Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
22709.6TABCL.G1
Relator: FERNANDO MONTERROSO
Descritores: MONTANTE DA MULTA
CRITÉRIOS LEGAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/18/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PARCIAL PROVIMENTO
Sumário: I) Na fixação do montante da multa ter-se-á em consideração, para além do mais, que esta não é uma pena «menor», devendo, antes, representar para o delinquente um sofrimento análogo ao da prisão correspondente, embora dentro de condições mais humanas.
II) Ponderando os critérios estabelecidos no artº 47º do CP, o montante de € 5,00 apenas deverá ser aplicável às pessoas que vivam no mínimo existencial, ou abaixo dele.
II) In casu, auferindo o arguido quase quatro vezes o salário mínimo (mais de € 60,00 por dia) e não tendo pessoas a seu cargo (a sua mulher trabalha e não é referida a existência de outras pessoas no seu agregado familiar) é justa e adequada a fixação da taxa diária de multa em 10 Euros
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

No 2º Juízo Criminal de Barcelos, em processo comum com intervenção do tribunal singular (Proc.nº 22/09.6TABCL), foi proferida sentença que:
a) Condenou o arguido Paulo R... pela prática, em autoria material, de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo artº 11º, nºs 1, al. a) e 2 do Dec. L. nº 454/91, de 28.12, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. L. nº 316/97, de 19.11, por referência ao disposto na al. a) do artº 202º do Cód. Penal, na pena de 350 [trezentos e cinquenta] dias de multa, à taxa diária de € 8,00 [oito euros], o que perfaz a multa global de € 2.800,00 [dois mil e oitocentos euros], e a que corresponderão, sendo caso disso, 233 [duzentos e trinta e três] dias de prisão subsidiária; e
b) Condenou o mesmo arguido e demandado cível Paulo R... a pagar a EDP – Serviço Universal, S.A. a quantia de € 18.644,88, acrescida de juros de mora vencidos, à taxa legal, no valor de € 839,79, e de juros de mora vincendos, à indicada taxa e até efectivo e integral pagamento.
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A magistrada do MP junto do tribunal recorrido interpôs recurso desta sentença, limitado ao montante diário de cada dia de multa, que defende dever ser fixado em € 12,00.
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Respondendo, o arguido defendeu a improcedência do recurso.
Nesta instância, a sra. procuradora-geral adjunta emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso, fixando-se a taxa diária em € 10,00.
Cumpriu-se o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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I – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos (transcrição):
a) No dia 31.07.2008, o arguido preencheu, assinou e entregou à sociedade “EDP – Serviço Universal, S.A.” o cheque nº 6322790700, sacado sobre a conta nº 00774393771, por ele titulada no BANIF, datado de 31.07.2008, no valor de € 18.637,40.---
b) O título mencionado em a) destinava-se a pagar o valor de energia eléctrica fornecida, na sequência de contrato a tanto dirigido, pela sociedade aí reportada à sociedade “E... Têxtil, Ldª”, da qual o arguido era sócio-gerente.---
c) Apresentado a pagamento na agência de Barcelos do banco X, foi o cheque devolvido nos Serviços de Compensação do Banco de Portugal, por falta de provisão, verificada aos 05.08.2008.---
d) Ao proceder pelo modo descrito, o arguido fê-lo de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que na conta sobre a qual foi sacado o cheque em alusão inexistiam fundos suficientes para assegurar o respectivo pagamento e que, como consequência do seu comportamento, iria causar prejuízo à sociedade “EDP – Serviço Universal, S.A.”, consistente no não recebimento da quantia a esta devida e em valor, pelo menos, equivalente ao aposto no indicado título.---
e) Sabia, ainda, ser o seu comportamento proibido e punido por lei.---
f) Por decorrência da ocorrida devolução, a sociedade “EDP – Serviço Universal, S.A.” suportou encargo bancário, no valor de € 7,48.---
(factos relativos à personalidade e condições pessoais do arguido)--
g) Não são conhecidos ao arguido antecedentes criminais.---
h) O arguido exerce a actividade profissional de engenheiro químico, por conta da sociedade “Fábrica de Malhas EICAL”, com sede em Mariz, auferindo a importância mensal de cerca de € 1.900,00.---
i) Reside na companhia da sua cônjuge, que exerce, por conta própria, a actividade de pasteleira, que lhe proporciona o rendimento mensal de cerca de € 500,00 a € 600,00, em habitação arrendada, pela qual mensalmente é liquidada a quantia de € 350,00.---

FUNDAMENTAÇÃO
O recurso limita-se ao quantitativo de cada dia de multa.
O tribunal a quo fixou-o em € 8,00 e a magistrada recorrente pugna pelo valor de € 12,00.
Como se sabe, o referir o quantitativo de cada dia de multa à situação económica e financeira do condenado e aos seus encargos pessoais (art. 47 nº 2 do Cod. Penal), o legislador visou dar realização, também quanto à pena pecuniária, ao princípio da igualdade de ónus e de sacrifícios – Prof. Figueiredo Dias, As Consequências jurídicas do Crime, pag. 128.
Na fixação do montante da multa ter-se-á ainda em consideração que esta não é uma pena «menor», devendo, antes, representar para o delinquente um sofrimento análogo ao da prisão correspondente, embora dentro de condições mais humanas. “É indispensável que a aplicação da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o Ersatz de uma dispensa ou isenção de pena que se não teve a coragem de proferir, impondo-se, pelo contrário, que a aplicação da multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto e simultaneamente uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada” – ac. R.C de 5-4-00, CJ tomo II, pag. 61.
A cada dia de multa corresponde uma quantia diária entre € 5,00 e € 500,00.
Ponderando os referidos critérios, o montante de € 5,00 apenas é aplicável às pessoas que vivam no mínimo existencial, ou abaixo dele. Mas, salvo nos casos de situações de miséria, não pode a multa ser fixada em montante tão próximo do limite mínimo que a faça perder a sua eficácia penal.
No caso destes autos, a multa fixada na sentença (8 euros diários) é mais de 62 vezes inferior ao limite máximo.
É certo que o máximo não é sequer para os “ricos”, mas para os muito ricos, para as pessoas que estão em patamares económicos a que a imensa maioria dos cidadãos não pode sequer aspirar.
É também inevitável a consideração de que a taxa diária da multa nunca é o resultado de uma mera operação matemática, havendo sempre que apelar ao prudente arbítrio do juiz.
Como quer que seja, o arguido não é um «sem abrigo», não vive no mínimo existencial, nem nos patamares que imediatamente se seguem, onde se situam as pessoas que ganham o dobro ou mesmo o triplo do salário mínimo (a que normalmente se adequam taxas de 6, 7 e 8 euros).
O arguido aufere quase quatro vezes o salário mínimo (mais de € 60,00 por dia) e não tem pessoas a seu cargo (a sua mulher trabalha e não é referida a existência de outras pessoas no seu agregado familiar).
Deve, assim, ser decidido algum aumento na taxa fixada, mostrando-se adequados os 10,00 defendidos pela sra. Procuradora geral adjunta no seu parecer.
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DECISÃO
Os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, concedendo provimento parcial ao recurso, fixam em € 10,00 (dez euros) o montante diário da multa em que o arguido Paulo R... vai condenado.
Sem custas nesta instância.