Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
903/24.7T8BRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
REQUISITOS
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I- Os procedimentos cautelares são um instrumento processual destinado a proteger de forma eficaz os direitos subjetivos ou outros interesses juridicamente relevantes. Representam assim uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao desfecho do processo principal e assentam numa análise sumária da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito, bem como o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afectado ou inutilizado se não for decretada a medida cautelar.
II- O sucesso da ação cautelar comum depende essencialmente de dois requisitos, a saber: a) a verificação da aparência de um direito; b) a demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente.
III- Quanto ao primeiro requisito, pede-se ao tribunal uma apreciação ou um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança (bonus fumus iuris). Relativamente ao segundo, está em causa um juízo de probabilidade mais forte e convincente.
IV- O indeferimento liminar do procedimento cautelar comum, em regra só é possível nas situações previstas no artigo 590.º, n.º 1 do CPC (conjugado com o artigo 226.º, n.º 4, alínea b), do CPC.), isto é, quando «o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente».
V- Inviabilizada a demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente de crédito sobre a requerida, ou seja não se alcançando que o requerente se encontra numa situação de justo e fundado receio de que outrem, antes de a ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a seus direitos (periculum in mora), justificava-se e justifica-se, assim, o indeferimento liminar do procedimento, por falta de alegação dos requisitos do art.º 362º, n.º 1, do CPC, sendo esta providência cautelar manifestamente inviável.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA residente em ..., instaurou o presente procedimento cautelar não especificado contra EMP01..., UNIPESSOAL, LDA., com sede em ... e pede a condenação da requerida a pagar-lhe as retribuições relativas aos meses de Novembro de 2023 a Janeiro de 2024, bem como das demais que se vierem a vencer, requerendo ainda, a inversão do contencioso, de forma a dispensar o requerente do ónus da propositura da respetiva ação principal.
Alega em síntese que foi admitido ao serviço da requerida, por contrato de trabalho a termo, com duração de 6 meses e início em 01.06.2023, contrato esse que veio a renovar-se, por idêntico período de tempo, por não ter sido denunciado por qualquer das partes. No dia 14.11.2023, o representante legal da requerida exigiu-lhe a devolução definitiva da chave da viatura com a qual desenvolvia as funções de motorista, seguindo-se altercação ilustrada pelos registos de vídeo que fez juntar ao processo, dirigindo-lhe as seguintes expressões: - “vou-te cortar a cabeça...! Vou-te afiambrar...! Filho da puta...! Eu gosto é de foder brasileiros...”, ofensas à integridade física, seguidas de tentativas de atropelamento e até ameaças de morte. O requerente chamou ao local a GNR do posto territorial de ... e procedeu à elaboração da competente participação crime, que deu origem ao processo NUIPC - ...59/23.3GCBRG.
Após os eventos descritos, o requerente deslocou-se à S.U. do Hospital ..., ficando impossibilitado de se poder apresentar ao serviço nos dias seguintes aos eventos descritos até à propositura do presente procedimento cautelar, por questões de saúde, confirmadas através das baixas médicas como, também, pelo temor que sentia, e que ainda hoje sente, em estar no mesmo espaço físico que o sócio-gerente da requerida, atentas as diversas ameaças e comportamentos adotados.
Atualmente o requerente está de baixa médica, sem receber qualquer quantia por parte da Segurança Social, porque o empregador não procedeu aos devidos descontos.
De tudo isto conclui o requerente pela rutura irremediável no seio da relação laboral existente, não sendo, a qualquer momento, possível mantê-la.
Por fim, alega que não lhe foi pago pela requerida qualquer quantia pelo trabalho prestado durante os primeiros 14 dias do mês de novembro de 2023, e respetivos subsídios, nem recebeu qualquer quantia por se encontrar de baixa médica, estando, assim, sem receber há mais de 3 meses, e, sem saber quando é que irá receber novamente, porque o referido contrato de trabalho se encontra em vigor. Existe, indubitavelmente, um receio da requerida causar uma lesão no direito do requerente, a que acresce o facto da demora na resolução do presente assunto gera, no foro familiar do requerente, lesões gravíssimas, que se acentuam em virtude deste estar prestes a ser pai, havendo, por isso, despesas acrescidas.

Tendo os autos sido conclusos a Mmª Juiz a quo proferiu decisão de indeferimento liminar do procedimento cautelar, o qual terminou com o seguinte dispositivo:

“Impõe-se, assim, e nos termos do disposto nos artºs 226º, nº 4, al. b) e 590º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, indeferir liminarmente o presente procedimento cautelar, o que se decide em conformidade. ---
Custas a cargo do requerente, sem prejuízo do apoio judiciário que, se for o caso, lhe vier a ser concedido.
Valor do procedimento: o indicado no requerimento inicial.
Registe e notifique.”
*
Inconformado com esta decisão, veio o Requerente interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:

O recorrente AA jamais se poderia conformar com o teor da decisão aqui em crise, quando ali se pode verificar a existência de um incumprimento contratual grave, nomeadamente a falta de pagamento da respectiva retribuição desde ../../2023, pelo que urge a sua rápida resolução.
2ª A matéria de facto que foi aduzida na referida providência cautelar foi incorretamente apreciada pelo Tribunal de que se recorre – colocando a decisão deste em crise, nomeadamente através da assunção de um despedimento ilícito – quando não foi, na petição, referido e alegado tal instituto pelo requerente.
3ª Refere o artigo 387º do Código do Trabalho que a regularidade e licitude do despedimento só pode ser apreciada por tribunal judicial.
4ª Por isso, o douto Tribunal a quo podia, de facto, apreciar essa mesma regularidade e licitude, por se tratar do tribunal competente, contudo teria este instituto que ser alegado pelo requerente – o que não foi...! – pois que não existiu qualquer despedimento nos autos...!
5ª Consequentemente, salvo o devido respeito, todas as considerações e apreciações daí provenientes, assumidas pela Meritíssima Juiz a quo, extrapolaram o pedido e o alegado na petição, pelo que, existiu excesso de pronúncia.
6ª Assim ao longo de todo o corpo da providência cautelar é possível verificar que o requerente assume e alega a existência e subsistência do contrato de trabalho datado de 01 de junho de 2023, conforme fez, nomeadamente, através do referido no artigo 37º da petição – sustentando aí, a motivação da presente providência cautelar.
7ª Parece-nos claro que a subsistência do contrato de trabalho foi amplamente identificada no corpo do alegado na providência cautelar, por si só – mas sem que isso fosse requisito fundamental para o decretamento da presente providência.
8ª Ainda assim, caso assim não o entendesse o Tribunal a quo, a própria manutenção da relação laboral foi, também ela, bem identificada no corpo da petição, nomeadamente através da prova da manutenção dos respectivos deveres laborais entre requerente e requerida – o que se fez através da junção das baixas médicas, sempre comunicadas à entidade patronal – que evidenciam, claramente e salvo melhor opinião, a manutenção de tal relação laboral,
9ª pois que, caso tivesse havido um despedimento, essas mesmas obrigações deixariam de existir.
10ª O douto Tribunal de que se recorre parece dar demasiada importância à questão do despedimento, fazendo crer que o mesmo seria fundamental para o decretamento da providência, o que, salvo o devido respeito, não corresponde à verdade,
11ª pois, conforme antedito no presente recurso, ainda que a Meritíssima Juiz a quo considerasse existir um despedimento ilícito, atenta a informação aduzida aos autos, conforme considerou, sempre poderia e deveria ter aproveitado, em nome dos princípios da adequação formal e da boa economia processual, para decretar a providência cautelar – o que não fez...!
12ª E tendo em conta tratar-se de uma verdadeira providência cautelar, bem sabemos que constituem requisitos de verificação cumulativa, a prova da probabilidade séria da existência do direito ameaçado e a adequação da providência solicitada para evitar a lesão – e a mesma deve ser considerada grave.
13ª Ora, tendo em conta a matéria de facto aduzida aos autos, nomeadamente o facto de o requerente não ver ser-lhe paga qualquer quantia desde ../../2023, como pode o douto Tribunal considerar não existir uma lesão grave?
13ª A verdade é que, de facto, e felizmente para trabalhadores em situações análogas às do requerente, não tem sido essa a posição dos Tribunais Superiores quanto à gravidade destas lesões, pois que outra não poderia ser a conclusão que não a do decretamento da presente providência cautelar.
14ª Já em relação à questão de se tratar de uma lesão dificilmente reparável, e com o devido respeito por opinião diversa, também neste aspecto não assiste a mais ténue razão à Meritíssima Juiz a quo, sendo que, até então, não foi possível fazer qualquer tipo de prova nos presentes autos.
15ª Não será difícil admitir que o requerente e o seu agregado familiar pelos anteditos elementos constantes da matéria de prova aduzida aos autos jamais se encontrarão em situação financeira confortável, tendo, como será lógico, expectável e até óbvio, despesas mensais fixas, que não conseguem suportar.
16ª Daí que se conceba como óbvia a questão de tratar a problemática dos autos com recorrência ao instituto da Providência Cautelar, atendendo, em especial, à urgência da resolução desta questão, nos termos do previsto nos artigos 32º e ss do Código de Processo do Trabalho.

PELO EXPOSTO deve a sentença proferida nos presentes autos ser revogada e, em sua substituição, ser decretada a providência cautelar, assim se fazendo são e acostumada JUSTIÇA.”
A requerida devidamente citada para os termos da ação e do recurso, nada veio dizer.
*
Foi admitido o recurso na espécie própria, com o adequado efeito e regime de subida.
Os autos foram remetidos a esta 2ª instância e foi cumprido o n.º 3 do art.º 87.º do CPT.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.  

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 635.º, nº 4, 637.º n.º 2 e 639.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), a única questão que importa apreciar respeita à revogação da decisão recorrida, com o consequente prosseguimento dos autos, caso se apure estarem suficientemente alegados os requisitos do procedimento cautelar comum.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos com relevo para a apreciação são os que constam do relatório que antecede.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da manifesta improcedência da providência requerida

Com a presente providência cautelar pretende o requerente que lhe seja reconhecido determinado crédito resultante da relação laboral que alega manter com a requerida, cuja falta de pagamento lhe determina elevado prejuízo dificilmente reparável. Para o efeito, importa averiguar se o requerente alegou todos os requisitos conducentes à procedência da providência, ou se ao invés, a factualidade alegada ainda que se lograsse provar seria sempre de considerar de insuficiente ou desadequada para a obtenção do êxito do peticionado.
No caso em apreço, estamos perante um procedimento cautelar laboral ao qual se aplica o regime estabelecido no Código do Processo Civil para o procedimento cautelar comum - arts. 362.º a 376.º e 293 do CPC. – salvo, nos casos em que haja regulamentação específica – art.º 32.º n.º 1 do CPT.
Daqui decorre que só se pode recorrer ao procedimento cautelar comum se não houver qualquer procedimento cautelar especificado, sendo certo que no requerimento inicial devem ser alegados os factos constitutivos do direito em causa e o fundado receio de que a demora na obtenção da tutela jurídica redunde em lesão do direito, a qual terá de ser grave e dificilmente reparável, bem como, o pedido da concreta providência cautelar, que pode ser conservatória ou antecipatória.
Como é consabido os procedimentos cautelares são um instrumento processual destinado a proteger de forma eficaz os direitos subjetivos ou outros interesses juridicamente relevantes. Representam assim uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao desfecho do processo principal e assentam numa análise sumária da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito, bem como o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afectado ou inutilizado se não for decretada a medida cautelar.
Ora, o motivo que permite o acesso às medidas cautelares não especificadas, como sucede no caso em apreço é precisamente o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável, bastando para tanto que o periculum in mora o exija, ou seja justifica-se a tomada de medidas tendentes a resolver a situação e a evitar a consumação do risco. Sem esquecer que o procedimento cautelar visa apenas alcançar uma solução provisória tendente a evitar o prejuízo que a demora da resolução do litígio possa dar lugar.

Prescreve o art.º 362.º do CPC.
“1 Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
2. O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em ação constitutiva, já proposta ou a propor.
(…)”
Por outro lado, decorre do prescrito no artigo 368.º, n.º 1, do CPC. que a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
O procedimento cautelar comum assenta, assim, numa análise sumária (summaria cognitio) da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito (fumus boni juris) e o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afetado ou inutilizado, se não for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora).

Os requisitos da providência cautelar não especificada são, assim, os seguintes:
1- Não estar a providência a obter abrangida por qualquer dos outros processos cautelares previstos na Lei;
2- A existência de um direito;
3- O fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação;
4- A adequação da providência solicitada para evitar a lesão.
Em suma, o sucesso da ação cautelar comum depende essencialmente de dois requisitos, a saber:
a) a verificação da aparência de um direito;
b) a demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente.
Quanto ao primeiro requisito, pede-se ao tribunal uma apreciação ou um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança (bonus fumus iuris).

Relativamente ao segundo, está em causa um juízo de probabilidade mais forte e convincente.
Com efeito, o receio de lesão grave e de difícil reparação referido no artigo 362.º, n.º 1, do CPC significa receio fundado e atual.
O receio é fundado quando é de ordem a justificar a providência requerida e só a justifica quando as circunstâncias se apresentem de modo a convencer que está iminente a lesão do direito. Não é um qualquer incómodo que poderá legitimar o decretamento de uma providência cautelar, tal incómodo terá que ser um verdadeiro, grave e dificilmente reparável prejuízo, de forma que, se não for prevenido ou eliminado, possa obliterar o próprio direito. Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm essa virtualidade de permitir ao tribunal, mediante solicitação do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto da previsível lesão.
A existência de lesões ao direito, já consumadas à data da instauração do procedimento cautelar, não exclui o requisito do periculum in mora; pelo contrário, a existência de tais lesões constitui um indício de probabilidade de lesões futuras, tornando até tal probabilidade mais forte e mais certa do que nos casos em que nunca existiu qualquer lesão.
Por fim, no que respeita ao ónus da prova incumbe ao requerente da providência alegar e provar os factos materiais e concretos que a provaram-se determinem que seja decretada a providência requerida.
Assim, com a petição do procedimento cautelar, o requerente oferecerá a prova sumária do direito ameaçado e justificará o receio da lesão cfr. art.º 365º, n.º 1 do CPC.
Em suma, basta a verificação da aparência ou da probabilidade, da existência do direito invocado pelo requerente (juízo de mera probabilidade ou verosimilhança quanto à existência desse direito e não de certeza), bem como a verificação de um fundado e objectivo receio de ameaça de lesão do mesmo (continuação ou repetição iminente), para que se justifique a adopção de medidas adequadas a salvaguardar esse direito até que se resolva a acção principal onde tal direito necessariamente se terá de discutir em toda a sua plenitude.
A questão que cumpre decidir é saber se os factos alegados são suscetíveis de conduzir à procedência do pedido, pois, em caso negativo, há que confirmar a decisão recorrida e manter o indeferimento liminar da providência requerida, evitando assim, a prática de atos inúteis e como tal, proibidos à luz do artigo 130.º, n.º 1, do CPC (pelo que se revela desnecessária a realização do julgamento, pois ainda que resultassem sumariamente provados os factos invocados, os mesmos não seriam suscetíveis de sustentar o pedido formulado).
O indeferimento liminar do procedimento cautelar comum, em regra só é possível nas situações previstas no artigo 590.º, n.º 1 do CPC (conjugado com o artigo 226.º, n.º 4, alínea b), do CPC.), isto é, quando «o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente».
Retornando ao caso em apreço, há que apreciar as questões problematizadas pelo Recorrente à luz das considerações supra expendidas.
O Recorrente reclama o pagamento da sua retribuição desde ../../2023, defendendo que o contrato de trabalho celebrado com a Ré se mantém em vigor, apesar do empregador o ter posto fora das suas instalações e lhe ter exigido a entrega das chaves do veículo que normalmente conduzia, sendo certo que a partir dessa data o requerente não prestou qualquer atividade para a requerida, por se encontrar de baixa médica.
A alegação do recorrente é pouco precisa e até de alguma forma contraditória, pois por um lado alega factos dos quais se pode concluir pelo despedimento ilícito levado a cabo pelo empregador (artigos 9.º a 12.º do requerimento inicial, intenção de despedimento), para posteriormente alegar factos que poderiam ter conduzido à resolução do contrato com alegada justa causa (artigos 31 a 33 do requerimento inicial, ao referir que se desencadeou ma rutura irremediável no seio da relação laboral existente), para concluir que ainda assim, o contrato de trabalho celebrado com a requerida se mantém em vigor (artigo 37.º do requerimento inicial), já que tem comunicado as baixas médicas ao empregador, o que evidencia a manutenção dos seus deveres laborais para com a requerida.
Por outro lado, importa ter presente que resulta da alegação do requerente/recorrente, que desde o dia 14 de novembro de 2023, que se encontra de baixa médica, não estando a receber subsídio, porque a entidade patronal não entregou as contribuições à Segurança Social, reconhecendo que tal questão tem de ser tratada junto da Segurança Social, nos termos da Lei nº 110/2009, de 16.09, (cfr. art.º 33º da citada lei), não podendo ser tratada no âmbito deste procedimento (cfr artigo 42 do requerimento inicial).
De toda esta alegação resulta inequívoco que o requerente não prestou qualquer atividade por conta da requerida, por estar em situação de baixa médica desde ../../2023 e considerando que o contrato de trabalho se mantém em vigor, a probabilidade séria do direito invocado pelo requerente cinge-se ao crédito resultante do trabalho por si prestado, por conta da requerida, nos primeiros 14 dias do mês de novembro de 2023, melhor concretizando, cinge-se ao pagamento da retribuição, acrescida de subsídio de refeição referente ao trabalho prestado pelo autor nos 14 dias de novembro, bem como o proporcional do subsídio de natal, que tal como resulta dos recibos juntos aos autos lhe vinha sendo pago em duodécimos. Tudo o mais alegado não permite de forma alguma concluir pela probabilidade do direito invocado, pois como é consabido a retribuição é a contraprestação pelo trabalho prestado. Não desempenhando o trabalhador qualquer atividade deixa de ter direito à respetiva contraprestação.
Quanto ao facto de o autor pretender que a empregadora lhe pague as retribuições, por não se encontrar a receber subsídio de doença, porque o empregador não entregou as contribuições à segurança social, não lhe assiste direito de ação neste tribunal, nem consequentemente lhe assiste o direito a acautelar, pois como o próprio reconhece, tal questão tem de ser resolvida junto da segurança social.
Quanto à invocação do requisito respeitante ao fundado e objetivo receio de ameaça e perigo de lesão grave ou dificilmente reparável, para que se justifique a adoção de medidas adequadas a salvaguardar esse direito, a lei exige que invoquem factos dos quais possa resultar a probabilidade forte e convincente do perigo.
No caso, para além do direito invocado se cifrar numa importância correspondente ao valor bastante inferior à retribuição mínima mensal garantida, os factos em que sustenta a sua pretensão são de cariz meramente conclusivo (cfr. artigos 39.º e 40.º do requerimento inicial), revelando falta de concretização quer da composição do seu agregado familiar, quer dos seus rendimentos, quer da emergência na obtenção daquela quantia supostamente em falta, o que não permite de forma alguma caracterizar a existência de lesão grave e de difícil reparação ou demonstrar o perigo da insatisfação do direito.
O requerente limita-se a alegar que deixou de receber a retribuição que normalmente auferia, desde outubro e 2023, sendo certo que a partir de 14 de novembro deixou de trabalhar, passando a estar na situação de baixa médica, o que lhe acarreta prejuízo porque deixou de receber a sua retribuição, bem como qualquer outra quantia seja a que título for não sabendo quando irá receber novamente.
Ora, de toda a alegação do recorrente podemos concluir que este não deixou de alegar factos suficientes para sustentar a verificação do primeiro requisito para o decretamento da providência requerida - probabilidade séria da existência do direito invocado (direito de crédito, ainda que de reduzido valor) -, porém, o mesmo não se poderá dizer quanto à invocação/alegação de factos necessários à afirmação do segundo requisito, relativo ao fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu pretenso direito, face à delonga normal do processo correspondente (periculum in mora), porquanto no requerimento inicial não estão concretizados os factos que corporizam o aludido requisito.
Por um lado, não se invocam os danos concretos relativos ao atraso no pagamento, nem se alega qualquer facto do qual resulte que o comportamento da requerida ameace séria e irremediavelmente o aparente direito de crédito do requerente, e por outro lado não se justifica nem se esclarece a eventual urgência na satisfação do pagamento de reduzido valor, ou seja, faltou alegar os factos integradores de uma situação de “periculum in mora”, o que exige a quantificação e qualificação dos danos decorrentes da conduta da requerida, bem como a alegação de uma real e efetiva lesão, com o consequente dano ou prejuízo, irreparável ou de difícil reparação.
Resumindo é manifestamente insuficiente o alegado pelo recorrente, de forma conclusiva, quanto a este requisito, já que não corporiza nem o dano, nem o fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do pretenso direito de crédito de que o requerente aparentemente será titular.
Assim, inviabilizada a demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente de crédito sobre a requerida, ou seja não se alcançando que o requerente se encontra numa situação de justo e fundado receio de que outrem, antes de a ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a seus direitos (periculum in mora), justificava-se e justifica-se, assim, o indeferimento liminar do procedimento, por falta de alegação dos requisitos do art.º 362.º, n.º 1, do CPC, sendo esta providência cautelar manifestamente inviável.
Nada será assim, de objetar ao entendimento da 1ª instância, quando refere, designadamente:
“Mas se, com a restrição apontada, não seria de negar o fumus bonis juris, a verdade é que já não assim quanto ao periculum in mora. ---
Com efeito, e como é sabido, um dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar comum – e aplicável, no domínio laboral, por efeito do que se prescreve no nº 1 do artº 32º do CT – é o fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável – cfr. artº 362º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil. ---
Como se vê pela antecedente enunciação, não basta, para o decretamento da providência cautelar comum, que se esteja em presença de lesão grave. É preciso, também, que a mesma se apresente na condição de dificilmente reparável. ---
Ora, apesar de o requerente alegar que se encontra privado de receber aquilo a que tem direito – que, na circunstância, é a retribuição como contrapartida da actividade que prestou durante 14 dias do mês de Novembro e, como se viu acima, a partir de 01.01.2024, os salários intercalares por despedimento ilícito -, não se encontra nesse facto singularidade que o distancie de tantos outros trabalhadores em situação análoga nem, tampouco, aquilo que vem aduzido nos artºs 39º e 40º do requerimento inicial – de cariz, essencialmente, conclusivo, a que falta a concretização da medida dos rendimentos do seu agregado e a emergência da protecção cautelar que reclama – permite caracterizar a existência de lesão grave. ---
Para além disso, nenhum facto alegou o requerente que, uma vez demonstrado, permita afirmar que a lesão prefigurada seja dificilmente reparável. (…)
É certo que o requerente alega, também, que, estando em situação de baixa médica desde ../../2023, nenhum subsídio recebeu, a esse título, por parte da SS, em decorrência da circunstância de a requerida não o ter declarado, junto dessa entidade, como seu trabalhador. ---
Simplesmente, isso nada tem que ver com as consequências associadas ao comportamento, de cessação ilícita do contrato, imputado à requerida, que, por via do presente procedimento, se pretendem ver antecipadas. ---
Respeita, isso sim, ao incumprimento pela requerida de deveres perante a SS, cujos reflexos na esfera jurídica do requerente podem, e devem ser por este contrariados, mediante actuação junto dessa entidade, no quadro normativo previsto pelo artº 33º da L. nº 110/2009, de 16.09, e que, segundo tudo aponta, foi já pelo mesmo desencadeada – cfr. doc. ... que acompanha o requerimento inicial. ---
Em resumo do que se deixou expresso, pode assentar-se que, sem prejuízo da correcção de enquadramento da fonte dos direitos pretendidos acautelar pelo requerente, não foram por este alegados factos que, a demonstrar-se, permitam ter como verificados, em plenitude, os requisitos de que depende o decretamento da providência requerida, mormente daquele em que se traduz o periculum in mora.”
Improcede o recurso é de confirmar a decisão recorrida.

V – DECISÃO

Acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e consequentemente é de manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Notifique.
16 de Maio de 2024

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Francisco Sousa Pereira

Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.

I- Os procedimentos cautelares são um instrumento processual destinado a proteger de forma eficaz os direitos subjetivos ou outros interesses juridicamente relevantes. Representam assim uma antecipação ou garantia de eficácia relativamente ao desfecho do processo principal e assentam numa análise sumária da situação de facto que permita afirmar a provável existência do direito, bem como o receio justificado de que o mesmo seja seriamente afectado ou inutilizado se não for decretada a medida cautelar.
II- O sucesso da ação cautelar comum depende essencialmente de dois requisitos, a saber: a) a verificação da aparência de um direito; b) a demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente.
III- Quanto ao primeiro requisito, pede-se ao tribunal uma apreciação ou um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança (bonus fumus iuris). Relativamente ao segundo, está em causa um juízo de probabilidade mais forte e convincente.
IV- O indeferimento liminar do procedimento cautelar comum, em regra só é possível nas situações previstas no artigo 590.º, n.º 1 do CPC (conjugado com o artigo 226.º, n.º 4, alínea b), do CPC.), isto é, quando «o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente».
V- Inviabilizada a demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente de crédito sobre a requerida, ou seja não se alcançando que o requerente se encontra numa situação de justo e fundado receio de que outrem, antes de a ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a seus direitos (periculum in mora), justificava-se e justifica-se, assim, o indeferimento liminar do procedimento, por falta de alegação dos requisitos do art.º 362º, n.º 1, do CPC, sendo esta providência cautelar manifestamente inviável.

Vera Sottomayor