Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
10/19.4T8VVD.G1
Relator: JOSÉ CARLOS DUARTE
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO NA PENDÊNCIA DA CAUSA
EFEITOS PARA O FUTURO
FALTA DE PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
LITISPENDÊNCIA
CASO JULGADO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
PRESTAÇÃO DE FACTO INFUNGÍVEL
SERVIDÃO DE AQUEDUTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O apoio judiciário, concedido tendo em vista uma determinada finalidade - propor ou contestar uma determinada acção - vale, apenas, para ela e, uma vez proposta a acção ou contestada a acção, para a qual o apoio judiciário foi concedido, esgota-se essa finalidade.
II - Caso seja proposta uma nova acção, utilizando o beneficio do apoio judiciário já utilizado para propor outra acção, o mesmo não pode produzir os seus efeitos típicos: substituir a junção do comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida.
III - É da exclusiva competência do ISS, a apreciação da oportunidade e atendibilidade de requerimento de apoio judiciário apresentado na pendência de ações judiciais, depois da primeira intervenção processual do requerente.
IV - Assim, salvo o caso de ser deduzida impugnação judicial do deferimento do pedido de apoio judiciário apresentado na pendência da causa, depois da primeira intervenção processual do requerente, o tribunal não poderá colocar em crise a decisão administrativa de deferimento.
V – Isso não obsta a que o tribunal se pronuncie quanto aos seus efeitos no âmbito processual, na medida em que é matéria que não integra o âmbito decisório do ISS, que se limita a deferir ou a indeferir.
VI - O deferimento do apoio judiciário na pendência da causa, só pode operar quanto aos actos praticados ou termos posteriores à formulação do respectivo pedido e apenas pode reflectir-se na intervenção processual que venha a ocorrer depois de solicitado tal beneficio, não tendo efeito retroactivo.
VII – Tendo a acção sido interposta sem prévio pagamento da taxa de justiça, invocando-se o apoio judiciário já utilizado para propor outra acção e tendo sido concedido o benefício do apoio judiciário já na pendência da causa, que só produz efeitos para o futuro, a situação é de omissão do pagamento da taxa de justiça inicial devida pela propositura da acção.
VIII - Nesta situação e tendo em consideração os princípios da prevalência da substância sobre a forma e da economia processual e o disposto no art.º 6º, n.º 1 do CPC, deve o A. ser notificado para proceder ao pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias, com a cominação de, não o fazendo, os autos ficarem a aguardar a junção, sem prejuízo do disposto no art.º 281º n.º 1 do CPC.
IX – Tendo os RR. invocado as excepções de litispendência e caso julgado e só podendo verificar-se uma delas, o momento relevante para o aferir é o da prolação do despacho saneador.
X – Para se aferir da identidade de sujeitos para efeitos do n.º 2 do art.º 581º do CPC, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, há que atender à posição/qualidade daquelas na relação jurídica substancial invocada em cada uma das acções.

XI – Se numa acção, parte dos RR. foi demandada na qualidade de proprietários de um prédio e em outra acção são demandados, com outro co-Réu, na qualidade de herdeiros da herança indivisa em cujo acervo está incluído o mesmo prédio, não há identidade jurídica
XII – A decisão de facto será contraditória quando o conteúdo de um dado ponto de facto for incompatível, a antítese, o contrário do conteúdo de outro ponto de facto.
XIII – Tal contradição tanto pode ser entre factos provados, como entre um facto provado e um facto não provado, se o conteúdo de ambos for sobreponível.
XIV - A prestação de facto infungível, pressuposto da condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, é aquela que só pode ser realizada pelo devedor e, portanto, em caso de recusa do mesmo, não pode haver substituição na sua realização por terceiro.
XV – A sanção pecuniária compulsória tem plena aplicação relativamente a injunções que imponham ao réu que se abstenha de continuar ou renovar as actuações que violam a posse ou direito de outrem, seja ele o direito e propriedade ou um direito de servidão.
XVI – Se o A. formular o pedido de condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, relativamente a uma dada prestação (por ex. de facere), é apenas em relação a ela que a procedência daquela deve ser aferida e, caso tenha cabimento, objecto de condenação, pois foi aquela que integrou o pedido e a causa de pedir e foi sujeita a contraditório, não podendo ser estendida a outra prestação (por ex. de non facere).
XVII – Verificar-se-á a desnecessidade de uma servidão de aqueduto, quando deixar de ter toda e qualquer utilidade para o prédio dominante, aí fazer chegar água para rega através do aqueduto.
XVIII – A mudança do local da servidão pode ser:
- para sítio diferente do primitivamente assinado, dentro do prédio serviente;
- para outro prédio, do proprietário do prédio serviente;
- para prédio de terceiro.
XIX - No primeiro e segundo caso, os pressupostos, cumulativos, são: a conveniência do proprietário do prédio serviente e a inexistência de prejuízo para os interesses do proprietário do prédio dominante.
XX - Quanto ao pressuposto inexistência de prejuízo para os interesses do proprietário do prédio dominante, no caso de uma servidão de aqueduto, exige-se que o novo sítio/trajecto do aqueduto continue a permitir a utilidade subjacente: fazer chegar a água ao prédio dominante.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

1. Relatório

AA, BB, CC e mulher, DD intentaram acção declarativa de condenação contra EE e marido, FF e GG, pedindo que sejam os RR. condenados a:
A. A reconhecer e respeitar o direito de propriedade dos autores sobre o prédio identificado no art. 1º da petição inicial;
B. A reconhecer o direito de servidão de aqueduto a favor desse prédio, onerando o prédio dos réus identificado no art. 18º da petição inicial, para condução da água de rega da ... através do rego ou aqueduto acima descrito e na forma indicada, a respeitar esse direito e a nada fazer que o possa diminuir ou por qualquer forma o afectar;
C. A repor imediatamente e no estado anterior o referido rego no troço em que atravessa o prédio onerado e na forma anterior;
D. A pagar sanção compulsória de quantia não inferior a duzentos euros por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reposição do leito do caminho aqui em causa;
E. A pagar aos autores uma indemnização de perdas e danos a fixar nos termos do disposto no n.º 2 do art. 609.º do Código de Processo Civil (CPC).

Alegaram para tanto e em síntese que:

- são, em comunhão hereditária, donos e legítimos possuidores de um prédio rústico denominado “...” ou “...”, que descrevem, que adquiriram por usucapião e cuja aquisição registaram na CRPredial ...;
- os RR., por sua vez, são, em comunhão hereditária, donos e legítimos possuidores de um prédio rústico denominado “Campo ...”;
- os AA. têm direito à água da “...”, para rega do prédio denominado ...” ou “...”, no período da rega que indicam e de acordo com o giro que também indicam;
- exercem esse direito à água, por si e legítimos antecessores, há mais de 20 e trinta anos, ininterruptos, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém e com o ânimo de quem tem direito a fazê-lo;
- aquela água é proveniente da nascente directamente captada na dita “...”, obra de presa e captação;
- para utilização da referida água servem-se os AA. e sempre se serviram, como os seus legítimos antecessores, de um rego e aqueduto, cujo percurso e modo de implantação no terreno descrevem até entrar no prédio rústico dos RR., denominado “Campo ...”, no seu canto nordeste, onde seguia, sempre com assento permanente, de norte para sul, junto e à margem do caminho público da ... e flectindo, no seu troço final, de nascente para poente, até entrar no prédio dos AA., denominado “...” ou “...”, referindo ainda as características do rego e a aquisição para tal prédio, por usucapião, do direito de servidão de aqueduto;
- em Fevereiro de 2018, os RR. arrasaram o rego, suprimindo-o na parte em que corria junto ao caminho público da ... e se dirigia ao prédio dos AA., tendo, junto ao canto nordeste do seu prédio, aberto uma nova entrada carral de acesso ao mesmo, a partir do caminho público da ..., em rampa, o que implicou, na zona de passagem do rego em que se corporizava, até então, a servidão de aqueduto que beneficia o prédio dos AA., um abaixamento do nível do solo em mais de metro e meio;
- a reposição do rego implica a eliminação da nova entrada e a recomposição do solo do prédio dos RR. para que volte, na zona de passagem do rego, ao nível anterior;
- a actuação dos RR., impedindo os AA. de utilizar o rego, implicou a perda dos períodos de utilização da água que indicam;
- no prédio dos AA. estava plantada vinha que necessita de irrigação;
- para não perder a produção da vinha contrataram a irrigação com cisternas no que despenderam a quantia que indicam, o que não impediu a perda de 7 videiras, no valor que também indicam;
- sofreram danos morais que indicam.

Com a petição inicial os AA. juntaram certidão da escritura pública da habilitação de herdeiros de HH.

E juntaram também quatro ofícios do Instituto de Segurança Social, todos eles datados de 24/08/2018, relativos aos pedidos de apoio judiciário com os números APJ/...19/2018 (A. AA), APJ/...93/2018 (A. BB), APJ/...75/2018 (A. CC) e APJ/...68/2018) (A. DD), em que aquele ISS notifica os AA. do deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de “Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo”, tendo em vista “Acção declarativa”.

Os RR., citados a 09/01/2019, contestaram invocando:
- “excepção dilatória inominada insuprível de omissão de pagamento da taxa de justiça”, alegando, neste âmbito e em síntese, que as decisões de apoio judiciário que os AA. juntaram, foram utilizadas no âmbito do processo 1196/18.0T8VVD, intentada pelos AA., contra os aqui RR. BB e FF; da Lei do Apoio Judiciário resulta que o pedido de apoio judiciário é individual em relação a cada processo; estamos perante uma excepção dilatória insuprível, devendo ser ordenado o desentranhamento da petição inicial e os RR. absolvidos da instância; caso assim não se entenda devem os AA. ser notificados para proceder ao pagamento das taxas de justiça devidas; deve ser ordenada a extracção de certidão e remessa ao MP para eventual procedimento criminal por falsas declarações e uso indevido e ilegal dum benefício já esgotado em acção anterior, com intenção de enganar os RR., o tribunal e o Estado;
- “excepção dilatória de litispendência”, alegando, neste âmbito e em síntese, que corre termos no Juízo Local Cível de ... uma acção declarativa com o n.º 1196/18.0T8VVD, a qual foi instaurada a 03/01/2019; a causa de pedir, o pedido e as partes do ponto de vista da sua qualidade jurídica da referida acção, são os mesmos da presente acção, pelas razões que indicam;
- “excepção dilatória de caso julgado”, alegando, neste âmbito e em síntese, que na acção declarativa 1196/18.0T8VVD, os AA. desistiram do pedido, tendo sido proferida sentença que a homologou, julgando extinto o direito que naqueles autos os AA. pretendiam fazer valer; o direito que os AA. ali pretendiam fazer valer é o mesmo que que pretendem fazer valer nesta acção, pelo que estamos perante uma situação de caso julgado material;
- “excepção dilatória de ilegitimidade”, alegando, neste âmbito e em síntese, que os AA. afirmam que os RR. são em comunhão hereditária, donos e legítimos possuidores do prédio rústico denominado “Campo ...”, o que não corresponde à verdade, porque por escritura pública de 01/02/2019, os RR. procederam à partilha do acervo hereditário da herança aberta por óbito de HH, tendo sido adjudicado aos RR. EE e marido, FF, o referido prédio, pelo que a Ré GG não tem qualquer interesse directo em contradizer, sendo, assim, parte ilegítima.

Impugnaram alguns dos factos da PI e alegaram que aos AA. não pode ser reconhecida a servidão de aqueduto, por via da usucapião, porque não se verificam os respectivos requisitos.

Mais disseram que os AA. exerciam o seu alegado direito à água de rega da “...”, para o seu prédio, através de um rego existente ao longo da berma do caminho público da ... e através de um rego definitivo que seguia de norte para sul, à margem do prédio de II, até entrar no prédio dos AA.; em 1978 a Junta de Freguesia realizou obras no referido caminho e o rego que ali passava ficou inoperacional; a fim de facilitar a rega do prédio dos AA. e enquanto se realizavam as obras no caminho, os mesmos pediram à mãe da Ré que permitisse fazer um rego na propriedade da mesma, para canalizar a água para o prédio dos AA. (certamente por lapso diz-se RR.), rego esse paralelo ao anterior, a céu aberto, temporário e que seria desfeito logo que esgotasse a sua utilização do momento; sempre que decidiam realizar o rego e antes de o fazerem, os AA. pediam autorização à mãe da Ré, comprometendo-se a desfazê-lo  logo que terminasse aquela utilização; houve anos em que tal rego não foi feito; após o falecimento da mãe da Ré, esta e a irmã comunicaram aos AA. que não permitiriam que realizassem o rego na sua propriedade; por diversas vezes, após o falecimento da mãe da Ré, os AA. foram, durante a noite, abrir o rego sem autorização dos RR.;  em Fevereiro de 2018, o rego, em terra e a céu aberto, tinha desaparecido; os RR. limitaram-se a baixar a rampa existente na entrada, que já existia, de forma a permitir a entrada de tratores; os AA. continuam a receber a água, através do rego que existiu desde sempre.

Alegaram ainda a “extinção da servidão de aqueduto por desnecessidade”, dizendo, neste âmbito, que, ainda que em algum momento tenha existido a necessidade de abrir um rego na propriedade dos RR. para que os AA. pudessem canalizar a água para o seu prédio, tal necessidade desapareceu logo que terminaram as obras realizadas pela Junta de Freguesia no caminho da “...”, altura a partir da qual os AA. podiam e deveriam ter reclamado, perante aquela, a reposição do rego e o “direito de exigir a mudança de servidão de aqueduto” para o extremo oposto à propriedade; a mudança da servidão de aqueduto para outro local seria benéfica para os Réus, pois permitiria manter as alterações a que procederam junto à entrada do seu prédio, de forma a permitir a entrada de tractores para o mesmo e não prejudicaria os interesses dos Autores, pois a água a que alegam ter direito, seria conduzida em iguais condições para o prédio daqueles.

Invocaram que os AA. litigam de má fé.

No final, para além de pedirem a procedência das excepções, com a absolvição da instância e a improcedência da acção, com a absolvição do pedido, pediram também:
“Sem prescindir:
6 – Declarar-se extinta a servidão de aqueduto por desnecessidade, nos termos peticionados nos artigos 105º a 112º da contestação”;
7 – Reconhecer o direito dos Réus à mudança de servidão nos termos descritos nos artigos 113º a 117º da contestação.”

A 01 de Março de 2019 os AA. requereram a junção aos autos de requerimentos de protecção jurídica, apresentados junto do ISS a 26.02.2019., em que:
- na “Finalidade do pedido” está assinalado “Outro” e consignado ”intervir como autora/replicar acção n.º 10/19.... (...)”;
- na “Oportunidade do pedido” está assinalado “Não” relativamente a estas duas questões: “O requerimento é apresentado antes da primeira intervenção processual do requerente”; “Se respondeu não, indique se a situação de insuficiência económica se verificou no decurso do processo”.

Foi ordenada a notificação dos AA. para, querendo, exercerem o contraditório relativamente às excepções invocadas pelos RR.

Os AA. responderam dizendo, em síntese:
- quanto à excepção inominada de omissão de pagamento de taxa de justiça – como se alcança dos comprovativos da concessão aos autores de apoio judiciário,  o mesmo não foi concedido tendo em vista um determinado processo e só para esse, mas para interposição de acção declarativa, pelo que a sua validade se refere a qualquer acção declarativa; ainda que se entendesse que não foi comprovado o apoio judiciário para a presente acção, sempre teriam de aplicar-se, por analogia, os art.ºs 558º e 560º do CPC;
- quanto à alegada excepção dilatória de litispendência – as partes na acção 1196/18.0T8VVD e na presente acção não são as mesmas porque os RR. EE e FF ali foram demandados como proprietários e agora são demandados como co-herdeiros com a co-Ré, que não tinha sido demandada naquela acção; a escritura de partilha é posterior à sua citação na presente acção; é também parcialmente diferente a causa de pedir em ambas as acções, por  serem diferentes e agirem em qualidades diversas os alegados violadores dos direitos que estão em causa;
- quanto à alegada excepção de caso julgado – não ocorrendo repetição de causa, porque não são os mesmos os demandados, quer em si, quer na qualidade em que o são, não há caso julgado; mudando os sujeitos, activos ou passivos, salva a hipótese de sucessão, nunca poderá falar-se do mesmo direito;
- quanto à alegada excepção de ilegitimidade – os AA. sabiam, à data da propositura da acção, que os RR., todos eles, eram co-herdeiros e únicos interessados na herança então indivisa de HH, factos que os RR. EE e FF invocaram para arguir a sua ilegitimidade na acção 1196/18.0T8VVD; o facto de, já na pendência desta acção e de para ela terem sido citados, os RR. terem outorgado a escritura de partilha, não conduz à ilegitimidade da Ré GG, quer porque a legitimidade tem de aferir-se ao início da instância, quer porque lhe são pessoalmente imputados, embora em conjunto e comunhão com os co-réus, factos ofensivos dos direitos dos AA..

A 24/06/2019 deram entrada nos autos ofícios do ISS relativos aos pedidos de APJ/...75/2019 (A. CC), APJ/...65/2019 (A. DD), APJ/...99/2019 (A. AA) e APJ/...96/2019 (A. BB), datados de 18/06/2019, a comunicar que lhes havia sido deferido o pedido de apoio judiciário na modalidade de “Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo”.

Foi proferido despacho a convidar os RR. a “apresentarem nova contestação, sem qualquer outra alteração que não seja a identificação expressa da reconvenção e a indicação do respectivo valor…”

Os RR. apresentaram nova contestação, com reconvenção, integrada pelas questões já referidas da “extinção da servidão de aqueduto por desnecessidade” e “direito de exigir a mudança de servidão de aqueduto”, tendo formulado o seguinte pedido:
“6 – Deve ser julgada procedente por provada a reconvenção e por via dela declarar-se extinta a servidão de aqueduto por desnecessidade, nos termos supra peticionados nos artigos 117º a 126º da contestação”; sem prescindir, se assim não se entender, reconhecer o direito dos Réus à mudança de servidão nos termos descritos nos artigos 127º a 113º deste articulado.”

Os AA. replicaram, impugnando alguns dos factos alegados pelo RR. e alegando que o rego ou aqueduto para condução da água para rega do seu prédio (dos AA.) jamais esteve implantado no caminho público da ..., cujo leito se situa muito abaixo do nível do prédio dos AA., pelo que não pode aí ser reimplantado; a mudança para o extremo oposto do prédio dos RR., implicaria a mudança para o extremo oposto do prédio de II, que não é parte nesta acção e os RR. não alegam  que aquele consinta na mudança; a mudança não permitiria a irrigação de todo o prédio dos AA..

A 25/11/2019 foi proferido despacho que, no que releva:
- julgou extinta, por inutilidade superveniente da lide, a questão relativa à falta de pagamento da taxa de justiça por parte dos AA.”;
- admitiu a reconvenção;
- julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade da Ré GG;
- julgou improcedentes as excepções de litispendência e caso julgado.

A 21/04/2020 deram entrada nos autos ofícios do ISS, relativos aos pedidos de apoio judiciário APJ/...96/2019 (A. BB), APJ/...65/2019 (A. DD), APJ/...99/2019 (A. AA) e APJ/...75/2019 (A. CC), informando que os AA. haviam sido notificados da proposta de cancelamento do pedido de apoio judiciário formulado, por ter sido apresentada impugnação da decisão de deferimento, com fundamento no facto de o pedido ter sido apresentado após a primeira intervenção processual do requerentes.

A 06/10/2020 deram entrada nos autos ofícios do ISS relativos aos pedidos de apoio judiciário APJ/...96/2019 (A. BB), APJ/...65/2019 (A. DD), APJ/...75/2019 (A. CC) e APJ/...99/2019 (A. AA), informando que havia sido cancelado o pedido de apoio judiciário concedido aos AA.

Os AA. deduziram impugnação judicial das referidas decisões, que constituem os apensos A, B, C e D, as quais foram julgadas improcedentes por decisão de 29/04/2021.

A 13/09/2021 os AA. juntaram aos autos o comprovativo do pagamento da taxa de justiça.

A 26/10/2021 foi proferido despacho que decidiu: “com o pagamento tempestivo (porque na sequência da notificação endereçada a 07.09.2021) da taxa de justiça por parte dos autores, a instância se encontra devidamente regularizada.”

Instruídos os autos com a prova pericial e realizado o julgamento, foi proferida sentença cujo dispositivo (já com a rectificação admitida pelo despacho de 07/12/2023) tem o seguinte teor:

“De acordo com o exposto, e de harmonia com os preceitos legais supra citados, julga-se a acção procedente, e consequentemente, decide-se:---
i. Condenar os Réus a reconhecer e respeitar o direito de propriedade dos autores sobre o prédio melhor identificado no ponto 1) dos factos provados;---
ii. Condenar os Réus a reconhecer o direito de servidão de aqueduto a favor desse prédio, onerando o prédio dos réus identificado no ponto dos factos provados, para condução da água de rega da ... através do rego ou aqueduto nos termos e forma descritos nos pontos da factualidade provada, a respeitar esse direito e a nada fazer que o possa diminuir ou por qualquer forma afectar;---
iii. Condenar os Réus a repor imediatamente e no estado anterior o referido rego no troço em que atravessa o prédio onerado e na forma anterior;---
iv. Fixar uma sanção pecuniária compulsória no montante de €100,00 (cem euros) por cada dia de incumprimento da providência ora decretada, a contar do trânsito em julgado da sentença;--
v. Condenar os Réus a pagar aos Autores uma indemnização por perdas e danos, a calcular em sede de liquidação de sentença, para a qual expressamente se remete ao abrigo do art. 609.º, n.º 2 do CPC;---
vi. Absolver os Réus do demais peticionado;---
*
Relativamente à Reconvenção, e de harmonia com os preceitos legais supra citados, julga-se a mesma totalmente improcedente, por não provada, e consequentemente, absolve-se os Autores/ Reconvindos da mesma.---
*
Relativamente ao pedido de condenação em litigância de má-fé, e de harmonia com os preceitos legais supra citados, julga-se o mesmo totalmente improcedente, por não provado, e consequentemente, absolve-se os Autores/ Reconvindos do mesmo.----
*
Custas da acção na proporção do decaimento, fixando-se a proporção em 10% para os primeiros e 90% para os segundos – art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC.---

Custas do incidente de litigância de má-fé deduzido pelos Réus a cargo destes, fixando-se a taxa de justiça pelo mínimo legal – art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC e art. 7.º, n.º 4 e Tabela II (em anexo) do Regulamento das Custas Processuais.---“

Os RR. interpuseram recurso, pedindo seja revogado o despacho saneador e substituído por outro que:
- julgue procedente a excepção dilatória de omissão de pagamento de taxa de justiça;
- caso assim não se entenda, seja substituído por outro que julgue a excepção de litispendência procedente;
- caso assim não se entenda, seja substituído por outro que julgue a excepção de caso julgado procedente.

E, caso assim não se entenda e quanto à sentença, pedindo que seja a mesma revogada e substituída por outra que:
- julgue o pedido reconvencional procedente, nomeadamente mudando a servidão como requerido pelos Réus;
- julgue improcedente a condenação dos RR. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.

Terminaram as suas alegações com as seguintes conclusões:

1 - Os aqui recorrentes não podem se conformar, com o despacho saneador proferido nos presentes autos - que decidiu sobre o mérito da causa quando apreciando as excepções deduzidas pelos Réus, aqui recorrentes as considerou improcedentes concedendo provimento à posição defendida pelos autores/recorridos - porquanto, no seu modesto entendimento, não traduz a mesma uma correcta e integral valoração das provas apresentadas e produzidas nos autos, com influência na aplicação do direito e no desfecho da acção.
2 – De entre as várias excepções deduzidas, os Recorrentes deduziram contra os recorridos a excepção dilatória inominada insuprível de omissão de pagamento da taxa de justiça.
3 - No que a esta excepção diz respeito, o despacho saneador objecto do presente recurso decidiu que “assiste razão aos RR. quando referem que o apoio judiciário é individual em relação a cada processo. Com efeito, como decorre do disposto nos arts. 6.º, n.º 2, e 18.ºda Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o benefício de apoio judiciário é sempre concedido para uma causa concreta e determinada que o requerente pretende instaurar ou na qual pretende intervir [Ac. RP de 10.12.2009, Proc.º n.º 820/08.8TBESP-E.P1, relatora Maria Catarina, www.dgsi.pt], sendo, porém, extensivo a outras acções nos termos previstos nos números 3 e 4 do referido art.º 18.º da Lei n.º 34/2004”; sendo que, “no caso vertente, não existe entre o processo n.º 1196/18.0T8VVD e o presente nenhum dos fundamentos de extensão do benefício de apoio judiciário previstos na lei, pelo que o benefício concedido para aquela primeira acção não poderá ser utilizado para esta”.
4 – Se até aqui recorrentes concordam com tal posição já não concordam com o tribunal recorrido quando este decide que “sucede, porém, que, entretanto, os RR. requereram e obtiveram juntos dos Serviços da Segurança Social novas decisões de deferimento do pedido de apoio judiciário especificamente para a presente acção (fls. 171 a 178), antes de incidir qualquer despacho sobre o assunto.”; concluindo que “a questão perde toda a relevância, extinguindo-se o incidente por inutilidade superveniente”.
5 - Tal não corresponde à verdade, não foi o que aconteceu nos presentes autos.
6 – Assim, os Autores/recorridos instauraram a presente acção no dia 03-01-2019, com a referência ...25, via citius, juntando a respectiva petição inicial, bem como 4 decisões de concessão de apoio judiciário – APJ/...19/2018 de 24/08/2018, APJ/...93/2018 de 24/08/2018, APJ/...75/2018 de 24/08/2018 e APJ/...68/2018 de 24/08/2018 - como documentos nºs ..., ...0, ...1 e ...2.
7 - As referidas decisões de apoio judiciário foram utilizadas no âmbito da acção judicial, também como docs. ... a ...2 - no processo 1196/18.0T8VVD - intentada pelos autores contra os aqui Ré EE e FF, utilizando as referidas decisões de apoio judiciário, em ambos os referidos processos, encontrando-se ambos, na altura da respectiva junção, pendentes.
8 - Da Lei do Apoio Judiciário, designadamente da conjugação dos arts. 16º, nº1 a) e 18º, resulta que o pedido de apoio judiciário é individual em relação a cada processo (cf., por ex., Ac RP de 10/12/2009 (proc. nº 820/08.8TBESP), Ac RC de 24/5/2011 (proc. nº 649/09.6T2AVR ), em www dgsi.pt ).
9 - Ora, a acção proposta nos termos do art. 279 do CPC é uma “nova acção”, como expressamente se afirma no texto legal, sendo, por definição autónoma, pelo que se impõe a distribuição, não correndo por apenso, nem por incorporação na acção extinta, logo não tem aqui aplicação a regra do art. 206, nº2 do CPC (neste sentido, Ac RL de 21/11/2006 (proc. nº 5701/2006 ), em www dgsi.pt).
10 - Conforme estatui o art. 18º, nº4 da Lei 34/2004 de 29/7 – “O apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal quando concedido em qualquer apenso”.
11 - O que não sucede no presente caso, uma vez que, estamos perante nova acção e, questionando se o direito supra exposto foi violado pelos recorridos, o tribunal recorrido teria necessariamente de concluir pela afirmativa pois, efectivamente, os recorridos utilizaram a mesma decisão de concessão de apoio judiciário em duas acções, em altura em que estavam ambas pendentes, de forma que, deveria, desde logo, o tribunal recorrido ter decidido pela procedência da excepção deduzida.
12 - Nos termos do disposto no nº3 do artigo 552º do CPC, o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.
13 - Ou seja, os recorridos deveriam ter junto com a petição inicial as novas decisões de concessão de apoio judiciário e não os requerimentos para tal concessão e, não o tendo feito, conforme dispõe a al. f) do artigo 558º do CPC, a secretaria deveria recusar o recebimento da petição inicial, uma vez que não foi comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça devida.
14 - A concordar-se com a posição do tribunal recorrido estaríamos a admitir que qualquer acção pode ser instaurada apenas com junção de um requerimento pedido de concessão de apoio judiciário, sendo certo que nunca foi essa a intenção subjacente à lei.
15 - Diz o tribunal recorrido que, “os RR.” - devendo pretende dizer os Autores – “requereram e obtiveram junto dos Serviços da Segurança Social novas decisões de deferimento do pedido de apoio judiciário especificamente para a presente acção (fls. 171 a 178), antes de incidir qualquer despacho sobre o assunto.”
16 - Também não é correcta tal interpretação, pois os Autores instauraram a petição inicial em 03/01/2019 e em 09/01/2019 foi ordenada a citação dos Réus, admitida a contestação deduzida pelos recorrentes em 13/02/2019, sendo que, apenas em 01/03/2019, os recorridos juntam aos autos requerimentos de pedido de concessão de apoio judiciário – formulados junto da segurança social em 26/02/2019 e as respectivas decisões de concessão são juntas em 24/06/2019.
17 - Cerca de 6 meses após a data de entrada da petição inicial e após vários despachos proferidos designadamente com data de elaboração, no citius, em 14/03/2019 e 23/05/2019.
18 – Por outro lado, nos requerimentos de pedido de concessão de apoio judiciário juntos aos autos, em 01/03/2019, os Autores mencionam que “o requerimento não é apresentado antes da primeira intervenção processual dos requerentes”, o que, de forma evidente e manifesta é falso, uma vez que a primeira intervenção processual foi com a apresentação da petição inicial.
19 - Numa mera hipótese académica se refere que, os Autores poderiam, após a primeira intervenção processual – que se consubstancia com a apresentação da P.I. e respectivo pagamento de taxa de justiça, mas só após este pagamento – requerer a concessão de apoio judiciário se a situação de insuficiência económica se verificasse no decurso do processo, o que, os Autores, nos seus requerimentos de concessão de apoio judiciário, expressamente afirmam que não se alterou.
20 - Pelas razões supra elencadas o tribunal recorrido deveria ter decidido pela procedência da excepção, absolvendo os Réus/recorrentes da instância e ao o decidir da forma como decidiu o tribunal “a quo” fez uma incorrecta aplicação do direito, violando o disposto nos arts. 6.º, n.º 2 e 18.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, artigo 279º, nº 3 do artigo 552º e al. f) do artigo 558º, todos do CPC.
Sem prescindir,
21 - Os Recorrentes deduziram contra os recorridos a excepção dilatória de litispendência e de caso julgado sendo que no que a estas excepções diz respeito, o despacho saneador objecto do presente recurso decidiu que “São os mesmos os autores na presente acção e no processo n.º 1196/18.0T8VVD; são réus na presente acção EE, FF e GG, enquanto no processo n.º 1196/18.0T8VVD são réus EE e FF”; que, “É igual o pedido formulado na presente acção e no processo n.º 1196/18.0T8VVD”; que, “É idêntica a causa de pedir nas duas acções, distinguindo-se apenas quanto à qualidade em que são demandados os réus: como donos e legítimos possuidores, em comunhão hereditária, do prédio descrito no art.º 18.º da p.i., na presente acção; e como donos e legítimos possuidores, em comunhão hereditária, do prédio descrito no art.º 18.º da p.i., no processo n.º 1196/18.0T8VVD”; que, “os réus são demandados em qualidades jurídicas distintas, é manifesto não haver identidade jurídica de sujeitos em ambas as causas”; concluindo que pela improcedência da alegada excepção.
22 - Com tal posição não podem os aqui recorrentes concordar, desde já, porque as petições iniciais que originaram as referidas acções são cópia integral uma da outra.
23 - Não correspondendo à verdade que os Réus tenham sido demandados em qualidades jurídicas distintas.
24 - Na data em que a presente acção foi instaurada - em 03/01/2019 - corria termos no mesmo Tribunal, o processo Nº1196/18.0T8VVD – acção declarativa comum – em que eram partes, os Autores e os aqui Réus EE e marido FF, uma vez que, o requerimento de desistência do pedido apresentado pelos Autores naquela acção transitou em julgado em 13/02/2019 – cfr certidão junta pelos RR/recorrentes. Com o requerimento ref.ª ...42.
25 - A causa de pedir, o pedido, o objeto e as partes são os mesmos quer na presente acção quer na que corre termos no referido processo 1196/18.0T8VVD, conforme doc.... que se encontra junto aos autos principais, uma vez que, numa e noutra causa se pretendia obter o mesmo efeito jurídico, conforme o supra referido doc.... que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
26 - A pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, conforme o supra referido doc..... e as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, conforme doc.... e ... se encontram juntos aos autos e aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
25 – Assim, por escritura pública, celebrada em 01/02/2019, os Réus/recorrentes procederam à partilha do acervo hereditário da herança aberta por óbito de HH, tendo sido adjudicado o prédio objecto dos presentes autos, aos aqui Réus, EE e marido FF – cfr doc.... junto aos autos - nada mais nada menos, que os Réus da acção, na altura, ainda pendente - processo 1196/18.0T8VVD.
26 - Sempre se dirá que, como decorre desde logo da própria letra da lei que a qualidade jurídica da parte é o critério decisivo a atender para efeitos de aferição da existência – entre acções - de identidade de sujeitos, o que equivale a dizer que, para tanto, é de todo irrelevante v.g. estar-se, ou não, na presença das mesmas pessoas (singulares/colectivas), em termos físicos ou em sede de denominação jurídica.
27 - Ou seja, existirá identidade de sujeitos, como ensinava José Alberto dos Reis, quando as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico, isto é, sejam elas portadoras do mesmo interesse substancial, e isto porque, acrescenta ainda, “O que conta, pois, para o efeito da identidade jurídica, é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial (…)”.
28 - Tal entendimento, de resto, é aquele que vem sendo seguido de uma forma unânime pelo nosso mais Alto Tribunal, ou seja, para se “averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a critérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte concretamente actuou e actua no processo”.
29 - Pelo que, a causa repete-se estando a anterior ainda em curso, pois quer na data em que a presente acção é instaurada quer na data em que os aqui Réus são citados para contestar ainda se encontrava pendente a outra acção, colocando-se o tribunal na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
30 - Refere o Tribunal recorrido que, “no caso concreto, os RR. invocam indiscriminadamente as duas excepções, não indicando se a decisão homologatória da desistência do pedido formulada no primeiro processo, com o n.º 1196/18.0T8VVD, já transitou em julgado ou não. De acordo com a certidão junta pelos RR. com o requerimento ref.ª ...42, a referida sentença homologatória transitou em 13.02.2019, pelo que não se verifica já uma eventual situação de litispendência”.
31 - Tal posição não traduz uma correcta avaliação dos factos ou aplicação do direito pois como supra referido, os recorrentes deduzem a excepção da litispendência aquando da sua contestação, deduzida em 13/02/2019, precisamente na data em que transitou em julgado a sentença homologatória junta à outra acção.
32 - No entanto, salvo melhor entendimento, a data relevante para aferir da existência da litispendência é a data da entrada da acção – 03/01/2019 - ou a data da citação dos Réus – data em que se estabiliza a instância como refere o tribunal a quo, nos termos do artigo 260º e 259º do CPC – em 09/01/2019, sendo que, em qualquer uma das referidas datas ainda se encontrava pendente a outra acção.
33 - A litispendência é de conhecimento oficioso, pelo que, o tribunal recorrido deveria ter julgado procedente a excepção dilatória de litispendência de acção, invocada pelos recorrentes, tal como decorre do artigo 580, nºs 1 e 2 do CPC. E, em consequência, nos termos do disposto na al. e) do artigo 278º e al. i) do artigo 577º, ambos do CPC, serem os Réus/recorrentes absolvidos da instância.
34 - Ao decidir de forma diferente o tribunal a quo violou os supra referidos preceitos legais.
Sem prescindir,
35 - Caso se entendesse não verificada a excepção da litispendência, sempre o tribunal recorrido deveria ter considerado verificada a excepção de caso julgado, invocada pelos recorrentes.
36 – Uma vez que, por requerimento, junto ao processo nº 1196/18.0T8VVD, os Autores, desistiram do respectivo pedido.
37 - Em consequência, naqueles autos, em 11-01-2019, foi proferida sentença com o seguinte conteúdo: “Nos presentes autos de acção declarativa comum em que são Autores AA, BB, CC e DD e são Réus EE e FF, atenta a natureza disponível do seu objecto e a capacidade e legitimidade das partes, julgo válida a desistência do pedido constante de fls. 45 e homologo a mesma, por sentença, julgando extinto o direito que nestes autos se pretendia fazer valer.
*
Custas pelos Autores, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido, nos termos do art.º 537.º, n.º 1, do Código de Processo Civil”.
38 - De forma que, está extinto o direito que os Autores/recorridos se faziam valer naqueles autos e considerando que aquele direito é o mesmo direito de que os mesmos Autores/recorridos se fazem valer nos presentes autos, estamos perante uma situação de caso julgado material.
39 - Pois, decidindo do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele quando se verifique a instauração de nova acção com a tríplice identidade conforme supra alegado - o que acontece no caso concreto.
40 - O tribunal a quo deveria ter julgado procedente excepção dilatória de caso julgado material invocada, nos artigos 580º e 581º do CPC e em consequência, nos termos do disposto no artigo 580º, 581º, nº1, al. e) do artigo 278º e al. i) do artigo 577º, ambos do CPC, serem os Réus absolvidos da instância, sendo que, ao decidir de forma diferente o tribunal recorrido violou os suprarreferidos preceitos legais.
41º- Não podem igualmente os Recorrentes concordar com sentença proferida pelo Tribunal a quo, pois que no seu modesto entendimento, faz uma interpretação errada da prova produzida e careada para os presentes autos.
42º O Tribunal a quo, deveria oficiosamente reconhecer das exceções invocadas pelos Réus, contudo preferiu relegar para este Tribunal a decisão dos mesmos.
43º Pois se tivesse desde logo reconhecido as exceções, não teria havido a necessidade de fazer julgamento.
44º O Tribunal a quo andou mal quando considerou provado o facto nº 5, pois que na data em que se deva ter reconhecido proposta a acção, já o prédio pertencia aos Recorrentes EE e marido, não sendo bem em comunhão hereditária dos Réus.
45º Pois se assim, tivesse feito, em consequência dos Autores terem desistido do pedido contra os Réus Recorrentes formulado, já não havia necessidade de se fazer julgamento.
46º Não pode o Tribunal a quo dar como facto provado o descrito no ponto 17 dos factos provados, na medida em que a prova testemunhal bem como relatório emitido pelo perito nomeado na medida em que tal rego nunca foi permanentemente cavado no solo do terreno do prédio dos Réus, bem como não tem o seu assento com cerca de quarenta centímetros de largura e cerca de trinta a trinta e cinco centímetros de profundidade, não sendo, este permanente, nem visível e muito menos jamais desfeito, desembocando, sinalizado de forma visível e permanente, no dos autores.
47º A convicção do Tribunal Recorrido quanto à matéria de facto provada assentou na análise crítica e ponderada de toda a prova produzida e contraditada na audiência final, em articulação com os elementos documentais e periciais carreados para os autos.
48º Erroneamente o Tribunal Recorrido analisou quer a prova documental quer a prova testemunhal, tendo-se baseado essencialmente no relatório emitido pelo perito nomeado.
49º- Extrai-se do depoimento do perito nomeado, que o mesmo se apresenta completamente contrário ao que o mesmo perito escreveu no relatório, e cujo as fotos ilustram de forma bem diversa.
50º-O Tribunal Recorrido deveria ter descredibilizado totalmente os esclarecimentos prestados em julgamento pelo mesmo, esclarecimentos esses que se mostraram verdadeiramente tendenciosos.
51º- Não restariam dúvidas ao Tribunal recorrido, que o relatório escrito pelo Perito é completamente contrário, não mostrando aquele perito qualquer credibilidade.
56º- Deveria o Tribunal Recorrido ter dado como não provado os factos descritos com base na prova pericial levada a cabo ainda durante a instrução do processo, cujo relatório pericial se encontra junto aos autos a fls. 272-275, a que acrescem os aditamentos de fls. 294 e 298 (na sequência das reclamações apresentadas), conjugada com os esclarecimentos prestados na audiência final pelo perito subscritor, Dr. JJ, permitiram aferir com clareza diversos aspectos relacionados com a descrição/ caracterização do local, encaminhamento/ condução/ represa das águas e sua finalidade, e ainda acerca das obras levadas a cabo pelos réus no ano de 2018 .
57º- Igualmente o Tribunal Recorrido, não se mostrou em nada corroborada a factualidade descrita na petição inicial, sendo que, aquando da inspecção ao local realizada no início da audiência.
58º- Refere o Tribunal ter uma percepção directa do local objecto do litígio, e confirmar a realidade demonstrada nos termos descritos, sendo que o que o Tribunal constatou, foi de que era possível fazer chegar a água ao prédio dos Autoras, tanto assim é, que saiu da diligencia de inspeção ao local, com a convicção de que aquela seria a solução justa e adequada, razão pela qual propôs um acordo, solicitando ao Perito um orçamento para a realização de tal obra, suspendendo a instância.
59º-Pelo que jamais o Tribunal Recorrido poderia ter dado como provados os factos 13), 14), 15), 16), 17), 20), 21), 22) e 23), devendo sim ter dado tais factos como não provados.
60º- Entendeu o Tribunal Recorrido, que os Réus não logram fazer prova da desnecessidade da extinção da servidão, nem da mudança do curso da água
61º- Assim não entendem os Réus, pois que, quer pela inspeção ao local, e por sugestão do Tribunal Recorrido, se requereu um orçamento tendo em vista que tal alteração se mostrava necessária, uma vez que a reposição do rego, seria sempre a forma mais dispendiosa.
62º- O Tribunal Recorrido, ao não considerar procedente o pedido de mudança de servidão, não acautelou os direitos de acesso ao prédio dos Réus, que por força da sentença, correm o risco de não conseguir aceder ao prédio dos mesmos, tendo em conta as características do terreno.
63º- Ao decidir da forma como decidiu errou na forma da apreciação da prova, deveria ter dado como provado a necessidade da mudança da servidão, pois que seria sempre a forma como causaria aos Réus o menor prejuízo, satisfazendo as necessidades dos Autores caso assim fosse a prova produzida.
Sem prescindir
64º- Poderia e deveria o Tribunal recorrido, ter ordenado a mudança da servidão, pois que o resultado alcançado com tal decisão seria o chegar da água ao prédio dos Autores, e se assim o entendesse, imputar aos Réus o pagamento desses trabalhos a executar.
65º- Andou mal o Tribunal a quo, quando condenou os Réus a pagarem aos Autores uma sanção. A prestação do facto é fungível quando pode ser realizada por pessoa diferente do devedor, sem que daí resulte prejudicado o interesse do credor (artº. 767º, nº. 1 do C.C.).
66º- Se é certo que uma prestação de facto negativo, quer seja de non facere, quer de pati (suportar que o credor pratique certos atos, como um direito de passagem), são, em regra, prestações infungíveis (porquanto só o próprio devedor se pode abster de determinada conduta ou só ele pode tolerar uma determinada conduta do credor), tal não ocorre quando a violação da obrigação negativa consistir na construção de uma obra, porquanto esta pode ser demolida, convertendo-se, então, numa prestação fungível.

Os AA. contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso......

2. Questões a apreciar

O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC), sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139).

Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida.

As questões que cumpre apreciar são:
- deve ser julgada procedente a excepção dilatória de omissão de pagamento de taxa de justiça?
- caso assim não se entenda, deve ser julgada procedente a excepção de litispendência?
- caso assim não se entenda, deve ser julgada procedente a excepção de caso julgado?
- deve ser reapreciada a decisão de facto?
- e caso deva ser reapreciada, deve ser julgada procedente, nos termos pretendidos pelos recorrentes?
- deve ser julgado improcedente o pedido de condenação dos RR. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória?
- deve ser julgado procedente o pedido reconvencional nomeadamente, mudando a servidão?

3. Das decisões proferidas no despacho saneador
3.1. Da falta de pagamento de taxa de justiça
3.1.1. Fundamentação de facto

Impõe-se aqui estabelecer as ocorrências processuais relevantes e que são:

i. Os aqui AA. intentaram no Juízo Local Cível de ... - Tribunal Judicial da Comarca de Braga, contra os aqui RR. BB e FF, uma acção declarativa de condenação que correu termos sob o n.º 1196/18.0T8VVD.
ii. Com a petição inicial os AA. juntaram quatro ofícios do Instituto de Segurança Social, todos eles datados de 24/08/2018, relativos aos pedidos de APJ com os números APJ/...19/2018 (A. AA), APJ/...93/2018 (A. BB), APJ/...75/2018 (A. CC) e APJ/...68/2018) (A. DD), em que aquele notifica os AA. do deferimento do pedido de apoio judiciário na modalidade de “Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo”, tendo em vista “Acção declarativa”.
iii. Na presente acção, os AA. juntaram cópia dos ofícios referidos no ponto anterior.
iv. Os RR. contestaram, invocando a “excepção dilatória de omissão de pagamento de taxa de justiça”, alegando o que consta dos pontos anteriores.
v. Por requerimento de 01 de Março de 2019 os AA. requereram a junção aos autos de requerimentos de protecção jurídica, apresentados juntos do ISS a 26.02.2019..
vi. A 24/06/2019 deram entrada nos autos ofícios do ISS relativos aos pedidos de APJ/...75/2019 (A. CC), APJ/...65/2019 (A. DD), APJ/...99/2019 (A. AA) e APJ/...96/2019 (A. BB), a comunicar que lhes havia sido deferido o pedido de apoio judiciário na modalidade de “Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo”.
vii. A 21/04/2020 deram entrada nos autos ofícios dos ISS relativos aos pedidos de apoio judiciário APJ/...96/2019 (A. BB), APJ/...65/2019 (A. DD), APJ/...99/2019 (A. AA) e APJ/...75/2019 (A. CC), informando que os AA. haviam sido notificados da proposta de cancelamento do pedido de apoio judiciário formulado, por ter sido apresentada impugnação da decisão de deferimento, com fundamento no facto de o pedido ter sido apresentado após a primeira intervenção processual do requerentes.
viii. A 06/10/2020 deram entrada nos autos ofícios dos ISS relativos aos pedidos de apoio judiciário APJ/...96/2019 (A. BB), APJ/...65/2019 (A. DD), APJ/...75/2019 (A. CC) e APJ/...99/2019 (A. AA), informando que havia sido cancelado o pedido de apoio judiciário concedido aos AA..
ix. Os AA. deduziram impugnação judicial das referidas decisões, que constituem os apensos A, B, C e D, as quais foram julgadas improcedentes por decisão de 29/04/2021.
x. A 13/09/2021 os AA. juntaram aos autos o comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
xi. A 26/10/2021 foi proferido despacho que decidiu: “com o pagamento tempestivo (porque na sequência da notificação endereçada a 07.09.2021) da taxa de justiça por parte dos autores, a instância se encontra devidamente regularizada.”

3.1.2. Enquadramento jurídico

Dispõe o art.º 6º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Junho, comumente designada Lei do Apoio Judiciário, que a protecção jurídica reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário e este último, por sua vez, compreende as modalidades referidas no n.º 1 do art.º 16º.

Por sua vez, o n.º 2 do art.º 6º dispõe que a protecção jurídica é concedida para questões ou causas judiciais concretas ou susceptíveis de concretização em que o utente tenha um interesse próprio e que versem sobre direitos directamente lesados ou ameaçados de lesão.

Por isso e no ponto 4.2.1. do Requerimento de protecção jurídica, o requerente há-de indicar a “Finalidade do pedido”, a qual tem três modalidades: “Propor ação judicial – tipo de ação “; “Contestar ação”; “Outro”.

O n.º 2 do art.º 6º, ao dispor que “a protecção jurídica é concedida para questões ou causas judiciais concretas ou susceptíveis de concretização”, significa que a protecção jurídica e, nomeadamente o apoio judiciário, é concedido tendo em vista uma finalidade determinada, nomeadamente para propor ou contestar uma determinada acção e, por isso, vale, apenas, para essa finalidade.

Uma vez proposta a acção ou contestada a acção, para a qual o apoio judiciário foi concedido, esgota-se essa finalidade, não sendo, por isso, possível aquele benefício ser utilizado para propor outra ou outras acções ou contestar outra ou outras acções.

Por outro lado, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 16º da LAJ, o apoio judiciário compreende as seguintes modalidades: a) Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

E nos termos do n.º 4 do art.º 18º, o apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso e, nos termos do n.º 5, mantém-se ainda para as execuções fundadas em sentença proferida em processo em que essa concessão se tenha verificado.

Os n.ºs 6 e 7 do art.º 18º preveem ainda duas outras situações em que o apoio judiciário se mantêm: caso seja declarada a incompetência do tribunal e caso seja desapensado o processo a que se estendeu o beneficio do apoio judiciário concedido no processo principal.

Também destes normativos decorre que a concessão de apoio judiciário para instaurar ou contestar uma determinada acção declarativa, vale, apenas, para essa concreta causa e seus apensos ou sendo concedido para instaurar ou contestar um determinado procedimento cautelar, vale para o processo principal (no sentido de tudo o exposto, o Ac. da RP de 10/12/2009, processo 820/08.8TBESP-E.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc)

À contrario sensu decorre de tudo o exposto que para propor ou contestar uma outra e nova acção, será necessário submeter um novo pedido de apoio judiciário.

3.1.3. Em concreto

Dispõe o n.º 1 do art.º 145º do CPC que, quando a prática de um ato processual exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser comprovado o seu prévio pagamento ou a concessão do benefício do apoio judiciário, salvo se, neste último caso, essa concessão já se encontrar comprovada nos autos.

Nos termos do art.º 552º, n.º 7 do CPC o autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º

Na situação dos autos os AA. intentaram a presente acção sem comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça, antes utilizando os ofícios de concessão de apoio judiciário que já haviam utilizado no processo 1196/18.0T8VVD.

Face ao que já ficou exposto no enquadramento jurídico supra, tal não podia ter acontecido, pois havia-se esgotado a finalidade para que aquele beneficio tinha sido concedido, pelo que o mesmo não pode produzir os seus efeitos típicos: substituir a junção do comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida.

Mas, entretanto, já depois da contestação, os AA., por requerimento de 01 de Março de 2019 juntaram aos autos requerimentos de protecção jurídica, apresentados junto do ISS a 26.02.2019., em que:
- na “Finalidade do pedido” está assinalado “Outro” e consignado” intervir como autora/replicar acção n.º 10/19.... (...)”;
- na “Oportunidades do pedido” está assinalado “Não” relativamente a estas duas questões: “O requerimento é apresentado antes da primeira intervenção processual do requerente”; “Se respondeu não, indique se a situação de insuficiência económica se verificou no decurso do processo”.

E a 24/06/2019 deram entrada nos autos ofícios do ISS relativos aos pedidos de APJ/...75/2019 (A. CC), APJ/...65/2019 (A. DD), APJ/...99/2019 (A. AA) e APJ/...96/2019 (A. BB), a comunicar que lhes havia sido deferido o pedido de apoio judiciário na modalidade de “Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo”.

No domínio da Lei n.º 30-E/2000, de 20/12, no seu art.º 17º, n.º 1 dispunha-se que o apoio judiciário pode ser requerido em qualquer estado da causa.

E, por isso, colocava-se então a questão de saber “que actos deviam ser abrangidos pelo apoio judiciário quando este era requerido em fase já avançada do processo, tendo a jurisprudência respondido a tal questão no sentido de se entender que o apoio judiciário só operava para o futuro, ou seja, apenas e só a partir do momento em que tinha sido requerido.” (cfr. Ac. desta RG de 04/10/2018, processo 5503/17.T8BRG.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg).

Nos termos do n.º 2 do art.º 18º da LAJ em vigor, o apoio judiciário deve ser requerido antes da primeira intervenção processual, salvo se a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser requerido antes da primeira intervenção processual que ocorra após o conhecimento da situação de insuficiência económica.

Ou seja: a Lei 34/04, de 29/07 estabeleceu limites temporais para a apresentação do pedido de apoio judiciário.

Importa, no entanto, considerar o disposto no n.º 1 do art.º 20º da LAJ: A decisão sobre a concessão de protecção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente.

Decorre deste normativo que é da exclusiva competência do ISS, a apreciação da oportunidade e atendibilidade de requerimento de apoio judiciário apresentado na pendência de ações judiciais e, designadamente, os formulados depois da primeira intervenção processual do requerente (cfr. Ac. desta RG de 15/02/2018, processo 977/15.1T8VRL.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg).

Sendo assim, salvo o caso de ser deduzida impugnação judicial do deferimento do pedido de apoio judiciário apresentado na pendência da causa, depois da primeira intervenção processual do requerente, o tribunal não poderá colocar em crise a decisão administrativa de deferimento.

Mas se, ressalvado o caso de ser deduzida impugnação da decisão, o tribunal não pode pronunciar-se quanto à mesma, isso não obsta a que o tribunal se pronuncie quanto ao seu alcance, quanto aos seus efeitos no âmbito processual, na medida em que é matéria que não integra o âmbito decisório do ISS, que se limita a deferir ou a indeferir.

Assim tem sido entendido pela jurisprudência, considerando que o deferimento do apoio judiciário na pendência da causa  só pode operar quanto aos actos praticados ou termos posteriores à formulação do respectivo pedido e apenas pode reflectir-se na intervenção processual que venha a ocorrer depois de solicitado tal beneficio (cfr. Ac. da RL de 22/11/2016, processo 6989/13.2TBALM-B.L1-7, consultável in www.dgsi.pt/jtrl, da RE de 12/06/2019, processo 38/16.6T8OLH.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre e da RP de 27/1172023, processo 679/22.2T8MTS-A.P1, consultável in www.dgsi.pt/jtrp), ou seja, o apoio judiciário deferido na pendência da causa, apenas produz efeitos para o futuro, apenas vale para os actos posteriores ao seu deferimento, não tendo efeito retroactivo.

E a razão para tal é simples: a insuficiência económica é aferida à data em que foi apresentado o pedido.

Tendo os AA. requerido apoio judiciário para os presentes autos já depois da contestação, tendo sido comunicado o seu deferimento por ofícios de 18/06/2019, entrados nos autos a 24/06/2019, não podendo tal decisão administrativa ser colocada em crise pelo tribunal, há-de entender-se, à luz do disposto no art.º 18º, n.º 2 da LAJ, que aquele beneficio só vigora para o futuro, não abrangendo, no caso concreto, a obrigação de pagamento da taxa de justiça devida pela interposição da acção.

Tendo em consideração que esta acção foi interposta sem prévio pagamento da taxa de justiça, invocando-se o apoio judiciário já utilizado para interpor o processo 1196/18.0T8VVD, o que não podia ter acontecido, pois havia-se esgotado a finalidade para que aquele tinha sido concedido, pelo que o mesmo não pode produzir os seus efeitos típicos - substituir a junção do comprovativo do prévio da taxa de justiça devida - e que o benefício do apoio judiciário concedido para esta acção a 24/06/2019 só produz efeitos para o futuro, não abrangendo, portanto, a taxa de justiça devida pela sua interposição, a situação é de omissão do pagamento da taxa de justiça devida pela propositura da acção.

Importa saber, então, qual a consequência disso, tendo em consideração que a situação só se revela já após a apresentação da contestação.

Porque se trata de uma situação manifestamente irregular, a lei não dá resposta para a mesma, a qual tem de ser encontrada pelo intérprete-aplicador do Direito.

Como dá nota Salvador da Costa, in As Custas Processuais, 6ª edição, 2017, pág. 61-62, têm sido diversas as respostas à questão: desentranhamento da petição inicial e declaração de extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide; absolvição do réu da instância por verificação de excepção dilatória inominada; notificação do A. para juntar, em 10 dias, documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, com a cominação de desentranhamento da petição inicial ou ficando os autos a aguardar a junção sem prejuízo do disposto no art.º 281º n.º 1 do CPC.

O autor citado critica todas as referidas soluções, com excepção da última.

Não cabe aqui discutir as diversas soluções, mas encontrar a mais adequada e justificada, face aos dados legais.

E a mais adequada é a última: notificação do A. para proceder ao pagamento da taxa de justiça inicial no prazo de 10 dias, com a cominação de, não o fazendo, os autos ficarem a aguardar a junção sem prejuízo do disposto no art.º 281º n.º 1 do CPC.

E isto, essencialmente, por duas razões (que são, também, as que nos levam a afastar as restantes soluções).

A primeira radica no princípio da prevalência da substância sobre a forma, ou seja, deve procurar-se que o processo dê uma resposta de mérito, em vez de uma decisão meramente processual, na medida em que o processo civil não é um fim em si mesmo, mas destina-se à tutela de situações subjetivas.
Neste sentido afirmam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, 2ª edição, anotação 7 ao art.º 145º, pág. 185:
“Pode dizer-se que as exigências consagradas na lei acerca da comprovação do pagamento da taxa de justiça devida pela prática de actos processuais são acompanhadas de mecanismos tendentes a evitar automatismos cominatórios que ponham em causa o direito material.”

A segunda radica no principio da economia processual que, como ensinava Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1993, pag. 387, consiste em “deve[r] procurar-se o máximo resultado processual com o mínimo emprego de actividade, o máximo rendimento com o mínimo custo”.

A terceira radica no disposto no n.º 1 do art.º 6º do CPC, segundo o qual cumpre ao juiz (…) dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção (…), e no n.º 2 do mesmo normativo, de acordo com o qual o  juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.

No caso verifica-se que os RR. foram citados, contestaram, os autos tiveram outros desenvolvimentos e estavam em condições de ser proferido despacho saneador.

Neste circunstancialismo, outra solução que não fosse a de dar oportunidade aos AA. de regularizar a instância, comprovando o pagamento da taxa de justiça devida, seria fazer prevalecer a forma sobre a substância e colocar em causa o princípio da economia processual.

Seria, assim, caso de ordenar a notificação dos AA. para em 10 dias juntarem documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, com a cominação de ficarem os autos a aguardar a junção sem prejuízo do disposto no art.º 281º n.º 1 do CPC.

Desta solução decorre que:
- a decisão recorrida, que considerou que, em função do deferimento do pedido de apoio judiciário para os autos, a questão perdeu relevância, extinguindo-se o incidente por inutilidade superveniente da lide, não se poderia manter, devendo ser substituída por outra que ordenasse aquela notificação;
- a pretensão dos recorrentes, de serem absolvidos da instância, é manifestamente improcedente.

Mas os autos tiveram desenvolvimentos nesta matéria, pelo que importa verificar se à luz dos mesmos e neste momento, ainda faz algum sentido ordenar a referida notificação.

Podemos desde já adiantar que a resposta é negativa.

Assim verifica-se que:
- A 21/04/2020 deram entrada nos autos ofícios do ISS relativos aos pedidos de apoio judiciário APJ/...96/2019 (A. BB), APJ/...65/2019 (A. DD), APJ/...99/2019 (A. AA) e APJ/...75/2019 (A. CC), informando que os AA. haviam sido notificados da proposta de cancelamento do pedido de apoio judiciário formulado, por ter sido apresentada impugnação da decisão de deferimento, com fundamento no facto de o pedido ter sido apresentado após a primeira intervenção processual do requerentes.
- A 06/10/2020 deram entrada nos autos ofícios do ISS relativos aos pedidos de apoio judiciário APJ/...96/2019 (A. BB), APJ/...65/2019 (A. DD), APJ/...75/2019 (A. CC) e APJ/...99/2019 (A. AA), informando que havia sido cancelado o pedido de apoio judiciário concedido aos AA.
- Os AA. deduziram impugnação judicial das referidas decisões, que constituem os apensos A, B, C e D, as quais foram julgadas improcedentes por decisão de 29/04/2021.
- A 13/09/2021 os AA. juntaram aos autos o comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
- A 26/10/2021 foi proferido despacho que decidiu: “com o pagamento tempestivo (porque na sequência da notificação endereçada a 07.09.2021) da taxa de justiça por parte dos autores, a instância se encontra devidamente regularizada.”

Tendo os AA. junto aos autos o comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial e tendo, em função disso, sido considerado, por despacho de 26/10/2021, que a instância se encontra devidamente regularizada, despacho esse não impugnado e transitado em julgado, constituindo, assim, caso julgado formal, a eventual necessidade de ordenar a notificação dos AA. para em 10 dias juntar documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça, com a cominação de os autos ficarem a aguardar a junção, sem prejuízo do disposto no art.º 281º n.º 1 do CPC, perdeu qualquer sentido, encontrando-se prejudicada.

E assim, ainda que por outras razões, impõe-se julgar improcedente o recurso na parte em que se pretendia fosse julgada procedente a excepção dilatória de omissão de pagamento de taxa de justiça.

4. Das excepções de litispendência e caso julgado
4.1. Factualidade relevante

a) A 07/11/2018 AA, BB, CC e, mulher, DD intentaram no Juízo Local Cível de ... – Tribunal Judicial da Comarca de Braga, acção declarativa de condenação contra EE e marido, FF, pedindo que fossem os RR. condenados a:
A. A reconhecer e respeitar o direito de propriedade dos autores sobre o prédio identificado no art. 1º da petição inicial;
B. A reconhecer o direito de servidão de aqueduto a favor desse prédio dos AA. e onerando o prédio dos réus identificado no art. 18º da petição inicial, para condução da água de rega da ... através do rego ou aqueduto acima descrito e na forma indicada, a respeitar esse direito e a nada fazer que o possa diminuir ou por qualquer forma afectar;
C. A repor imediatamente e no estado anterior o referido rego no troço em que atravessa o prédio onerado e na forma anterior;
D. A pagar sanção compulsória de quantia não inferior a duzentos euros por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reposição do leito do caminho aqui em causa;
E. A pagar aos autores uma indemnização de perdas e danos a fixar nos termos do disposto no n.º 2 do art. 609.º do Código de Processo Civil (CPC).
b) Alegaram para tanto e em síntese que
- são, em comunhão hereditária, donos e legítimos possuidores de um prédio rústico denominado “...” ou “...”, que descrevem, que adquiriram por usucapião e cuja aquisição registaram na CRPredial ...;
- os RR., por sua vez, são donos e legítimos possuidores de um prédio rústico denominado “Campo ...”;
- os AA. têm direito à água da “...”, para rega do prédio denominado ...” ou “...”, no período da rega que se inicia no primeiro domingo após o dia de ... de cada ano e termina no dia 8 de Setembro de cada ano, de 15 em 15 dias, segundo o giro, acordado e praticado pelos respectivos consortes, tapando a poça às 9 horas da tarde de domingo, sendo o seu direito à água até às 9 horas da manhã de segunda-feira;
- exercem esse direito à água, por si e legítimos antecessores, há mais de 20 e trinta anos, ininterruptos, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém e com o ânimo de quem tem direito a fazê-lo;
- aquela água é proveniente da nascente directamente captada na dita “...”, obra de presa e captação;
- para utilização da referida água servem-se os AA. e sempre se serviram, como os seus legítimos antecessores, de um rego e aqueduto, cujo percurso e modo de implantação no terreno descrevem até entrar no prédio rústico dos RR., denominado “Campo ...”, no seu canto nordeste onde seguia, sempre com assento permanente, de norte para sul, junto e à margem do caminho público da ... e flectindo, no seu troço final, de nascente para poente, até entrar no prédio dos AA., denominado “...” ou “...”, referindo ainda as características do rego e a aquisição para tal prédio, por usucapião, do direito de servidão de aqueduto;
- em Fevereiro de 2018, os RR. arrasaram o rego, suprimindo-o na parte em que corria junto ao caminho público da ... e se dirigia ao prédio dos AA., tendo, junto ao canto nordeste do seu prédio, aberto uma nova entrada carral de acesso ao, a partir do caminho público da ..., em rampa, o que implicou, na zona de passagem do rego em que se corporizava, até então, a servidão de aqueduto que beneficia o prédio dos AA., um abaixamento do nível do solo em mais de metro e meio;
- a reposição do rego implica a eliminação da nova entrada e a recomposição do solo do prédio dos RR. para que volte, na zona de passagem do rego, ao nível anterior;
- a actuação dos RR., impedindo os AA. de utilizar o rego, implicou a perda dos períodos de utilização da água que indicam;
- no prédio dos AA. estava plantada vinha que necessita de irrigação;
- para não perder a produção da vinha contrataram a irrigação com cisternas no que despenderam a quantia que indicam, o que não impediu a perda de 7 videiras, no valor que também indicam;
- sofreram danos morais que indicam.
c) A referida acção foi distribuída sob o n.º 1196/10.0T8VVD.
d) Os RR. contestaram invocando a excepção de ilegitimidade, alegando para tanto que:
- os AA. alegam que os RR. são donos e legítimos proprietários do prédio rústico denominado “Campo ...”, o que não corresponde à verdade, porque tal prédio pertencia a HH, que também usava o nome e era conhecida por HH, que faleceu a ../../2014, deixando como herdeiros EE e GG;
- estamos perante uma herança ilíquida e indivisa, uma vez que aceite, mas não partilhada;
- a herança indivisa tem personalidade judiciária;
- só poderia estar em juízo representada por todos os herdeiros, o que não acontece no caso uma vez que a Ré é citada como proprietária e não na qualidade de cabeça de casal, bem como não foi citada a outra herdeira GG;
- ocorre ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário.
e) Os AA. juntaram aos autos requerimento subscrito por si, em que declaram desistir dos pedidos.
f) Por sentença de 09/01/2019 foi homologada a desistência do pedido e julgado extinto o direito que nos autos se pretendia fazer valer.
g) A referida sentença transitou em julgado a 13/02/2019 (cfr. Certidão junta aos autos pelos RR. com o requerimento de 19/11/2019).
h) Os RR. foram citados para a presente acção a 09/01/2019.
i) A 01/02/2019, no Cartório Notarial do Notário KK, foi lavrada, a fls. 146-148v, do Livro de Notas para Escrituras diversas n.º ...72..., escritura de partilha em que foram outorgantes EE, casada no regime de comunhão de adquiridos com FF, GG e FF, tendo as duas primeiras, na qualidade de únicas herdeiras de HH, que também usou o nome de HH, falecida a ../../2014, no estado de viúva, declarado proceder à partilha dos bens que fazem parte da herança, nomeadamente o prédio rústico, denominado Campo ..., inscrito na matriz sob o art.º ...45, o qual, declararam também adjudicar tal prédio a EE, tendo o marido FF prestado consentimento a tal partilha.

4.2. Enquadramento jurídico

Dispõe o artigo 580º do CPC:
1. As excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado.
2. Tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
3. (...)
           
E dispõe o art.º 581º do CPC:

1. Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. (...)

As situações de litispendência e caso julgado têm de comum a repetição de uma causa - repetição essa que se verifica quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir - e a finalidade - evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

O que as diferencia é a pendência da causa intentada em primeiro lugar – litispendência – ou o facto de a mesma já ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário – caso julgado.

Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica.

Alberto dos Reis, in CPC Anotado, III, pág. 98 entendia que “a identidade subjectiva depende essencialmente da identidade jurídica, e não da identidade física”, dando como exemplos da inexistência dessa identidade subjectiva, situações em que não havia identidade física, a sucessão mortis causa ou inter vivos e explicitando – ob. cit., pág. 101 - que a “identidade jurídica dos litigantes nada tem que ver com a posição processual que eles ocupam. As partes são as mesmas sob o aspecto jurídico, desde que são portadoras do mesmo interesse substancial. O que conta, pois, para o efeito da identidade jurídica é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial, e não a sua posição quanto à relação jurídica processual.”

Assim, há identidade de sujeitos para efeitos do n.º 2 do art.º 581º do CPC, quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, o que se afere pela posição/qualidade daquelas na relação jurídica substancial invocada em cada uma das acções.

Há identidade de pedido quando numa ou noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
O pedido é o beneficio jurídico imediato que se pretende obter por meio da acção; pedido é a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar - Alberto dos Reis, III, 106.
Deve atentar-se, no entanto, que o pedido não pode ser visto por si só, mas à luz do facto invocado como seu fundamento, ou seja, da concreta causa de pedir invocada.

Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.
A causa de pedir é o facto jurídico que constitui fundamento legal do direito objecto do pedido. E o facto jurídico é, por sua vez, o principio gerador do direito, a sua causa eficiente e que se identifica, individualiza por factos concretos; a causa de pedir representa na lide o substrato material com potencialidade para desencadear as consequências jurídicas que se mostrem adequadas.

4.3. Em concreto – Excepção de litispendência

Em primeiro lugar impõe-se delimitar a apreciação, já que os recorrentes invocaram ambas as excepções de litispendência e de caso julgado, quando, na realidade, apenas se pode verificar uma delas, pois ou bem que a primeira causa ainda está pendente quando a segunda é instaurada ou bem que a primeira causa foi decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, sendo certo que, se a primeira causa foi decidida por sentença que não transitou em julgado, quando a segunda foi instaurada, estamos perante uma situação de litispendência.

Mas cabe perguntar se o momento relevante para aferir da verificação das referidas excepções é efectivamente o momento da propositura da segunda acção.

Tendo em consideração que o n.º 1 do art.º 580º dispõe que as excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa e que, se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência e que, se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado e tendo ainda em consideração que o n.º 1 do art.º 581º dispõe que repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, dir-se-ia que a resposta à questão colocada seria positiva.

Porém, da mesma forma que a sentença deve ter em consideração a realidade tal qual se configura no momento em que é proferida, levando o mais longe possível o intuito de assegurar a sua actualidade, também o despacho saneador, quando haja de julgar da verificação das excepções de litispendência ou de caso julgado, há-de ter em consideração a realidade tal qual a mesma se configura no momento em que é proferido, sob pena de constituir uma decisão artificial.

É que não faz qualquer sentido apreciar a litispendência, quando no momento em que se aprecia a questão, na primeira causa já foi proferida sentença que já não admite recurso ordinário.

É o que se verifica na situação dos autos.

A presente acção foi intentada a 03/01/2019.

A 09/01/2019, no processo 1196/10.0T8VVD, foi proferida sentença homologatória da desistência do pedido e julgado extinto o direito que nos autos se pretendia fazer valer.

Essa sentença transitou em julgado a 13/02/2019.

Destarte, quando foi proferido o despacho saneador nestes autos, a 25/11/2019, a excepção cuja verificação se impunha aferir, era a do caso julgado.

Assim sendo a invocação da excepção de litispendência deixou de ter fundamento, pois já não estava pendente a causa anterior, pelo que a decisão recorrida, que julgou improcedente a excepção de litispendência, deve manter-se e nesta parte o recurso deve ser julgado improcedente.
 
4.4. Em concreto - Excepção de caso julgado.

Antes de avançar importa ter em consideração que a sentença homologatória da desistência do pedido “embora não aplicando o direito objetivo aos factos provados na causa, constitui uma sentença de mérito, como tal condenando o réu no pedido ou dele o absolvendo” e tem “o efeito de constituir caso julgado material (arts. 291-2 e 619-1))” (cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, Volume 1º, 3ª edição, pág. 571).

Ou como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, 2ª edição, pág. 352, a “desistência do pedido tem o mesmo efeito que teria uma sentença desfavorável ao autor, formando a sentença homologatória caso julgado material impeditivo da invocação do mesmo direito noutra acção entre os mesmos sujeitos.”

Precise-se, no entanto, que “a sentença homologatória produzida em sede de desistência de pedido, verificando-se a tríplice identidade dos sujeitos do pedido e da causa de pedir, impede a instauração de uma nova acção, por via do caso julgado operado com aqueloutra decisão.” (cfr. Ac. do STJ de 29/09/2020, processo 6870/18.9T8BRG.G1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, sendo o sublinhado nosso).

Na situação em apreço verifica-se que existe identidade de sujeitos no que diz respeito aos AA.

Mas não se verifica identidade quanto aos RR., pese embora haver uma parcial identidade física.

Assim, no processo 1196/10.0T8VVD eram RR. EE e marido, FF.

Na presente acção, além deles, também é Ré GG.

Além disso e no que diz respeito à posição das partes quanto à relação jurídica substancial, constata-se que na primeira acção os RR. BB e FF foram demandados enquanto donos e legítimos possuidores do prédio rústico denominado “Campo ...”, enquanto nesta acção invoca-se que tais RR. e a Ré GG são, em comunhão hereditária, donos e legítimos possuidores do prédio rústico denominado “Campo ...”.

Destarte e no que à parte passiva diz respeito, é patente que as partes não são as mesmas nas duas acções, pois, como concluiu a decisão recorrida e acompanhamos, “para além de serem distintos em número e identidade, são-no também quanto à qualidade jurídica - como proprietários plenos, no processo n.º 1196/18.0T8VVD, e como herdeiros da herança titular do direito de propriedade sobre o prédio, na presente acção.”

E a conclusão de que não há identidade jurídica de sujeitos, no que à parte passiva diz respeito, entre as duas acções, é reforçada pela posição que os RR. BB e FF adoptaram no processo 1196/18.0T8VVD e a posição que esses RR. e a Ré GG adoptaram nos presentes autos.

Assim, no processo 1196/18.0T8VVD os ali RR. BB e FF contestaram a alegação dos AA. de que os RR. eram donos e legítimos proprietários do prédio rústico denominado “Campo ...”, dizendo que tal não correspondia à verdade, porque tal prédio pertencia a HH, que também usava o nome e era conhecida por HH, que faleceu a ../../2014, deixando como herdeiros EE e GG, ou seja, o prédio pertencia à herança indivisa, aberta por óbito da referida HH.

Nos presentes autos, em que os AA. invocam que aqueles RR. e a Ré GG são, em comunhão hereditária, donos e legítimos possuidores do prédio rústico denominado “Campo ...” – aderindo assim ao ali invocado pelos RR. -, os RR. contestam tal alegação dizendo que não corresponde à verdade porque por escritura pública de 01/02/2019, os RR. procederam à partilha do acervo hereditário da herança aberta por óbito de HH, tendo sido adjudicado aos RR. EE e marido, FF, o referido prédio, pelo que a Ré GG não tem qualquer interesse directo em contradizer, sendo, assim, parte ilegítima.

Note-se que a referida escritura foi lavrada em momento posterior à interposição da acção e, inclusive, já depois da citação dos RR., que ocorreu a 09/01/2019, não havendo, portanto, dúvidas, que à data da propositura da presente acção e inclusive à data da citação, os RR. BB e FF ainda não tinham a qualidade de proprietários plenos do prédio rústico denominado “Campo ...”, o qual integrava a herança aberta por óbito de HH.

Os requisitos da excepção de caso julgado – identidade de partes, pedido e causa de pedir – são cumulativos, pelo que a inverificação de um deles determina a improcedência da excepção.

É o que sucede na situação em apreço: não se verifica a identidade de partes entre as duas acções.

Assim, a decisão recorrida, que julgou improcedente a excepção de caso julgado, deve manter-se e o recurso, nesta parte, deve ser julgado improcedente.

5. Fundamentação de facto
5.1. O tribunal a quo considerou:

I. Factos provados

Em face do objecto da acção, e considerando o princípio do dispositivo – art. 5.º, n.º 1 do CPC – resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:---
1) Encontra-se registado a favor dos autores, em comunhão hereditária, o seguinte prédio rústico:---
a. ... ou ..., prédio rústico de terreno de cultivo e vinha, situado no lugar de ..., da freguesia ..., do concelho ..., a confrontar do norte com os Réus, do nascente com ..., do sul com LL e do poente com LL inscrito na matriz rústica sob o art.º ...46, e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...73/...;---
2) O prédio referido em 1), foi recebido pela autora AA [Costa] por herança de seus de seus pais;---
3) Na sequência do falecimento de MM, marido da autora NN, ocorrido em 18 de Maio de 2010, os Autores foram habilitados como seus únicos e universais herdeiros;---
4) Os autores, há mais de vinte e de trinta anos, por si e antecessores, vêm fruindo do imóvel referido em 1), arando-o e cultivando-o, dele extraindo, fruindo e fazendo seus, com exclusão de outrem, todos os frutos, proveitos e utilidades, suportando os respectivos encargos, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém, ininterruptamente, convencidos de que exercem um direito próprio e de que, ao fazê-lo, não lesam e nunca lesaram direitos de outrem;---
5) Encontra-se registado a favor dos réus, em comunhão hereditária, o seguinte prédio rústico:---
a. Campo ..., prédio rústico de terreno de cultivo, situado no lugar de ..., da freguesia ..., do concelho ..., a confrontar do norte com II, do nascente com caminho público do lugar da ..., do sul com OO e com os Autores e do poente com PP (herdeiros), inscrito na matriz rústica sob o art.º ...45;---
6) Durante mais de vinte e de trinta anos, por si e antecessores, até à sua morte, ocorrida em ../../2014, a mãe das Rés, HH, possuiu, deteve e fruiu do prédio melhor descrito em 5), fruindo-o, arando-o e cultivando-o, dele extraindo e fazendo seus, com exclusão de outrem, todos os frutos, proveitos e utilidades, suportando os respectivos encargos, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém;---
7) A mãe das rés, dita HH, faleceu, no estado de viúva, no dia ../../2014, sem testamento ou outra disposição de última vontade, sucedendo-lhe, como únicas e universais herdeiras, as sua duas únicas filhas, aqui rés, EE e GG, que como tal foram habilitadas por escritura outorgada a 12 de Dezembro de 2018;--
8) À data da propositura da acção (09.01.2019), as Rés EE e GG ainda não haviam procedido à partilha da herança da sua falecida mãe, mormente do prédio melhor descrito em 5);---
9) Por escritura pública, celebrada em 01.02.2019, os réus procederam à partilha do acervo hereditário da herança aberta por óbito de HH, tendo sido adjudicado o prédio descrito em 5) aos aqui réus EE e FF;-
10) Para efeitos de rega do prédio referido em 1), plantado a vinha, os autores usam a água da ..., implantada no Campo ..., pertencente a II, prédio rústico situado no lugar da ..., da freguesia ..., de 15 em 15 dias, segundo o giro, acordado e praticado pelos respectivos consortes, no período da rega que se inicia no primeiro domingo após o dia de ... de cada ano, funciona de quinze em quinze dias e termina no dia 8 de Setembro de cada ano;---
11) Os autores tapam a poça às 09h00 da tarde do domingo com que encerra a primeira semana do giro, sendo seu o direito à água até às 09h00 da manhã de segunda-feira seguinte, e repetindo nas quinzenas seguintes até ao dia 8 de Setembro de cada ano;---
12) Os autores utilizam a água da ... na irrigação do prédio acima identificado em 1), por si e legítimos antecessores, há mais de vinte e de trinta anos, ininterruptos, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém, e com o ânimo de quem tem direito a fazê-lo;---
13) Essa água é proveniente de nascente directamente captada na dita ..., obra de presa e captação, ampla, com cerca de onze metros de comprimento e cerca de seis metros e meio de largura média e profundamente cavada no solo, com parede de alvenaria de granito, com o respectivo olheiro, na frente, bem visível e permanente, feita em tempo que em muito excede a memória dos vivos, por antecessores dos actuais utentes da água, designadamente dos autores, que com os demais consortes todos os anos procedem à respectiva limpeza e curam da respectiva conservação;---
14) Para utilização dessa água servem-se os autores e sempre se serviram, como seus legítimos antecessores, de um rego e aqueduto, visível e permanente, que, a partir da ..., atravessa, subterraneamente, a estrada municipal, segue ao lado da berma sul dessa mesma estrada, em parte a céu aberto e em parte entubada, subterraneamente, até entrar, já no lugar de ..., da freguesia ..., no canto noroeste do Campo ..., prédio rústico pertencente a II, onde se bifurca em dois regos, a céu aberto;---
15) Seguindo um de norte para sul, à margem desse mesmo prédio, até entrar no Campo ..., que foi do QQ; e um segundo, de poente para nascente, contornando o referido prédio rústico pertencente a II, primeiro à margem da estrada municipal e depois de norte para sul, à margem do caminho público da ... e sempre no interior desse mesmo prédio junto ao respetivo muro de vedação;--- 16) Até entrar no prédio referido em 5) acima identificado, no seu canto nordeste, onde, até ao mês de Fevereiro de 2018, seguia, sempre com assento permanente, de norte para sul, junto à margem do caminho público da ... e flectindo, no seu troço final, de nascente para poente até entrar no prédio identificado em 1) junto ao seu caminho de acesso;---
17) Em todo o seu trajecto esse rego sempre foi permanentemente cavado no solo do terreno dos prédios em que tem o seu assento com cerca de quarenta centímetros de largura e cerca de trinta a trinta e cinco centímetros de profundidade, sendo, além de permanente, bem visível e jamais desfeito, desembocando, sinalizado de forma visível e permanente, no dos autores, junto ao respectivo caminho de acesso, sempre com esse assento e a mesma implantação;---
18) Sempre os autores, por si e legítimos antecessores, utilizaram, para condução da água da ..., acima referida, para irrigação do prédio identificado em 1) esse mesmo rego, de cuja manutenção e limpeza sempre cuidaram;---
19) O que tudo, há mais de vinte e de trinta anos, sem interrupção alguma até ao ano de 2018, há mais de 20 e 30 anos, à vista e com conhecimento de toda a gente, designadamente dos réus e seus antecessores, e sem oposição de ninguém, com a convicção de que exercem um direito próprio;---
20) Em Fevereiro de 2018, os réus arrasaram o rego no troço referido acima, suprimindo-o na parte em que corria junto ao caminho público da ... e se dirigia ao prédio referido em 1), e junto ao canto nordeste do seu prédio referido em 5), abriram uma nova entrada carral de acesso a esse prédio a partir do caminho público da ..., que ali tem o seu assento cerca de dois metros e meio abaixo do nível desse prédio, sendo que, por isso, a nova entrada foi aberta em rampa relativamente íngreme;---
21) Na zona de passagem do rego em que se corporizava, até então, a servidão de aqueduto que beneficia o prédio referido em 1), as obras referidas em 20) implicaram um abaixamento do nível do solo em número de metros não concretamente determinado;---
22) A actuação dos réus impediu os autores de utilizarem o rego desde então, com a consequente perda da água da ... para irrigação do prédio melhor descrito em 1);---
23) O prédio referido em 1) acha-se plantado a vinha, a cujo cultivo a irrigação é, no chamado tempo da rega, necessária;---
24) Para não perderem totalmente a produção da vinha no ano de 2018, os autores contrataram a respectiva irrigação com cisternas nos períodos das poçadas a que tinham direito;---
25) Fruto da actuação dos réus, foram causadas aos autores arrelias, despesas, dissabores, sofrimento moral e desgosto;---
26) Em meados do ano de 1978, a Junta de freguesia ..., do concelho ..., realizou obras no Caminho Público da ...;---

II. Factos não provados

Não resultaram provados os seguintes factos:---
A. Que a contratação das cisternas referidas tenha custado aos autores um total de €553,50, à razão de €110,70 cada rega;---
B. Que embora minimizasse as consequências da falta de água determinada pela perda das cinco poçadas de água da ... a que os Autores tinham direito, para o seu prédio identificado no art.º 1.º desta petição, no período da rega no ano de 2018, não foi de molde a evitar a perda por seca de sete videiras, no valor de, pelo menos, €350,00 por deficiência da respectiva irrigação;---
C. Que a actuação dos réus tenha provocado aos autores frequentes insónias, que lhes prejudicam a saúde;---
D. Que antes das referidas obras, os autores acedessem à água de rega da ..., para o seu prédio, através de um rego existente ao longo do Caminho Público da ..., na sua berma e através de um rego definitivo que, seguia de norte para sul, à margem do prédio pertencente a II, até entrar no Campo ...;---
E. Que em virtude das referidas obras, o rego existente ao longo do Caminho Público da ... tenha ficado inoperável e os Autores tenham continuado a aceder à água através da propriedade de II, denominada Campo ..., através do rego que segue de norte para sul, à margem do referido prédio pertencente a II, até entrar no Campo ..., regando dessa forma o seu prédio;---
F. Que a fim de facilitar a rega do prédio dos Autores e, enquanto se realizavam as obras no caminho, aqueles tenham pedido à mãe da ré que permitisse fazer um rego na propriedade da mesma a fim de permitir canalizar a água para o prédio dos réus;---
G. Que este rego, paralelo ao anterior que corria na berma do caminho da ..., fosse a céu aberto, temporário e seria desfeito logo que esgotasse a sua utilização do momento;---
H. Que sempre que os autores decidissem fazer o rego, se dirigissem à mãe da ré e pedissem autorização para o fazer, comprometendo-se a desfazê-lo logo que terminasse aquela utilização;---
I. Que tenha havido anos em que tal rego não era feito;---
J. Que os autores tenham sempre contado com a boa vontade da mãe da ré que, de forma a manter um bom relacionamento de vizinhança, ia tolerando que, em alguns anos e depois de lhe pedirem – abrissem o rego na sua propriedade e o fechassem de imediato;---
K. Que tal situação se tenha mantido até ao falecimento da mãe da ré, e que, após tal suceder, as rés tenham comunicado aos autores que não permitiriam que realizassem o rego na sua propriedade;---
L. Que por diversas vezes, após o falecimento da mãe da ré, os autores tenham ido abrir o rego, durante a noite, sem autorização dos réus;---
M. Que em Fevereiro de 2018, há muito que o rego em terra batida e a céu aberto tivesse desaparecido;---
N. Que sempre tenha existido um outro rego que permitiria aos autores regar o seu prédio;---
O. Que a mudança do rego para o extremo oposto do prédio referido em 5) permitiria que as águas fossem conduzidas para o prédio referido em 1) em iguais condições;---
P. Que os autores litiguem com consciência de que não têm razão, desvirtuando a realidade por si conhecida, visando intencionalmente um objectivo censurável;---

.......

6. Fundamentação de direito

Os recorrentes não colocaram em crise o julgado constante dos pontos i), ii), iii) e v) do decisório, apenas tendo colocado em crise o julgado no ponto v) – condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória - e a improcedência da reconvenção, pretendendo:
- seja julgado improcedente o pedido de condenação dos RR. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória;
- seja julgado procedente o pedido reconvencional, nomeadamente mudando a servidão como requerido pelos Réu.

Vejamos

6.1. Da sanção pecuniária compulsória

Um dos pedidos dos AA. é o de condenação dos RR. a pagar sanção compulsória de quantia não inferior a duzentos euros por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reposição do leito do caminho aqui em causa.

É manifesto o lapso, devido, eventualmente à utilização de meios informáticos, pois, face ao objecto da causa, o que os AA. certamente pretendiam era a condenação dos RR. a pagar sanção compulsória de quantia não inferior a duzentos euros por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de reposição do rego no troço em que atravessava o prédio dos RR. e na forma anterior.

O tribunal considerou, na fundamentação, que ”face à factualidade provada, não há dúvida em como estamos perante uma prestação de facto infungível, na medida em que apenas os réus poderão repor o seu prédio no estado em que se encontrava. Além do mais, estamos perante uma obrigação de facere traduzida na obrigação de respeitar o traçado do rego tal como ele existia”.

E julgou aquele pedido parcialmente procedente nos seguintes termos:
iv. Fixar uma sanção pecuniária compulsória no montante de €100,00 (cem euros) por cada dia de incumprimento da providência ora decretada, a contar do trânsito em julgado da sentença;--

Os recorrentes entendem que a prestação de construção de uma obra é fungível.

Dispõe o n.º 1 do art.º 829º - A do CC que nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.

O pressuposto essencial da condenação numa sanção pecuniária compulsória é estarmos perante uma prestação de facto infungível, positivo ou negativo.

A prestação de facto infungível é aquela que só pode ser realizada pelo devedor e, portanto, em caso de recusa do mesmo, não pode ser substituído na sua realização por terceiro, nomeadamente em execução de sentença para prestação de facto, à custa daquele.
           
A este respeito referia Calvão da Silva in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, in Separata do Volume XXX do Suplemento do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Editora, 1995, pág. 368-369:
“Se a realização da prestação por terceiro satisfaz plenamente o interesse do credor - fim e razão de ser da obrigação -, objectivamente apreciado segundo os ditames da boa fé e não segundo o seu arbítrio, a lei permite o chamado cumprimento por terceiro, não podendo o credor legitimamente recusá-lo; se a substituição do devedor por terceiro não satisfaz  o interesse do credor, objectivado na relação obrigacional, este já pode recusar a prestação daquele, justamente porque ela não atinge o escopo ou não preenche a função da obrigação.
Isto significa que só em função do interesse concreto do credor, determinante e resultante de uma concreta relação jurídica estabelecida como meio ou instrumento técnico-jurídico para satisfação desse mesmo interesse concreto, se pode resolver a questão da fungibilidade ou infungibilidade. O que constituirá, em larga medida, um problema de interpretação negocial, em que a criteriosa ponderação do circunstancialismo específico da relação obrigacional concreta será de capital importância.
Não é, portanto, uma questão cuja solução possa ser encontrada em abstracto, aprioristicamente, na base de critérios presuntivos, já que o interesse do credor a satisfazer à variável e só determinável pela apreciação da relação jurídica concreta.”

E, mais adiante, pág. 450, analisando o n.º 1 do art.º 829º A referia:
“…o legislador não consagrou a sanção pecuniária compulsória como mecanismo coercitivo de aplicação em geral, antes a limitou às obrigações de non facere e de facere cujo cumprimento exige a intervenção insubstituível do devedor…
(…)
Noutros termos: o legislador confinou a sanção pecuniária compulsória às obrigações de carácter pessoal – obrigações intuitos personae, cuja realização requer  a intervenção do próprio devedor, insubstituível por outrem…”

Mas o mesmo autor assinala (ob. cit. pág. 470-474) que um dos domínios em que a sanção pecuniária compulsória encontra aplicação é o dos direitos reais e, concretamente, das medidas inibitórias, ou seja, das injunções que imponham ao réu se abstenha de continuar ou renovar as actuações que violam a posse ou direito de outrem, seja ele o direito e propriedade ou um direito de servidão.

Vejamos em concreto

Em primeiro lugar impõe-se observar que os AA. pediram a condenação dos RR.:
A. A reconhecer e respeitar o direito de propriedade dos autores sobre o prédio identificado no art. 1º da petição inicial;
B. A reconhecer o direito de servidão de aqueduto a favor desse prédio, onerando o prédio dos réus identificado no art. 18º da petição inicial, para condução da água de rega da ... através do rego ou aqueduto acima descrito e na forma indicada, a respeitar esse direito e a nada fazer que o possa diminuir ou por qualquer forma afectar;
C. A repor imediatamente e no estado anterior o referido rego no troço em que atravessa o prédio onerado e na forma anterior.

Também pediram a condenação dos RR. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, mas limitaram tal pedido, devidamente interpretado de acordo com o objecto da causa, ao atraso no cumprimento da obrigação de reposição do rego no troço em que atravessava o prédio dos RR. e na forma anterior.

Não o fizeram em relação ao pedido de condenação dos RR. “a reconhecer o direito de servidão de aqueduto (…), a respeitar esse direito e a nada fazer que o possa diminuir ou por qualquer forma afectar.”

Por um lado, e nos termos do n.º 1 do art.º 829º A, exige-se requerimento do credor para que o tribunal possa condenar em sanção pecuniária compulsória.

Por outro lado, dispõe o art.º 609º do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.

Se o A. formular o pedido de condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, relativamente a uma dada prestação, é apenas em relação a ela que a procedência daquela deve ser aferida e, caso tenha cabimento, objecto de condenação, pois foi aquela que integrou o pedido e a causa de pedir e foi sujeita a contraditório.

Assim se o A. pediu a condenação em sanção pecuniária compulsória apenas em relação a uma prestação de facere não pode a mesma ser estendida a uma prestação de non facere.

Daqui decorre que tendo a parte limitado o pedido de condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória ao atraso no cumprimento da obrigação de reposição do rego no troço em que atravessava o prédio dos RR. e na forma anterior, não pode o tribunal apreciar tal pedido por referência à condenação dos RR. “a reconhecer o direito de servidão de aqueduto (…), a respeitar esse direito e a nada fazer que o possa diminuir ou por qualquer forma afectar.”

Avançando

No caso e como resulta do ponto iii. do decisório, os RR. foram condenados “a repor imediatamente e no estado anterior o referido rego no troço em que atravessa o prédio onerado e na forma anterior”;---

Estamos perante uma prestação de facto infungível ?

A resposta é negativa, pois muito embora estejamos perante uma prestação de facere, nada permite afirmar – pelo contrário – que estamos perante uma prestação que só possa ser realizada pelos RR., cujo cumprimento exija a intervenção insubstituível deles. Antes pelo contrário: a prestação pode ser realizada por terceiro, nomeadamente em execução de sentença para prestação de facto, à custa dos RR.

Aos AA. interessa a reposição do rego. Objectivamente, não lhes interessa quem a realiza: se o devedor, se terceiro, em caso de recusa do mesmo

Em face de tudo o exposto, o ponto iv. do decisório não se pode manter, devendo ser revogado e substituído por outro que absolva os RR. do pedido de condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.

6.2. Pedido reconvencional

Os RR. formularam o seguinte pedido reconvencional:
“6 – Deve ser julgada procedente por provada a reconvenção e por via dela declarar-se extinta a servidão de aqueduto por desnecessidade, nos termos supra peticionados nos artigos 117º a 126º da contestação”; “sem prescindir, se assim não se entender, reconhecer o direito dos Réus à mudança de servidão nos termos descritos nos artigos 127º a 113º deste articulado.”

O pedido reconvencional foi julgado totalmente improcedente.

Nas conclusões 60º e 61º os recorrentes referem-se à desnecessidade da servidão.

Nas Conclusões 62º a 64º referem-se à mudança da servidão.

Mas no final do recurso pedem que a decisão quanto ao pedido reconvencional seja revogada e substituída por outra que julgue tal pedido procedente, nomeadamente mudando a servidão como requerido pelos réus.

Pese embora a utilização do advérbio “nomeadamente”, considera-se que o recurso tem por objecto a totalidade do pedido reconvencional.

Por outro lado, a sentença recorrida decidiu:
ii. Condenar os Réus a reconhecer o direito de servidão de aqueduto a favor desse prédio, onerando o prédio dos réus identificado no ponto dos factos provados, para condução da água de rega da ... através do rego ou aqueduto nos termos e forma descritos nos pontos da factualidade provada, a respeitar esse direito e a nada fazer que o possa diminuir ou por qualquer forma afectar;---

Decorre deste segmento decisório, compaginado com os fundamentos, que foi reconhecido aos AA. o direito de servidão de aqueduto constituído por usucapião, ou seja, o direito de usar o prédio dos RR. para, através de rego no prédio rústico dos últimos, conduzir a água de rega da “...”, para o prédio dos AA., sendo, assim, prédio dominante, o prédio dos AA. e prédio serviente, o dos RR..

Mas invocaram os RR. em primeiro lugar, a extinção da servidão por desnecessidade (art.º 1569º, n.º 2 do CC) ou, caso assim não suceda, que lhes seja reconhecido o direito de exigir a mudança de servidão (art.º 1568º do CC).

Impõe-se um breve enquadramento jurídico e a análise em concreto

6.2.1. Extinção da servidão por desnecessidade
6.2.1.1. Enquadramento jurídico

Dispõe o art.º 1569º, n.º 2 do CC que as servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante.

Tem-se em vista a desnecessidade superveniente da servidão.

A desnecessidade representa a perda total da utilidade para o prédio dominante que está subjacente à servidão, pelo que só se afere, objectiva e concretamente, em função dessa utilidade.

Assim e no caso de uma servidão de aqueduto, a utilidade é fazer chegar a água para rega ao prédio dominante.
Verificar-se-á a desnecessidade, quando deixar de ter toda e qualquer utilidade para o prédio dominante, aí fazer chegar água para rega através do aqueduto.

6.2.1.2. Em concreto

A desnecessidade da servidão de aqueduto foi invocada pelos RR. no seguinte enquadramento: originalmente os AA. conduziam a água da ... para o seu prédio através de um outro rego, entretanto tornado inoperacional em virtude das obras levadas a cabo no caminho da ... pela Junta de Freguesia, razão pela qual e apenas para facilitar o trabalho dos AA. (certamente por lapso, diz-se os RR.), foi aberto um rego na propriedade dos RR.; logo que terminaram as obras, a necessidade de abrir um rego no prédio dos RR. desapareceu, podendo e devendo os AA. ter reclamado junto da Junta de Freguesia a reposição do rego que lhes permitia canalizar a água a que têm direito para a sua propriedade, reposição que no seu local inicial, proporcionaria, pelo menos, igual ou semelhantes condições de utilidade e comodidade de acesso ao prédio dominante, permitindo o objectivo de conduzir a água até ao prédio dos Autores.

Cabe aqui recordar que os RR. tinham invocado que
-  em meados do ano de 1978, a Junta de freguesia ..., do concelho ..., realizou obras no Caminho Público da ...;
- antes das referidas obras, os autores acediam à água de rega da ..., para o seu prédio, através de um rego existente ao longo do Caminho Público da ..., na sua berma e através de um rego definitivo que, seguia de norte para sul, à margem do prédio pertencente a II, até entrar no Campo ...;
- em virtude das referidas obras, o rego existente ao longo do Caminho Público da ... ficou inoperacional;
- os Autores continuaram a aceder à água através da propriedade de II, denominada Campo ..., através do rego que segue de norte para sul, à margem do referido prédio pertencente a II, até entrar no Campo ..., regando dessa forma o seu prédio;
- a fim de facilitar a rega do prédio dos Autores e, enquanto se realizavam as obras no caminho, aqueles pediram à mãe da ré que permitisse fazer um rego na propriedade da mesma a fim de permitir canalizar a água para o prédio dos AA.;
- este rego, paralelo ao anterior que corria na berma do caminho da ..., seria a céu aberto, temporário e seria desfeito logo que esgotasse a sua utilização do momento;
- sempre que os autores decidiam fazer o rego, dirigiam-se à mãe da Ré, a quem pediam autorização para o fazer, comprometendo-se a desfazê-lo logo que terminasse aquela utilização;
- houve anos em que tal rego não era feito;
- os autores contaram sempre com a boa vontade da mãe da ré que, de forma a manter um bom relacionamento de vizinhança, ia tolerando que, em alguns anos e depois de lhe pedirem, abrissem o rego na sua propriedade e o fechassem de imediato;
- tal situação manteve-se até ao falecimento da mãe da ré;
- após tal falecimento, as rés comunicaram aos autores que não permitiriam que realizassem o rego na sua propriedade;
- por diversas vezes, após o falecimento da mãe da ré, os autores foram abrir o rego, durante a noite, sem autorização dos réus;
- sempre existiu um outro rego que permitiria aos autores regar o seu prédio.

O quadro fáctico alegado pelos RR. para sustentar a desnecessidade da servidão, é, na essência, o quadro fáctico com o qual os RR. intentaram contrariar a alegação de que havia sido constituída uma servidão de aqueduto sobre o prédio dos RR., por usucapião.

Não aceitando os mesmos que tivesse sido constituída uma servidão de aqueduto sobre o seu prédio, por usucapião, ficava desde logo destituída de fundamento a extinção por desnecessidade da servidão, pois como resulta do art.º 1569º, n.º 2, esta pressupõe aquela.

Mas, tendo sido reconhecido aos AA. o direito de servidão de aqueduto constituído por usucapião, ou seja, o direito de usar o prédio dos RR. para, através de rego no prédio rústico dos últimos, conduzir a água de rega da “...”, para o prédio dos AA., constata-se que os RR. não alegaram quaisquer factos que, uma vez provados, permitissem concluir que supervenientemente deixou de ter toda e qualquer utilidade para o prédio dominante, aí fazer chegar água para rega através do aqueduto.

Não o era a alegação, em qualquer caso não provada, de que “sempre existiu um outro rego que permitiria aos autores regar o seu prédio”, porque não estamos perante uma realidade superveniente.

Destarte, o pedido de extinção da servidão, por desnecessidade, devia improceder, como improcedeu, pelo que a decisão recorrida deve ser mantida e nesta parte o recurso deve ser julgado improcedente.

6.2.2. A mudança da servidão de aqueduto
6.2.2.1. Enquadramento jurídico

A mudança do local da servidão é regulada no art.º 1568º do CC, o qual integra o capítulo dedicado ao exercício das servidões e em cujo n.º 1 dispõe:

1. O proprietário do prédio serviente não pode estorvar o uso da servidão, mas pode, a todo o tempo, exigir a mudança dela para sítio diferente do primitivamente assinado, ou para outro prédio, se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante, contanto que a faça à sua custa; com o consentimento de terceiro pode a servidão ser mudada para o prédio deste.
2. A mudança também pode dar-se a requerimento e à custa do proprietário do prédio dominante, se dela lhe advierem vantagens e com ela não for prejudicado o proprietário do prédio serviente.
(…)
4. As faculdades conferidas neste artigo não são renunciáveis nem podem ser limitadas por negócio jurídico.

Nos autos está em causa a mudança a pedido do proprietário do prédio serviente.

Esta pode ser:
- para sítio diferente do primitivamente assinado, dentro do prédio serviente;
- para outro prédio, do proprietário do prédio serviente;
- para prédio de terceiro.

No primeiro e segundo caso, os pressupostos são: a conveniência do proprietário do prédio serviente e a inexistência de prejuízo para os interesses do proprietário do prédio dominante.

Os pressupostos são cumulativos dada a utilização no normativo da conjunção “e” entre as expressões “se a mudança lhe for conveniente” e “não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante”.

Neste caso, os custos implicados na mudança são suportados pelo proprietário do prédio serviente.

No terceiro caso, os pressupostos são, também, a conveniência do proprietário do prédio serviente e a inexistência de prejuízo para os interesses do proprietário do prédio dominante, a que acresce, naturalmente, o consentimento do terceiro.

Também aqui se trata de pressupostos cumulativos.

No que ao primeiro pressuposto diz respeito, referia Tavarela Lobo, Manual do Direito das Águas, pág. 272-273, que “a simples conveniência do interessado tem um mais lato alcance e abrange um maior leque de situações do que a anteriormente constante do Código de Seabra: se a servidão “se tornar prejudicial ao dono do prédio serviente, ou lhe obstar a fazer reparos ou melhoramentos importantes…” (art.º 2278º).
No regime actual (…) é suficiente que a conveniência do interessado se concretize em vantagens evidentes justificativas do pedido de mudança.
É geralmente uma questão de facto, sendo a apreciação da necessidade ou conveniência invocada pelo requerente cometida por lei à prudência dos tribunais.”

Quanto ao segundo pressuposto - inexistência de prejuízo para os interesses do proprietário do prédio dominante -, o mesmo passa, desde logo, pela preservação, continuação da utilidade que era proporcionada pela servidão.

Assim e no caso, de uma servidão de aqueduto, o “sítio” é o local do prédio serviente em que assenta o aqueduto que permite a condução da água para o prédio dominante.
Assim para que a mudança do sítio/trajecto do aqueduto não cause prejuízo aos interesses do prédio dominante, a mesma há-de continuar a proporcionar a utilidade subjacente: fazer chegar a água ao prédio dominante, ou seja, o novo trajecto há-de permitir obter a utilidade que era permitida pelo anterior trajecto.

Depois e como referia o aut., e ob. cit., pág. 273, tais “interesses só serão atendíveis quando se trate de interesses sérios de natureza económica e não de coisas mínimas.”
 
E acrescentava, na pág. 274 que a apreciação da conveniência e inexistência de prejuízo “basear-se-á na forma de exercício da servidão inicialmente constituída.
(…)
O ónus da prova da conveniência e da inexistência do prejuízo recai, de harmonia com os princípios [gerais], sobre o requerente interessado na mudança.”

6.2.2.2. Em concreto

Os RR. pediram a mudança da servidão de aqueduto para o extremo oposto ao prédio serviente.

Para consubstanciar o primeiro pressuposto, os RR. alegaram que a mudança da servidão de aqueduto para outro local seria benéfica para os Réus, pois permitiria manter as alterações a que procederam junto à entrada do seu prédio, de forma a permitir a entrada de tractores para o mesmo.

Constata-se que a decisão de facto é omissa quanto a esta alegação, que consubstanciava o primeiro pressuposto da mudança de servidão.

Porém, não se justifica fazer uso do poder a que se refere o art.º 662º, n.º 2, alínea c) do CPC.

Como ficou referido, a mudança de servidão exige a verificação de dois pressupostos cumulativos.
E, sendo assim, basta a inverificação de um deles para ditar a improcedência do pedido de mudança de servidão.

É o que sucede no caso.

É que para consubstanciar o segundo pressuposto cumulativo – inexistência de prejuízo para os interesses do proprietário do prédio dominante – os RR. alegaram que a mudança do rego para o extremo oposto do prédio referido em 5) permitiria que as águas fossem conduzidas para o prédio referido em 1) em iguais condições.

Os RR. não lograram provar esta factualidade – alínea O) dos factos não provados.

Destarte, o pedido de mudança de servidão devia improceder, como improcedeu, pelo que a decisão recorrida deve ser mantida e nesta parte o recurso deve ser julgado improcedente.

6.3. Custas

Quanto a custas, o art.º 527, n.º 1 do CPC dispõe que a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

E o n.º 2 dispõe: ”Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.”

No caso, o recurso foi julgado procedente no que toca à questão da sanção pecuniária compulsória, tendo sido julgado improcedente quanto a tudo o mais.

Neste contexto entende-se que:
- as custas da acção devem ser repartidas entre AA. e RR. na proporção do decaimento, o qual se fixa, em 15% para os AA. e 85% para os RR;
- as custas da reconvenção são integralmente a cargo dos RR.;
- as custas da apelação devem ser repartidas entre AA. e RR. na proporção do decaimento, o qual se fixa, em 5% para os AA. e 95% para os RR.

7. Decisão

Termos em que acordam os juízes que compõem a 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, revogar o ponto iv. do decisório da sentença recorrida, o qual tem o seguinte teor - Fixar uma sanção pecuniária compulsória no montante de €100,00 (cem euros) por cada dia de incumprimento da providência ora decretada, a contar do trânsito em julgado da sentença – e, em sua substituição, absolver os RR. do pedido de condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, mantendo em tudo o mais as decisões recorridas (despacho saneador e sentença).

Custas da acção por AA. e RR. na proporção do decaimento, o qual se fixa, em 15% para os AA. e 85% para os RR.

Custa da reconvenção integralmente a cargo dos RR..

Custas da apelação por AA. e RR. na proporção do decaimento, o qual se fixa, em 5% para os AA. e 95% para os RR.
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Notifique-se
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Guimarães, 16/05/2024
(O presente acórdão é assinado electronicamente)
 
Relator: José Carlos Pereira Duarte
Adjuntos: Maria João Marques Pinto de Matos
Gonçalo Oliveira Magalhães