Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
74/15.0T8CHV-A.G1
Relator: MARIA PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: HERANÇA INDIVISA
HERANÇA JACENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – A herança jacente – herança aberta, mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado – é coisa diversa da herança que, não obstante permanecer ainda em situação de indivisão (por não ter sido efectuada a partilha), já foi aceite pelos sucessíveis que foram chamados à titularidade das relações jurídicas que dela fazem parte (através da habilitação de herdeiros) sendo que só a primeira detém personalidade judiciária.
II – A herança ilíquida e indivisa já aceite pelos sucessíveis (não jacente) não tem personalidade judiciária, pelo que terão que ser os herdeiros ou o cabeça de casal, se a questão se incluir no âmbito dos seus poderes de administração, a assumir a posição (activa ou passiva) no âmbito de uma acção judicial em que estejam em causa interesses do acervo hereditário.
III – Atendendo à filosofia subjacente ao nosso CPC – que visa, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, bem como a sanação das irregularidades processuais e dos obstáculos ao normal prosseguimento da instância, tendo em vista o máximo aproveitamento dos actos processuais – não se justificará a absolvição da instância por falta de legitimidade passiva de um dos herdeiros o qual apesar de bem identificado individualmente não se fez constar no requerimento executivo que o mesmo intervinha na qualidade de herdeiro.
IV - Não nos parece, no entanto, que essa circunstância deva impedir o normal prosseguimento da execução, na medida em que, em rigor, aquilo que está em causa, é uma mera incorrecção na expressão utilizada para identificar a parte e a qualidade em que intervêm nesta acção (omissão), considerando que legalmente deve entender-se que a executada é a herança jacente representada pelos seus herdeiros devidamente identificados, uma vez que foi a condenada no pagamento devido.
V- A herança indivisa nem sequer corresponde a uma realidade diferente do conjunto dos herdeiros; a falta de personalidade da herança não jacente decorre da circunstância de os seus titulares já estarem determinados, pelo que a herança corresponde, na prática, ao conjunto dos herdeiros.
VI- Considerando ainda que esta execução corre nos próprios autos principais aonde foi proferido o titulo executivo permitindo desta forma um fácil e concreto controle do conteúdo do titulo executivo afigurando-se-nos, ser excessivamente formalista e errada a afirmação do recorrido de que o executado Luís M é parte ilegítima quando a condenada foi também a herança aberta por óbito de Luís M e são os herdeiros e portanto também o recorrido/executado que estão demandados na execução (ainda que, incorrectamente, não se tenham identificado como representantes de uma entidade ou realidade que não tem personalidade e cuja titularidade pertence aos herdeiros).
VII- A considerar-se relevante esta incorrecção é a própria lei que impõe que em execução indevida ou insuficientemente instaurada (seja pela inexistência de titulo executivo, seja por qualquer outra razão que impunha o seu indeferimento liminarmente) o convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo- artº 734º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral: - Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –
I.RELATÓRIO
Exequente/embargada/oponida/recorrente:
Caixa C, C.R.L., melhor identificada nos autos supra identificados
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Executado/embargante /oponente /recorrido:
Luís M, melhor identificado nos autos supra identificados

Nos autos supra identificados o Executado/Opoente/Embargante Luís M veio deduzir oposição à execução, através de embargos de executado, e oposição à penhora, alegando, em síntese, que do requerimento executivo verifica-se que o título dado à execução é uma sentença condenatória proferida no âmbito do processo n.º 649/13.1TBPRG, que correu termos pelo Tribunal de Comarca de Vila Real, Inst-. Local de Peso da Régua – Sec. Comp-Genérica, no qual ocorreu a condenação das RR. Aida S e Herança Aberta por óbito de Luís M no pagamento da quantia de €8.055,05, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento pelo que serão partes legítimas para a presente execução os herdeiros de Luís M e bem assim Aida S.
Mais alega que do teor da Sentença, não se vislumbra a qualidade em que o ora Opoente é Executado, desde logo porque não lhe é atribuída qualquer qualidade de herdeiro, por outro lado este não é sujeito de condenação na Sentença que constitui o título dado à execução nestes autos, assim, não tendo o Executado/Opoente a posição de devedor no título executivo, a execução não pode ser contra si promovida, tendo concluído que, por inexistência de título executivo relativamente ao Opoente e consequentemente falta de legitimidade processual do lado passivo devem os presentes Embargos de Executados ser julgados totalmente procedentes por provados e em consequência ser o ora Executado julgado parte ilegítima nos presentes autos.
No que concerne à oposição à penhora alega que foram penhorados nos presentes autos os seguintes imóveis: a) Prédio urbano sito na Quinta das Cerdeiras e Vinha do Forno, no lugar de Ariz, na freguesia de Peso da Régua, inscrito na matriz predial Urbana da freguesia de Peso da Régua e Godim sob o art.º 1155.º e descrito na CRP sob o n.º 164; b) Direito dos Executados no Prédio Urbano sito no Lugar da Seara, na freguesia de Poiares e Canelas, concelho de Peso da Régua, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Poiares e Canelas sob o art.º 932.º e descrito no concelho de Peso da Régua sob o n.º 249.
Assim, atendendo à falta de legitimidade do ora Opoente para os termos da presente Execução, obviamente que toda e qualquer penhora que incida sobre património próprio do mesmo é ilegal, devendo ser ordenado o imediato levantamento da penhora efetivada sobre o prédio identificado na al. a) do antecedente artigo, sendo certo que, relativamente à penhora do prédio supra identificado na al. b) sempre se dirá o seguinte: a penhora incidiu sobre o direito que cada um dos sujeitos passivos tem na Herança aberta por óbito de Luís M, contudo, se a Exequente pretendia executar os Herdeiros de Luís M, devia alegar e demonstrar essa qualidade de herdeiro, o que não fez pois o que fez foi executar Luís M e Artur M a título particular e penhorar o seu direito à herança no referido prédio.
Mais alega que a opção deveria ser a inversa, isto é, executar os Herdeiros de Luís M e relativamente a penhora, efetivar a penhora sobre o património que constitui o acervo hereditário de forma que, nos termos em que foi efetivada a penhora, direito que cada Executado, a título individual, detém sobre o imóvel que constitui herança de Luís M é ilegal, devendo igualmente ser ordenado o respetivo levantamento.
Terminou peticionando que os presentes Embargos de executado sejam julgados totalmente procedentes por provados e em consequência ser julgado o ora opoente parte ilegítima para os presentes autos e consequentemente deve ser ordenado o levantamento das penhoras efetivadas sobre os prédios devidamente identificados no art.º 10.º desta peça processual.
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Regularmente notificada para se pronunciar quanto às oposições apresentada, a exequente veio alegar que não assiste razão ao embargante uma vez que na acção onde foi proferida a sentença que serve de título executivo foi requerida a habilitação de herdeiros e aquele não se opôs, tendo por isso sido habilitado, tal como a sua mãe e o seu irmão, como herdeiros de seu pai, sendo que o ora embargante contestou a ação, em nome próprio, pois até se identificou como Réu e não em nome da herança pelo que estando devidamente identificados e habilitados os herdeiros de Luís M, a execução poderá ser instaurada directamente contra eles, pois a herança já foi aceite.
Mais alega que consta do título executivo (sentença) que os executados Artur M e Luís M (embargante) intervêm apenas na qualidade de herdeiros da herança Ré tratando-se apenas e só de um lapso no preenchimento do requerimento executivo facilmente sanável mediante a correcção do mesmo, dado que esse lapso não põe em causa a legitimidade do executado uma vez que esta resulta do título executivo.
No que concerne à oposição à penhora e relativamente ao bem identificado na al. b) do ponto 10 dos embargos refere nada haver a apontar, dado que o bem ainda pertence à herança executada e a sua penhora é perfeitamente legal.
Também alega que não assiste, por isso, razão ao embargante, pois não corresponde à verdade o alegado nos pontos 15.º a 18.º do seu requerimento, já que o Embargante está devidamente identificado no título executivo como herdeiro de Luís M estando o referido bem registado em comum e sem determinação de parte ou direito, apenas é possível, em termos registrais, a penhora dos direitos de cada um dos herdeiros, enquanto tal.
Mais alega que, no que se refere ao bem descrito na al. a) do ponto 10.º dos embargos, assiste razão ao embargante e só por mero lapso foi o mesmo penhorado.
Concluiu peticionando a procedência dos presentes embargos em relação à penhora do imóvel identificado na al. a) do ponto 10 do requerimento inicial, com as demais consequências legais.

Foi proferido despacho saneador, onde se julgou a instância válida e regular se admitiu os meios de prova e se designou dia para a audiência de discussão e julgamento, à qual se veio a proceder com inteira observância das formalidades legais, como consta da respectiva acta.
Seguiu-se decisão final que decidiu julgar a presente oposição à execução, mediante embargos de executado, procedente, por provada, e como tal, determinou a extinção da instância executiva relativamente ao Executado/Embargante Luís M com custas a cargo da Exequente/Embargada.
A embargada/oponida invocando lapso na decisão veio pedir a sua correcção no sentido de se determinar a extinção da instância quanto ao mencionado Luís M a titulo pessoal, mas prosseguir contra o mesmo na qualidade de herdeiro já devidamente identificado na acção declarativa e no titulo executivo, pretensão que foi indeferida.

Descontente com a sentença, veio exequente/embargada/oponida interpor recurso de apelação, o qual foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Nas alegações de recurso do apelante são formuladas as seguintes conclusões:
1- O embargante é parte legítima na presente execução na medida que é o sucessor da herança devedora e essa qualidade já lhe foi reconhecida na sentença que serve de título executivo.

2- De facto, com a sucessão mortis causa são partes legítimas os sucessores dos sujeitos que figuram no título como devedor da obrigação exequenda, dado que estão determinados.

3- A legitimidade dos herdeiros é uma questão diferente da questão dos bens que respondem pelas dívidas da herança e, só neste ponto é que o embargante tem razão, pois os bens dos herdeiros não poderão ser penhorados, daí a exequente ter assumido o erro por ter penhorado um imóvel do embargante, logo na contestação à oposição e ter desistido da penhora desse mesmo bem.

4- Salvo o devido respeito, a Mma Juiz a quo andou mal ao extinguir a execução quanto ao embargante, na medida em que este é parte legítima na execução movida para cobrança da dívida da herança.

5- Considerando-se que assiste razão ao embargante como fez a Mma Juiz a quo deveria, em obediência ao disposto nos art.°s 2091.º do C.C., 734.º, 726.º n.º 4 e 6.º n.º 2 do CPC, ordenar a correcção do título executivo.

6- Uma vez que, ao que parece e seguindo o raciocínio plasmado na d. sentença, bastaria a identificação do embargante como representante legal da herança em vez de ter sido identificado autonomamente, como se fez.

7- Ou deveria a Mma Juiz, ao abrigo dos citados preceitos legais (734.º, 726.º n.º 4 e 6.º n.º 2 do CPC), convidar a exequente a requerer a intervenção provocada do embargante como herdeiro da herança executada para sanar a ilegitimidade da herança executada que se gera com a manutenção de tal decisão, obedecendo, assim, ao legalmente estipulado.

8- De facto, estabelece o art. 2091.º do C. Civil que, fora algumas excepções, nas quais o caso presente não se enquadra, “os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”.

9- Na hipótese de se entender que a decisão tomada está correcta, só uma destas duas soluções legalmente estabelecidas, vai de encontro ao que o legislador pretendeu com a Reforma do Processo Civil e como refere no ponto 1 do art. 6.º do CPC, cabe ao juiz … dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere…”

10- Só seguindo uma dessas vias se dará utilidade à execução e está de acordo com o objectivo claramente assumido com a reforma processual civil de reduzir os obstáculos formais de natureza processual à apreciação do objecto do processo que se encontra plasmado nos citados art.°s 6.º e 734.º do CPC.

11- Para além de ficarem assegurados os princípios de celeridade e economia processual, aproveitando-se todo o processado, ficando igualmente assegurados os direitos do ora embargante.

12- Resta referir quanto a este ponto que a Mma Juiz a quo não deveria ter absolvido do pedido, mas apenas da instância dado ser essa a consequência da ilegitimidade passiva que o mesmo alegou, mas que acabou por não ser declarada expressamente procedente tal excepção dilatória.

13- Relativamente à oposição à penhora, entendemos que a penhora do bem pertencente á herança se encontra corretamente efectuada na medida que o imóvel já se encontrava registado a favor dos herdeiros em comum e sem determinação de parte.

14- Contudo, no caso de assim não se entender, tal conclusão não poderia levar ao levantamento da penhora sem mais. Em primeiro lugar porque apenas o embargante Luís M se opôs a tal penhora e nenhum dos outros herdeiros de manifestou. Em segundo lugar, entendemos que sendo o bem da herança apenas se poderia ordenar a correcção da penhora, até para ficar assegurada a prioridade do registo.

15- Pelo exposto, pensamos, com o devido respeito, não ter sido feita a melhor e mais correcta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, nomeadamente do art. 2091.º do C. Civil, art. 54.º, art. 6.º, n.º 2, art. 734.º do C.P.C., pelo que,

No provimento do presente recurso, deve revogar-se a d. sentença recorrida e substituir-se por outra que julgue improcedente a oposição à execução, considerando parte legítima o executado/embargante Luís M e manter a penhora sobre o imóvel identificado na al. b) do ponto 10 da oposição, ou caso assim se não entenda, deverá determinar-se o convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, ou o convite a requerer a intervenção provocada do embargante na qualidade de herdeiro, assim como a ordenar a notificação da Sra. Agente de Execução para proceder à correcção da penhora do identificado bem, assim nos parecendo resultar mais bem aplicada a lei e realizada a JUSTIÇA.

Nas contra-alegações que apresenta pugna o embargante pela manutenção da decisão recorrida com a consequente improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

As questões a resolver, partindo das conclusões formuladas pela apelante, como impõem os artºs. 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, do C.P.Civ, são as seguintes:
●saber se o Luís M tem legitimidade passiva para figurar na execução como executado;
Saber se o Tribunal omitiu algum dever que devesse ter observado no sentido de providenciar pela sanação das irregularidades da instância;
●. Saber se a penhora que incide sobre o bem descrito na al B) do ponto 10 dos embargos se encontra correctamente efectuada.

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II.FUNDAMENTAÇÃO
OS Factos considerados pela 1ª instância foram os seguintes:
1) Por sentença condenatória proferida no âmbito do processo n.º 649/13.1TBPRG, que correu termos pelo Tribunal de Comarca de Vila Real, Inst-. Local de Peso da Régua – Sec. Comp-Genérica, foram condenadas as Rés Aida S e Herança Aberta por óbito de Luís M no pagamento da quantia de €8.055,05, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação (17/10/2013) até integral e efetivo pagamento.
2) Essa sentença transitou em julgado em 10/12/2014.
3) Até à presente data a quantia referida em 1) não foi paga.
4) Nos autos principais de execução foram penhorados os seguintes bens: a) Prédio urbano sito na Quinta das Cerdeiras e Vinha do Forno, no lugar de Ariz, na freguesia de Peso da Régua, inscrito na matriz predial Urbana da freguesia de Peso da Régua e Godim sob o art.º 1155.º e descrito na CRP sob o n.º 164; b) Direito dos Executados no Prédio Urbano sito no Lugar da Seara, na freguesia de Poiares e Canelas, concelho de Peso da Régua, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Poiares e Canelas sob o art.º 932.º e descrito no concelho de Peso da Régua sob o n.º 249.
5) No requerimento executivo enviado via electrónica aos autos constam como executados: Luís M, Artur M, Aida S e Herança aberta por óbito de Luís M.
6) Na ação declarativa identificada em 1), foi requerida a habilitação de herdeiros, o Embargante não se opôs à habilitação, tendo por isso sido habilitado, tal como a sua mãe e o seu irmão, como herdeiros de seu pai, sendo que o ora embargante contestou a ação, em nome próprio, tendo-se identificado como Réu e não em nome da herança.
7) A Exequente, no seu articulado de contestação aos presentes embargos de executado e oposição à penhora, vem referir que no que se refere ao bem descrito na al. a) do ponto 10.º dos embargos, assiste razão ao embargante e só por mero lapso foi o mesmo penhorado.

O Direito
A) Legitimidade Passiva
A legitimidade na acção executiva tem carácter formal, por isso que, a acção executiva tem por base um título pelo qual se determinam o seu fim e os seus limites (art. 10 nº5.º do CPC).
De efeito, porque na acção executiva se visa obter a tutela efectiva do direito a uma prestação que se encontra violado, o interesse directo em demandar e o interesse directo em contradizer não radica nas pessoas que são titulares da relação material controvertida, tal como esta é configurada pelo autor.
Antes, serão partes legítimas, quem no título executivo figura como credor e como devedor: o exequente é parte legítima (legitimidade activa) se figura no título como credor da prestação; o executado é, por sua vez, parte legítima (legitimidade passiva) se figura no título como devedor da prestação.
É esta a função de legitimação dos títulos executivos que serve para delimitar subjectivamente a execução – (cf. Dr. J. P. Remédio Marques, in Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Outubro, 2000, pág. 110).
A legitimidade deriva, em princípio, da posição que as pessoas têm no título executivo. A inspecção deste deve, em regra, habilitar a resolver o problema da legitimidade – (cf. Prof. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1.º, pág. 90).
Mas nem sempre é parte legítima como exequente ou como executado a pessoa a quem o título executivo atribui a posição de credor ou de devedor.
No artigo 54.º, do Código de Processo Civil, estão previstos desvios à regra geral da determinação da legitimidade.
Nos termos do seu n.º 1, disposição que tem relevância na apreciação do caso vertente, “Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda. No próprio requerimento para a execução deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão”.
Este n.º 1 mantém a redacção originária, correspondente à primeira parte do corpo do art. 56.º do CPC de 1939.
Como diz o Prof. J. Lebre de Freitas, “Tendo havido sucessão, entre vivos ou mortis causa, na titularidade da obrigação exequenda, entre o momento da formação do título e o da proposição da acção executiva, seja do lado activo, seja do lado passivo, devem tomar, desde logo, a posição de parte, como exequentes ou como executados, os sucessores das pessoas que figuram no título como credores ou devedores (cf. Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 1999, de J. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, págs. 112-113).
São assim partes legítimas na execução os sucessores, a título universal ou particular mortis causa.
Assim, a execução pode correr entre os sucessores do credor e os sucessores do devedor.
É assim dispensado o incidente de habilitação no caso de sucessão ocorrida antes da propositura da acção executiva. Mas tal não dispensa o exequente de, liminarmente, provar, como nele faria, os factos constitutivos que alega. Já no caso de a sucessão ocorrer na pendência do processo executivo, é o incidente de habilitação o meio adequado para a fazer valer, pelo que têm de se observar as normas dos artºs. 371 a 375 (para a sucessão universal), 376 (para a sucessão singular) e 377 (habilitação perante os tribunais superiores), com as necessárias adaptações – (cf. Prof. J. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva depois da Reforma, 4.ª edição, págs. 123-124).
E, em nota de rodapé, observa este Autor:
“Mas, constituindo a legitimação das partes para o processo executivo uma das funções do título executivo (supra, 3.1), mal se compreenderia que dela não tivesse de ser feita prova complementar no caso de sucessão na posição de credor ou de devedor, sem prejuízo de o executado só em oposição à execução (art. 814-c) poder vir a tomar sobre ela posição. Enquanto não estiverem estabelecidos os factos constitutivos da sucessão, o juiz não pode, quando haja lugar a despacho liminar, proferir o despacho de citação, devendo mandar aperfeiçoar e, em último caso, indeferir a petição, por ilegitimidade da parte (artºs. 812, n.ºs 2-b e 5; ver também os artºs. 812-A-3-b e 820), não só quando não forem alegados os factos em que a sucessão se funda (ac. de 10-1-84), mas também quando não for oferecida a respectiva prova” – (cf. a obra e edição citadas, pág. 123, nota 4).
Doutrina que o Código actual prevê.
De efeito, agora, na acção executiva, o problema da legitimidade resultante de sucessão no crédito ou na dívida é discutido e dirimido por forma semelhante àquela pela qual se discute e dirime na acção declarativa.
O exequente continua a ter que alegar no requerimento inicial a dita sucessão, sempre que a haja, como tem que alegar todas as outras condições da sua legitimidade ou da do executado: «No próprio requerimento para a execução deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão» – diz o último período do n.º 1 do artigo 54.º.
Não tem que oferecer logo prova deles, embora lhe seja lícito apresentá-la, quando meramente documental.
E quem deve constar indicado como executada: a herança ilíquida e indivisa ou os herdeiros devidamente identificados intervindo na qualidade de herdeiros?
Vejamos o que na Jurisprudência e na doutrina tem sido ponderado e decidido.
“A personalidade judiciária traduz-se, essencialmente, na possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida alguma providência de tutela jurisdicional e, em consonância com o princípio da coincidência entre a personalidade judiciária e a personalidade jurídica, a lei estabelece que quem tiver a última também dispõe da primeira (art. 5º, nºs 1 e 2, do CPC).
Assim, a regra é no sentido de que todos os indivíduos, independentemente da sua nacionalidade, maioridade, menoridade, capacidade ou incapacidade, têm personalidade judiciária por virtude de, em princípio, poderem ser sujeitos de relações jurídicas (artºs. 14º, nº 1, e 67º do Código Civil).
A referida regra é extensível às associações e fundações e às sociedades a quem a lei reconheça personalidade jurídica, embora só possam estar em juízo através dos seus representantes estatutários (artºs. 157º, 158º do Código Civil e 5º do Código das Sociedades Comerciais).
A lei atribui, excepcionalmente, personalidade judiciária a entidades que não têm personalidade jurídica.
É o que sucede, nomeadamente, com a herança jacente e os patrimónios autónomos cujo titular não estiver determinado (art. 6º, al. a), do CPC).
Como referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora “a herança jacente (artigos 2046º e sgs. do Cód. Civil), embora carecida de personalidade jurídica, pode propor acções em juízo (de reivindicação, confessórias de servidão, de cobrança de dívidas, etc.), sendo a herança a verdadeira parte na acção e não o sucessível chamado, o herdeiro, o curador ad hoc ou Ministério Público que aja em nome dela (artºs. 2047º e sgs. do Cód. Civil)”.
O conceito de herança jacente, oriundo da lei civil, significa a herança aberta ainda não aceita nem declarada vaga para o Estado, ou seja, o património da pessoa falecida entre o chamamento dos sucessíveis e a sua aceitação (art. 2046º do Código Civil).
A aceitação pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando nalgum documento escrito o sucessível chamado à herança declara aceitá-la ou assume o título de herdeiro com a intenção de a adquirir (nºs 1 e 2 do art. 2056º); é tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam (nº 1 do art. 217º) -, não implicando os actos de administração praticados pelo sucessível aceitação tácita (nº 3 do art. 2056º, todos do CC).
Assim, enquanto os sucessores não aceitarem tácita ou expressamente a herança, ou esta não houver sido declarada vaga para o Estado, ocorre a referida situação de jacência.
Isso significa, a contrario sensu, que a herança ainda não partilhada, mas cujos titulares quinhoantes estejam determinados, não tem personalidade judiciária.
Assim, em regra, se a herança tiver sido aceite, não obstante ainda não ter ocorrido a respectiva liquidação e partilha, o contraditório deve ser estabelecido com os herdeiros aceitantes.
No caso em apreço, considerando o procedimento simplificado de habilitação de herdeiros cuja cópia consta a fls. 7/10 dos autos não pode haver dúvidas que a herança foi aceite, o que é, aliás, admitido por todos.
Acresce que a herança indivisa não se subsume, para efeito de lhe ser atribuída personalidade judiciária, ao conceito legal de património autónomo semelhante cujo titular não esteja determinado.
Com efeito, embora a herança indivisa funcione para variados efeitos como património autónomo, este só tem personalidade judiciária se os respectivos titulares não estiverem determinados, o que, no caso, não ocorre.
Ademais, embora indivisa, porque os seus titulares estão determinados, não pode aspirar a ser detentora de personalidade judiciária como sendo um património autónomo de titular indeterminado.
A regra, como é natural, é no sentido de que os direitos de crédito da titularidade da herança devem ser cobrados pelos herdeiros a quem os mesmos sejam encabeçados no acto de partilha” (2).
É com base nestas considerações que a questão da legitimidade do recorrido na presente execução deve ser equacionada e resolvida.
Como ponto de partida recordamos aqui algumas incidências centrais do caso concreto:
a) A execução refere-se à sentença condenatória proferida no âmbito do processo n.º 649/13.1TBPRG, que correu termos pelo Tribunal de Comarca de Vila Real, Inst-. Local de Peso da Régua – Sec. Comp-Genérica na qual foram condenadas as Rés Aida Silva e Herança Aberta por óbito de Luís M no pagamento da quantia de €8.055,05, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação (17/10/2013) até integral e efetivo pagamento.
b) Na ação declarativa identificada em a), foi requerida a habilitação de herdeiros, o Embargante não se opôs à habilitação, tendo por isso sido habilitado, tal como a sua mãe e o seu irmão, como herdeiros de seu pai.
c) No requerimento executivo enviado via electrónica aos autos constam como executados: Luís M, Artur M, Aida S e Herança aberta por óbito de Luís M.
d) O requerimento executivo foi apresentado no próprio processo em que a sentença foi proferida correndo esta execução nos próprios autos.
Pegando na factualidade descrita na supra al a) duas hipóteses são possíveis, para a propositura da execução em apreço: (a) – a primeira hipótese – a herança não foi (eventualmente ainda não foi) aceite pelos sucessores configurando-se como “herança jacente” –sendo que esta (herança), dispondo de personalidade judiciária (artigo 6º, alínea a) do CPC) pode ser demandada como tal (aqui: “herança jacente aberta por óbito de Luís M); (b) - a segunda hipótese – a herança foi aceite e permanece indivisa e, em tal caso, vale o regime emergente do artigo 2091º, nº 1 do CC: “[…] os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”, sendo neste sentido que se fala, relativamente à herança indivisa, de litisconsórcio necessário activo ou passivo. Mesmo neste caso, porque não está em causa responsabilizar os filhos directamente pelas dívidas do pai, haverá que indicar expressamente o título legitimador dos que são demandados, como herdeiros do devedor de cuius, a serem condenados, procedendo o pedido, nessa qualidade.
Não foi isto, em qualquer das alternativas configuradas, o que a recorrente aqui fez, antes misturou as duas possibilidades como decorre da factualidade descrita na supra al c) sendo que essa menor valia da estruturação subjectiva da acção (a ambígua indefinição de quem e a que título se queria demandar), lhe é imputável – só a ela é imputável – ao abrigo do princípio da auto-responsabilidade das partes.
Vale isto, enfim, a consideração de não estar caracterizada em termos claros a legitimidade dos executados.
Sendo esta a realidade das coisas a decisão recorrida absolveu o recorrido do pedido considerando verificar-se a sua ilegitimidade passiva e determinou o levantamento das penhoras efectuadas.
Terá decidido correctamente?
Em bom rigor, não poderemos concluir pela correcção dessa decisão; em primeiro lugar a ilegitimidade passiva reconhecida teria como consequência a absolvição da instância e não do pedido ; em segundo lugar considerando que a (i)legitimidade das partes é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso ( artºs 577º e 578ºdo CPC) deveria o Tribunal declarar os demais demandados sem identificação da qualidade de herdeiros partes ilegítimas; em terceiro lugar esta decisão decorre de uma leitura que, na nossa perspectiva, não se adequa ao espírito e filosofia do nosso sistema processual civil , mesmo contrária à lei - ver artº 734º do CPC.
Vejamos.
É indiscutível, como vimos, que a herança indivisa (mas não jacente) não tem personalidade judiciária e como tal não pode ser demandada, antes devendo ser demandados os herdeiros já devidamente identificados em sua representação.
Diz a este propósito Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume Almedina 1997págs 6 e 7 relativamente a uma decisão em que se havia considerado que a falta de personalidade judiciária de um serviço municipalizado não é suprível através da intervenção respectiva Câmara Municipal, que esta interpretação, excessivamente formalista, “…deve dar lugar, em determinadas circunstâncias, a solução diversa que imponha o aproveitamento do processado, quando, por exemplo, a falha se apresente unicamente como errada identificação do sujeito processual” e acrescenta (a fls. 69) que “devem ainda ser distinguidas as situações de verdadeira falta de personalidade judiciária de outras em que a falta de tal pressuposto é aparente, como sucede quando, apesar de claramente se pretender demandar uma pessoa singular, dona de um estabelecimento comercial, se identifica o réu como “Pronto a Vestir de José de Sousa”, além de outros casos que se apresentem apenas como errada identificação dos sujeitos”.
Ora, na nossa perspectiva, será precisamente essa a situação dos autos, importando notar que, em bom rigor, não está sequer em causa a sanação da falta de personalidade da herança (porque essa não poderá ser ultrapassada), mas sim uma leitura e interpretação da petição inicial da qual decorre que a parte (os executados) não é a herança, mas sim os seus herdeiros ali identificados os quais intervêm na execução na qualidade de representantes da herança e ainda a condenada Aida.
É certo que ao concretizar a qualidade contra quem propõe esta execução a exequente não os identifica como representantes da Herança, falta que lhe é imputável conforme já se referiu.
Não nos parece, no entanto, que essa circunstância deva impedir o normal prosseguimento da execução, na medida em que, em rigor, aquilo que está em causa, é uma mera incorrecção na expressão utilizada para identificar a parte e a qualidade em que intervêm nesta acção (omissão), considerando que legalmente deve entender-se que a executada é a herança jacente representada pelos seus herdeiros devidamente identificados, nos termos supra explicados. Note-se que a herança indivisa nem sequer corresponde a uma realidade diferente do conjunto dos herdeiros; a falta de personalidade da herança não jacente decorre da circunstância de os seus titulares já estarem determinados, pelo que a herança corresponde, na prática, ao conjunto dos herdeiros.
Considerando ainda que esta execução corre nos próprios autos principais aonde foi proferido o titulo executivo permitindo desta forma um fácil e concreto controle do conteúdo do titulo executivo afigurando-se-nos, ser excessivamente formalista e errada a afirmação do recorrido de que o executado Luís M é parte ilegítima quando a condenada foi também a herança aberta por óbito de Luís M e são os herdeiros e portanto também o recorrido/executado que estão demandados na execução (ainda que, incorrectamente, não se tenham identificado como representantes de uma entidade ou realidade que não tem personalidade e cuja titularidade pertence aos herdeiros).
Todavia a considerar-se (e não consideramos) relevante no caso em apreço esta incorrecção é a própria lei que impõe que em execução indevida ou insuficientemente instaurada (seja pela inexistência de titulo executivo, seja por qualquer outra razão que impunha o seu indeferimento liminarmente) o convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo- artº 734º do CPC.
Podemos encontrar, na nossa jurisprudência, várias decisões em que, ultrapassando o rigor formalista das palavras ou expressões utilizadas na petição inicial, se considerou que a verdadeira parte não era aquela que, formal e literalmente, resultava da petição inicial.
Veja-se, designadamente, o Acórdão do STJ de 04/05/2000 (processo nº 99B1228) in www.dgsi.pt onde se considerou que uma Câmara Municipal não é dotada de personalidade judiciária e como tal não pode ser demandada, mas que, se o for – ainda que formalmente incorrecto – deverá entender-se que foi demandado o Município ou o Acórdão da Relação de Coimbra de 15/02/2005 (processo nº 3911/04) disponível www.dgsi.pt, onde se considerou que, numa acção intentada pela Junta de Freguesia (destituída de personalidade judiciária) se deverá entender que o faz na qualidade de representante da Freguesia e que, portanto, se deverá considerar ser a Freguesia, e não a Junta, a verdadeira parte na acção.
Veja-se ainda o Acórdão da Relação do Porto de 20/06/1991 disponível na col. Jur. Ano XVI, tomo 3 pág 262 onde se refere, a dado passo, o seguinte: “…a função jurisdicional consiste, não apenas em interpretar a lei e aplicá-la, mas em interpretar os articulados, não restando dúvidas de que uma Câmara Municipal (ou uma Junta) ao ser demandada o é como representante do Município (da Freguesia) e que demandar o Município representado pela Câmara Municipal ou demandar a Câmara Municipal como representante do Município tem o mesmo significado…”.
E, a propósito da herança, poderemos encontrar o Acórdão do STJ de 10/07/1990 (processo nº 078685) disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se lê o seguinte: “perante uma petição em que no cabeçalho se diz que a acção é proposta contra a herança do falecido, mas logo a seguir se identificam todos os herdeiros pedindo-se a citação destes para os termos da causa, é de entender que a acção foi proposta contra estes”. Ainda no mesmo sentido e numa situação em que a autora era identificada pelos herdeiros, lê-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 27/05/2008 (proc. nº 400/2002.C1) in www.dgsi.pt o seguinte:
“No caso, permanecendo a situação de indivisão dos bens que integram a herança, despida ela de personalidade judiciária, como acima se disse, os direitos que lhe são relativos devem ser, conforme se salientou, exercidos pelos herdeiros. Ora, sendo eles conhecidos, estando terminada a situação de jacência, necessário se torna que no lugar da herança intervenham os respectivos titulares em bloco, ou seja, os herdeiros identificados na petição. Estes, na defesa dos interesses da herança por partilhar, intentam a acção apresentando-se como representantes da herança, embora impropriamente falem em “herança por eles representada”. São os herdeiros quem intervém como parte activa, actuando, não em nome próprio, mas em nome do património representado que não dispõe da possibilidade de ser parte em processo judicial, reunindo, assim, no conjunto deles, não só o requisito da personalidade judiciária, mas também o da legitimidade processual activa (art.2091º/1, C.C. e 28º/C.P.C.)”.
Além de tudo o que se disse, importa ainda mencionar que o espírito e a filosofia que estão subjacentes ao nosso CPC também apontam para a conveniência de interpretar a petição inicial de modo a que a acção/execução possa ser aproveitada, evitando a absolvição da instância por razões meramente formais e sem que tal justificação se vislumbre como efectivamente necessária.
De facto, a filosofia subjacente ao nosso CPC – concretizada por diversos modos em várias disposições legais – visa assegurar, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, pretendendo que o processo e a respectiva tramitação possam ter a maleabilidade necessária para que possa funcionar como um instrumento (e não como um obstáculo) para alcançar a verdade material e a concretização dos direitos das partes, como claramente se evidencia no preâmbulo do Dec. Lei nº 329-A/95 de 12/12 (note-se que toda essa filosofia foi reafirmada e até reforçada no CPC actualmente vigente), quando ali se diz que as linhas mestras do processo assentam, designadamente na “Garantia de prevalência do fundo sobre a forma, através da previsão de um poder mais interventor do juiz…”; quando ali se refere que “visa, deste modo, a presente revisão do Código de Processo Civil torná-lo moderno, verdadeiramente instrumental no que toca à perseguição da verdade material, em que nitidamente se aponta para uma leal e sã cooperação de todos os operadores judiciários, manifestamente simplificado nos seus incidentes, providências, intervenção de terceiros e processos especiais, não sendo, numa palavra, nem mais nem menos do que uma ferramenta posta à disposição dos seus destinatários para alcançarem a rápida, mas segura, concretização dos seus direitos”; quando se alude ao “…objectivo de ser conseguida uma tramitação maleável, capaz de se adequar a uma realidade em constante mutação…” e quando se afirma que o processo civil terá que ser perspectivado “…como um modelo de simplicidade e de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo”.
E, portanto, atendendo a estes princípios, não se justificará, na nossa perspectiva, a absolvição da instância por falta de legitimidade passiva, porquanto, com uma leitura e interpretação menos rígida e formalista da lei e da petição inicial e com vista a simplificar e facilitar (e não complicar) o exercício dos direitos das partes e sua eventual satisfação, poderemos admitir e considerar, sem grande dificuldade, que o embargante Luís M não é demandado nesta execução a titulo pessoal mas como herdeiro da herança aberta por óbito de Luís M.
Impõe-se, portanto, revogar a decisão recorrida, quando absolveu o embargante do pedido por legitimidade passiva, considerando-se, pelas razões supra mencionadas, que os executados na execução nº 649/13.1 TBPRG são Aida S e Luís M; Artur M e Aida S estes três últimos na qualidade de representantes da herança aberta por óbito de Luís M.

B) Penhora de bem da herança
Confrontando-se o credor com o incumprimento voluntário da obrigação por parte do devedor, põe a lei à sua disposição a obtenção da realização coactiva da prestação, executando o património do devedor – art. 817º do CC.
A garantia geral da obrigação é constituída pelo património do devedor susceptível de penhora, podendo dizer-se que o objecto da execução é delimitado pelo património do devedor – esse é o princípio geral relativo ao objecto da execução (art. 735º, nº 1 do CPC e artºs. 601º e 817º do CC).
Esta sujeitabilidade (penhorabilidade) da “generalidade dos bens do devedor à execução para satisfação do direito do credor a uma prestação pecuniária constitui a responsabilidade patrimonial, que, resultante do incumprimento, é o fundamento de toda a execução por equivalente” Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da reforma da reforma, 5ª edição, pp. 206 a 208.
A garantia patrimonial comum do crédito não cessa com a morte do devedor – o credor continua a poder contar, para além da morte do devedor, com o património que antes daquele evento (decesso do devedor) garantia o cumprimento coercivo do seu direito.
Efectivamente, a herança, nos termos do art. 2068º do CC, responde pelas dívidas do falecido – mas por tais dívidas respondem tão só os bens da herança e não já o património do herdeiro.
A limitação da responsabilidade do herdeiro pelas dívidas da herança (art. 2071º do CC) traduz-se em que, “na execução contra ele movida, só se podem penhorar os bens recebidos do autor da herança” (art. 744º, nº 1 do CPC) Lebre de Freitas, obra citada, p. 236.
Estatui o artº 2097º do Código Civil, que os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos (de entre os encargos da herança encontram-se, segundo o art.º 2068, do C. Civil, o pagamento das dívidas do falecido e o cumprimento dos legados), cabendo ao herdeiro a responsabilidade pelo seu pagamento (cf. art.º 2071, do C. Civil).
Atento ao preceituado no nº 1 do art.º 2098 do mesmo Código, após a partilha, cada herdeiro apenas responde pelos encargos em proporção da quota que lhe tenha cabido na herança.
Ressalta da lei a diversidade de regimes para a liquidação dos encargos da herança conforme esta se mantenha indivisa ou tenha sido já partilhada.
Com efeito, na herança indivisa, enquanto património autónomo, a lei atribui personalidade judiciária (art.º 6º, al. a) do CPC). A herança partilhada deixou de existir como património autónomo, dissolveu-se ou diluiu-se nos patrimónios dos herdeiros, passando cada um dos bens que a integraram a confundir-se com os demais bens do herdeiro a quem foi adjudicado.
Nessa medida, após a partilha carece de sentido aludir a bens da herança, pois cada um desses bens entrou na esfera jurídica patrimonial do herdeiro a quem coube, perdendo qualquer ligação à herança que, enquanto património autónomo, deixou de ter existência jurídica.
Relativamente aos credores da herança, enquanto esta se encontra indivisa não poderá deixar de se entender que o devedor é constituído pelo património autónomo dotado de personalidade judiciária (embora em termos de legitimidade processual possa figurar o cabeça-de-casal ou o conjunto dos herdeiros – cf. artºs 2079 e seguintes, com relevo para o art.º 2091). Após a partilha, há que configurar o devedor nos herdeiros, sendo certo que a medida da responsabilidade destes será determinada pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança, respondendo, porém, com todo o seu património e não, necessariamente e só, com os bens herdados.
A penhora no direito a bens indivisos, designadamente a penhora do direito a herança aberta, não carece de ser registada e assim se entende há muito. Alberto dos Reis referia que se " regista a penhora quando ela recai sobre determinados bens imóveis; não é este o caso da penhora do direito a herança indivisa, ainda que entre os bens da herança haja prédios" (Processo de Execução, vol. 2º, reimpressão, pág. 224).
Com efeito, como salienta Vaz Serra " a penhora do direito a herança indivisa não está sujeita a registo, nem pode ser registada, porque o direito à herança não partilhada é um direito a uma parte indeterminada de bens, desconhecendo-se que bens virão a formar a parte do executado. Não há, pois, bens determinados sobre que possa fazer-se o registo. O registo apenas poderá e deverá efetuar-se, quando os bens se determinarem, sobre aqueles que, pelo seu caráter de inscrevíveis no registo, sejam suscetíveis de sobre eles se registarem direitos […]. Se, feita a partilha, ao executado couberem bens dessa espécie, sobre eles deve então registar-se a penhora".
Prossegue o ilustre professor: " a penhora do direito a coisa indivisa determinada está sujeita a registo, porque, em tal caso, o direito incide sobre coisa determinada e o seu registo e, por isso, possível. É o exemplo de ser penhorada a quota do executado em certo prédio" (ver Realização Coactiva da Prestação, B.M.J. 73, pág. 297).
No caso em apreço estamos perante uma herança que já foi aceite, mas que ainda não foi partilhada. A herança não partilhada constitui um património com vários titulares, património este que, embora constituído por determinados bens, não se confunde com o direito de propriedade sobre cada um desses bens por parte de cada um dos herdeiros.
Em termos gerais, e como é neste caso, na situação de contitularidade de direitos, os titulares não têm um direito sobre a coisa em si; o que têm é um direito ideal sobre uma quota do direito total da coisa.
Por isso, nestes casos, o que é penhorado não é o bem em si ou parte desse bem, mas sim o direito que o devedor tem sobre uma parte ideal da coisa, o seu direito de co-titular.
Neste sentido é claro o citado no art.º 743.º ao proibir a penhora dos «bens compreendidos no património comum ou uma fracção de qualquer deles, nem uma parte especificada dos bem indiviso».
Não havendo, nestes casos, um bem autónomo, isto é, susceptível de penhora, o que é penhorado é tão-só a quota parte do direito sobre a totalidade do bem, quota parte esta que é puramente ideal (sem prejuízo, claro, do seu valor patrimonial) e que está na titularidade de um dos donos comuns e não o direito de cada um dos sujeitos passivos tem na herança aberta por óbito de Luís M, conforme resulta do auto de penhora nos autos existente e cuja cópia foi solicitada ao tribunal recorrido.
Considerando os princípios supra enunciados, concorda-se com a recorrente e em vez do levantamento da penhora deve ser ordenada a respectiva rectificação nos termos supra enunciados.
Custas pelo recorrido que decaiu no seu pedido (artº 527º do CPC).



SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):
I – A herança jacente – herança aberta, mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado – é coisa diversa da herança que, não obstante permanecer ainda em situação de indivisão (por não ter sido efectuada a partilha), já foi aceite pelos sucessíveis que foram chamados à titularidade das relações jurídicas que dela fazem parte (através da habilitação de herdeiros) sendo que só a primeira detém personalidade judiciária.
II – A herança ilíquida e indivisa já aceite pelos sucessíveis (não jacente) não tem personalidade judiciária, pelo que terão que ser os herdeiros ou o cabeça de casal, se a questão se incluir no âmbito dos seus poderes de administração, a assumir a posição (activa ou passiva) no âmbito de uma acção judicial em que estejam em causa interesses do acervo hereditário.
III – Atendendo à filosofia subjacente ao nosso CPC – que visa, sempre que possível, a prevalência do fundo sobre a forma, bem como a sanação das irregularidades processuais e dos obstáculos ao normal prosseguimento da instância, tendo em vista o máximo aproveitamento dos actos processuais – não se justificará a absolvição da instância por falta de legitimidade passiva de um dos herdeiros o qual apesar de bem identificado individualmente não se fez constar no requerimento executivo que o mesmo intervinha na qualidade de herdeiro.
IV - Não nos parece, no entanto, que essa circunstância deva impedir o normal prosseguimento da execução, na medida em que, em rigor, aquilo que está em causa, é uma mera incorrecção na expressão utilizada para identificar a parte e a qualidade em que intervêm nesta acção (omissão), considerando que legalmente deve entender-se que a executada é a herança jacente representada pelos seus herdeiros devidamente identificados, uma vez que foi a condenada no pagamento devido.
V- A herança indivisa nem sequer corresponde a uma realidade diferente do conjunto dos herdeiros; a falta de personalidade da herança não jacente decorre da circunstância de os seus titulares já estarem determinados, pelo que a herança corresponde, na prática, ao conjunto dos herdeiros.
VI- Considerando ainda que esta execução corre nos próprios autos principais aonde foi proferido o titulo executivo permitindo desta forma um fácil e concreto controle do conteúdo do titulo executivo afigurando-se-nos, ser excessivamente formalista e errada a afirmação do recorrido de que o executado Luís M é parte ilegítima quando a condenada foi também a herança aberta por óbito de Luís M e são os herdeiros e portanto também o recorrido/executado que estão demandados na execução (ainda que, incorrectamente, não se tenham identificado como representantes de uma entidade ou realidade que não tem personalidade e cuja titularidade pertence aos herdeiros).
VII- A considerar-se relevante esta incorrecção é a própria lei que impõe que em execução indevida ou insuficientemente instaurada (seja pela inexistência de titulo executivo, seja por qualquer outra razão que impunha o seu indeferimento liminarmente) o convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo- artº 734º do CPC.

III. DECISÃO
Em face do exposto, concede-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, considerando-se que os executados na acção executiva nº 649/13.1 TBPRG são Aida S; Luís M; Artur M e Aida S estes três últimos na qualidade de representantes da herança aberta por óbito de Luís M.
Mais se determina a rectificação da penhora que incide sobre o bem imóvel identificado na al b) do ponto 10 da oposição- a qual deve incidir sobre a quota parte do direito sobre a totalidade do bem, quota parte esta que é puramente ideal do prédio ali descrito em comum e sem determinação de parte ou direito.
Custas pelo recorrido
Notifique
Guimarães, 07 de Dezembro de 2016
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)
(Maria Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira)
(José Cravo)
*
1) Relator: Maria Purificação Carvalho
Adjuntos: Desembargadora Maria dos Anjos Melo Nogueira
Desembargador José Cravo
2) Neste sentido ver Acórdão desta Relação datado de 17.01.2013 e proferido no processo nº 1002/11.7TJVNF.G1 que em parte se transcreveu e ainda os seguintes Acórdão do STJ de 15/01/2004 (proc. nº 03B4310), o Acórdão do STJ de 12/09/2013 (proc. nº 1300/05.9TBTMR.C1.S1), o Acórdão do STJ de 31/01/2006 (proc. nº 05A3992), o Acórdão da Relação do Porto de 13/12/2011 (proc. nº 54/10.1TBBGC-H.P1), Acórdão da Relação de Coimbra de 28/05/2013 (proc. nº 325/09.0TBCTB.C2) e Acórdão da Relação de Coimbra de 16/11/2010 (proc. nº 51/10.7TBPNC.C1) Todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
Na doutrina ver José Martins da Fonseca, “Herança Indivisa – Sua Natureza Jurídica. Responsabilidade dos Herdeiros pelas Dívidas da Herança”, in Revista da Ordem dos Advogados, 1986/II, pp. 580/584; João António Lopes Cardoso, Augusto Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. I, 5ª ed. revista, adaptada e actualizada, Coimbra, 2006, pp. 15/16. (cf. Lebre de Freitas, "Código de Processo Civil - Anotado", volume 1º, páginas 111/113, e "A Acção Executiva", 2ª edição, página 102; Anselmo de Castro, "Acção Executiva Singular, Comum e Especial", página 75; e Miguel Teixeira de Sousa, "Acção Executiva Singular", páginas 135/136).