Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | ||||||||||||||||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE | |||||||||||||||
Descritores: | EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA PENHORA SUBSÍDIO DE REFEIÇÃO EM GÉNEROS | |||||||||||||||
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Nº do Documento: | RG | |||||||||||||||
Data do Acordão: | 10/12/2023 | |||||||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | |||||||||||||||
Texto Integral: | S | |||||||||||||||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | |||||||||||||||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | |||||||||||||||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | |||||||||||||||
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Sumário: | O “subsídio de refeição”, a que é atribuído um valor de cerca de € 100,00, que se traduz no fornecimento de alimentação, não é penhorável. | |||||||||||||||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 1. Relatório Banco 1..., SA intentou acção executiva contra AA e BB, para pagamento da quantia de € 47.516,43. A Sra. AE notificou a entidade patronal do executado BB para proceder à penhora de 1/3 dos respetivos “abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos devidos ao executado”. A 12/07/2022 a Sra. AE juntou aos autos a resposta da entidade patronal que, acompanhada do recibo de vencimento do executado, relativo ao mês de Maio de 2022, solicitava informação sobre a existência de valor a penhorar mensalmente. A12/07/2022 a Sra. AE informou a entidade patronal que: “A título de exemplo uma vez que o(a) executado(a) auferiu no mês de Maio de 2022, deveriam penhorar o montante de 33,77 €, uma vez que, o desconto em espécie não entra para a base de cálculo, a saber: O valor auferido pelo(a) executado(a) a título de subsídio/vales de alimentação é penhorável pois, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 258.º do Código de Trabalho, “A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou espécie”. Independentemente de ser pago em dinheiro ou em espécie, o subsídio de alimentação representa um ganho do trabalhador fazendo parte da retribuição, constando do recibo de vencimento daquele. Trata-se de um rendimento e por esse motivo, independentemente de ser pago em dinheiro ou espécie, o critério será o mesmo.” Entretanto e por apenso à acção executiva, o executado BB veio deduzir oposição à penhora, pedindo o levantamento da penhora sobre o salário, alegando: “ 1.- No âmbito dos referidos autos encontra-se, supostamente, em dívida o valor de 55.000,00€, referente a capital, juros e despesas prováveis. 2.º Por força de tal facto, o ora exequente, decidiu proceder à penhora do crédito do aqui executado referente ao reembolso do IRS, no valor de 28,00€ e, 3º à penhora de 1/3 do salário do, também, aqui executado – BB. 4.º Acontece porém que, o executado/ora oponente, não se conforma, nem pode, com a penhora de 1/3 do seu salário. Mas Vejamos; 5.º O aqui executado trabalha como empregado de balcão de 2ª, para a firma denominada “P.... 6.º Auferindo de vencimento base a quantia de 705,00€, acrescida do subsídio de alimentação. 7.º Acontece que, conforme consta do recibo de vencimento, o subsídio de alimentação não é pago em numerário mas sim, em espécie – doc. Nº.... 8.º Sendo ainda, de considerar que ao valor de 705,00€, é retirado o valor dos descontos, nomeadamente para a segurança social, isto é, o valor de 77,55€. 9.º Feitas as contas, é evidente que o valor com que fica o executado, após os respetivos descontos e penhora, é inferior ao salário mínimo nacional.” Admitido liminarmente o incidente de oposição à penhora e notificada a exequente, veio esta responder, pugnando pela manutenção da penhora, dizendo, em síntese, que o subsídio de alimentação tem um valor patrimonial, como resulta da análise dos recibos de vencimento, pelo que a penhora do vencimento efectivada nos autos, embora considerando aquele valor, não deixa de levar em conta o limite imposto por lei. Foi ordenada a notificação da Sra. AE para informar os autos se foi concretizada qualquer penhora no vencimento do executado por parte da sua entidade patronal. A Sra. AE respondeu, na acção executiva, a 07/12/2022. Foi proferido saneador-sentença cujo decisório tem o seguinte teor: Nestes termos, julgamos procedente a presente oposição à penhora e, em consequência, determino a devolução ao executado de todos os valores penhorados e que ofendem os limites legais supra evidenciados. Interpôs a exequente recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: 1) A apelante não se conforma com a decisão proferida nos autos, por isso, vem dela interpor recurso; 2) A penhora de vencimento levada a cabo nos autos, não viola os limites impostos pelo artigo 738º, nº 1 e nº 3, do Código de Processo Civil; 3) A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas direta ou indiretamente em dinheiro ou em espécie; 4) O facto de o subsídio de alimentação ser pago em géneros não altera a sua qualificação jurídica de retribuição enquanto contrapartida do trabalho prestado; 5) O executado aufere a título de vencimento a quantia de 705,00€; 6) Auferindo a título de subsídio de alimentação - pago em géneros – 100,70€; 7) Assim, a contrapartida que o executado recebe pelo seu trabalho, cifra-se na quantia mensal de 805,70€; 8) Esta é a remuneração real e ilíquida do executado; 9) Ao contrário dos 705,00€ referidos nos recibos de vencimento junto aos autos; 10) A penhora levada a cabo pela Senhora Agente de execução considerou, bem, para efeitos de cálculo, o valor de 805,70€; 11) Respeitou, também bem, os limites impostos pelo artigo 738º, nº 1 e nº 3 do C. P. C.; 12) A penhora levada a cabo nos autos salvaguardou o limite mínimo que a lei prevê; 13) E, por respeitar aqueles limites, apenas penhorou os valores que excediam o Salário Mínimo Nacional, como bem se alcança dos autos; 14) Assim, temos necessariamente de concluir, que a penhora efetivada nos autos e que aqui se discute, é legal e é legitima, não padecendo de qualquer vício que belisque a sua validade e eficácia; 15) Nestes termos, também é forçoso concluir, que o rendimento anual do executado, repartido pelos 12 meses, não é inferior ao Salário Mínimo Nacional; 16) Pelo que, a pretensão deduzida pelo embargante carece de total fundamento fáctico ou de direito; 17) Pelo que, não há lugar à restituição ao executado/embargante de qualquer montante já penhorado, por falta de causa que o justifique; 18) Não resulta dos autos que a penhora efetuada viola os limites impostos pelo artigo 738º, nº 1 do Código de Processo Civil; 19) A decisão recorrida é ilegal e viola, entre outros, o nº 1 e nº 3 do artigo 738º do Código de Processo Civil; Não consta tenham sido apresentadas contra-alegações. 2. Questões a apreciar O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida. O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” ( cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida). A única questão que cumpre apreciar é a de saber se o “subsídio de alimentação” deve ser computado para efeitos do disposto nos n.ºs 1 e 3 do art.º 738º do CPC. 3. Fundamentação de facto O tribunal recorrido considerou: - Factos provados com relevância para a decisão: 1.- No âmbito dos autos de execução apensos, foi ordenada a penhora do vencimento do executado, na proporção de 1/3. 2.- O executado aufere um salário mensal de 705 euros, acrescido de cerca de 100 euros de subsidio de refeição. 3.- No mês de junho de 2022, foi penhorado o valor de 23,15 euros e o executado auferiu um salário liquido de 604, 30 euros. 4.- No mês de julho de 2022, foi penhorado o valor de 39,05 euros e o executado auferiu o salario líquido de 588,40 euros. 5.- No mês de agosto de 2022, foi penhorado o valor de 39,05 euros e o executado auferiu o salario líquido de 588,40 euros. 6.- No mês de setembro de 2022, foi penhorado o valor de 38,78 euros e o executado auferiu o salario líquido de 588,58 euros. * - Factos não provados com relevância para a decisão:Não se provaram os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos factos provados ou estejam em contradição com estes. * 4. Deficiência da matéria de facto4.1. Enquadramento jurídico Nos termos do n.º 2 do art.º 662º, a Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; (…)” Quer a deficiência, quer a ampliação convoca o tema da seleção dos factos a enunciar, podendo afirmar-se que a mesma tem por objecto os factos relevantes para a boa decisão da causa. E são relevantes (cfr. Manuel Tomé Soares Gomes, in Da Sentença Cível, CEJ, 2014, in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202, pág. 14): - os factos essenciais à procedência das pretensões deduzidas, ou seja, aqueles que têm a virtualidade de preencher a previsão normativa (facti species) favorável a tais pretensões, na perspetiva do efeito pretendido, segundo as regras de repartição do ónus da prova; - os factos essenciais suscetíveis de integrar os fundamentos de exceção perentória deduzida ou que deva ser objeto de conhecimento oficioso. Também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC Anotado, 3ª Edição, Almedina, pág. 704, anotação ao art.º 607º referem: “A aplicação do direito pressupõe o apuramento de todos os factos da causa que, tidos em conta os pedidos e as excepções deduzidas, sejam relevantes para o preenchimento das previsões normativas, sejam elas processuais, sejam de normas de direito material”. A forma de resolver esta patologia está inscrita na já citada alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC. Este normativo confere à Relação poderes de cassação (“anular a decisão proferida na 1ª instância… “). Mas tem sido entendido que o citado poder de anulação “deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos que isso determina nos vetores da celeridade e da eficácia” (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 358). Ou seja, entende-se que o poder rescisório ou cassatório é subsidiário dos poderes de reexame da prova, pois só haverá lugar à anulação se não constarem do processo todos os elementos - factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente - que permitam a alteração (refere o preceito “quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto“). A consequência desta posição é, no limite e uma vez constatada a existência de deficiências, obscuridades ou contradições da matéria de facto, a imposição à Relação, como tribunal de instância, do dever de analisar toda a prova produzida, incluindo a prova gravada, a fim de aferir se a mesma permite colmatar aquelas patologias. 4.2. Em concreto No caso dos autos o executado deduziu oposição à penhora invocando que o subsídio de alimentação não era pago em numerário, mas sim em espécie. Na sua resposta a exequente impugna todos os artigos da oposição ( art.º 14º). No entanto invoca que o executado alega que o valor do subsídio lhe é pago em espécie e não em numerário (art.º 7º), para depois dizer que, no entanto, aquele subsídio tem um valor patrimonial (art.º 8). Na conclusão 6 do recurso, refere que o subsídio de alimentação é pago em géneros. Destarte a recorrente aceita que o subsídio de alimentação é pago em géneros. Além disso, no recibo de vencimento do executado, que não foi impugnado, consta
A expressão “subsídio de alimentação” acompanhada da expressão “géneros”, significa que o trabalhador (eventualmente por exercer funções num estabelecimento que confecciona ou serve refeições e em função da convenção colectiva de trabalho que constitui fonte jurídica do seu contrato de trabalho ( cfr. art.º 1º do CT)), tem direito a alimentação fornecida em espécie. O tribunal recorrido ao considerar provado que “2 - O executado aufere um salário mensal de 705 euros, acrescido de cerca de 100 euros de subsidio de refeição.“ não retrata integral e cabalmente a realidade que emerge dos autos, ou seja, não refere em que é que se traduz o “subsídio de refeição”. E o que emerge dos autos, por acordo e com base no recibo junto pela entidade patronal, é que o denominado “subsídio de refeição”, a que é atribuído um valor de cerca de € 100,00, se traduz no fornecimento de alimentação. Em face do exposto, adita-se à factualidade provada um ponto 2- A com o seguinte teor: 2 A) - O denominado “subsídio de refeição”, a que é atribuído um valor de cerca de € 100,00, traduz-se no fornecimento de alimentação. 5. Direito 5.1. Enquadramento jurídico O art.º 735º do CPC dispõe que estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda. A regra geral de direito substantivo é o art.º 601º do CC, o qual dispõe que pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios. Lebre de Freitas, in Acção Executiva, 7ª edição, pág. 233 refere que a satisfação do direito do exequente é conseguida mediante a prévia apreensão dos bens do executado, privando o executado do exercício dos seus poderes sobre os mesmos, poderes esses que são transferidos para o tribunal. Essa apreensão traduz a penhora. E na pág. 303 esclarece que no caso da penhora de um direito de crédito, que o seja efectivamente, o agente de execução ou a secretaria fica com o poder de receber a prestação, se o crédito for pecuniário. Rui Pinto, in A Acção Executiva, AAFDL, 2018, pág. 460 refere (sublinhados nossos) que o acto de penhora tem por objecto toda e qualquer situação jurídica disponível de natureza patrimonial, integrante da esfera jurídica do executado, cuja titularidade possa ser transmitida forçadamente nos termos da lei substantiva. No entanto, nem todos os bens são penhoráveis, prevendo a lei situações de impenhorabilidade absoluta (art.º 736º), de impenhorabilidade relativa (art.º 737º) e de penhorabilidade parcial (art.º 738º). Para a economia do recurso apenas releva a penhorabilidade parcial prevista no art.º 738.º do CPC, o qual dispõe: 1 - São impenhoráveis dois terços da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado. Rui Pinto, in A Acção Executiva, AAFDL, 2018, pág. 490, refere que “a lei estabelece no art.º 738º, n.ºs 1 e 4, um regime que impede a penhora de parte de crédito pecuniário que cumpra a função de sustento de uma pessoa singular…”, esclarecendo a seguir, que “os créditos pecuniários são todas as “prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”, ou seja, as prestações alimentícias: as que assegurem a manutenção da vida financeira básica do executado ainda que não sejam percebidos de modo periódico e desde que não constituam causa primária de aforro. O que é decisivo é, portanto, a função da prestação e não a sua periodicidade.” Neste âmbito tem sido colocada - e coloca-se concretamente nos autos -, a questão de saber se o subsídio de alimentação integra os bens penhoráveis do executado. Rui Pinto, in ob. cit. pág. 491 identifica os rendimentos que cabem no n.º 1 do art.º 738º, não incluindo neles o subsídio de alimentação e excluindo “os créditos que não cumpram uma função alimentícia, como os provenientes de subsídios de deslocação e respectivas ajudas de custo.” Marco Gonçalves, in Lições de processo executivo, 5ª edição, pág. 339, refere (sublinhado nosso) que a jurisprudência tem vindo a admitir a possibilidade de penhora, enquanto elemento integrante da retribuição, (…) das quantias correspondentes ao subsídio de alimentação, (…) o valor pago a título de vales de refeição…” Efectivamente a jurisprudência tem entendido maioritariamente que a quantia paga a título de subsídio de alimentação integra a remuneração e, portanto, é susceptível de penhora, desde que o montante total seja superior ao salário mínimo nacional. Assim o Ac. da RG de 12/07/2006, proc. 1086/06-2, consultável in www.dgsi.pt/jtrg, da RP de 17/09/2009, proc. 131-D/2000.L1-6, consultável in www.dgsi.pt/jtrp, da RL de 17/11/2011, proc. 457-B/2002.L1-2, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, da RP de 30/09/2013, proc. 393/2001.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp (este com declaração de voto do Desembargador José Eusébio Almeida, manifestando dúvidas quanto á inclusão do subsídio de alimentação no montante penhorável), da RE de 26/02/2015, proc. 1321/11.2TBELV-B.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre (este Ac. tem a particularidade de estarem em causa vales de refeição). Contra o Ac. da RL de 23/05/2006, proc. 1579/2006-1, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, com fundamento no facto de, no caso concreto, o subsídio de refeição ser de exíguo valor. Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, in A Ação Executiva Anotada e Comentada, 3ª edição, pág. 301 referem (sublinhado nosso) que a retribuição integra “todas as quantias colocadas à disposição do trabalhador relacionadas com a prestação trabalho, independentemente da sua designação (vencimento, ajudas de custo, subsídio de alimentação, subsídio de férias e de natal, subsídio de turno).” Neste ponto e tendo em consideração que o art.º 9º n.º 1 do CC manda ter em consideração, na interpretação das normas, a unidade do sistema jurídico, cabe questionar se se deve procurar resposta à questão de saber se o subsídio de alimentação integra os rendimentos penhoráveis do executado, no direito do trabalho ou no direito fiscal. A “unidade do sistema jurídico” implica a “consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins”, ou, dito de outra forma, se “um problema de regulamentação jurídica fundamentalmente idêntico é tratado pelo legislador em diferentes lugares do sistema”, “porque o legislador deve ser uma pessoa coerente e porque o sistema jurídico deve por igual formar um todos coerente, é legítimo recorrer á norma mais clara e explicita para fixar a interpretação de outra norma (paralela) mais obscura ou ambígua.” (cfr. João Baptista Machado, in Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 183) O “problema normativo” fulcral é saber se o subsídio de alimentação integra os rendimentos penhoráveis do executado ou, em termos mais gerais, se o subsídio de alimentação percebido pelo devedor responde pelo cumprimento das suas obrigações. Pode desde já afirmar-se que não se vislumbra que seja de colher subsídios interpretativos no direito do trabalho ou no direito fiscal, pois nenhum deles dispõe sobre tal questão concreta e especifica, ou seja, não se encontra neles qualquer “lugar paralelo.” É certo que nos termos do n.º 1 do art.º 258º do Código de Trabalho considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho. E nos termos do n.º 2 a retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. Nos termos do n.º 3 presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador. O art.º 260º do CT dispõe sobre as prestações incluídas ou excluídas da retribuição. E o seu n.º 2 manda aplicar a disposto na alínea a) do número 1, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição. Conjugando as duas disposições extrai-se que não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de subsídio de refeição, salvo quando, tais importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador. Destarte, no direito laboral o subsídio de refeição só integra a retribuição nas condições da alínea do n.º 1 do art.º 260º, aplicável ex vi n.º 2 do mesmo normativo.. É certo também que o CIRS dispõe, no seu art.º 2.º, n.º 1, que consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de: a) Trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho ou de outro a ele legalmente equiparado; E nos termos do n.º 2 do mesmo normativo, as remunerações referidas no número anterior compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não. E nos termos do n.º 3, alínea b), ponto 2) do mesmo normativo consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: b) As remunerações acessórias, nelas se compreendendo todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica, designadamente: 2) O subsídio de refeição na parte em que exceder o limite legal estabelecido ou em que o exceda em 60 % sempre que o respetivo subsídio seja atribuído através de vales de refeição; Nos termos do n.º 14 do mesmo normativo, os limites legais previstos no art.º 2º são os anualmente fixados para os servidores do Estado. O art.º 20º, n.º 1 da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, actualizou o subsídio de refeição para o montante de € 4,77 a partir de 1 de agosto. Entretanto, a Portaria n.º 280/2022 de 18 de novembro, actualizou o subsídio de refeição para € 5,20 a partir de 1 de outubro de 2022. E, finalmente, a Portaria n.º 107-A/2023 de 18 de abril, actualizou o subsídio de refeição para € 6,00 a partir de 1 de Janeiro de 2023. Destarte, no direito fiscal, o subsídio de refeição só integra os rendimentos tributáveis nas condições referidas no art.º 2º, n.º 3, alínea b), ponto 2). Se é um facto que o direito do trabalho define o que integra “a retribuição” e se o direito fiscal define o que deve ser considerado “rendimentos”, nenhum deles o faz tendo em vista resolver o “problema normativo” de saber se alguma das realidades contempladas é “penhorável”. Aquelas definições radicam no facto de cada um dos referidos ramos do direito ter um objecto, finalidade e princípios orientadores próprios. Assim, o direito do trabalho tem em vista as relações de trabalho subordinado ou seja, os direitos e deveres das partes no contrato de trabalho – empregador e trabalhador – nomeadamente, o direito do trabalhador à “retribuição” como contrapartida do dever de prestar a sua actividade de acordo com as ordens e instruções que lhe são dadas pelo empregador. Destarte, o objectivo da definição de retribuição é a definição da prestação da entidade empregadora. Assim, o direito fiscal tem em vista as obrigações tributárias, em que são partes o ente público e os contribuintes, que, enquanto sujeitos passivos de tal relação, estão sujeitos à obrigação de efectuar o pagamento da dívida tributária. Um dos impostos é o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e cuja base de incidência são os “rendimentos”. Neste contexto, a definição do que sejam “rendimentos” tem em vista a definição da realidade sobre que incide o imposto. O único “lugar paralelo” que se conhece é o art.º 5º, n.º 2 do DL 57-B/84, de 20 de Fevereiro, que dispõe que o subsídio de refeição dos funcionários e agentes da administração central e local, bem como dos organismos de coordenação económica e demais institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos, é impenhorável. Porém, é manifesto que o executado não reúne nenhuma das referidas qualidades, pelo que em rigor nem se está perante um lugar paralelo. Destarte, a resposta à questão colocada tem de ser encontrada única e exclusivamente à luz das normas de direito civil, pois só aqui se encontra regulado o “problema normativo” em referência. Tendo em consideração que o subsídio de refeição ou alimentação se traduz, normalmente, numa quantia paga aos trabalhadores, em dinheiro, cartão de refeição ou vale, para os compensar da despesa com a refeição realizada no dia de trabalho e tendo em consideração a fórmula ampla do n.º 1 do art.º 738º do CPC, a quantia paga a título de subsídio de refeição deve ser considerada como uma prestação que visa proporcionar a satisfação das necessidades do executado ou, como se refere no n.º 1 do art.º 738º, visa assegurar a subsistência do executado, concretamente ao nível da alimentação e, como tal, deve entrar no computo global das quantias a considerar para efeitos de penhora. Duas notas finais relativamente ao art.º 738º do CPC. Nos termos do n.º 2, para efeitos de apuramento da parte líquida das prestações referidas no número 1, apenas são considerados os descontos legalmente obrigatórios. Destarte, o valor a considerar é o valor liquido auferido efectivamente pelo executado, após a dedução dos descontos impostos por lei, seja a retenção na fonte para efeitos de IRS, seja a contribuição de 11% para a segurança social. Finalmente, o n.º 3 do art.º 738º estabelece a impenhorabilidade do montante equivalente a um salário mínimo nacional, quando o executado não tenha outro rendimento, cabendo ao exequente alegar e provar que o executado tem outro rendimento ( cfr. Delgado de Carvalho, Penhora de rendimentos; redução dos limites de impenhorabilidade; ónus da prova in https://blogippc.blogspot.com/2015/06/penhora-de-rendimentos-reducao-dos.html). 5.2. Em concreto Ficou referido que a quantia paga a título de subsídio de refeição deve ser considerada como uma prestação que visa proporcionar a satisfação das necessidades do executado ou, como se refere no n.º 1 do art.º 738º, visa assegurar a subsistência do executado, concretamente ao nível da alimentação e, como tal, deve entrar no computo global das quantias a considerar para efeitos de penhora. Sucede que no caso dos autos deparamo-nos com uma especificidade: é que nem a entidade patronal paga ao executado, nem este recebe qualquer quantia a título de subsídio de refeição. É certo que no ponto 2 da fundamentação de facto se diz que o executado aufere um salário mensal de 705 euros, acrescido de cerca de 100 euros de subsidio de refeição. Porém, o referido ponto deve ser interpretado adequadamente em função do que consta do ponto 2– A acrescentado no presente Acórdão: o denominado “subsídio de refeição”, a que é atribuído um valor de cerca de € 100,00, traduz-se no fornecimento de alimentação, ou seja, o executado recebe a alimentação em género. Não sendo percebida qualquer quantia a título de subsídio de refeição, nada há para apreender judicialmente e, posteriormente, transmitir ao exequente, a esse titulo. É certo que foi atribuído um valor ao dito subsídio de alimentação (e que consta do recibo de vencimento, como activo e depois é descontado, porque a alimentação foi fornecida). Mas é apenas um valor contabilístico, sem qualquer tradução na percepção de uma quantia. Dito de outra forma: o recibo de vencimento não retrata a perceção de uma quantia porque ela não se verifica. E não tem fundamento pretender-se considerar o valor “contabilístico” atribuído ao subsídio de refeição, pois isso seria violentar a realidade, ou seja, traduzir-se-ia em considerar – ficticiamente - que aquele valor é percebido pelo trabalhador, quando assim não é. Note-se que nem sequer se traduz num direito de crédito pecuniário, ou seja, o trabalhador recebe alimentação, não aquela quantia; e sendo assim não existe quantia que possa ser entregue ao agente de execução, pois aquela prestação é cumprida mediante o fornecimento da alimentação. Carece assim de fundamento, a afirmação de que no, caso, o “subsidio de refeição” representa um “ganho” ou que se trata de um “rendimento”. Em face do exposto, aquele valor não pode ser considerado e, concretamente, não pode ser somado ao valor do salário. Avançando O Decreto-Lei n.º 109-B/2021 de 7 de dezembro fixou o valor da retribuição mínima mensal garantida para 2022 em € 705,00. Está provado – ponto 1 dos factos provados – que o executado aufere o salário de € 705,00, sobre o qual incide, por imposição legal, o desconto de 11% para a segurança social, no valor de € 77,55, pelo que o salário líquido a considerar é de € 627,45. Este valor é inferior ao salário mínimo nacional, pelo que o mesmo é impenhorável. Resulta da factualidade provada que: 3.- No mês de junho de 2022, foi penhorado o valor de 23,15 euros e o executado auferiu um salário liquido de 604, 30 euros. 4.- No mês de julho de 2022, foi penhorado o valor de 39,05 euros e o executado auferiu o salario líquido de 588,40 euros. 5.- No mês de agosto de 2022, foi penhorado o valor de 39,05 euros e o executado auferiu o salario líquido de 588,40 euros. 6.- No mês de setembro de 2022, foi penhorado o valor de 38,78 euros e o executado auferiu o salario líquido de 588,58 euros. É patente e manifesto que não podiam ter sido efectuados os referidos descontos, por violadores do disposto no n.º 3 do art.º 738º do CPC. Destarte, a decisão recorrida, ao ordenar a devolução ao executado de todos os valores penhorados e que ofendem os limites legais supra evidenciados, respeita o disposto nos n.sº 1 e 3 do art.º 738º e, como tal não merece censura, devendo ser confirmada. 5.3. Custas Dispõe o art.º 527º n.º 1 do CPC que a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. E o n.º 2 dispõe que entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. A recorrente ficou vencida pelo que é responsável pelas custas. 6. Decisão Termos em que acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção da Relação de Guimarães em confirmar a decisão recorrida e, assim, em julgar o recurso improcedente. * Custas pelo recorrente – art.º 527º n.º 1 e 2 do CPC* Notifique-se* Guimarães, 12/10/2023 (O presente acórdão é assinado electronicamente) Relator: José Carlos Pereira Duarte Adjuntos: Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais Gonçalo Oliveira Magalhães |