o depoimento da testemunha C…, contrariamente ao que defende o recorrente, não sustenta a tese de que o exequente aceitou aquela como nova arrendatária do locado, com a consequente desvinculação do executado/oponente do contrato de arrendamento, sendo que tal depoimento não pode, aliás, ser visto atomisticamente, transcrevendo-se apenas curtas passagens – por sinal as que interessam ao recorrente -, mas sim de uma forma global e crítica. Neste entendimento, apenas se pode extrair do depoimento daquela testemunha, que a mesma se convenceu ser a arrendatária da fracção em discussão, por ter assinado os contratos e ter pago as rendas. Refira-se, porém, que durante a instância do mandatário do exequente, confrontada com o teor da notificação judicial avulsa de fls. 43 a 46, a mesma limitou-se a dizer que “foi o advogado que escreveu aquilo”, sem explicar a razão porque afirmara antes ser arrendatária da fracção. Ademais, resulta claramente do seu depoimento que a testemunha teve intervenção no negócio apenas porque a mãe não o podia fazer, sendo certo que só em Setembro ou Outubro de 2006 passou a estar no estabelecimento, uma vez que até essa data era a mãe e um irmão que o faziam. Resulta assim do exposto, que não se vislumbra uma desconsideração da prova testemunhal e documental produzida, mas sim uma correcta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido. Ou seja, no processo da formação livre da prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia nenhum erro que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto, designadamente ao abrigo do disposto no art. 712º, nº 1, al. a), do CPC. Assim, teremos de concluir que, perante a prova produzida, bem andou o Mm.º Juiz a quo na decisão sobre a matéria de facto, pelo que não vemos razão para alterar a mesma. Da revogação real do contrato de arrendamento. Sem discussão das partes, a sentença recorrida qualificou o acordo celebrado entre o executado e o exequente como um contrato de arrendamento para actividade comercial ou industrial, considerando ser aplicável o DL 321-B/90, de 15.10 (RAU), não obstante as alterações constantes do DL. 257/95, de 30.9 e a revogação do RAU pela Lei 6/2006, de 27.2 (NRAU). Também sem dissentimento, a sentença recorrida qualificou o contrato como de duração limitada, por nele ter sido aposto um prazo de duração efectiva (art. 117.º do RAU), actualmente designado por contrato com prazo certo (arts. 1094.º e 1108.º, do CC). A controvérsia reside no facto do executado/oponente sustentar que a matéria de facto dada como provada[4], ser suficiente para se concluir pela revogação real do contrato de arrendamento que celebrou com o exequente. Esta tese foi refutada pelo exequente na sua oposição e também não logrou acolhimento na sentença recorrida. Vejamos, pois, de que lado está a razão. A revogação real assenta num acordo entre o senhorio e o arrendatário, a que acresce a execução imediata, com dispensa de escrito, mesmo que o contrato exija essa forma[5]. Incumbe ao Réu o ónus da prova por ter alegado essa forma de extinção que terá de resultar de factos concludentes[6]. Entende-se que são factos concludentes “todos aqueles nos quais se possa apoiar uma ilação para se constituir o significado do comportamento, sendo este o resultado da ilação”. “A interpretação das declarações tácitas resulta do apuramento do sentido da concludência, isto é, da determinação de qual o sentido negocial, ou não negocial, que deve ser tido como deduzindo-se com toda a probabilidade do comportamento concludente. A concludência pode resultar de pressuposição ou de implicação, consoante esse sentido é pressuposto ou implicado com toda a probabilidade pelos factos de que se deduz, sendo que à interpretação das declarações negociais tácitas se aplicam as regras dos artigos 236º e seguintes do Código Civil[7]. O comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa. Mas terão de ser “comportamentos positivos, compreendidos com um valor negocial e que neles se não vislumbre uma finalidade directamente dirigida ao negócio jurídico em causa[8]. Também Vaz Serra[9] não deixa de fazer notar que “ «os factos concludentes» em que assenta a declaração tácita, não têm, necessariamente, de ser inequívocos em absoluto, sendo suficiente que eles «com toda a probabilidade» a revelem”. E, mais à frente, acrescenta que “a designação «declaração tácita de vontade» é aqui enganosa, dado que não se entende o silêncio, mas uma exteriorização positiva, que, porém, diz imediatamente algo diverso, ou também um simples «acto real» como declaração de uma forma determinada de vontade de efeitos jurídicos, rematando que “a conclusão que aqui é tirada assenta a maior parte das vezes na admissão de um modo lógico e leal de pensar ou agir daquele cuja vontade de efeitos jurídicos é extraída da sua exteriorização ou da sua conduta”[10]. Tudo o que o executado/oponente logrou provar a este propósito foi que, na sequência da celebração do contrato-promessa de trespasse com a dita C…, foi esta que passou a explorar a fracção arrendada – assim como a contígua – e a pagar as rendas. Porém, como bem se observa na sentença recorrida, “não tendo o exequente chegado a firmar o novo contrato de arrendamento com aquela C…, nem tendo ocorrido desocupação material e efectiva do locado e, ainda, tendo o exequente/senhorio continuado a processar os recibos de renda em nome oponente/executado, crê o tribunal ser inequívoco que não foi pretensão daquele colocar termo ao contrato celebrado com o executado, nem o desvincular do cumprimento das obrigações emergentes do mesmo o que, decorrentemente, inviabilizada a procedência da invocada revogação real.” Afigura-se-nos inteiramente correcto este entendimento, havendo ainda a acrescentar que se assim não fosse, ficaria por explicar o facto das partes outorgantes no contrato-promessa de trespasse – eventualmente cientes da fragilidade do respectivo título negocial – terem procurado que fosse celebrado entre o exequente e a promissária-trespassária um novo contrato de arrendamento. Em suma, não se verifica in casu a invocada revogação real do contrato de arrendamento. Do abuso de direito. Sustenta, por último, o recorrente que o comportamento do exequente, ora recorrido, consubstancia um abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium. No artigo 334.º do Código Civil preceitua-se que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. A este propósito escreveu-se de forma lapidar no Acórdão do STJ de 25-05-1999[11]: «(…) a concepção geral do abuso de direito postula a existência de limites indeterminados à actuação jurídica individual. Tais limites advêm de conceitos particulares como os de função, de bons costumes e de boa fé. O problema de base posto pelo abuso de direito reside na indeterminação dos conceitos que o informam e, designadamente, no de boa fé. Diz-se indeterminado o conceito que não permite uma comunicação clara e imediata quanto ao seu conteúdo. Por isso, o conceito indeterminado carece de um processo de concretização, tendente a possibilitar a sua aplicação em concreto. E sabe-se que a lei utiliza conceitos indeterminados como modo privilegiado de atribuir ao aplicador intérprete – “maxime” ao juiz – instrumentos capazes de promover, no caso concreto, uma busca mais apurada da justiça, como diz o Prof. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo 1, 1999, Almedina. De salientar também que assegurar expectativas e direccionar condutas são indubitavelmente funções primárias do direito. Ou seja: por um lado, assegurar desde logo a confiança fundada nas condutas comunicativas das “pessoas responsáveis”, fundada na própria credibilidade que estas condutas reivindicam, e, por outro lado, dirigir e coordenar dinamicamente a interacção social e criar instrumentos aptos a dirigir e coordenar essa interacção, por forma a alterar as probabilidades de certas condutas no futuro. E ambas as funções se relacionam com aquela “paz jurídica” que, ao lado da justiça, é referida como uma das expressões da própria “ideia de direito” (v. Prof. Baptista Machado, Obra Dispersa, vol. I, Scientia Jurídica, Braga, 1991, pág. 346).» Uma das modalidades que pode revestir o abuso de direito encontra guarida no instituto jurídico denominado “venire contra factum proprium”. Esta vertente do abuso de direito inscreve-se no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adopta uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte, em função do modo como antes actuara. Como escreve o Prof. Menezes Cordeiro[12]: “O venire contra factum proprium” postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo. O primeiro – o factum proprium – é, porém, contrariado pelo segundo.” A conduta dos RR., para ser integradora do “venire” terá, objectivamente, de trair o “investimento de confiança”, importando que os factos demonstrem que o resultado de tal conduta constituiu, in concreto, injustiça. Como ensina o mesmo ilustre civilista[13], são quatro os pressupostos da protecção da confiança, ao abrigo da figura do “venire contra factum proprium”: “ (...) 1°- Uma situação de confiança, traduzida na boa-fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium); 2.° Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis; 3.° Um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma actividade na base do, factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara; 4.° Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo recondutível.” Ora, da factualidade dada como provada, não se vislumbra qualquer comportamento do exequente susceptível de violação do princípio da confiança. Na verdade, não pode o recorrente buscar no comportamento da E…, representante do exequente, a causa para não ter procedido à resolução do contrato, pois da matéria de facto provado nada resulta que aquela se tenha comportado de forma a criar no recorrente a expectativa de que o contrato tinha cessado, pelo que não houve violação dos princípios da boa-fé ou confiança. O comportamento do exequente não configura, pois, um abuso de direito, nomeadamente na vertente de venire contra factum proprium. Sumário (art. 713º, nº 7, do CPC) I - A revogação real do contrato de arrendamento para actividade comercial assenta num acordo entre o senhorio e o arrendatário, a que acresce a execução imediata, com dispensa de escrito, mesmo que o contrato exija essa forma. II - Incumbe ao réu o ónus da prova por ter alegado essa forma de extinção que terá de resultar de factos concludentes. III - Entende-se que são factos concludentes “todos aqueles nos quais se possa apoiar uma ilação para se constituir o significado do comportamento, sendo este o resultado da ilação”. IV – Se da matéria de facto apurada não resulta que o senhorio, ou o seu representante, se tenham comportado de forma a criar no locatário, a expectativa de que o contrato tinha cessado, não se pode afirmar que houve violação dos princípios da boa-fé ou confiança ou, dito de outro modo, o comportamento do senhorio não configura um abuso de direito, nomeadamente na vertente de venire contra factum proprium. IV - DECISÃO Termos em que acordam os Juízes desta Secção Cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida. Custas pelo recorrente. Guimarães, 12 de Setembro de 2013 Manuel Bargado Rita Romeira Amílcar Andrade (dspensei o visto) _______________________________ [1] Mantém-se a sequência dos factos constantes da sentença. [2] Nesta concepção, a divergência quanto ao decidido pelo tribunal a quo na fixação da matéria de facto só assumirá relevância no Tribunal da Relação se for demonstrada, pelos meios de prova indicados pelo recorrente, a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório. [3] A jurisprudência tem vindo a evoluir no sentido de se firmar um entendimento mais abrangente no que se refere aos poderes de alteração da matéria de facto pela Relação, considerando-os com a mesma amplitude que a dos tribunais de 1ª instância. Nessa medida, e no que se refere à questão da convicção, já não estará em causa cingir apenas a sua actividade de apreciação ao apuramento da razoabilidade da convicção do julgador da 1ª instância, mas antes formar a sua própria convicção nos elementos probatórios disponíveis nos autos (cfr., inter alia, o Acórdão do STJ de 16.12.2010, proc. 2401/06.1TBLLE.E1.S1, in www.dgsi.pt). [4] Não obstante ter sido julgada improcedente a impugnação da mesma. [5] Cfr., inter alia, os Acs. do STJ de 13.03.1997 e de 09.05.2006, procs. 97A858 e 06A1001, respectivamente, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. [6] Ac. do STJ de 09.05.2006 citado na nota anterior. [7] Paulo Mota Pinto, Declaração e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, págs. 746 a 760 e 892; no mesmo sentido, vd. Pedro Paes de Vasconcelos, Teria Geral do Direito Civil, pág. 301. [8] C. Ferreira de Almeida, Texto e Enunciado na Teoria do Negócio Jurídico, pág. 718. [9] Citado no Ac. do STJ de 13.03.2008 (Urbano Dias), proc. 08A466, in www.dgsi.pt. [10] In Revista Decana, Ano 110º, págs. 377 e 378. [11] In CJ/STJ, tomo 2º, p. 116 (Fernandes Magalhães). [12] In Da Boa Fé no Direito Civil, Colecção Teses, p. 745. [13] In Revista da Ordem dos Advogados, Ano 58, Julho/1998, p. 964. |