Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS | ||
Descritores: | LEGITIMIDADE PARA RECORRER INTERDIÇÃO ANULAÇÃO PROCURAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/22/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1- A data provável do começo da incapacidade fixada na sentença, transitada em julgado, que decretou a interdição constitui uma mera presunção de facto, natural, de experiência ou de primeira aparência (não uma presunção legal iuris et de iure ou iuris tantum), de que o interdito, no momento em que concluiu o ato jurídico que se pretende ver invalidado (após a data provável do início da incapacidade fixada na sentença transitada em julgado onde foi decretada a interdição, mas antes da publicitação da propositura dessa ação), já estava incapacitado de entender o seu sentido e alcance ou já não tinha o livre exercício da sua vontade, mas não inverte o ónus da prova que impende sobre quem pretenda obter a anulação daquele ato jurídico, a quem incumbe complementar essa presunção de primeira aparência, alegando e provando a incapacidade mental ou volitiva do interdito no momento em que concluiu o ato jurídico que pretende ver invalidado. 2- Quanto à validade jurídica de atos praticados pelo interdito, distinguem-se três momentos essenciais: 1) atos jurídicos concluídos pelo interdito após a inscrição no registo civil da sentença, transitada em julgado, que decretou a sua interdição (esses atos são sempre anuláveis, nos termos do art. 148º do CC); 2) atos jurídicos concluídos pelo interdito na pendência da ação de interdição e após a propositura desta ter sido anunciada (nos termos do art. 149º do CC, apenas são anuláveis os atos jurídicos no caso de se verificarem os seguintes requisitos cumulativos: a) a interdição vir efetivamente a ser decretada, por sentença transitada em julgado; b- os atos praticados tenham causado prejuízo ao interdito); e 3) atos jurídicos antes da publicitação da ação de interdição (nos termos dos arts. 150º e 257º do CC, apenas são anuláveis os atos jurídicos em relação aos quais se verifique os seguintes requisitos cumulativos: a) no momento da conclusão do ato jurídico já existia uma incapacidade natural do interdito de entender o sentido do ato praticado ou já se encontrava privado do pleno exercício da sua liberdade; b) que a incapacidade natural com que então já se encontrava afetado o interdito fosse notória ou conhecida do declaratário). 3- A procuração, embora seja um negócio jurídico unilateral, é uma declaração receptícia que tem como destinatário o terceiro com quem o representante (procurador) vai contratar, em nome e em representação do representado. 4- Por isso, pretendendo o demandante obter a anulação dos contratos de compra e venda celebrados pelo procurador, em nome e em representação do representado, fazendo uso da procuração e dentro dos poderes representativos nela consignados, com fundamento de que essas compras e venda foram celebradas pelo procurador, fazendo uso dos poderes representativos consignados na procuração, quando esta foi outorgada por pessoa que veio a ser declarada interdito, por sentença transitada em julgado, após a ação de interdição ter sido publicitada nos termos do CPC, as causas determinativas da anulabilidade têm de ser assacadas à procuração à sombra da qual foram celebradas as compras e venda. 5- Tendo a procuração sido outorgada em momento anterior à publicitação da ação de interdição, o facto de posteriormente à publicitação dessa ação o procurador ter celebrado contratos de compra e venda com terceiros, a quem vendeu, em nome da pessoa por si representada e dentro dos poderes representativos que lhe foram conferidos naquela procuração, diversos prédios propriedade do representado, não assiste ao demandante o direito a ver declarada a anulabilidade desses contratos de compra e venda com fundamento no disposto no art. 149º do CC. Para tanto, o demandante terá de, nos termos dos arts. 150º e 257º do CC, de alegar e provar que: a) no momento em que outorgou a procuração, o representado já se encontrava incapacitado de entender o sentido e alcance jurídico daquele ato ou já se encontrava privado do livre exercício da sua vontade; b) e que essa incapacidade natural do representado no momento em que outorgou a procuração era do conhecimento dos terceiros (compradores dos prédios) ou era deles cognoscível. 6- A anulação da procuração determina ipso iure a anulação dos contratos de compra e venda celebrados pelo procurador com os terceiros, em nome do representado e dentro dos poderes representativos nela consignados. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: I- RELATÓRIO AA, residente no Lar ..., Rua ..., ..., ..., representada pelo seu tutor, BB, residente na Rua ..., ... ..., ..., instaurou ação declarativa, sob a forma comum, contra CC, residente na Rua ..., ..., ... ..., ..., DD e marido, EE, residentes na Rua ..., ..., ... ..., ..., FF, residente na Rua ..., ..., ... ..., ..., GG, residente na Rua ..., ... ..., ..., HH, residente na Rua ..., ... ..., ..., II e mulher, JJ, residentes na Rue ... ..., ..., ..., KK e mulher, LL, residentes na Rua ..., ... ..., ..., MM, residente na Rua ..., ..., ... ..., ..., e NN, residente no Beco ..., ..., ..., pedindo que se: a) anulasse a procuração descrita no artigo 10.º da petição inicial e, consequentemente, se declarasse a ineficácia em relação à Autora das escrituras de compra e venda descritas nos artigos 17.º e 18.º daquela peça; b) anulasse a escritura de compra e venda descrita no artigo 17.° da petição inicial, devendo o imóvel dela objeto ser restituído ao património da Autora e da herança aberta por óbito de OO; c) ordenasse o cancelamento de todos e quaisquer registos efetuados com base no ato referido na alínea anterior, designadamente, o registo de aquisição a favor do 8.º Réu, bem como aqueles que se seguirem e que resultem diretamente daquela transmissão; d) anulasse a escritura de compra e venda descrita no artigo 18.º da petição inicial, devendo o imóvel objeto dela ser restituído ao património da Autora e da herança aberta por óbito de OO; e) ordenasse o cancelamento de todos e quaisquer registos efetuados com base no ato referido na alínea anterior, designadamente, o registo de aquisição a favor do 9.º Réu, bem como aqueles que se seguirem e que resultem diretamente daquela transmissão. Para tanto alegou, em síntese, que: em 20/18/2018 faleceu OO, no estado de casado com a Autora, deixando como seus únicos e universais herdeiros a própria e os filhos do casal, os Réus CC, DD, FF, GG, HH, KK e II e, bem assim, o tutor, BB; por sentença proferida em 19/03/2018, transitada em julgado, AA foi declarada interdita por anomalia psíquica, tendo sido designado seu tutor o filho PP e tendo sido fixado o início da incapacidade em 07/08/2015; essa ação foi instaurada em 30/03/2017 e foi anunciada e publicitada em 05/04/2017; em 07/02/2017, a Autora outorgou procuração ao Réu KK conferindo-lhe poderes, entre os quais os de prometer vender, e efetivamente vender, pelo preço e condições que entendesse convenientes, quaisquer imóveis sitos na união de freguesias ... e ..., ...; a Autora nunca soube ler, escrever ou calcular e, aquando da outorga da procuração, já apresentava uma situação de deterioração cognitiva e volitiva, em quadro demencial avançado, sendo notório que não estava capacitada de entender o sentido e alcance da referida procuração, o que era do perfeito conhecimento do Réu KK; fazendo uso da procuração, em representação da Autora, o Réu KK, juntamente com o falecido OO, por escritura pública de 23/05/2017, venderam o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...68, inscrito na matriz sob o art. ...18º da freguesia ... e ..., e, por escritura pública de 08/06/2013, venderam o prédio urbano descrito na mesma Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...59, inscrito na matriz sob o art. ...30º da freguesia ... e ...; o Réu KK outorgou as escrituras munido de uma procuração anulável, pelo que não dispunha de poderes de representação da Autora, o que determina que aqueles negócios de compra e venda sejam ineficazes em relação a ela; os negócios de compra e venda foram celebrados na pendência da ação de interdição, depois desta ter sido anunciada e publicitada e causaram prejuízo à Autora, na medida em que esta nunca chegou a receber o preço de venda dos prédios e o valor de mercado do primeiro prédio vendido ascendia a quantia superior a 45.000,00 euros, enquanto o do segundo prédio a montante superior a 70.000,00 euros, tendo sido vendidos por preço inferior ao seu valor de mercado, o que determina a anulabilidade das escrituras públicas de compra e venda celebradas. Os Réus KK, MM e NN contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação. Suscitaram a exceção dilatória de litispendência, alegando encontrar-se a correr termos no Juízo Central Cível de Guimarães, sob o n.º 1247/19...., uma ação instaurada pela Autora contra os mesmos Réus e em que foram formulados os mesmos pedidos e que é repetição da presente ação. Suscitaram a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, alegando que os 1º a 7º Réus e o tutor da Autora, BB, são filhos do falecido OO, pelo que, por serem todos titulares da herança deixada e aceite por óbito deste, a presente ação tem de ser instaurada contra todos eles, pelo que a falta do filho, tutor da Autora, do lado passivo determina a ilegitimidade dos Réus para a presente ação. Suscitaram a exceção perentória de caducidade do direito da Autora a instaurar a presente ação, alegando que esta foi instaurada em 29/11/2019, quase 19 meses após o trânsito em julgado da sentença de interdição da Autora e que, na data desse trânsito, há muito que o tutor BB tinha perfeito conhecimento da outorga da procuração e da celebração das escrituras de compra e venda que se pretende ver invalidadas. Impugnaram parte dos factos alegados pela Autora. Concluíram pedindo que se julgasse a ação improcedente e fossem absolvidos do pedido. Os Réus QQ e NN deduziram reconvenção para o caso de a ação vir a proceder, pedindo a condenação solidária da Autora, do seu tutor e dos Réus, bem como da herança por estes aceite, aberta por óbito de OO: a- a pagarem ao Réu QQ a quantia de € 70.860,00, acrescida de juros de mora que se vencerem a partir da citação até efetivo pagamento; b- a pagarem ao Réu NN a quantia de € 71.510,00, acrescida de juros de mora que se vencerem a partir da citação até efetivo pagamento. Alegaram para o efeito, em suma, que aquelas quantias correspondem ao preço pago pela compra e venda dos imóveis, nos valores de € 45.000,00 e de € 70.000,00, respetivamente, bem como às despesas com imposto de selo, escrituras de compra e registos suportadas e obras e melhorias introduzidas pelos compradores de boa-fé nos prédios depois de terem celebrado as escrituras de compra e venda. A Autora replicou impugnando os factos alegados pelos réus-reconvintes e concluindo pela improcedência do pedido reconvencional. Tendo a Autora, AA, falecido em ../../2020, por requerimento de 20/08/2020, os Réus requereram que se condenasse o tutor, BB, como litigante de má fé em virtude de se ter continuado a arrogar tutor daquela no âmbito da presente ação, não cuidando em informar que a sua representada tinha falecido há 33 dias. O tutor BB respondeu alegando que a sua mãe faleceu em período de férias judiciais e que não houve, nesse período, qualquer contacto do mesmo com o seu mandatário; o requerimento de 20/08/2020 reveste natureza meramente processual – pedido de registo da ação – e o mandatário não sentiu necessidade de conferenciar com ele, não se verificando assim qualquer comportamento processualmente reprovável de sua parte. Concluiu pedindo que se julgasse improcedente o pedido de condenação como litigante de má-fé. Por despacho de ../../2020 declarou-se suspensa a instância por falecimento da Autora. Deduzido incidente de habilitação de sucessores da falecida Autora, AA, foi proferida sentença, em ../../2021, transitada em julgado, que julgou habilitado como co-herdeiro daquela BB. Por despacho de ../../2022 notificou-se o co-herdeiro habilitado da falecida AA para que se pronunciasse quanto à matéria de exceção invocada pelos Réus. Na sequência respondeu, concluindo pela improcedência das exceções invocadas. Em 29/07/2022, proferiu-se despacho em que: se admitiu o pedido reconvencional; dispensou a realização de audiência prévia; fixou o valor da ação em 142.370,00 euros; saneador, em que se conheceu das exceções de ilegitimidade passiva e de litispendência suscitada pelos Réus contestantes, as quais foram julgadas improcedentes; identificou-se o objeto do litígio; enunciaram-se os temas da prova; conheceu-se dos requerimentos de prova; e decidiu-se que a data para a realização de audiência final seria designada uma vez realizada a prova pericial que fora requerida e deferida. O co-herdeiro habilitado da falecida Autora, BB, requereu que fosse realizada audiência prévia. Designada data para a realização de audiência prévia, iniciada esta, após suspensão da instância com vista a ser celebrada transação entre as partes, o que se frustrou, em 13/07/2022, continuou-se a sua realização, em que as partes se limitaram a requerer prova adicional. Realizada audiência final, em 17/10/2024, proferiu-se sentença, em que se julgou a ação improcedente e, em consequência, se absolveu os Réus do pedido; julgou-se prejudicado o conhecimento dos pedidos reconvencionais formulados pelos Réus QQ e NN; e improcedente o pedido de condenação da falecida Autora, AA, como litigante de má-fé, da qual consta a seguinte parte dispositiva: “Face ao exposto, julga-se: a) a ação intentada pela falecida Autora, AA, e prosseguida pelo seu co-herdeiro, BB, improcedente e, em consequência, absolvem-se os Réus CC, DD e marido, EE, FF, GG, HH, II e mulher, JJ, KK e mulher, LL, MM e NN, dos pedidos formulados por aquela; b) prejudicado o conhecimento dos pedidos reconvencionais formulados pelos Réus MM e NN; c) improcedente o pedido de condenação da falecida Autora, AA, como litigante de má-fé formulado pelos Réus KK, MM e HH. Custas a cargo da Autora”. Inconformado com o decidido, BB, co-herdeiro habilitado da falecida Autora, AA, interpôs recurso, em que formulou as seguintes conclusões: 1ª – Aos 30/03/2017, a Ré GG interpôs ação de interdição da mãe, AA, cujos termos correram sob o Proc. nº 1807/17.... – Juízo Local Cível de Guimarães – Juiz ..., publicitada e anunciada em 05/04/2017 e transitada em julgado em 04/05/2018, que declarou a Autora interdita, fixando-se o início da sua incapacidade por anomalia psíquica, com carácter definitivo, aquando a sua institucionalização no Centro Social ... em 07/08/2015. 2ª – Em 07/02/2017, no Centro Social ... perante a Sr.ª Notária RR, a Autora, declarou constituir seu procurador o seu filho e Réu KK, a quem conferiu poderes para em seu nome: “Prometer vender e efetivamente vender pelo preço e condições que entender, convenientes os imóveis sitos na união de freguesias ... e ..., concelho ..., além dos demais consignados nas alíneas b); d); e) e f). 3ª – Por escrituras públicas, lavradas em 23/05/2017, e 08/06/2017 no Cartório Notarial ..., outorgadas em representação da Autora, o Réu KK e seu pai, OO, venderam ao Réu MM o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...68 e inscrito na respetiva matriz sob o art. ...18º, pelo preço de € 45.000,00 e ao Réu NN o imóvel urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...59º e inscrito na respetiva matriz sob o art. ...30º, pelo preço de € 70.000,00. 4ª Aquando da outorga da procuração do tribunal deu como provado que: a AA sabia ler, escrever e calcular, como apresentava capacidade de reconhecer o documento; e não se encontrava numa situação de deterioração cognitiva e volitiva em quadro demencial avançado. 5ª – O Tribunal não deu como provado que a Autora quando foi institucionalizada no lar se apresentava: “sem capacidade de entendimento, a sofrer demência, sem autonomia, com grave alteração de memória, desorientada, incontinente de esfíncteres, com necessidade de usar fraldas em permanência, e sem capacidade de apreciar qualquer documento, tal como a procuração. 6ª – O tribunal deu como não provado que o Réu KK haja tido conhecimento da demência da mãe, nos termos do exposto nos arts. 1 a 5, e a Autora nunca haja recebido o preço das vendas dos imóveis, e, que no mercado do imobiliário o seu valor era superior ao escriturado. 7ª – Não ficou provado que a Autora aquando da outorga da procuração gozasse das faculdades mentais próprias de “decidir”, de “querer” e “compreender”, “livremente”, com discernimento e lucidez; nunca haja sido internada no lar do Centro por sofrer de qualquer doença do foro demencial; que sempre soube ler e escrever e que haja frequentado a escola primária até à 4ª classe (cfr. arts. 20º; 24º e 26º). 8ª – No que concerne aos depoimentos de parte dos Réus CC; KK; QQ; HH; DD e GG, não germinou natureza confessória, tal como as testemunhas, SS; TT e UU; VV, funcionárias do lar, não contribuíram no decanto da verdade. 9ª – A convicção do tribunal ancorou-se no testemunho da Sr.ª Notária em prejuízo do relatório da perícia médico-legal e do depoimento da testemunha WW, que afiançou que não se lembrava da situação concreta, podendo somente asseverar que leu e explicou o conteúdo da procuração, prática corrente, além de corroborar o estado de saúde mental da Autora. 10ª – O tribunal não podia dar como provado um facto que escapou à memória da Sr.ª Notária, ademais o cumprimento das formalidades e que se encontrava em perfeitas condições de percecionar, o conteúdo do ato notarial, constitui um mero juízo de valor, ou então, um facto de cariz conclusivo, sem qualquer sustentação na prova. 11ª – O relatório da perícia médico-legal clarifica que a Autora não consegue descrever a sua idade, naturalidade, frataria. Não reconhece o filho que a acompanha. Não mostra capacidade de entendimento do objetivo da avaliação, apresentando deterioração grave do funcionamento cognitivo e volitivo em quadro demencial avançado. 12ª – Neste quadro e diagnóstico clínico, a Autora não reunia condições psíquicas para percecionar com o discernimento necessário e de livre vontade o complexo conteúdo da procuração que não se reduzia ao simples facto de prometer vender e efetivamente vender os imóveis 218º e 230º da matriz. 13ª – O Dr. WW depurou a demência da Autora – (00:03:55 a 00:05:55), que prestou cuidados de saúde desde o início do Centro e que a partir de2019manteve uma colaboração à distância e que pontualmente por lá passava (00:09:21 a 00:09:27); confirmou que era do seu punho a declaração que constitui o doc. nº 9, mas que não se recordava da Autora, atento o facto das semelhanças dos utentes do lar, pessoas idosas, em maioria, com patologias de Alzheimer e demência (00:07:28 a 00:08:13); consignou que a doença de Alzheimer é muito prolongada e quando diagnosticada evolui de forma rápida (00:15:43 a 00:15:51), que a declaração médica, pode ser solicitada pelo lar ou familiares, mas nesta circunstância sempre de acordo com a direção do Centro Social, como é o caso do documento 9 (00:06:21 a 00:07:17 e 00:11:45 a 00:12:53); admite que não era impossível que a Autora não tivesse momentos de lucidez, de reconhecimento das pessoas; principalmente das pessoas de convívio mais próximo; mas já mais difíceis períodos de consciência dos atos praticados (00:16:29 a 00:19:24); que a data fixada da institucionalização da Autora, vai ao encontro da avaliação (00:19:30 a 00:20:52), ou não devia estar longe (00:21:48 a 00:22:11). 14ª – O depoimento do Dr. HH está em sintonia com o relatório pericial e deslinda a dúvida da Mª. Juiz da falta de memória em reconhecer a Autora e que a declaração do seu punho foi seguramente requerida pela instituição e que na mesma existem elementos clínicos a corroborar o seu teor. 15ª - A sentença de interdição ou a instauração do processo que lhe deu causa, devidamente publicitado e anunciado indicia uma presunção simples, de facto do descalabro demencial da Autora, da existência da sua incapacidade para efeitos da anulação do ato jurídico praticado em data anterior, em sentido inverso, recaía sobre os Réus o ónus da prova do seu estado de lucidez providencial à data da outorga da procuração, desiderato este que não lograram ilidir a dita presunção ao abrigo dos arts. 342º, n.º 2 e 346º do CC. 16ª – A Autora padecia de incapacidade acidental no ato da outorga da procuração (07/02/2017), anterior à publicidade e anúncio da ação de interdição (05/04/2017) por força dos arts. 257º, nº 1 ex vi 150º do CC. 17ª - A demência da Autora institucionalizada no Centro em 07/08/2015, em período de tempo anterior ao marido OO, não podia deixar de ser conhecida do filho e Réu KK, a notoriedade da sua saúde mental, pessoa da sua confiança e de convívio próximo, cujas residências (freguesia ... e ..., concelho ...) distam uma da outra 4,5 Kms. (art. 257º, nº 2 CC). 18ª – O recorrente que argui a nulidade só terá a provar que ao tempo da outorga da procuração já existia a demência da Autora, sendo notória do Ré KK, não carece de provar que não estava lúcida naquele momento, em sentido contrário os Réus carecem de a provar, o que não lograram conseguir. 19ª - Em consequência da demência da Autora e falta de lucidez à data da outorga da procuração deve trilhar para o elenco dos factos provados os arts. 1º, 2º e 3º da factualidade não provada, como texto: 1º - Aquando da outorga do escrito mencionado em e), a Autora AA não sabia ler, escrever ou calcular; 2º - bem como não tinha capacidade de reconhecer o documento; 3º - apresentava uma situação de deterioração cognitiva e volitiva, em quadro demencial avançado. Também deve transitar para os factos provados os arts. 4º e 5º com a seguinte redação: - Aquando da outorga do escrito mencionado em d) era notório que a Autora AA não entendesse o sentido e alcance do seu teor. Artigo 5º - A Autora AA entrou no lar “sem capacidade de entendimento, a sofrer demência, sem autonomia, com grave alteração de memória, incontinente de esfíncteres, com necessidade de usar fralda em permanência, sem capacidade de apreciar qualquer documento, designadamente, procuração”. Também deve transitar para os factos provados o art. 6º com o seguinte texto: - O Réu KK tinha conhecimento da demência em estado avançado da Autora, aquando da outorga da procuração. 20ª - No enquadramento do relatório pericial que avaliou o valor de mercado dos imóveis à data das respetivas escrituras, o preço do inscrito sob o art. ...18º da matriz deve ser alterado para € 105.500,00. Assim, o art. 9º dos factos não provados passará a constar dos provados com a seguinte redação: - O valor de mercado do prédio identificado em f) é de € 105.500,00. Em idêntico desígnio deve transitar o art. 10º da factualidade não provada para a provada o valor de mercado do prédio identificado em g) de € 70.000,00, com o seguinte texto: - O valor de mercado do prédio identificado em g) cifra-se em € 118.500,00. 21ª - Os valores aferidos de € 105.500,00 e € 118.500,00 tiveram como causa o relatório pericial da Sr.ª Engª. perita nomeada pelo próprio tribunal, relatório este subestimado pela Mª. Juiz no crédito que deu à iliteracia da Ré GG na matéria tal como já tinha manifestado igual propósito ao relatório médico – legal no testemunho da Sr.ª Notária. 22ª - Em consequência da sua patologia a Autora não recebeu o preço dos imóveis, assim deve transitar para os factos provados o art. 8º da factualidade não provada, passando a ter a seguinte redação: - A Autora AA nunca recebeu os preços das vendas dos imóveis. 23ª – Com a anulação e declaração da ineficácia da procuração na sequência da demência da Autora devem ser anuladas as escrituras de compra e venda dos imóveis 218º e 230º da matriz. 24ª - A sentença violou os arts. 67º; 130º; 138º; 150º; 287º; 342º; 346º; 388º e 389º do CC e 411º e 615º, al. c) do CPC. Nestes termos, no segmento do citado preceito adjetivo (art. 615º, n.º 1, al. c) deve ser anulada a decisão do tribunal a quo e, caso assim, não se entenda ser revogado e, em sua substituição seja proferido acórdão que declare como procedente os pedidos: a) ser anulada a procuração descrita no art. 10º da p.i. e, consequentemente, ser declarada a ineficácia em relação à A., das escrituras de compra e venda descritas nos arts. 17º e 18º (pi) e, à vista disso, os demais pedidos b); c); d); e) e f). E, assim, se fará a acostumada JUSTIÇA. Apenas o Réu MM contra-alegou, sustentando que: o recorrente BB não tem legitimidade para interpor o presente recurso; verificar-se a exceção dilatória de ilegitimidade passiva; o recorrente não cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto; e, finalmente, pugnando pela improcedência do recurso. * A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e como efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.* Aquando da elaboração do projeto de acórdão, em 29/03/2025, o aqui relator, salvaguardando o princípio do contraditório, proferiu o seguinte despacho:“No âmbito da presente ação os Réus contestantes, KK, MM e NN, suscitaram a exceção perentória de caducidade do direito da Autora, AA (esta viva à data da propositura da presente ação, onde se encontrava então representada pelo seu tutor, BB, o qual, na sequência do falecimento daquela e do trânsito em julgado da sentença proferida no apenso de habilitação de herdeiros, que o julgou habilitado como co-herdeiro, a fim de prosseguir nos presentes autos, ocupando a posição jurídico-processual que antes do falecimento de AA era ocupada por esta, ou seja de autor), a propor a presente ação, requerendo a declaração da anulabilidade: - da procuração junta aos autos a fls. 19 e 20, outorgada pela falecida AA, em 07/02/2017, em que esta constituiu seu procurador o seu filho KK, a quem conferiu poderes para, além do mais, em nome daquela – AA – prometer vender e efetivamente vender, pelo preço e condições que entendesse convenientes, quaisquer imóveis sitos na união de freguesias ... e ..., concelho ...; e - das escrituras públicas de compra e venda celebradas em 23/05/2017 e 08/06/2017, respetivamente, juntas aos autos a fls. 21 a 24, mediante a qual: na primeira, OO e mulher, AA, esta representada pelo seu procurador, KK, exercendo este os poderes que lhe foram conferidos naquela procuração, venderam ao também aqui Réu MM, pelo preço de 45.000,00 euros, o prédio descrito nessa escritura; e na segunda, os mesmos OO e mulher, AA, esta representada pelo mesmo procurador, exercendo os poderes conferidos naquela mesma procuração, venderam ao aqui também Réu NN, pelo preço de 70.000,00 euros, o prédio descrito nessa escritura. Com efeito, em sede da referida exceção perentória de caducidade, alegaram os Réus, nos pontos 22º a 25º da contestação que: “22- Na data do trânsito em julgado da sentença de interdição, há muito que o tutor BB sabia e tinha perfeito conhecimento da outorga da procuração da AA ao seu filho KK, e das escrituras outorgadas, tal como tudo é referenciado nos arts. 10-17 e 18º da p.i. (…). (…). 24 – A tutor da Autora teve conhecimento dos atos e negócios jurídicos cuja anulabilidade pede nesta ação, muito antes do trânsito em julgado da sentença de interdição. Esta transitou em julgado em 04/05/2017. 25- Caducou o direito da A. propor a ação dos negócios jurídicos (…). Com efeito, o prazo para a Autora intentar a presente ação é de um ano a contar do trânsito em julgado da sentença de interdição”. Acontece que, compulsada a sentença recorrida, nela o tribunal a quo não chegou a pronunciar-se quanto à procedência ou improcedência da dita exceção perentória de caducidade, uma vez que o seu conhecimento ficou prejudicado com a circunstância de ter julgado a presente ação totalmente improcedente. Contudo, em sede de julgamento da matéria de facto realizado na sentença recorrida o tribunal a quo não julgou como provada, nem como não provada a alegação dos Réus vertida na contestação de que o tutor, BB, da entretanto falecida AA (ou seja, o ora recorrente e que, conforme antedito, ocupa na presente ação a posição jurídico-processual de autor, na sequência do falecimento de AA, conforme decidido, por sentença transitada em julgado, proferida no apenso de habilitação de sucessores), teve conhecimento da procuração e das escrituras de compra e venda e dos termos dos atos/negócios jurídicos que nelas se encontram explanados antes de 04/05/2017, com o que aquele tribunal incorreu no vício da deficiência do julgamento da matéria de facto, tanto mais que essa questão fáctica, além de alegada na contestação e constituir matéria essencial para que se possa conhecer da exceção perentória de caducidade, foi levada aos temas da prova n.º 3 do despacho proferido em 29/07/2022 (cfr. fls. 20 verso do processo físico). Ponderando que, quando o julgamento matéria de facto padeça do vício de deficiência, decorrente da 1ª Instância não ter julgado como provada, nem como não provada facticidade essencial alegada pelas partes integrativa da causa de pedir ou das exceções (como é o caso, em que os Réus contestantes, na contestação invocaram a exceção perentória de caducidade e para tanto alegaram o sobredito conhecimento da procuração e dos negócios de compra e venda por parte de BB) para a decisão de mérito a proferir, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito, cumpre ao Tribunal da Relação suprir oficiosamente esse vício, julgando provada ou não provada a facticidade sobre a qual a 1ª Instância omitiu pronúncia (ao não julgá-la como provada, nem como não provada), a partir dos elementos que constam do processo e/ou da gravação, sempre que estes o permitam fazer com a necessária segurança (cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 107, 4ª ed., Almedina, págs. 293 a 293), o que é o caso, na medida em que, analisada a prova documental e pericial junta ao processo e ouvida toda a extensíssima prova pessoal que foi produzida em audiência final, dela poderá decorrer que todos os oito filhos dos entretanto falecidos AA e, marido, OO (onde se inclui o tutor daquela e ora recorrente BB), poderão ter tido conhecimento da procuração e das escrituras de compra e venda e dos atos/negócios jurídicos que nelas foram celebrados ainda no decurso do ano de 2017 (o mais tardar, em ../../2017), com vista a evitar-se a prolação de uma decisão surpresa, nos termos do art. 3º, n.º 3 do CPC, impõe-se notificar o recorrente BB e todos os Réus para se pronunciarem, querendo, quanto à exceção perentória da caducidade do direito de anulação daquela procuração e escrituras de compra e venda que vem exercido pela autora na presente ação. Quanto aos negócios celebrados por AA no decurso da ação de interdição depois de ter sido anunciada a propositura dessa ação (como é o caso das escrituras públicas de compra e venda, as quais foram celebradas pelo seu procurador, KK, em nome daquela, já depois da propositura da ação de interdição ter sido anunciada, sem prejuízo da aplicabilidade ou não a essas escrituras de compra e venda do regime do art. 149º, do CC, na medida em que estas foram celebradas pelo procurador KK, exercendo os poderes que AA lhe outorgou por procuração antes da propositura da ação de interdição – questão jurídica essa que terá de ser tratada e analisada em sede de acórdão, no enquadramento jurídico da facticidade que se quede provada e não provada), nos termos do n.º 2 daquele art. 149º, o prazo dentro do qual a ação de anulação deve ser proposta só começa a contar-se a partir do registo da sentença, isto é, do registo na Conservatória do Registo Civil da sentença, transitada em julgado, que decretou a interdição de AA. Ora, compulsados os autos, constata-se que não se encontra junta a eles certidão do assento de nascimento de AA, mas apenas certidão de óbito desta, na qual evidentemente não consta a data em que a interdição daquela foi inscrito no registo civil, dado esse que consta do seu assento de nascimento. Assim, tendo em conta o disposto no art. 149º, n.º 2 do CC, face à invocação pelos Réus contestantes KK, QQ e NN da exceção perentória de caducidade do direito da autora exercido nos presentes autos de ver declaradas inválidas a procuração e as escrituras de compra e venda, impunha-se que a 1ª Instância tivesse exercido, em sede de pré-saneador, o poder-dever do art. 590º, n.ºs 2, al. c) e 3 do CPC, determinando a notificação dos Réus contestantes para que, em prazo que lhes tivesse fixado, juntassem aos autos certidão do assento de nascimento da entretanto falecida Autora, AA, com a inscrição da data em que a sentença, transitada em julgado, a declarou interdita, foi inscrita no registo civil. Não o fez, pelo que incorreu no vício de nulidade processual, a qual, porque se projetou na sentença proferida, em princípio, determinaria a anulação desta. Ponderando, contudo, que se trata de certidão do assento de nascimento da entretanto falecida AA, e, por conseguinte, de documento autêntico, o qual, salvo nos casos em que seja invocada a sua falsidade, faz prova plena dos factos nele inscritos, não se descortina fundamento jurídico válido para se anular a sentença recorrida para que, uma vez junta essa certidão aos autos, a 1ª Instância profira nova sentença. Com efeito, essa anulação atentaria de forma manifesta e grave contra os princípios da economia e da celeridade processuais e dela não decorreria qualquer beneficio para as partes, nomeadamente, em sede de contraditório, na medida em que aquelas já exerceram cabalmente esse direito ao contraditório e, uma vez junta a certidão do assento de nascimento de AA aos presentes autos, por imposição legal, aqueles terão de dela serem notificadas para que então exerçam o direito ao contraditório que tiverem por conveniente em face desse documento autêntico. Logo, a nulidade em que incorreu a 1ª Instância ao não ter, em sede de pré-saneador, ordenado a notificação dos Réus contestantes para que juntassem aos presentes autos a dita certidão do assento de nascimento de AA ficará sanada mediante a notificação destes para que agora a juntem. Nesta conformidade, tendo em consideração os fundamentos de facto e de direito que se acabam de enunciar, decido ordenar: a- A retirada do processo da tabela; b- A notificação dos Réus contestantes KK, MM e NN para, no prazo de dez dias: b.1- juntarem aos autos certidão do assento de nascimento da falecida AA, onde conste a data em que a sentença, transitada em julgado, que a declarou interdita, foi inscrita no registo; b.2- se pronunciarem, querendo, nos termos do art. 3º, n.º 3 do CPC, quanto à exceção perentória de caducidade que invocaram na contestação; c- Logo que os Réus KK, QQ e HH cumpram com o determinado em b) ou que se mostre decorrido o prazo de dez dias que lhes foi fixado para o efeito, no caso de cumprirem com o determinando, ordeno que se notifique todos os restantes Réus e, bem assim, o recorrente, BB, da certidão do assento de nascimento e da pronúncia apresentada pelos Réus KK, QQ e HH para, dentro do prazo de 10 dias, exercerem, querendo, o direito ao contraditório quanto ao teor da certidão do assento de nascimento de AA junta aos autos e, bem assim, no exercício do contraditório, nos termos do art. 3º, n.º 3 do CPC, se pronunciarem, querendo, quanto à exceção perentória de caducidade. No caso dos Réus KK, QQ e BB não cumprirem com o determinado supra em b), o prazo de dez dias para os restantes Réus e o recorrente BB exercerem o direito ao contraditório em relação à exceção perentória de caducidade inicia-se automaticamente, logo que se mostre decorrido o prazo de dez dias fixados os Réus KK, QQ e BB em b). Notifique ao Autor/recorrente BB e a todos os Réus”. Na sequência, os Réus contestantes, KK, MM e NN juntaram aos autos certidão do assento de nascimento da falecida AA, conforme lhes foi ordenado, a qual, uma vez notificada às restantes partes, não foi arguida de falsa. O recorrente, BB, e a recorrida (Ré) GG pronunciaram-se quanto à exceção perentória de caducidade, concluindo pela improcedência desta, alegando que: em 28/02/2019, foi instaurada ação, que correu termos pelo Juízo Central Cível de Guimarães, Juiz ..., sob o n.º 1247/19...., que tem como objeto os mesmos fundamentos e os mesmos pedidos da presente demanda e que foi objeto de extinção por verificação da exceção de ilegitimidade ativa, por sentença proferida em 16/10/2019, transitada em julgado em 06/11/2019; os efeitos civis decorrentes da propositura dessa anterior ação mantêm-se para efeitos da presente, nos termos dos arts. 279º, n.º 2 do CPC, 327º, n.º 2 e 332º, n.º 1 do CC, pelo que, na sua perspetiva, deve a exceção de caducidade ser julgada improcedente. Os Réus-contestantes responderam, pugnando para que aquela exceção perentória fosse julgada procedente, alegando que a decisão proferida no âmbito da ação n.º 124/19...., que julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa e, em consequência, absolveu os nela Réus da instância, foi objeto de acórdão prolatado em 27/02/2020, pelo que essa decisão transitou em julgado para além de 27/03/2020, e ser “completamente impossível e ilegal a repristinação dos efeitos civis” daquela anterior ação na presente, “para além da inaplicabilidade ao caso do estatuído nos arts. 279º, n.º 2 do CPC, 327º, n.º 2 e 332º, n.º 1 do CC”. * Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- DO OBJETO DO RECURSOO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1]. No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões: a- Se o recorrente, BB, não dispõe de legitimidade para recorrer; b- Se o recorrente incumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto; c- Se a sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de facto quanto à facticidade que nela foi julgada não provada nos pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 8º, 9º e 10º e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida se impõe: - quanto à facticidade julgada não provada nos pontos 1º, 2º e 3º julgá-la provada; - quanto à facticidade julgada não provada no ponto 4º julgar provado que: “Aquando da outorga do escrito mencionado em e) era notório que a Autora AA não entendia o sentido e alcance do seu teor”; - quanto à facticidade julgada não provada no ponto 5º julgar provado que: “A Autora AA entrou no lar sem capacidade de entendimento, a sofrer demência, sem autonomia, com grave alteração de memória, incontinente de esfíncteres, com necessidade de usar fralda em permanência, sem capacidade de apreciar qualquer documento, designadamente, procuração”; - quanto à facticidade julgada não provada no ponto 6º julgar provado que: “O Réu KK tinha conhecimento da demência em estado avançado da Autora, aquando da outorga da procuração”; - quanto à facticidade julgada não provada no ponto 8º julgar provado que: “A Autora AA nunca recebeu os preços das vendas dos imóveis”; - quanto à facticidade julgada não provada no ponto 9º julgar provado que: “O valor de mercado do prédio identificado em f) é de 105.500,0 euros”; e - quanto à facticidade julgada não provada no ponto 10º julgar provado que: “O valor de mercado do prédio identificado em g) cifra-se em 118.500,00 euros”; d- Se na sequência da impugnação com êxito do julgamento da matéria de facto operada pelo recorrente, ou independentemente dele, a sentença recorrida (em que se julgou a ação improcedente e, em consequência, se absolveu os recorridos – Réus – do pedido) padece de erro de direito e se, por via disso se impõe a sua anulação ou, subsidiariamente, revogação, julgando-se a ação procedente e condenando-se os Réus nos pedidos. Enfatize-se que do objeto do presente recurso não faz parte a apreciação da exceção dilatória de ilegitimidade passiva suscitada pelo recorrido MM nas contra-alegações de recurso, onde alegou que: “Já em fase de contestação apresentada à P.I. desta ação, foi alegado que face aos pedidos dela constantes, foram habilitados todos os filhos de AA como herdeiros e sucessores do pai falecido em ../../2018 – OO. Entre os filhos habilitados está o ora recorrente BB. Porém, nesta ação, tal como foi proposta, este BB, nem é Autor nem Réu. A ação tinha forçosamente de ser instaurada contra todos os herdeiros do já falecido OO, incluindo contra o aqui recorrente BB, por força do litisconsórcio passivo necessário que se verificava – artigo 33º do CPC -, e por serem titulares da herança deixada e aceite por óbito de OO. Não o foi. O BB, não foi demandado, nem foi Réu na ação. Não foi Autor, apenas litigou como “representante da AA”, esta sim: Autora. Por este motivo havia a ação de improceder por violação da verificada ilegitimidade passiva dos Réus, como se requereu na contestação apresentada”. Com efeito, conforme reconhece o próprio recorrido em sede de contra alegações, este e os restantes Réus contestantes (KK e HH) suscitaram, na contestação, a exceção dilatória de ilegitimidade passiva com os mesmos argumentos que ora reproduz nas contra-alegações (na contestação alegaram que: “Por força da circunstância dos Réus (1 a 7) serem herdeiros do falecido OO assim como o PP, a ação tem forçosamente de ser instaurada contra todos, incluindo o PP, por força do litisconsórcio passivo necessário que se verifica – art. 33º do CPC; e por serem titulares da herança deixada e aceite por óbito de OO. In casu, a A. – AA –, na qualidade de meeira e herdeira do seu falecido marido OO – tem de intentar a presente ação contra todos os filhos do casal, que são oito e não sete, como são identificados na p.i., na posição processual de RR.; a falta do filho – BB – na posição processual de R., enquanto herdeiro habilitado do seu falecido pai – OO –, neste caso, de litisconsórcio passivo necessário, ocasiona a ilegitimidade dos RR. na ação – n.º 1 do art. 28º do CPC. Só demandados todos os filhos do falecido OO, face à alegada causa de pedir e pedido da ação, esta produziria uma decisão com o efeito útil normal – art. 28º, n.º 2 do CPC). Devem pois os RR. demandados serem julgados partes ilegítimas para a presente ação”). Acontece que, a 1ª Instância, no despacho saneador proferido em 29/07/2022, conheceu, em concreto e especificamente, da identificada exceção dilatória de ilegitimidade passiva, julgando-a improcedente. A decisão que julgou improcedente a exceção dilatória vinda a referir podia ser impugnada com a sentença recorrida, nos termos do art. 644º, n.ºs 1, al. b), parte final, a contrario, 3 e 4 do CPC. Sucede que, o recorrido QQ não interpôs recurso da sentença proferida e o recorrente BB não imputou erro de direito ao despacho saneador em que se conheceu da identificada exceção dilatória, julgando-a improcedente (nem, aliás, dispunha de legitimidade para dela recorrer, por a decisão de improcedência daquela exceção dilatória não lhe ser desfavorável e, por isso, não ser nela vencido). Por conseguinte, não tendo o despacho saneador proferido em 29/07/2022, em que a 1ª Instância julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva sido impugnado no âmbito do presente recurso, aquele transitou em julgado, operando caso julgado formal, não podendo a questão da verificação (ou não) da exceção dilatória de ilegitimidade passiva ser objeto de nova discussão no âmbito da presente ação, onde se encontra, definitiva e de forma vinculativa, decidido não ocorrer a mesma, pelo que esta Relação encontra-se impedida de dela conhecer, sob pena de incorrer em violação do caso julgado formal que cobre aquele despacho saneador. Em suma, não se conhecerá da exceção dilatória de ilegitimidade passiva, dado que a mesma não integra o objeto do presente recurso, além de que já foi objeto de decisão (em sede de despacho saneador, que a julgou improcedente) transitada em julgado. * III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade com relevância para a decisão de mérito a proferir no âmbito da presente ação: A- OO, casado com AA, faleceu aos ../../2018 - cfr. certidão de óbito junta aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. B- Aos 30-03-2017, GG interpôs ação de interdição de AA, a ação correu termos sob o Processo nº 1827/17...., do Juízo Local Cível de Guimarães – J.... C- A interposição da ação descrita em b) foi publicitada e anunciada aos 05-04-2017. D- No âmbito do Processo identificado em B), aos 19-03-2018 foi proferida sentença, transitada em julgado em 04-05-2018, com o seguinte teor: “a) Declaro AA interdita por anomalia psíquica, com carácter definitivo, fixando-se o momento de início da sua incapacidade desde o internamento, 07 de agosto de 2015; b) Para exercer o cargo de tutor da interdita nomeio BB; c) O Conselho de Família será constituído por GG e XX” - cfr. certidão junta aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. E- Aos 07-02-2017, no Centro Social ..., perante a Notária RR, a Autora AA, declarou constituir “bastante procurador o seu filho KK (…) a quem confere poderes para em seu nome: a) Prometer vender e efetivamente vender pelo preço e condições que entender convenientes, quaisquer imóveis sitos na união de freguesias ... e ..., concelho ... (…)”- cfr. documento junto autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. F- Por escritura pública, lavrada aos 23-05-2017, no Cartório Notarial ..., o Réu KK, outorgando em representação de AA, e OO, por um lado, e MM, por outro lado, declararam os primeiros vender e o segundo comprar, pelo preço de €45.000,00, o prédio urbano composto de casa de ..., sito no lugar ..., da freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...68 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...18º - cfr. documento junto autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. G- Por escritura pública, lavrada aos 08-06-2017, no Cartório Notarial ..., o Réu KK, outorgando em representação de AA, e OO, por um lado, e NN, por outro lado, declararam os primeiros vender e o segundo comprar, pelo preço de €70.000,00, o prédio urbano composto por edifício de um piso e logradouro, sito na Rua ..., da freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...59 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...30º - cfr. documento junto autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. H- A Autora AA, viúva de OO, faleceu aos ../../2020 - cfr. certidão de óbito junta ao apenso de habilitação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. I- BB, nascido aos ../../1963, encontra-se registado como sendo filho de AA e de OO - cfr. certidão de nascimento junta ao apenso de habilitação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. J- CC, nascida aos ../../1956, encontra-se registada como sendo filha de AA e de OO - cfr. certidão de nascimento junta ao apenso de habilitação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. K- DD, nascida aos ../../1960 e casada com EE, encontra-se registada como sendo filha de AA e de OO - cfr. certidão de nascimento junta ao apenso de habilitação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. L- FF, nascida aos ../../1970, encontra-se registada como sendo filha de AA e de OO - cfr. certidão de nascimento junta ao apenso de habilitação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. M- GG, nascida aos ../../1957, encontra-se registada como sendo filha de AA e de OO - cfr. certidão de nascimento junta ao apenso de habilitação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. N- HH, nascido aos ../../1965, encontra-se registado como sendo filho de AA e de OO - cfr. certidão de nascimento junta ao apenso de habilitação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. O- II, nascido aos ../../1973 e casado com JJ, encontra-se registado como sendo filho de AA e de OO - cfr. certidão de nascimento junta ao apenso de habilitação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. P- KK, nascido aos ../../1961, encontra-se registado como sendo filho de AA e de OO - cfr. certidão de nascimento junta ao apenso de habilitação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Q- Correu termos em Juízo a ação n.º 1247/19.... no Juízo Central Cível de Guimarães, J..., proposta, aos 27-02-2019, por BB proposta contra AA, CC, DD e marido, EE, FF, GG, HH, II e mulher, JJ, KK e mulher, LL, MM e NN, onde foram formulados os mesmos pedidos destes autos e na qual foi proferida decisão final, transitada em julgado a 26-06-2020, de indeferimento liminar da petição por procedência da exceção de ilegitimidade substantiva do Autor para a propositura da presente ação - cfr. certidão judicial junta aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. R- A Exma. Sra. notária RR leu e explicou à Autora AA o conteúdo do escrito mencionado em e). S- O preço mencionado em f) e g) eram, àquelas datas, superiores aos correntes no mercado. T- O Réu MM pagou à Autora AA e ao OO o preço mencionado em f), que estes receberam. U- O Réu MM nunca soube, teve conhecimento ou suspeitou que a Autora AA sofresse de alguma doença mental. V- O Réu MM teve de mandar reparar as paredes de pedra e suporte da casa, abrindo algumas portas. W- Foram colocadas grades em ferro galvanizado nas janelas, persianas novas em alumínio nas janelas, caleiros novos, portões de ferro nas duas entradas. X- Foi efetuada a instalação elétrica nova em toda a casa, com colocação de pontos de luz no exterior, aplicação de circuitos de terra para proteção, com elétrodos de cobre, para alimentar a garagem, lavandaria e bomba de água. Y- E ainda desviar o contador da corrente elétrica para o exterior, com o subsequente preço pago à EMP01.... Z- A nível de carpintaria foram feitas portas em madeira, com os respetivos aros, devidamente envernizados. AA) Foi equipada toda a casa com eletrodomésticos, a saber: - 1 fogão novo de cinco bocas a gás; - 1 máquina de lavar roupa; - 1 frigorifico; - 1 Tv Led; - Uma mobília de quarto de dormir com cama, 2 mesas de cabeceira, 1 roupeiro, 1 armário; - Equipamento de uma casa de banho: um armário, um espelho com luz, sanita, lavatório, toalheiros, etc. AB- Foi feito trabalho de picheleiro com substituição de torneiras e novas tubagens. AC- Colocação de pontos de água no interior e exterior da casa. AD- Colocação de pladur nas paredes e tetos das quatro divisões da casa. AE- Fornecimento de cascalho, areia, cimento, ferro, tijoleiras de grez para a construção. AF- O Réu MM suportou com as obras descritas de V) a AE) o valor de pelo menos €25.000,00. AG- O Réu MM para outorga do escrito mencionado em F) teve os seguintes gastos: - pagamento do imposto de selo no montante de €360,00; - pagamento da escritura no valor de €250,00; - pagamento do registo no montante de €250,00. AH- O Réu NN pagou à Autora AA e ao OO o preço mencionado em G), que estes receberam no ato do acerto inicial do negócio €15.000,00 e no ato da outorga da escritura €55.000,00. AI- Após a compra do imóvel, o Réu NN, enviou à Ré GG, uma carta registada com aviso de receção, a dar a conhecer a outorga do escrito mencionado em G), acompanhada de uma cópia. AJ- O Réu NN, no escrito referenciado em AI), solicitou à Ré GG, por ser arrendatária do imóvel, o pagamento da renda, dando-lhe as informações pertinentes para esse efeito - cfr. documento junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. AK- A Ré GG rececionou o escrito descrito em AI), assinando o aviso de receção - cfr. aviso de receção junto aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. AL- O Réu NN nunca soube, teve conhecimento ou suspeitou que a Autora AA sofresse de alguma doença mental. AM- O Réu NN para a outorga do escrito mencionado em G) suportou os seguintes gastos: - €700,00 de IMT; - €560,00 de imposto de selo; - €250,00 de despesa do notário e - €250,00 de registo da compra do imóvel. * Por sua vez, a 1ª Instância julgou não provada a facticidade que se segue:1- Aquando da outorga do escrito mencionado em e), a Autora AA não soubesse ler, escrever ou calcular; 2- Bem como nunca tenha tido capacidade de reconhecer o documento; 3- E se apresentasse numa “situação de deterioração cognitiva e volitiva, em quadro demencial avançado”; 4- Aquando da outorga do escrito mencionado em e), haja sido notório que a Autora AA não se encontrasse a entender o sentido e alcance do seu teor; 5- A Autora AA tenha dado entrada no lar “sem capacidade de entendimento, a sofrer demência, sem autonomia, com grave alteração de memória, desorientada, incontinente de esfíncteres, com necessidade de usar fralda em permanência, sem capacidade de apreciar qualquer documento, designadamente procuração”; 6- O Réu KK haja tido conhecimento do descrito de 1. a 5. 7- BB tenha tido conhecimento do escrito mencionado em E) apenas quando foi nomeado tutor na sentença descrita em D). 8- A Autora AA nunca haja recebido os preços descritos em F) e G). 9- O valor de mercado do prédio identificado em F) seja superior a €45.000,00. 10- O valor de mercado do prédio identificado em G) seja superior a €70.000,00. 11- BB haja tido conhecimento do escrito mencionado em E) antes de 04-05-2018. 12- A Autora AA haja conversado com o seu marido, OO, e, por motivos de dificuldades em se locomover e deslocar-se à cidade ..., tenham decidido outorgar uma procuração a favor dum dos seus filhos. 13- O casal tenham pretendido vender os imóveis descritos em F) e G) para proceder ao pagamento da joia de inscrição e admissão no Centro Social de OO. 14- E para proverem e fazerem face aos gastos da sua vida diária. 15- Uma semana antes do dia 07-02-2017, para efeitos da outorga dessa procuração, se haja deslocado ao Centro Social ... a Exma. Sra. Notária Dra. RR, solicitada para esse efeito. 16- A Exma. Sra. Notária Dra. RR tenha reunido com a Autora AA, na presença do marido OO e da filha DD - 2ª Ré - a quem ia ser outorgada a procuração. 17- A Autora AA haja declarado à Exma. Sra. Notária Dra. RR que se não era vontade do marido que ela outorgasse a procuração à filha, mas antes ao filho KK, assim o faria. 18- Face a esta posição, a Exma. Sra. Notária Dra. RR tenha dado o ato por concluído. 19- Na outorga do escrito referido em E) estiveram presentes OO, o Réu KK e a Sra. Diretora do Centro Social. 20- A Autora AA, aquando do escrito mencionado em E), gozasse “das faculdades mentais próprias de “decidir”, de “querer” e “compreender”, livremente, com discernimento e lucidez”. 21- A Autora AA, tenha recolhido ao lar, por consenso dos membros da família próxima, que quiseram que ela e o marido, tivessem melhores cuidados e assistência na sua vida do dia a dia. 22- A Autora AA tenha ido em primeiro para o lar porque o casal só dispunha de dinheiro suficiente para pagar a joia de uma inscrição. 23- A Autora AA e OO hajam sido internados no lar do Centro Social para terem medicamentos, alimentação e higiene com regularidade e a horas certas, mudanças de fraldas e outros serviços, por pessoas competentes para o fazer. 24- A Autora AA nunca haja sido internada no lar do Centro Social por sofrer de qualquer doença do foro demencial. 25- A Autora AA sempre soube ler e escrever. 26- A Autora AA haja frequentado a escola primária de ..., até à 4ª classe. 27- YY tenha mostrado interesse em adquirir os imóveis da Autora AA e de OO. 29- ZZ tenha avaliado o prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º ...18 da freguesia ... – ..., em €45.000,00. 30- ZZ haja avaliado prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º ...30 da freguesia ... e ..., em €70.000,00. 31- YY tenha desistido da compra dos imóveis, porque considerou o valor da avaliação elevado e superior ao valor de mercado. * IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICAA- Da (i)legitimidade ad recursum do recorrente BB O recorrido MM suscitou a questão prévia da falta de legitimidade do recorrente, BB, para interpor recurso da sentença que julgou improcedente a presente ação e absolveu os Réus do pedido, advogando que: “Como dos autos consta – AA – faleceu em ../../2020. O presente recurso é apresentado por BB, na qualidade que invoca de “legal representante” da falecida AA. A falecida AA deixou filhos que são seus herdeiros legítimos, e como tal se habilitaram. O próprio apelante, BB, sendo filho de AA, habilitou-se nessa qualidade. É nosso entender que não pode haver atividade judiciária, prosseguida e protagonizada por pessoa falecida – in casu, a AA. Não pode igualmente o recorrente BB representar uma pessoa falecida”. Concluiu ocorrer “ilegitimidade do recorrente BB para interpor o presente recurso pela forma como o fez – ilicitude que se alega, nos termos do n.º 6 do art. 638º do CPC”. Vejamos se lhe assiste razão. Nos termos do art. 631º do CPC, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido (n.º 1); as pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias (n.º 2). Conforme decorre das normas que se acabam de referir, a regra geral é de que apenas dispõe de legitimidade para recorrer das decisões judiciais quem seja parte principal na ação em que foram proferidas e quando tenha ficado vencido. O vencimento ou decaimento deve ser aferido “em face da pretensão formulada ou da posição assumida pela parte principal relativamente à questão que tenha sido objeto da decisão. É parte vencida aquela que é objetivamente afetada pela decisão, ou seja, a que não tenha obtido a decisão mais favorável aos seus interesses. O autor é parte vencida se a sua pretensão foi recusada, no todo ou em parte, por razões de forma ou de fundo; o réu quando, no todo ou em parte, seja prejudicado pela decisão. Nessa medida, o que sobreleva é o resultado final e não tanto o percurso trilhado pelo tribunal para o atingir. Sendo o réu absolvido do pedido, pouco importa se, para o efeito, o tribunal fundou a decisão na falta de prova dos factos alegados pelo autor ou na verificação de uma exceção perentória aduzida pelo réu, ou ainda se, em lugar de determinado vício do contrato invocado pelo réu, o tribunal conheceu oficiosamente de um outro que determinou a improcedência da ação. Quanto ao autor, não deixa de ser parte vencedora se a sua pretensão foi acolhida, ainda que sem a argumentação jurídica aduzida. Em ambos os casos, mais do que as razões que presidiram à decisão, interessa a análise do resultado na esfera jurídica da parte. O mecanismo de recurso pressupõe que se aperceba a existência de uma utilidade na posterior intervenção de um Tribunal Superior”[2]. Em suma, quanto às partes principais (autor, réu ou intervenientes principais), estas dispõem de legitimidade para recorrer quando a decisão proferida cause prejuízo na sua esfera jurídica e, assim, pretendam obter do tribunal de recurso uma decisão mais favorável aos seus direitos ou legítimos interesses do que a que resulta da decisão proferida pelo tribunal recorrido. Segundo o critério formal (o qual, a maioria das vezes coincide com o critério material), as partes principais dispõem de legitimidade para recorrer da decisão proferida quando o autor viu a sua pretensão (pedido), total ou parcialmente, a improceder, pelo que aquele dispõe de legitimidade para recorrer quando viu o pedido que formulou, total ou parcialmente, a ser julgado improcedente. E o réu dispõe de legitimidade para recorrer quando viu a pretensão que contra ele foi formulada, total ou parcialmente, a proceder. Acresce que, segundo o critério material, também dispõe de legitimidade para recorrer o autor ou o réu a quem a decisão proferida, do posto de vista formal se mostre (aparentemente) favorável à tutela dos seus direitos ou legítimos interesses, mas não o é do ponto de vista material, por a decisão não ser a que melhor satisfaz os seus direitos ou legítimos interesses (v.g., o tribunal julgou o pedido principal formulado pelo autor improcedente, e julgou o pedido subsidiário por ele deduzido procedente – neste caso, apesar de, segundo o critério formal a decisão proferida, que julgou o pedido principal improcedente, mas julgou o subsidiário procedente, se mostrar aparentemente favorável aos direitos e/ou aos legítimos interesses do autor, a verdade é que, do ponto de vista material o decidido não o é, na medida em que aquele pretendia que o tribunal lhe reconhecesse preferencialmente o pedido que deduziu a título principal, pelo que, dispõe de legitimidade para recorrer daquela decisão, pugnando junto do tribunal de recurso para que lhe seja reconhecido o pedido que deduziu a título principal. O réu foi absolvido da instância, pelo que, do ponto de vista estritamente formal essa decisão é favorável aos seus direitos e/ou interesses, na medida em que, face ao decidido, o mesmo não sofre qualquer prejuízo ou gravame na sua esfera jurídica; contudo, entendendo o réu que, face à facticidade apurada na ação, o tribunal incorreu em erro de direito, na medida em que não era caso para o ter absolvido da instância, mas antes do pedido, por apelo ao critério material, impõe-se reconhecer-lhe legitimidade ad recursum, pugnando para que o tribunal de recurso o absolva do pedido e, assim, obtenha junto uma decisão mais favorável à defesa dos seus direitos e/ou interesses). Por sua vez, nos termos do n.º 2 do art. 631º do CPC, dispõem também de legitimidade para recorrer da decisão judicial todas as pessoas que sejam “direta e efetivamente prejudicadas” pelo decidido, quer se trate de partes acessórias na ação em que a decisão foi proferida, quer se trate de terceiros, ou seja, quem nela não teve qualquer intervenção. E entende-se que essas partes acessórias ou terceiros são direta e efetivamente prejudicadas pela decisão proferida e que, por isso, dispõem de legitimidade para recorrerem quando o decidido lhes cause, direta e efetivamente, prejuízo ou gravame na sua esfera jurídica[3]. Revertendo ao caso dos autos, a presente ação foi instaurada por AA, representada pelo ora recorrente, BB, que foi nomeado seu tutor na sentença, transitada em julgado, que a declarou interdita. A Autora AA faleceu em ../../2020. Requerida a habilitação dos sucessores da falecida Autora, AA, em ../../2021, no apenso A, foi proferida sentença, transitada em julgado, que julgou habilitado como co-herdeiro da mesma, a fim de que prosseguisse a presente ação, ocupando a posição jurídico-processual que antes do seu falecimento era ocupada pela Autora AA (isto é, de autor) o ora recorrente, BB, com os seguintes fundamentos fáctico-jurídicos: “Tendo em consideração que, com exceção do Requerente, os demais filhos da falecida Autora são Réus nos autos principais, estão impedidos de ser habitados na posição processual que a mãe ocupava naqueles autos, só o Requerente deverá ser habilitado para efeito de prosseguimento dos autos em representação da falecida AA. Neste sentido, entre outros, o douto acórdão do STJ de 02/06/1964, in BMJ, 138, pág. 298. Pelo que, tendo em conta os factos provados e o disposto nos artigos 354º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 2030º e 2133º, n.º 1 al. a), do Código Civil, julgo habilitado, como co-herdeiro da Autora AA: BB, para com ele prosseguir os seus termos a ação”. Destarte, o recorrente intervém na presente ação ocupando a posição jurídico- processual que antes era ocupada pela falecida Autora, AA, ou seja, não já como legal representante da última, mais concretamente, como seu tutor (qualidade jurídica essa que se extinguiu com o óbito de AA, altura em que deixou de ter personalidade jurídica - art. 68º, n.º 1 do CC - e judiciária - art. 11º do CPC), mas como seu sucessor, passando a ocupar a posição jurídico-processual que por ela era ocupada até ao seu falecimento, isto é, de autor. Ou seja, a sentença que julgou habilitado o ora recorrente como co-herdeiro da falecida Autora apenas operou a modificação subjetiva da instância, determinando a mera substituição da falecida AA pelo ora recorrente, produzindo a dita sentença efeitos de natureza meramente processuais, ao colocar o recorrente na posição de autor, que antes era ocupada por aquela. É certo que, conforme acusa o recorrido QQ acontecer, o recorrente BB interpôs o presente recurso enquanto “legal representante da Autora AA”. No entanto, essa expressão, enquanto ato jurídico, nos termos do disposto no art. 295º, ex vi, art. 236º do CC, tem de ser interpretada à luz dos critérios interpretativos previstos nessas normas, nos termos das quais a declaração negocial tem de ser interpretada com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. Assim, é apodítico que qualquer declaratário médio, de são critério, que se encontrasse na posição do recorrido QQ ou do julgador (reais declaratários) não ignoravam, nem podiam ignorar, que a Autora AA faleceu em ../../2020, momento em que deixou de ter personalidades jurídica e judiciária e em que, consequentemente, o ora recorrente perdeu a qualidade jurídica de seu legal representante (tutor) e que, a partir do trânsito em julgado da sentença proferida, no apenso A, em ../../2021 (que o julgou habilitado como co-herdeiro daquela, determinando que passasse a ocupar a posição jurídico-processual que antes era ocupada por ela), passou a intervir nos presentes autos ocupando a posição jurídico-processual de autor e que é nessa perspetiva (em sentido não técnico) que carece de ser interpretada a expressão que escreveu no requerimento de interposição de recurso quando nele refere: “BB, legal representante da Autora AA (…)”. Destarte, interpretada a expressão “legal representante da Autora AA” com o sentido interpretativo que lhe carece de ser atribuído por referência aos critérios interpretativos constantes dos comandos legais do art. 295º, ex vi, art. 236º do CC, verificando-se que o recorrente se encontra presentemente a ocupar na ação a posição jurídico-processual que até ao seu falecimento era ocupada pela falecida AA, ou seja, de autor, tendo a presente ação por esta interposta sido julgada totalmente improcedente, é manifesto que, enquanto substituto da parte principal (da Autora AA), tendo esta ficado totalmente vencida, nos termos do n.º 1 do art. 631º do CPC, aquele dispõe de legitimidade para recorrer da sentença proferida. Decorre do excurso antecedente improceder a questão prévia suscitada pelo recorrido QQ quanto à pretensa falta de legitimidade do recorrente BB para recorrer da sentença sob sindicância, sendo indiscutível que dispõe de legitimidade ad recursum, o que se decide. B- Da impugnação do julgamento da matéria de facto B.1- (In)cumprimento dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto Advoga o recorrido QQ que o recorrente não cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto enunciados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, alegando que este dispositivo legal, “nos seus vários números enumera os critérios que são necessários observar, para que seja válida a impugnação da matéria de facto por via de recurso, que aqui nos dispensamos de enumerar, por desnecessário e brevidade. Não nos parece que a recorrente tenha cumprido esses requisitos formais. Limita-se a apresentar parte dos depoimentos de testemunhas, completamente descontextualizados e desintegrados da ideia, pressuposto e espírito do depoimento integral, produzido pela testemunha. O tribunal formou a sua convicção, nos termos em que o fez, tomando e avaliando a prova testemunhal produzida, de forma integrada e contextualizada, em presença das testemunhas que depuseram”. Enfatize-se que, independentemente da alegação do recorrido que se acaba de transcrever, a questão do (in)cumprimento dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto por parte do recorrente é de conhecimento oficioso, na medida em que a inobservância desses ónus impede o tribunal de recurso de entrar na apreciação da impugnação, pelo que urge entrar na apreciação da referida questão prévia. Neste conspecto urge enfatizar que, com vista a evitar a interposição de recursos de pendor genérico e à salvaguarda cabal do princípio do contraditório que assiste aos recorridos (que apenas ficarão habilitados de todos os elementos necessários para organizar a sua defesa em sede de contra-alegações quando lhes for dado a conhecer o que se encontra impugnado pelo recorrente e qual a lógica de raciocínio por ele percorrida na valoração e conjugação deste ou daquele meio de prova), o legislador rodeou a impugnação do julgamento da matéria de facto de uma série de ónus, que enuncia, de modo taxativo no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a), os quais terão de ser observados, sob pena do recurso ter de ser rejeitado em relação à facticidade que impugna mediante a inobservância desses ónus. Deste modo, o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª Instância, a Relação deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto[4], estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação. Depois, tal como se impõe ao juiz a quo a obrigação de fundamentar/motivar as decisões que profere quanto ao julgamento da matéria de facto nelas realizado, também é imposto ao recorrente, como correlativo dos princípios da autorresponsabilidade, da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o recurso, demonstrando (justificando) o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando, na sua perspetiva, perante a prova produzida se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desse ónus, indicar não só a matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, se impunha que tivesse sido adotada quanto a essa concreta facticidade, bem como os concretos meios de prova que ancoram o julgamento de facto diverso que postula, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova por si indicada não consentir o julgamento de facto realizado pelo tribunal recorrido mas antes impor o que vem por si propugnado (n.º 1, do art. 662º). Dito por outras palavras, recai sobre o recorrente “o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente”[5]. Na verdade, “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo tribunal de 1ª instância (…). Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objeto do recurso”, conforme o determina o princípio do dispositivo[6], e como decorrência deste, mas também do contraditório, terá de indicar qual a concreta decisão fáctica que se impõe extrair da prova produzida em relação à matéria de facto que impugna; as concretas provas que alicerçam esse julgamento diverso que propugna; e as concretas razões pelas quais essa prova em que funda a sua impugnação afasta os fundamentos probatórios invocados pelo tribunal a quo para motivar o julgamento de facto que realizou, mas antes impõe o julgamento de facto que propugna. Deste modo, compreende-se que, no art. 640º, n.º 1, se estabeleça que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (sublinhado nosso). Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 640º). Acresce que, cumprindo a exigência de conclusões nas alegações de recurso a missão essencial de delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem (cfr. n.º 4 do art. 635º), é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna. E é entendimento de uma parte da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que, nas conclusões, o recorrente tem também de indicar a concreta resposta que, na sua perspetiva, deve ser dada à matéria de facto que impugna[7]. O diferendo jurisprudencial que se acaba de referir encontra-se, pelo menos, em parte atualmente ultrapassado perante o acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ) n.º 12/2023, proferido pelo Supremo em 17/10/2023, Proc. n.º 8344/16.6T8STB.E1-A.S1, publicado no D.R., n.º 220/2023, Série I, de 14/11/2023, em que uniformizou a seguinte jurisprudência: “Nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 640º do Código de Processo Civil, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”. No que respeita aos demais ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1, als. b) e c) e 2, al. a), porque não têm uma função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões mas sim da motivação do recurso. Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, decorre linearmente da leitura das alegações de recurso que a questão prévia suscitada pelo recorrido MM de que o recorrente teria incumprido com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto não tem qualquer fundamento fáctico. Com efeito, o recorrente identificou: nas conclusões de recurso, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que, por isso, impugna (pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 8º, 9º e 10º da facticidade julgada não provada), com o que satisfez o ónus impugnatório primário da al. a), do n.º 1, do art. 640º do CPC; na motivação de recurso (e, inclusivamente, indevidamente nas conclusões), os concretos meios probatórios em que funda a impugnação (o depoimento da testemunha, Dr. WW, conjugado com o relatório pericial a que se submeteu a falecida AA, e com a prova documental junta aos autos que identifica e, no que respeita, à facticidade julgada não provada nos pontos 9º e 10º, o teor do relatório pericial a que se submeteu os prédios objeto das compras e vendas), com o que satisfez o ónus impugnatório primário da al. b), daquele n.º 1; na motivação de recurso (e também, desnecessariamente, nas conclusões) a decisão que, na sua perspetiva, deve ser proferida sobre a matéria de facto impugnada (a facticidade julgada não provada nos pontos 1º, 2º e 3º tem de ser julgada provada, e a restante facticidade julgada não provada nos restantes pontos da matéria de facto julgada não provada que impugna tem de ser julgada provada nos termos por si indicados), com o que deu satisfação ao ónus impugnatório primário da al. c) do mesmo n.º 1; e, finalmente, na motivação do recurso (e novamente, incorretamente nas conclusões), indicou o início e o termo dos excertos da prova pessoal em que fundou a sua impugnação e, inclusivamente, procedeu à respetiva transcrição, com o que cumpriu com o ónus impugnatório secundário da al. a), do n.º 2, daquele art. 640º. Em suma, decorre do que se vem dizendo que, contrariamente ao pretendido pelo recorrido MM, o recorrente cumpriu com todos os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto, pelo que não existe qualquer óbice processual a que esta Relação entre na apreciação da impugnação do julgamento da matéria de facto por ele operada. Destarte, improcede a questão prévia suscitada pelo recorrido QQ. B.2- Critérios em que é consentido à Relação alterar o julgamento da matéria de facto Antes de entrarmos na apreciação da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo recorrente, cumpre enunciar os critérios em que é consentido ao tribunal da Relação alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância. Em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto submetida ao princípio da livre apreciação da prova, o tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria tem de realizar um novo julgamento; neste tem de formar a sua convicção de forma autónoma; para a formação dessa convicção não só reaprecia os meios de prova especificados por recorrente e recorrido, respetivamente, nas alegações e contra-alegações de recurso, mas todos os que lhe sejam acessíveis e que, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda serem pertinentes para formar uma convicção segura; sem prejuízo das limitações que decorrem da falta de imediação e de oralidade, o novo julgamento a realizar pelo tribunal de recurso não está condicionado pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, gozando, por isso, o tribunal ad quem dos mesmos poderes atribuídos ao tribunal a quo, podendo, nomeadamente, na formação da sua convicção autónoma recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o julgador da 1ª instância[8]; na sequência desse novo julgamento, a Relação pode determinar, mesmo oficiosamente, a renovação da produção de prova quando se suscitarem dúvidas sérias sobre a credibilidade de determinado depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, ou ordenar a produção de novos meios de prova que potenciem a superação de dúvidas sérias sobre a prova anteriormente produzida (art. 662º, n.º 2, als. a) e b) do CPC); sempre que, reapreciando a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, e através das regras da experiência comum, da ciência ou da técnica o tribunal de recurso consiga relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnados adquirir uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento, impõe-se que introduza as modificações pertinentes ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância; porém, em caso de dúvida sobre o julgamento da matéria de facto por esta realizado, nomeadamente, perante depoimentos contraditórios e a fragilidade da prova produzida, se o julgamento da matéria de facto realizado pelo julgador a quo se mostrar objetivado numa fundamentação compreensível, onde se optou por uma das soluções de facto permitidas pelas regras da experiência comum, da ciência ou da técnica, deverá prevalecer esse julgamento, em respeito pelos princípios da oralidade, da imediação, da concentração e da livre apreciação da prova[9]. Com efeito, estabelece o art. 662º, n.º 1 do CPC que: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (destacado nosso), do que resulta que para que ao tribunal da Relação seja consentido alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância não é suficiente que a prova indicada pelo recorrente, isolada ou conjuntamente com a demais que, ao abrigo do princípio da oficiosidade entenda dever socorrer-se, consinta ou permita o julgamento da matéria de facto propugnado pelo mesmo, mas antes é imprescindível que o imponha. A referida imposição legal tem plena justificação quando se pondera estar-se na presença de facticidade submetida ao princípio da livre apreciação da prova, pelo que, tendo presente esse princípio, bem como os da imediação, da oralidade e da concentração (que se mantêm em vigor no âmbito da atual lei adjetiva nacional) e a consideração que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, não se pode aniquilar, em absoluto, a livre apreciação da prova que assiste ao julgador da 1ª Instância, nem desconsiderar que a imediação, a oralidade e a concentração da prova tornam percetíveis àquele, que intermediou a produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação de uma convicção segura, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem. Por isso, é que se compreende que a Relação apenas possa/deva alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quando, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova que consta do processo que entenda pertinente para a formação de uma convicção segura, conclua, com a necessária segurança que a prova pessoal produzida em audiência final, conjugada com a restante prova (documental, pericial e/ou por inspeção) constante dos autos, uma vez submetida às regras do normal acontecer, da ciência ou da técnica apontam numa direção diversa e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância, por infirmar os termos do raciocínio probatório por esta adotado, evidenciando que o mesmo é injustificado e inconsistente, e antes aponta para outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente[10]. Todavia, em caso de dúvida, nomeadamente, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, impõe-se que a Relação faça prevalecer a decisão de facto proferida pela 1ª Instância, em observância aos enunciados princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nessa parte”[11]. Assentes nas premissas acabadas de enunciar urge entrar na concreta apreciação da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo recorrente. B.3- Estado mental da falecida AA aquando da entrada no lar e à data da outorga da procuração e conhecimento desse estado por parte do procurador – Pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º da facticidade julgada não provada A 1ª Instância julgou não provada a seguinte facticidade: 1- Aquando da outorga do escrito mencionado em e), a Autora AA não soubesse ler, escrever ou calcular; 2- Bem como nunca tenha tido capacidade de reconhecer o documento; 3- E se apresentasse numa “situação de deterioração cognitiva e volitiva, em quadro demencial avançado”; 4- Aquando da outorga do escrito mencionado em e), haja sido notório que a Autora AA não se encontrasse a entender o sentido e alcance do seu teor; 5- A Autora AA tenha dado entrada no lar “sem capacidade de entendimento, a sofrer demência, sem autonomia, com grave alteração de memória, desorientada, incontinente de esfíncteres, com necessidade de usar fralda em permanência, sem capacidade de apreciar qualquer documento, designadamente procuração”; 6- O Réu KK haja tido conhecimento do descrito de 1. a 5. E motivou/fundamentou o julgamento da matéria de facto que realizou (incluindo a não prova da facticidade acabada de transcrever), nos termos que se seguem (procede-se à transcrição integral e ipsis verbis da motivação do julgamento da matéria de facto exarada pela 1ª Instância): “O Tribunal formou a sua convicção com base na prova documental junta aos autos e na prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Quanto à prova ouvida em audiência de discussão e julgamento, esta encontra-se gravada, pelo que o Tribunal se limitará a fazer uma análise crítica da mesma. No que concerne aos depoimentos de parte/declarações dos Réus CC, KK, MM, NN, DD e GG, como resulta da ata de audiência de discussão e julgamento do dia 06-09-2024, não derivou matéria que assumisse natureza confessória. Contudo, relativamente à Ré GG, ainda que não se tenha realizado assentada por a mesma não ter deduzido contestação, o certo é que confessou que o valor dos imóveis é menor ao preço constante nas escrituras públicas. Expressamente e de forma espontânea, referiu que nunca pagaria o preço de €70.000,00 para a compra do imóvel no qual é arrendatária. Assim, face ao depoimento da predita Ré, pese embora o teor do relatório pericial, o Tribunal terá que dar como provado que o preço mencionado nas escrituras de compra e venda realizadas aos 23-05-2017 e 08-06-2017, eram, nessas datas, superiores aos correntes no mercado – alínea s) dos factos provados. Em contrapartida, resulta como não demonstrada a factualidade inversa e constante nos itens 9 e 10. Com efeito, apesar da Ré GG não ter apresentado contestação, o Tribunal ficou totalmente convencido que a mesma defende a versão constante na petição inicial, pelo que necessariamente terá de se proceder nos moldes supra expostos. Aliás, os interesses diretos na defesa da posição vertida nesse articulado são evidentes, uma vez que reside num dos imóveis e até despoletou a ação de interdição da Autora. O Tribunal ficou convicto que os presentes autos revelam uma desavinda entre irmãos, a qual apenas resvalou para os tribunais, não por motivo da outorga da procuração ou das escrituras de compra e venda, mas, antes, porque após a morte de OO, ocorrida aos 20-12-2028, pelo menos BB e GG constataram que o produto das vendas dos imóveis tinha desaparecido. Ora, a receção do produto por parte de OO decorre dos elementos bancários, sendo que o valor corresponde à sinalização das compras, ainda que não constem dos mesmos, dão-se como provados pois não faz sentido que ficasse consignado nas escrituras o seu pagamento quando foram liquidados impostos com base nessas importâncias. Com devido respeito por opinião diversa, o destino dado ao produto das vendas é perfeitamente legítimo que seja discutido em sede de inventário, mas não como tentativa de anular vendas que durante quase dois anos foram aceites pelos herdeiros da Autora e seu marido OO, e só com a morte deste último e perceção de que os montantes das vendas desapareceram é que ocorre uma reação judicial. A Ré GG assumiu claramente que tinha rececionado a comunicação enviada pelo Réu NN a informar a compra do imóvel, acompanhada de cópia da escritura pública. Deste modo, os termos da compra e venda foram-lhe dados a conhecer em julho de 2017, não sendo crível que se a mesma não aceitasse os mesmos, de imediato, não reagiria judicialmente. Acresce que, pese embora a predita Ré, possivelmente instruída BB, haja interposto a ação de interdição da Autora quando foi publicitada a venda dos imóveis, mormente da sua habitação, como forma de a posterior atacar a validade do negócio, o certo é que o Tribunal ficou convicto que aquela, bem como demais irmãos, não agiram judicialmente antes de perceberem a inexistência das importâncias obtidas com as vendas, porque estes atos se revelaram em negócios proveitosos para os seus pais. Na realidade, tendo sido decretada a interdição por sentença proferida aos 19-03-2018, com trânsito em julgado em 04-05-2028, é muito pouco coerente que não se tenha avançado, de imediato, para a anulação das escrituras públicas de compra e venda e até da procuração, uma vez que a Ré GG tomou concreto conhecimento de que foi emitida procuração por parte da sua mãe a favor do Réu KK, dado que a escritura pública dessa venda acompanhou a missiva datada de 04-07-2017. Deste modo, apesar o teor do relatório pericial realizado na ação de interdição, o Tribunal não consegue dar como provado que a Autora, aos 17-02-2017, “nunca soube ler, escrever ou calcular, e nunca teve capacidade de reconhecer o documento – apresentava situação de deterioração cognitiva e volitiva, em quadro demencial avançado” – art.º 11º da petição inicial. Com efeito, o relatório médico enferma de inexatidões, não se logrando perceber se a examinada não sabia ler, na senda do constante na petição inicial, mas que é negado nos dados biográficos constantes desse exame, ou se perdeu tal faculdade. De igual modo, consigna-se no relatório pericial que a Autora não sabia escrever – facto também exposto na petição inicial -, quando é assente que a assinatura aposta na procuração outorgada perante notário e que é objeto dos autos foi aposta por aquela, sendo impercetível se a avaliação clínica é, ou não, no sentido de que perdeu também esta aptidão. Em consequência, face às imprecisões constantes do relatório médico não pode o Tribunal, nestes autos, considerar, sem quaisquer margens de dúvidas, como demonstrado que desde a data de institucionalização (07-08-2015) e/ou em 07-02-2017 a Autora esteve num quadro demencial. Por outro lado, não é suficiente a explicação apresentada pela testemunha WW, médico que exerceu funções no Lar ..., que a localização temporal supramencionada é uma prática corrente e surge numa perspetiva de que, nesse momento de institucionalização, a causa da interdição se exacerba. Com devido respeito, esta análise e conclusão é muito pouco fundamentada e correta tecnicamente para se fixar juridicamente uma data de início da incapacidade de uma pessoa, muito se estranhando que o predito médico não tenha memória da paciente, a aqui Autora, mas haja identificado de imediato que relativamente à mesma correu termos um processo de interdição. A testemunha WW, tendo sido questionada sobre os termos e a data da emissão do atestado médico por si subscrito, não soube contextualizar em que moldes ocorreram, assumindo que seguramente foi requerido pela instituição e que na mesma existem elementos clínicos a corroborar o seu teor. Ora, face ao processado, esta explanação não é crível, pois o Tribunal não tem quaisquer dúvidas de que se existissem elementos clínicos a corroborar a estado de saúde da Autora que justificassem a sua interdição desde o ano de 2015 ou a partir de 2017, os mesmos há muito que constavam dos autos. E tal não ocorreu porque os elementos clínicos a asseverar a versão constante na petição inicial não existem! Assim, por falta de elementos críveis e dada a fragilidade da perícia realizada em sede da ação de interdição, que não foi confirmada, de modo perentório, pela restante prova testemunhal ou outros elementos clínicos, o Tribunal dá como não provada a factualidade constante nos pontos 1 a 7. Com efeito, a testemunha AAA depôs de forma instruída, relatando uma visita à Autora ao lar absolutamente descontextualizada e sem qualquer credibilidade. Por outro lado, as testemunhas BBB, CCC, TT, UU, VV e DDD, funcionárias do Lar ..., não lograram apresentar uma versão assertiva, perentória e coerente do quadro clínico de AA, sendo patentes as contradições quer nos depoimentos de cada uma delas, quer no confronto entre eles, não podendo o Tribunal, deste modo, dar credibilidade a qualquer delas. Por seu turno, do depoimento RR, notária com intervenção na outorga da procuração em discussão nos autos, de modo espontâneo e isento, afirmou que não se lembrava da situação concreta, podendo somente asseverar que leu e explicou o conteúdo da escritura, como sempre faz – alínea r) dos factos provados. Ora, este procedimento foi dado como provado visto que se traduz numa prática corrente e em estrito cumprimento das formalidades do ato, tendo o Tribunal ficado convencido que ocorreu dada a sinceridade da predita testemunha na análise do estado de saúde da Autora. Efetivamente, RR não teve qualquer pejo em afirmar que pode asseverar o estado de saúde, mormente mental, da Autora no momento da outorga da procuração, ainda que para permitir a formalização do ato teve de ter a perceção que a subscritora se encontrava em perfeitas condições para percecionar o conteúdo do ato que firmava. O depoimento da testemunha EEE, notária com intervenção na outorga das escrituras de compra e vendas não assumiu relevância, uma vez que, por não se recordar da situação, somente confirmou o teor das escrituras e a sua assinatura nelas constante. A testemunha QQ, pai do Réu MM, com algumas lacunas e hesitações, confirmou os termos da compra e venda do imóvel sito no lugar ..., visto que negociou e procedeu ao do preço. Apesar do frágil depoimento desta testemunha quanto às obras realizadas do imóvel, as mesmas encontram-se demonstradas no relatório pericial, pelo que derivou como provada a factualidade constante entre as alíneas v) e af). No que diz respeito à testemunha ZZ, o seu depoimento, alegadamente por ter sido acometida de acidente vascular cerebral, tornou-se irrelevante, expondo que não se recordava se realizou quaisquer avaliações aos imóveis objeto das escrituras públicas de compra e venda. Isto posto e do cotejo de toda a prova produzida, por um lado, o Tribunal não pode dar como prova quaisquer das versões apresentadas pelas partes quanto ao quadro clínico da Autora aos 07-02-2017, ficando apenas demonstrado, pelo confronto dos depoimentos dos Réus, que os compradores não conheciam a Autora e inexoravelmente a sua condição física e mental – alíneas u) e al) dos factos provados. Por outro lado, o Tribunal só pode dar como provado o teor das respetivas escrituras públicas, o procedimento adotado pela Exma. Sr. Notária que teve intervenção na outorga da procuração, os factos assumidos pela Ré GG, os elementos bancários, as despesas ocorridas na outorga das escrituras de compra e venda e as obras comprovadas no relatório pericial – alíneas r) a t), v) a ak) e am) da factualidade provada. Relativamente aos demais factos dados como demonstrados – alíneas a) a q) -, os mesmos decorrem do teor das certidões de nascimento, óbito e judiciais, as quais possuem força probatória plena. Em contrapartida, os factos dados como não provados sob os itens 1 a 8 derivaram de total ausência de prova ou de prova crível que confirmassem os mesmos, nos moldes supra perscrutados. Destarte, o Tribunal dá como provados e não demonstrados os factos nos termos em que supra decidiu”. Imputa o recorrente à sentença recorrida erro de julgamento quanto à facticidade que nela foi julgada não provada nos pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º, advogando que o tribunal a quo fundamentou a sua convicção para julgar como não provados os factos vertidos naqueles pontos no testemunho da Sr.ª notária, em prejuízo do relatório de perícia médico-legal e do depoimento da testemunha WW. Acontece que, a notária “afiançou que não se lembrava da situação concreta, podendo somente asseverar que leu e explicou o conteúdo da procuração, prática corrente, além de corroborar o estado de saúde mental da Autora. O tribunal não podia dar como provado um facto que escapou à memória da Sr.ª Notária, ademais o cumprimento das formalidades e que se encontrava em perfeitas condições de percecionar, o conteúdo do ato notarial, constitui um mero juízo de valor, ou então, um facto de cariz conclusivo, sem qualquer sustentação na prova. O relatório da perícia médico-legal clarifica que a Autora não consegue descrever a sua idade, naturalidade, frataria. Não reconhece o filho que a acompanha. Não mostra capacidade de entendimento do objetivo da avaliação, apresentando deterioração grave do funcionamento cognitivo e volitivo em quadro demencial avançado. Neste quadro e diagnóstico clínico, a Autora não reunia condições psíquicas para percecionar com o discernimento necessário e de livre vontade o complexo conteúdo da procuração que não se reduzia ao simples facto de prometer vender e efetivamente vender os imóveis 218º e 230º da matriz. O Dr. WW depurou a demência da Autora – (00:03:55 a 00:05:55), que prestou cuidados de saúde desde o início do Centro e que, a partir de2019manteve uma colaboração à distância e que pontualmente por lá passava (00:09:21 a 00:09:27); confirmou que era do seu punho a declaração que constitui o doc. nº 9, mas que não se recordava da Autora, atento o facto das semelhanças dos utentes do lar, pessoas idosas, em maioria, com patologias de Alzheimer e demência (00:07:28 a 00:08:13); consignou que a doença de Alzheimer é muito prolongada e quando diagnosticada evolui de forma rápida (00:15:43 a 00:15:51), que a declaração médica, pode ser solicitada pelo lar ou familiares, mas nesta circunstância sempre de acordo com a direção do Centro Social, como é o caso do documento 9 (00:06:21 a 00:07:17 e 00:11:45 a 00:12:53); admite que não era impossível que a Autora não tivesse momentos de lucidez, de reconhecimento das pessoas; principalmente das pessoas de convívio mais próximo; mas já mais difíceis períodos deconsciência dos atos praticados (00:16:29 a 00:19:24); que a data fixada da institucionalização da Autora, vai ao encontro da avaliação (00:19:30 a 00:20:52), ou não devia estar longe (00:21:48 a 00:22:11). O depoimento do Dr. HH está em sintonia com o relatório pericial e deslinda a dúvida da Mª. Juiz da falta de memória em reconhecer a Autora e que a declaração do seu punho foi seguramente requerida pela instituição e que na mesma existem elementos clínicos a corroborar o seu teor”. Mais advoga que: “a data fixada na sentença de interdição ou a instauração do processo que lhe deu causa, devidamente publicitado e anunciado indicia uma presunção simples, de facto do descalabro demencial da Autora, da existência da sua incapacidade para efeitos da anulação do ato jurídico praticado em data anterior, em sentido inverso”, pelo que “recaía sobre os Réus o ónus da prova do seu estado de lucidez providencial à data da outorga da procuração, desiderato este que não lograram ilidir a dita presunção ao abrigo dos arts. 342º, n.º 2 e 346º do CC. A Autora padecia de incapacidade acidental no ato da outorga da procuração (07/02/2017), anterior à publicidade e anúncio da ação de interdição (05/04/2017) por força dos arts. 257º, nº 1 ex vi 150º do CC. O recorrente que argui a nulidade só terá a provar que ao tempo da outorga da procuração já existia a demência da Autora, sendo notória do Ré KK, não carece de provar que não estava lúcida naquele momento, em sentido contrário os Réus carecem de a provar, o que não lograram conseguir”. Com fundamento nos argumentos acabados de transcrever, concluiu que, perante a prova produzida e a presunção de que beneficia decorrente da data do início da incapacidade fixada na sentença que declarou a falecida AA interdita, se impõe julgar a facticidade constante dos pontos 1º, 2º e 3º dos factos julgados não provados na sentença sob sindicância como provada e, bem assim, que os factos constantes dos pontos 4º, 5º e 6º têm de ser julgados provados nos seguintes termos: “4- Aquando da outorga do escrito mencionado em d) era notório que a Autora AA não entendesse o sentido e alcance do seu teor”; “5- A Autora AA entrou no lar “sem capacidade de entendimento, a sofrer demência, sem autonomia, com grave alteração de memória, incontinente de esfíncteres, com necessidade de usar fralda em permanência, sem capacidade de apreciar qualquer documento, designadamente, procuração”; “6- O Réu KK tinha conhecimento da demência em estado avançado da Autora aquando da outorga da procuração”. Vejamos se assiste razão ao recorrente para as críticas que assaca ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância. Todavia, antes de entrarmos na apreciação da prova documental, pericial e pessoal que foi produzida na presente ação, tendo a entretanto falecida Autora, AA, sido declarada interdita no âmbito da ação que correu termos no Juízo Local Cível de Guimarães, Juiz ..., sob o n.º 1827/17...., por sentença proferida em 19/03/2018, transitada em julgado em 04/05/2018, onde lhe foi nomeado como tutor o recorrente, BB, e em que foi fixado como momento do início da incapacidade mental que a afetou e que determinou que tivesse sido interdita a data em que foi internada no Lar ..., em 07/08/2015 (cfr. alíneas B e C da facticidade julgada provada), urge indagar das consequências jurídicas decorrentes desse facto dado que o mesmo poderá ter implicações jurídicas em sede de sindicância da impugnação do julgamento da matéria de facto. A propósito das consequências jurídicas decorrentes da fixação da data provável do início da incapacidade determinada na sentença, transitada em julgado, que decretou a interdição da falecida AA, expende o Prof. Alberto dos Reis que: “A fixação da data do começo da incapacidade tem importância para o efeito da anulação dos atos praticados pelo interdito antes da aplicação do anúncio a que se refere o art. 945º; tais atos não caiem automaticamente em consequência do decretamento da interdição; se o tutor do interdito quiser obter a anulação, há-de propor a ação para esse efeito. Proposta a ação, as coisas apresentam-se assim: desde que os atos hajam sido praticados depois da data fixada na sentença de interdição como começo da incapacidade, presume-se que já existia a esse tempo a causa da interdição (Código Civil, art. 335º), restando provar que a anomalia mental era notória ou era conhecida do outro estipulante. Claro que a presunção pode ser ilidida por prova em contrário, a produzir pelo outro interessado. Tal o alcance da expressão data provável do começo da incapacidade”[12]. No mesmo sentido refere Manuel Andrade que: “Quanto à prova dos requisitos ou condições do art. 335º, ela terá de ser feita por quem pretende a anulação do negócio. Mas pelo que toca à prova da demência, deve ter-se em conta o disposto no art. 954º, n.º 1, do Cód. de Proc., onde se estabelece que a sentença de interdição marcará, se possível a data provável do começo da incapacidade. Qual o valor da sentença nesta parte? Não tendo valor definitivo, até porque a data do começo da demência é marcada apenas como provável, parece, no entanto, que constituirá presunção que dispensará a prova da demência por parte do que a alega, comportando, embora prova em contrário. A não ser este valor, não se vê que outro pudesse competir-lhe, e não deve supor-se que a lei tenha formulado uma exigência inútil. Aliás, concorre no mesmo sentido o disposto no art. 957º do Cód. de Proc.”[13]. Também Galvão Teles advoga que, “provando o estado demencial, em período que abrange o ato anulando, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo ato aquele estado se mantinha ininterruptamente. Corresponde isto ao quod plerumque accidit; está em conformidade com as regras da experiência. A outra parte caberá ilidir a presunção, demonstrando (se puder fazê-lo) que o ato recaiu num momento excecional e intermitente de lucidez”[14]. Em suma, de acordo com os autores que se acabam de identificar a data fixada na sentença, transitada em julgado, que decreta a interdição como sendo a data do provável início da incapacidade que afeta a pessoa interdita cria uma presunção judicial iuris tantum (ilidível mediante a prova em contrário) a favor do demandante (interdito, representado pelo tutor que lhe foi nomeado na ação de interdição) que pretenda obter a declaração da anulabilidade de negócio jurídico celebrado por aquele após essa data e antes de se ter dado publicidade à propositura da ação de interdição, de que o referido negócio jurídico foi celebrado quando o interdito já se encontrava numa situação de incapacidade de entender a declaração negocial que emitiu ou quando já não dispunha do livre exercício da sua vontade (cabendo, por conseguinte, aos demandados provar o contrário, isto é, alegando e provando que aquele celebrou o negócio jurídico num momento de excecional e intermitente lucidez), bastando, por isso, ao demandante alegar e provar que essa incapacidade do interdito era notória ou conhecida do declaratário. O entendimento acabado de referir é o que vem sufragado pelo recorrente nas alegações de recurso, mas não é o que tem vingado na doutrina e na jurisprudência nacionais prevalecentes, que têm entendido estar-se perante uma presunção de facto que, embora constitua um começo de prova, não inverte o ónus da prova da existência da incapacidade da pessoa interdita ou da ausência do livre exercício da vontade por parte desta no momento em que celebrou o negócio jurídico cuja invalidade peticiona (representada pelo tutor que lhe foi nomeado). Neste sentido pronunciam-se Pires de Lima e Antunes Varela, ao defenderem: “A interdição não atinge, de per si, os atos praticados antes de anunciada a ação” (de interdição). “Esses atos estão sujeitos ao regime dos atos realizados por quem está acidentalmente incapacitado de entender o sentido exato da declaração negocial ou não tem o livre exercício da sua vontade, isto é, ao regime estabelecido no artigo 257º. Como, porém, a data em que principiou a incapacidade natural (art. 954º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), ela terá a maior importância prática para a aplicação do artigo 257º. Desde que tenha sido realizado posteriormente a essa data, há uma forte presunção de que o negócio foi celebrado por pessoa incapacitada de entender o sentido da declaração ou privada do livre exercício da sua vontade. Cfr. neste sentido, o acórdão do S.T.J., de 14 de janeiro de 1975 (B.M.J., n.º 243, págs. 199 e segs.), onde se perfilhou o entendimento de que «a fixação da data do início da incapacidade em ação de interdição constitui presunção de facto da existência da incapacidade para efeito de anulação de ato jurídico praticado em data posterior»[15]. No mesmo sentido pronuncia-se A. Pais de Sousa, que postula que a sentença que decreta a interdição “cria uma presunção iuris et de iure da pessoa interdita”[16]; já a declaração judicial sobre a data do começo da incapacidade não constitui uma verdadeira presunção na aceção legal do termo. Por isso, é àquele que pede e declaração de nulidade de determinado ato praticado posteriormente à data fixada na sentença que decreta a interdição que cumpre provar a insanidade na data da prática do ato”[17]. E também J. Rodrigues Bastos, ao defender que “a incapacidade que, sempre que possível, deve fazer-se, da data do começo da incapacidade, serve para constituir a presunção de facto da incapacidade de facto da incapacidade acidental a que se refere o art. 150º do Cód. Civil”[18]. Este último entendimento é aquele a que tem aderido a jurisprudência nacional, e que aqui sufragamos, que tem defendido que a declaração judicial, na sentença que decreta a interdição, da data do começo da incapacidade, constitui mera presunção simples, natural, de facto ou de experiência (não uma presunção legal iuris et de iure ou iuris tantum), de primeira aparência, que constitui um mero começo de prova, que carece de ser complementada por outros elementos de prova em como o demandante (interdito, representado pelo respetivo tutor), no momento da celebração do negócio jurídico que pretende ver invalidado, estava incapacitado de entender o sentido da declaração negocial que emitiu ou que não tinha o livre exercício da sua vontade e que, por isso, não inverte o ónus da prova da existência da incapacidade que impende sobre o demandante[19]. Resulta das considerações acabadas de expor que a circunstância de, por sentença transitada em julgado, que decretou a interdição da entretanto falecida Autora, AA, ter sido fixada como data do início da sua incapacidade o dia 07 de agosto de 2015, e da procuração por ela outorgada em 07/02/2017, ao aqui Réu (recorrido), seu filho, KK, conferindo-lhe os necessários poderes no exercício dos quais, este, em representação daquela, juntamente com OO (marido de AA e pai daquele - procurador), vieram a celebrar as escrituras de compra e venda em 23/05/2017 e 08/06/2017, respetivamente, tendo por objeto os prédios nelas identificados (que o recorrente insiste em ver anuladas, mais a dita procuração), ter sido outorgada (a procuração) em data posterior ao momento fixado naquela sentença como data provável do início da incapacidade, contrariamente ao entendimento por ele sufragado, não cria a seu favor qualquer presunção irus tantum de que, no momento da outorga dessa procuração, AA estivesse incapacidade de entender o sentido da declaração unilateral nela emanada ou estivesse privada do livre exercício da sua vontade (pelo que, ou os réus – recorridos - fazem prova que assim não era, ou então esse facto teria de ser julgado provado pela 1ª Instância). A circunstância da procuração ter sido outorgada em data posterior à data fixada na sentença de interdição como momento provável do início da incapacidade de AA apenas faz gerar a favor do recorrente uma mera presunção simples, natural, de facto, de experiência ou de mera aparência, de forte probabilidade de que AA, no momento da sua outorga estava incapacitada de entender o sentido da declaração unilateral nela emanada ou estava privada do livre exercício da sua vontade, mas não inverte o ónus da prova quanto a essa facticidade, com o qual continua o recorrente (autor/demandante) onerado, não o dispensado do ónus de completar a “prova dessa incapacidade em tal data, já que sobre ele impende o respetivo ónus probatório. A declaração judicial sobre a data do começo da incapacidade constitui – afirma-se mais uma vez – mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência (praesumtio facti ou hominis), da incapacidade da interdita na data” da outorga da procuração, “é dizer, uma prova prima facie ou de primeira aparência, que os arts. 349º e 351º, admitem, enquanto mera dedução ou ilação autorizada pelas regras da experiência (id quod plemumque accidit), mas nada mais do que isto”[20]. Resulta do que se vem dizendo improceder este fundamento de recurso, na medida em que, contrariamente ao entendimento sufragado pelo recorrente, o mesmo não beneficia de qualquer presunção iuris tantum de que AA estivesse, no momento em que outorgou a procuração que pretende ver invalidada incapacitada de entender o sentido das declarações que nela emanou ou estivesse privada do livre exercício da sua liberdade, que caiba aos Réus (recorridos) ilidir. Antes apenas lhe confere uma mera presunção de facto, de experiência ou de mera aparência de que assim foi, mas que lhe cabe complementar através de outros meios de prova que corroborem essa presunção de facto. Avançando… Cumpre referir que procedemos à análise de toda a prova pericial e documental que se encontra junta aos autos e, bem assim, à audição integral da extensa prova pessoal que foi produzida em audiência final. Passando à identificação da prova documental e pericial que se encontra junta aos autos, com interesse para apreciar a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo recorrente, encontra-se junta aos autos, a fls. 12 e 13 do processo físico, a certidão do assento de óbito de OO, a qual prova plenamente que este faleceu em ../../2018, no estado de casado com a entretanto falecida Autora, AA. OO deixou sobrevivos a viúva, AA, e oito filhos do casal - o aqui recorrente, BB, e os recorridos (Réus) CC, DD, FF, GG, HH, II e KK, conforme facticidade julgada provada nas alíneas H) a P) da sentença recorrida (não impugnadas), e se encontra plenamente provado pelas certidões de nascimento indicadas em frente a cada uma dessas alíneas, que não foram impugnadas de falsas. Por sua vez, AA faleceu em ../../2020, conforme certidão do assento de óbito junta ao processo físico a fls. 97. A identificada AA encontrava-se, à data do seu falecimento, institucionalizada na residência para pessoas idosas do Centro Social ..., ou seja, no lar de idosos, desde o dia 07/08/2015, conforme teor da declaração junta a fls. 30 e foi corroborado por toda a prova produzida. AA veio a falecer nesse lar no dia ../../2020, conforme prova unânime produzida nesse sentido, uma vez que toda a prova pessoal produzida em audiência final foi concordante no sentido de que, desde que foi institucionalizada no lar, nele viveu em permanência e ininterruptamente até falecer. Logo, uma primeira conclusão se impõe extrair: A falecida Autora AA foi institucionalizada no lar de idosos de ... em 07/08/2015, onde residiu até ao seu falecimento, em ../../2020. Em 07/02/2017, a entretanto falecida AA outorgou, no lar de ..., perante a notária RR, a procuração que se encontra junta a fls. 19 e 20 do processo físico, constituindo como seu “bastante procurador o seu filho KK, a quem” conferiu “poderes para, em seu nome: a) Prometer vender e efetivamente vender pelo preço e condições que entender convenientes, quaisquer imóveis sitos na união de freguesias ... e ..., concelho ...; b) Nos postos de correio dos ..., receber toda a correspondência, avisos de receção, vales do correio e outros valores, mercadorias e encomendas dirigidas à mandante; c) Para nos Institutos da Segurança Social tratar de qualquer assunto, nomeadamente, tudo que diga respeito a reformas ou pensões, proceder ao seu levantamento onde quer que tenha lugar; d) Representá-la nos Serviços de Finanças, podendo, nomeadamente, participar prédios e requerer alterações de inscrições matriciais, liquidar impostos ou contribuições, reclamando dos indevidos ou excessivos, apresentar quaisquer requerimentos, requerer avaliações fiscais, alterar residência fiscal; e) Representá-la em qualquer conservatória, nomeadamente na Conservatória do Registo Civil, alterar a sua morada, proceder a quaisquer atos de registo, provisórios ou definitivos, averbamentos ou cancelamentos, incluindo declarações complementares e averbamentos à descrição; f) Abrir, encerrar e movimentar, assinando todos os formulários e outros documentos bancários necessários à abertura, movimentação e encerramento das contas bancárias, à ordem ou a prazo, em qualquer moeda, de que seja ou venha a ser titular, ou ainda na qualidade de herdeira, junto da Banco 1..., S.A., podendo movimentar as contas a débito e a crédito, requisitar, receber, sacar, endossar e emitir cheques, ou quaisquer outros títulos de movimentação e ordens de pagamento. Pedir extratos bancários, autorizar débitos em conta. Nos poderes de movimentação a crédito, incluem-se, nomeadamente: depósitos (de dinheiro ou de quaisquer valores acordados, tais como cheques, precatórios cheques, cheques a favor da mandante com a cláusula não à ordem, vales de correio, ordens de pagamento do Tesouro, da Segurança Social, valores mobiliários); quaisquer outros movimentos a crédito; Mais lhe confere poderes para representá-la junto das empresas municipais de águas e saneamento, EMP01... ou outras empresas de fornecimento de energia elétrica, empresas telefónicas e de gás, nas Companhias de Seguros, requerer ou levantar quaisquer documentos, requerendo, praticando e assinando tudo o que necessário se torne aos indicados fins. Ficando o mandatário autorizado a realizar negócio consigo mesmo, nos termos do n.º 1 do artigo 261º do Código Civil”. A identificada procuração encontra-se assinada pelo punho da entretanto falecida AA, antecedendo a essa assinatura os seguintes dizeres: “Assim o outorgou. À outorgante fiz eu, Notária, a leitura e explicação desta procuração”. A referida procuração (que consubstancia um documento autêntico), não foi arguida de falsa, pelo que se tem por plenamente provado, nos termos dos arts. 362º, 363º, n.ºs 1 e 2, 369º, n.º 1, 370º, n.ºs 1 e 2 e 371º, n.º 1 do CC, que a identificada AA fez efetivamente as declarações que constam dela e que a notária procedeu à leitura do seu teor e explicou-lhe o mesmo antes de a assinar. Em 30/03/2017, a recorrida (Ré) GG instaurou ação de interdição contra AA, a qual correu termos sob o n.º 1827/17...., do Juiz Local Cível de Guimarães, Juiz ..., conforme facticidade julgada provada na alínea B da sentença (não impugnada) e se encontra plenamente provado na presente ação através de competente certidão. A propositura da identificada ação de interdição foi anunciada e publicitada por édito de 05/04/2017, junto a fls. 18 do presente processo físico. Por escritura pública de compra e venda celebrada em 23/05/2017, junta a fls. 21 a 22 do processo físico, OO (relembra-se, marido de AA) e AA (esta representada pelo seu filho, KK, fazendo uso de procuração que aquela lhe outorgou em 07/02/2017), venderam ao aqui Réu MM, pelo preço de 45.000,00 euros, “já recebido, o prédio urbano composto de casa de ..., com a área de 174 m2, e logradouro com a área de 192 m2, situado no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis ... sob o n.º ...68, inscrito na matriz sob o art. ...18º da freguesia ... e ...”. De acordo com a prova pessoal produzida em audiência final (toda concordante nesse sentido), o prédio objeto da escritura de compra e venda acabada de referir constituía a residência onde AA e marido OO residiram, sozinhos, até a primeira ser institucionalizada no lar de ..., em 07/08/2015, e onde OO continuou a residir até ele próprio ter sido institucionalizado no mesmo lar. Por escritura pública de compra e venda celebrada em 08/06/2017, junta a fls. 23 a 24 do processo físico, OO e AA (esta representada pelo seu procurador e filho, KK, fazendo este uso da procuração que aquela lhe outorgou em 07/02/2017), venderam ao aqui Réu, NN, pelo preço de 70.000,00 euros, “já recebido, o prédio urbano composto de edifício de um piso e logradouro, situado na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis ... sob o n.º ...59, inscrito na matriz sob o art. ...30º”. Enfatize-se que o prédio objeto desta última escritura pública de compra e venda encontrava-se, então, arrendado por AA e marido OO à filha de ambos, a aqui Ré GG, o que tudo é corroborado pela prova pessoal produzida em audiência final (que foi toda concordante no sentido de que aquele prédio estava arrendado à última, onde a mesma residiu até ser despejada pela Ré CC, sua irmã, após esta ter comprado o prédio ao Réu HH, o qual, por sua vez, o tinha comprado, em 08/06/2017, a AA e marido, OO, nos termos já referidos); pelo teor dos documentos emanados pelos identificados AA e OO, juntos aos autos a fls. 76 a 79 (em que declaram não pretenderem impugnar as rendas que foram depositadas pela filha GG na Banco 1...); e pelo teor da carta datada de 04/07/2017, enviada pelo aqui Réu HH à aqui Ré GG, e por esta rececionada (conforme foi por ela própria reconhecido em sede de depoimento de parte e, bem assim, é corroborado pelo aviso de receção por ela assinado, junto a fls. 85 do processo físico) em que lhe comunica, remetendo-lhe cópia da escritura de compra e venda acabada de referir: “Venho comunicar-lhe que por contrato de compra e venda titulado por escritura pública outorgada em 08 de junho de 2017, no Cartório Notarial ..., comprei ao Sr. OO e mulher AA, o prédio urbano, composto por um piso e logradouro, sito na Rua ..., ..., da freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...50 e inscrito na matriz sob o art. ...30 da freguesia .... O preço da referida compra e venda foi de 70.000 mil euros (setenta mil euros). Foi-me comunicado que V. Exa. é arrendatária do referido imóvel. Por força deste contrato, assumo a qualidade de senhorio, pelo que lhe comunico que a renda que paga pelo imóvel, me deve ser entregue. Mediante o depósito da minha contra com o IBAN: (…)”. No âmbito da ação de interdição que a aqui recorrida (Ré) GG instaurou, em 30/03/2017, requerendo a interdição de AA, esta foi submetida, em 23/11/2017, a perícia médico-legal de psiquiatria, junto do INML, cujo relatório, datado de 11/01/2018, se encontra junto a fls. 28 e 29 do processo físico, onde, além do mais, se lê: “(…) Metodologia: Entrevista clínica e exame do estado mental. Entrevista à examinada e ao seu filho BB, de 54 anos de idade, operário têxtil. Consulta das peças processuais recebidas entre as quais relatório médico da consulta hospitalar de medicina interna, datado de 05/08/2017. Data da perícia: 23/11/2017. Dados biográficos recolhidos junto do filho: A examinada encontra-se acolhida no Lar do Centro Social e Paroquial de ... há cerca de dois anos. Nasceu em ..., .... Nunca terá frequentada e escola, mas segundo seu filho, acabou por aprender a ler com o seu marido. Trabalhou alguns anos como operária têxtil. Casou com 20 anos de idade e teve oito filhos (…). Dos seus filhos apenas vivem em Portugal o KK, a DD e o BB. O seu marido tem 86 anos e encontra-se a residir com ela no lar. História da Doença Atual: A examinada terá sido sempre saudável até 2010. Segundo a informação clínica referida sofreu um enfarte agudo do miocárdio em 2010, do qual recuperou sem insuficiência cardíaca. Tem antecedentes de dislipidemia. Segundo o filho, terá começado a apresentar perda de memória e momentos de desorientação há cerca de 4 anos atrás. Esta situação terá evoluído rapidamente para a atual situação de dependência de terceiros. Na altura que foi institucionalizada, já se encontraria confusa, sem marcha autónoma e incontinente de esfíncteres, com necessidade de usar fralda em permanência. Exame do Estado Mental: A examinada apresenta-se em bom estado de higiene corporal e do vestuário. Foi trazida em cadeira de rodas por não ter marcha autónoma, apenas amparada em terceiros. Expressa-se com boa articulação da fala, mas com discurso pobre e confuso, não sendo capaz de fazer a narrativa dos acontecimentos da sua vida. Não consegue descrever sequer a sua idade, naturalidade, frataria ou os seus filhos. Não reconhece o filho que a acompanha. Apresenta grave alteração dos processos da memória, quer recente quer remota. Não mostra a capacidade de entendimento do objetivo da avaliação e das perguntas que lhe são feitas, não estando orientada em nenhuma das dimensões circunstanciais. Cumpre ordens simples como fechar os olhos, etc. Não sabe ler, escrever ou calcular, não sendo capaz de reconhecer o valor facial ou real do dinheiro, nem demonstra capacidade de reconhecimento de qualquer documento. Não apresenta atualmente alterações do conteúdo do pensamento como delírios ou alterações da perceção. Ao exame clínico deteta-se deterioração grave do funcionamento cognitivo. Não é autónoma na realização das suas atividades básicas de vida diária. CONCLUSÕES: Os dados recolhidos da entrevista e do exame clínica apontam para uma situação de deterioração cognitiva e volitiva em quadra demencial avançado. A sua situação clínica não tem hipótese de cura à luz do conhecimento científico atual, evoluindo com gradual deterioração da sua capacidade mental, pelo que é permanente e irreversível. A examinada está absoluta e permanentemente incapaz de governar a sua pessoa e os seus bens, configurando do ponto de vista clínico, situação para interdição. Não sendo possível definir uma data mais precisa para o início da incapacidade, esta pode ser fixada na data em que foi institucionalizada”. E, no âmbito da ação de interdição foi proferida sentença, em 19/03/2018, transitada em julgado em 04/05/2018 (cfr. alínea D dos factos provados na sentença, junta a fls. 14 a 16), em que se declarou AA interdita por anomalia psíquica, com caráter definitivo; fixou-se o momento do início da sua capacidade desde o internamento, em 07 de agosto de 2015, no lar; nomeou-se para exercer o cargo de tutor o filho PP (recorrente); e nomeou-se para o conselho de família as filhas (Rés no âmbito da presente ação) GG e XX, cabendo àquela o cargo de protutora. Finalmente, encontra-se junta a fls. 27 do processo físico, uma declaração médica, emitida em ../../2019, pela testemunha WW, em que declara: “(…) AA (…), atualmente a residir no Lar ... sofre de síndrome demencial crónico, encontrando-se totalmente dependente de terceiros para todas as suas atividades diárias, estando acamada a maior parte do tempo”. Aqui chegados, impõe-se extrair as seguintes conclusões adicionais: Segunda conclusão: Tendo a procuração de fls. 19 a 21, que se pretende ver declarada inválida no âmbito da presente ação (e como consequência dela, também ver invalidadas as escrituras de compra e venda celebradas em 23/05/2017 - junta a fls. 21 a 22 do processo físico, mediante a qual o falecido marido de AA, OO, e esta, através do seu procurador, KK, fazendo uso daquela procuração, venderam ao aqui também Réu MM, pelo preço de 45.000,00 euros, o prédio que constituía aquela que foi a casa de morada de família de AA e marido antes de irem viver para o lar - e em 08/06/2017 – junta a fls. 23 e 24 dos autos, mediante a qual aquele falecido marido de AA e esta, através daquele procurador, KK, fazendo uso da mesma procuração, venderam ao aqui também Réu NN, pelo preço de 70.000,00 euros, o prédio que estava arrendado à filha GG), sido outorgada em 07/02/2017, aquela procuração foi outorgada pela AA 1 mês e 23 dias antes da aqui Ré GG ter instaurada a ação de interdição de sua mãe (AA); 9 meses e 16 meses antes de, em 23/11/2017, AA ter sido submetida, no âmbito da ação de interdição, ao exame pericial junto do INML (cujo relatório se encontra junto a fls. 28 a 29); e 1 ano e 11 meses antes da testemunha WW ter emanado a declaração médica de fls. 27. Terceira conclusão: conforme decorre do teor do relatório pericial elaborado pelo INML, no âmbito da ação de interdição instaurada contra AA, os “Dados biográficos” e, bem assim, o estado em que se encontrava a última quando foi institucionalizada, em 07/08/2015, no lar de idosos de ..., que se encontram exarados no relatório pericial (e que, consequentemente, foram considerados pela Senhora perita médica de psiquiatria forense), alicerçaram-se exclusivamente no que lhe foi transmitido pelo filho de AA, tutor desta (o recorrente BB), nomeadamente, quando no dito relatório se escreve que AA “terá começado a apresentar perda de memória” e a apresentar “momentos de desorientação há cerca de 4 anos atrás. Esta situação terá evoluído rapidamente para a atual situação de dependência de terceiros”, e que: “Na altura que foi institucionalizada, já se encontraria confusa, sem marcha autónoma e incontinente de esfíncteres, com necessidade de usar fralda em permanência”. Quarta conclusão: Não obstante a senhora perita médica de psiquiatria forense não deixasse de submeter a informação que o filho de AA – o Réu e recorrente BB – lhe transmitiu quanto ao início da incapacidade que a afetava AA aos conhecimentos médicos e à experiência clínica por si detidos, de modo a indagar da coerência (ou não) da informação que aquele lhe prestou, o certo é que saber quando se iniciou o período de efetiva incapacidade de AA é algo de difícil determinação médica, variando de pessoa para pessoa, posto que, ainda que a situação de demência que afetava comprovadamente AA, em 23/11/2017 (data em que foi submetida ao exame pericial no IML), fosse “crónica” e, por conseguinte, por definição, de evolução lenta, essa evolução depende de múltiplos fatores, não sendo do ponto de vista médico-legal possível determinar com objetividade quando a situação de incapacidade se iniciou efetivamente. Assim se compreende, aliás, o extrato da conclusão inserida no identificado relatório pericial em que a senhora perita diz que: “Não sendo possível definir uma data mais precisa para o início da incapacidade, esta pode ser fixada na data em que foi institucionalizada”. Por conseguinte, à conclusão acabada de referir, extraída pela senhora perita médica e que consta do relatório pericial que vimos analisando, não foram alheias as informações que o aqui recorrente, BB, lhe comunicou ser o quadro clínico e mental de sua mãe (AA) quando foi institucionalizada no lar de idosos de .... Passando à prova pessoal que foi produzida em audiência final. Em sede de depoimento de parte, a Ré CC referiu que a mãe (AA) foi viver para o Centro Social ... porque lhe tinha dado um enfarte e estava com problemas de ossos. Os irmãos (da Ré CC, filhos de AA e OO) reuniram-se e decidiram “metê-la no lar”. “Na altura em que foi para o lar a mãe (AA) estava bem da cabeça”. “Para ela a mãe não tinha problemas de demência”, porque “ela falava bem para ela”, isto é, tinha uma conversa lógica para consigo. “A médica é que dizia que a mãe tinha demência, mas ela nunca se apercebeu que a mãe padecesse de demência porque “falava para ela muito bem”, “falava-lhe tanto do presente como do passado”, “reconhecia todos os filhos, sabia o nome destes”; “era uma conversa normal” que ela mantinha com a mesma”. Afirmou que AA tinha a 3ª classe, sabia ler, escrever e conhecia o dinheiro. No mesmo sentido se pronunciou o Réu KK (procurador de AA, a quem outorgou a procuração de fls. 19 e 20, e que, juntamente com o pai, OO, outorgou, enquanto procurador de AA, as escrituras públicas de compra e venda de fls. 21 a 24). Em sede de depoimento e declarações de parte o Réu KK referiu que a mãe (AA) “começou a mostrar problemas de ossos e então os irmãos que estavam cá, em Portugal (o próprio e as irmãs CC e DD), conversaram e chegaram à conclusão que “não tinham tempo de olhar por ela e decidiram colocar a mãe no lar”. Havia irmãos, como era o caso do BB, que não falavam com os pais. Esses irmãos encontravam-se no estrangeiro e quando vinham passar férias a Portugal, nem sequer iam visitar os pais. “A mãe não tinha problemas da cabeça. Estava bem da cabeça”. Para ir para o lar, a mãe tinha de pagar uma joia de 10.000,00 euros. A mãe foi para o lar em 05 de agosto de 2015; decidiram vender a casa porque o pai (OO) ficou sozinho a viver nela, o que deram conhecimento aos restantes irmãos que visitavam os pais, mas não aos “que não queriam saber dos pais”. Concretizou que depois da mãe ter ido para o lar, o pai “aceitou ir para o lar à experiência, mas depois decidiu ficar no lar, mas não tinha dinheiro para pagar a joia de entrada”, e então ele disse ao pai para vender as casas. Afirmou que o pai (OO) recebia uma reforma de 400 e poucos euros mensais e que a mãe (AA) de “200 e poucos” euros mensais e que recebiam da irmã GG “80 e poucos” euros mensais de renda e não tinham outros rendimentos e então decidiram vender as casas. Referindo-se à procuração, KK afirmou que, inicialmente, a procuração em causa era para ser outorgada em nome da irmã DD, mas que, uma vez lida aquela pela notária à mãe (AA), esta última comunicou ser vontade de seu marido (OO) que a procuração fosse outorgada em nome “do filho KK” (o depoente) e que, por isso, “não assinava”, na sequência do que, essa procuração não chegou a ser outorgada. A notária teve de se deslocar uma segunda vez ao lar, com a procuração em que era constituído como procurador daquela o depoente, posto que, só assim, a mãe aceitou assiná-la. Em igual sentido se pronunciou a Ré DD, em sede de depoimento de parte, dizendo que a mãe foi para o lar porque estava a ficar “um pouco debilitada dos braços e tinha tido um enfarte e colesterol alto”. Os filhos reuniram-se e entendiam que os pais deviam ir para o lar. O lar já ia a casa dos pais dar-lhes apoio domiciliário. A mãe foi para o lar em agosto de 2015 e tiveram de pagar uma joia de 10.000,00 euros, a que acrescia a mensalidade. “A mãe, quando foi para o lar estava bem, ainda andava, estava lúcida”. Referiu que visitava a mãe no lar, aos fins de semana, e que “só mais tarde é que a mãe teve de usar fraldas”. Mais tarde, como o pai (o OO) estivesse a residir sozinho na casa onde viveu com a AA, “decidiram que o pai também devia ir para o lar, mas não havia dinheiro para pagar a joia e então decidiram vender as casas”, concretizando que foi o pai quem vendeu as casas. À semelhança do Réu KK, a depoente DD referiu que a notária deslocou-se ao lar para AA outorgar a procuração constituindo como sua procuradora a própria depoente, mas que, tendo a notária lido a dita procuração, AA recusou-se a assiná-la, dizendo que o marido pretendia que a procuração fosse outorgada em nome do filho KK (o Réu KK), obrigando a notária a deslocar-se uma segunda vez ao lar com nova procuração em que figurava como procurador o Réu KK. Em sentido oposto pronunciou-se a Ré GG, que referiu que a mãe sofria de Alzheimer e que foi para o lar devido a essa doença e ao facto de “cair para o chão”. “Era preciso levantá-la e a CC, que estava na ..., quando vinha de férias, instalava-se na casa dos pais e não tinha forças para levantar a mãe”. A mãe foi para o lar em 07 de agosto de 2015. O pai frequentava o lar de dia e, no final do ano de 2015, inícios de 2016, também foi para o lar de dia e de noite. Concretizou que a “situação da mãe começou a piorar desse que foi para o lar”. A Ré GG afirmou que a mãe (AA) não sabia ler, nem escrever e nunca frequentou a escola. Confrontada com a fotografia de fls. 28, GG afirmou que essa fotografia foi tirada a AA pelo companheiro da própria, numa deslocação que fizeram ao lar, no ano de 2016 e que, na altura, a mãe (AA) “não conhecia ninguém”. Questionada pela Senhora Juíza da razão de ser para, estando a mãe (AA) tão mal, já em 2015, quando foi para o lar (conforme referiu acontecer), não ter instaurado a ação de interdição logo em 2015, a Ré GG respondeu que, logo em 2015, solicitou ao seu advogado para instaurar a ação de interdição, mas que foi este quem não a propôs. Posto isto, cumpre referir que, analisadas as versões dos factos apresentada pelos Réus acabados de referir e conjugadas essas versões com a prova testemunhal e documental junta aos autos e, bem assim, com as regras da experiência comum, verifica-se que se está perante uma família desavinda, assistindo-se a dois grupos de filhos dos entretanto falecidos AA e de OO. Um primeiro grupo: integrado, pelo menos, pelos Réus KK, CC e DD, mais próximos e presentes na vida dos pais, em quem estes mais confiavam; e um segundo grupo: constituído, pelo menos, pela Ré GG e pelo recorrente BB, mais distante da vida dos pais e que manifestamente está de más relações com o primeiro grupo de irmãos. Como quer que seja, todos os oito filhos, por variadas razões (que, aliás, não se apuraram e que se mostram irrelevantes para o objeto dos autos) acordaram ou, pelo menos, assentiram em institucionalizar os pais no lar de idosos de ...: primeiro a mãe (a falecida AA), o que aconteceu em 07/08/2015; e, posteriormente o pai, OO, em finais de 2015, ou inícios de 2016, no mesmo lar. O dissenso entre os dois grupos de filhos ocorreu, quando os Réus KK, CC e DD, convenceram os pais a venderem os prédios de que eram proprietários: um, que veio a ser vendido em 23/05/2017, ao aqui Réu MM, pelo preço de 45.000,00 euros, que era o que constituía a casa de morada de família dos pais até terem sido institucionalizados no lar de ...; e o outro, que veio a ser vendido em 08/06/2017, ao aqui Réu NN, pelo preço de 70.000,00 euros, que se encontrava arrendado à Ré GG, ao que se opôs ferozmente a última, por não pretender que o prédio que lhe estava arrendado fosse vendido a terceira pessoa, apesar de não o pretender comprar pelo preço de 50.000,00 euros pelo qual o pai se propôs vendê-lo. Ou seja, ao patente mau relacionamento que existia já entre os dois grupos de filhos dos entretanto falecidos AA e marido OO acresceu a circunstância de, tendo o primeiro grupo convencido os pais a venderem os prédios de que eram proprietários, a Ré GG não se propor comprar o que lhe estava arrendado, pelo preço de 50.000,00 euros, mas também não aceitar que fosse vendido a terceira pessoa, como veio a acontecer, avançando então aquela para a ação de interdição da mãe (AA), com o que contou com o apoio de, pelo menos, o recorrente BB. A corroborar o que se acaba de concluir aponta-se o depoimento de parte prestado pelos Réus CC, KK e DD, que foram concordantes entre si em afirmar que, antes do pai (OO) colocar à venda o prédio arrendado à irmã GG, propôs à última que o comprasse pelo preço de 50.000,00 euros, ao que GG respondeu que “sim”, mas, “até hoje nada”, de modo que “tiveram de pôr a casa à venda”. Ou seja, apesar de GG afirmar ao pai (OO) que iria comprar o prédio que lhe estava arrendado a troco dos 50.000,00 euros que este pretendia pela respetiva venda, o certo é que nunca se dispôs a comprá-lo por esse preço, de tal modo que os pais acabaram por colocá-lo à venda junto do público em geral, o que naturalmente deixou a Ré GG desagradada, levando-a a tudo fazer, de modo a impedir que os pais o vendessem, assim como o outro prédio, de que eram proprietários, até pelo patente receio do destino que viessem a dar ao dinheiro do preço de venda dos mesmos que viessem a receber. Note-se que a Ré GG pretendeu ser falso que o pai lhe tivesse proposto vender-lhe o prédio que lhe estava arrendado pelo preço de 50.000,00 euros, mas essa sua versão, além de ter sido cabalmente desmentida pelos Réus CC, KK e DD, não colhe à luz das regras do normal acontecer, dado que não se antolha como razoável aceitar-se que o seu pai (OO) não lhe tivesse proposto que comprasse o prédio que lhe estava arrendado antes de o colocar à venda junto do público em geral, quando aquele se encontrava arrendado a uma filha – a Ré GG – e quando esta última, enquanto arrendatária, gozava, inclusivamente, de preferência na compra do mesmo. Acresce que, conforme foi referido pelo Réu KK e foi corroborado pela testemunha QQ, na sequência dos prédios terem sido colocados à venda, neles foi colocado um placard anunciando que estavam à venda, pelo que, ainda que a grande maioria dos filhos de AA e de OO se encontrassem então emigrados e parte deles estivessem desavindos com o grupo de filhos que residia em Portugal (e, ao que tudo indica, eventualmente com os próprios pais – AA e OO), naturalmente que não faltou quem lhes comunicasse prontamente que os prédios propriedade de seus pais tinham sido colocadas à venda – é isto que resulta das regras da experiência de vida, as quais demonstram que existe sempre um familiar ou um vizinho que cuida em transmitir prontamente “as novidades” aos ausentes. Acresce que, tendo o aqui Réu NN comprado o prédio, em 08/06/2017, que se encontrava arrendado à Ré GG, pelo preço de 70.000,00 euros, este notificou-a dessa compra, por carta registada com aviso de receção, datada de 04/07/2017, remetendo-lhe, inclusivamente, cópia da escritura de compra e venda, tudo conforme documentos de fls. 82 a 85 do processo físico, carta essa que GG confessou ter rececionado, o que também é corroborado pelo aviso de receção por ela assinado (junto a fls. 85 dos autos), sem que então tivesse reagido a essa compra e venda, designadamente, exercendo o direito de preferência que lhe assistia. De resto, questionada pela Meritíssima Juíza a quo da razão para não ter pedido a anulação da venda da casa que lhe estava arrendada com fundamento na violação do direito de preferência que lhe assistia, a Ré GG, referiu não estar disposta “a comprar a casa por 75.000,00 euros (referindo-se ao preço pelo qual o aqui Réu HH, após ter comprado o prédio, em 08/06/2017, a OO e a AA - esta representada pelo procurador e aqui Réu KK -, por 70.000,00 euros, o veio a vender à aqui Ré CC) “porque ela (a casa) vale menos”, acabando por concretizar “não saber o valor da casa, mas acha que não valia mais de 35.000,00 euros”. Daí que tudo o que se vem dizendo vai ao encontro (corroborando-a) da versão dos factos apresentada pelos Réus CC, KK e DD quando referem que antes de colocarem os prédios à venda, o seu falecido pai (OO) propôs à Ré GG que comprasse o prédio que lhe estava arrendado pelo preço de 50.000,00 euros, e que a última, apesar de dizer que “sim”, nunca se propôs a comprá-lo por esse preço, de tal modo que o prédio em causa acabou por ser colocado à venda junto do público em geral. Mas que o mau relacionamento entre os dois grupos de filhos de AA e OO vindo a referir foi exacerbado pela circunstância destes terem colocado os prédios de que eram proprietários à venda, em particular, o que se encontrava arrendado à Ré GG, levando que a última, com a conivência de, pelo menos, o aqui recorrente, BB, a tudo fazerem o que estava ao seu lance para impedirem a concretização dessas vendas, é evidenciado pela circunstância de, uma vez colocado letreiro nos prédios anunciando que se encontravam à venda (vide fundamentos probatórios supra identificados e analisados), tendo, em 07/02/2017, AA outorgado a procuração ao filho e Réu KK, constituindo-o seu procurador para, além do mais, “prometer vender e efetivamente vender pelo preço e condições que entender conveniente, quaisquer imóveis sitos na união de freguesias ... e ..., concelho ...” (ou seja, o prédio que foi vendido, em 23/05/2017, ao aqui Réu MM, pelo preço de 45.000,00 euros, e o prédio que foi vendido, em 08/06/2017, ao aqui igualmente Réu NN, pelo preço de 70.000,00 euros, uma vez que toda a prova produzida é concordante no sentido de que AA e marido OO não eram proprietários de outros prédios para além destes), logo, em 30/03/2017, a aqui Ré GG instaurou ação requerendo que a mãe, AA, fosse declarada interdita. Pois bem, apesar da ação de interdição ter sido instaurada em 30/03/2017, e de, na sequência dela, por sentença proferida em 19/03/2018, transitada em julgado em 04/05/2018, AA ter sido declarada interdita, e de ter sido nomeado para o cargo de tutor o recorrente BB, e para o conselho de família as Rés GG e XX, cabendo àquela (GG) o cargo de protutora, e apesar de todos os oito filhos de AA e marido OO terem tido necessariamente conhecimento que os prédios dos pais foram vendidos e dos negócios jurídicos que estiveram subjacentes a essas compras (procuração e escrituras públicas de compra e venda) ainda no decurso do ano de 2017 (vide fundamentos probatórios acima já identificados e analisados), verifica-se que nenhum deles reagiu a essas vendas antes 27/09/2019, altura em que o aqui recorrente instaurou a ação a que se alude no ponto Q dos factos provados na sentença recorrida. Note-se que o aqui Réu MM, comprou, em 23/05/2017, pelo preço de 45.000,00 euros, o prédio que fora a casa de morada de família de AA e marido OO até irem residir para o lar, e que o outro prédio (arrendado à Ré GG) foi comprado pelo Réu FFF, em 08/06/2017, pelo preço de 70.000,00 euros. Relembra-se que o falecido OO propôs à Ré GG, sua filha, que comprasse o prédio que lhe estava arrendado pelo preço de 50.000,00 euros, antes de colocar os prédios à venda junto do público em geral, o que esta recusou, dizendo que “sim”, mas nunca se propondo comprá-lo pelo preço que lhe foi proposto pelo pai, posto que, conforme referiu em audiência final, “para ela a casa não valia mais do que 35.000,00 euros”. Relembra-se ainda que foi apenas na sequência da constatação que a Ré GG não se propunha comprar o prédio que lhe estava arrendado, pelo preço de 50.000,00 euros, que ambos os prédios foram colocados à venda por OO e pela entretanto falecida AA. E também se relembra que, na sequência dessa decisão foram colocados em ambos os prédios um placard anunciando que se encontravam à venda, o que, conforme antedito, levou necessariamente que recorrente e recorridos, filhos de AA e de OO, tivessem tomado conhecimento que os prédios em causa (propriedade de seus pais) foram colocados à venda. Acresce que, na sequência do Réu MM ter comprado o prédio, em 23/05/2017 (que fora a casa de morada de família de AA e de OO até terem ido viver para o lar), aquele logo realizou obras no prédio e passou nele a residir (cfr. depoimentos de parte prestados pelos Réus CC, KK, GG e MM e depoimento da testemunha QQ, que foram todos concordantes nesse sentido, o que é igualmente atestado pela facticidade julgada provada na sentença recorrida sob as alíneas V a AG, que não foi alvo de impugnação), pelo que essa compra e venda jamais pôde passar despercebida aos oito filhos de OO e AA, os quais naturalmente não deixaram de se informar sobre os negócios jurídicos que a ela presidiu (procuração de fls. 18 a 20 e escritura de compra e venda de fls. 21 e 22). Acresce que, na sequência do Réu NN, ter comprado o prédio, em 08/06/2017, que se encontrava arrendado à Ré GG, aquele notificou-a, por carta de 04/07/2017, dando-lhe conhecimento da compra que fizera desse prédio pelo preço de 70.000,00 euros, e remetendo-lhe, inclusivamente, cópia da escritura de compra e venda celebrada, conforme é atestado pelos documentos juntos aos autos a fls. 82 a 85, e foi corroborado pela própria GG em audiência final, o que naturalmente não deixou de ser por ela transmitido aos restantes irmãos que andavam incompatibilizados com o primeiro grupo de irmãos supra referido (mais próximo dos pais e que os convenceram a venderem os prédios de que eram proprietários), que eventualmente desconhecessem essa venda, que logo trataram naturalmente de se inteirar dos negócios jurídicos a ela subjacentes (procuração de fls. 18 a 19 e escritura pública de compra e venda de fls. 23 a 24). Acresce referir que, conforme depoimentos unânimes prestados pelas Réus CC, GG, pelo próprio NN e, bem assim, pela testemunha AAA, e é corroborado pelo documento (anúncio) junto aos autos em 26/02/2024, na sequência do Réu NN ter comprado o prédio arrendado à Ré GG, pelo preço de 70.000,00 euros, o identificado NN, que se dedicava à compra e venda de prédios com intuito lucrativo (sendo dono de uma agência imobiliária), colocou esse prédio à venda na Internet, pelo preço de 92.500,00 euros, sem que tivesse logrado obter comprador para o mesmo, acabando por o vender à Ré CC, pelo preço de 75.000,00 euros. Tudo o quanto se vem dizendo, reafirma-se, corrobora que os oito filhos de AA e de OO tiveram necessariamente conhecimento das vendas que os pais fizeram dos prédios de que eram proprietários e, bem assim, da procuração outorgada por AA, em 07/02/2017, constituindo seu procurador o Réu KK, bem como do teor das escrituras de compra e venda dos identificados prédios ainda durante o ano de 2017, isto é, o mais tardar até ../../2017. Acontece que, apenas em ../../2019, o aqui recorrente BB instaurou (em seu nome pessoal) contra os aqui Réus e a entretanto falecida AA, sua mãe (que então ainda era viva), ação, em que formulou os mesmos pedidos que deduziu na presente ação, com fundamento na mesma causa de pedir, ação essa que veio a ser liminarmente indeferida por via da procedência da exceção dilatória de ilegitimidade ativa (cfr. alínea Q da facticidade apurada, que não foi impugnada). Daí que, salvo melhor opinião, em face do que se vem dizendo se imponham extrair as seguintes conclusões adicionais: Quinta conclusão: Ainda durante o ano de 2017, os oito filhos de AA e de OO tiveram conhecimento das compras e vendas dos prédios de que aqueles eram proprietários e, bem assim, da procuração que AA outorgou em 07/02/2017 ao Réu KK, constituindo-o seu procurador, com os poderes enunciados no documento junto aos autos a fls. 19 e 20. Sexta conclusão: Apesar de AA ter sido julgada interdita por sentença proferida em 19/03/2018, transitada em julgado em 04/05/2018, nenhum dos filhos de AA e de OO reagiu a essas compras e vendas e à procuração junta aos autos a fls. 19 e 20, antes de 27/09/2019, altura em que o recorrente BB, em seu nome pessoal, instaurou a ação a que se alude na alínea Q dos factos provados na sentença. Avançando… OO, marido de AA, faleceu em ../../2018 (cfr. doc. de fls. 12 e 13). Os Réus KK e DD foram concordantes em afirmar que o pai (o OO) lhes dizia que havia dinheiro guardado num armário, mas que, na sequência do falecimento deste, tendo a Ré CC ido ao dito armário, nele não encontrou dinheiro nenhum. Destarte, verificando-se que os oito filhos de AA e de OO não reagiram às vendas dos prédios que eram propriedade dos pais, nem à procuração que foi outorgada por AA, constituindo seu procurador o filho KK, apesar de terem tomado conhecimento daqueles negócios jurídicos (escrituras de compra e venda e procuração) ainda no decurso do ano de 2017, e, bem assim, que o ora recorrente apenas instaurou a ação a que se alude na alínea Q da facticidade julgada provada na sentença recorrida, em ../../2019, decorridos escassos dois meses sobre o falecimento do pai (OO), à semelhança daquela que foi a convicção da Senhora Juiz a quo, também é nossa firme convicção que a verdadeira razão que preside à presente ação não se prende com a outorga da procuração ou das escrituras de compra e venda cuja anulabilidade se peticiona na presente ação, “mas, antes, porque após a morte de OO, ocorrida em ../../2018, pelo menos BB e GG constataram que o produto das vendas dos imóveis tinha desaparecido”. Daí que se imponha extrair a seguinte conclusão adicional: Sétima conclusão: a verdadeira razão que preside à presente ação não se prende com a outorga da procuração ou das escrituras de compra e venda, “mas, antes, porque após a morte de OO, ocorrida em ../../2018, pelo menos BB e GG constataram que o produto das vendas dos imóveis tinha desaparecido”. Cientes das verdadeiras razões que presidem à instauração da presente ação e das cautelas que necessariamente se tem de adotar em relação à versão dos factos que foram apresentadas pelos Réus CC, KK, DD e GG em audiência final, em particular quanto a esta última e, bem assim a que foi apresentada pelo recorrente BB à Senhora perita de psiquiatria forense que examinou AA em 23/11/2017, e que elaborou o relatório de perícia médico-legal de psiquiatria no âmbito do processo de interdição (junto aos autos a fls. 28 a 29) quanto ao estado, incluindo, mental em que se encontrava AA quando foi institucionalizada no lar do Centro Social e Paroquial de ..., em 07/08/2015 e, bem assim, quando outorgou, em 07/02/2017, a procuração constituindo seu procurador o Réu KK, urge atentar na restante prova pessoal que foi produzida em audiência final. A testemunha BBB, que trabalha no lar de ..., referiu desconhecer a data em que AA e marido, OO, entraram no lar, porque quando começou nele a exercer funções já aí se encontravam institucionalizados. Afirmou que “quando começou a tratar da D. AA ela estava bem, mas tinha dificuldades”. “A nível cognitivo tinha dificuldades”. Havia um dia ou outro que “variava um pouco, mas a maior parte do tempo estava bem, tinha memória”. A testemunha CCC, que afirmou trabalhar no Lar ... talvez desde 2012, começou por afirmar desconhecer quando é que AA e marido, Senhor OO, foram residir para o lar. Porém, acabou por referir ter lidado diariamente com a D. AA e que, quando esta foi para o lar, “comia pela mão dela, andava bem, expressava-se bem, ela estava normal”; “depois, com a idade foi piorando”; “mais para o fim, a D. AA tinha dificuldades de memória”. Concretizou que AA conhecia as pessoas até próximo da morte - “conhecer as pessoas, ela conhecia praticamente até ao fim da vida”. Por sua vez, a testemunha TT referiu trabalhar no lar de ... desde 2015/2016. Lembra-se da D. AA e do senhor OO. Não se recorda quando a D. AA entrou no lar. Quando começou a lidar com a D. AA “ela estava normal, estava bem, andava bem”; “depois, os anos foram andando e ela foi piorando”; “tinha de puxar por ela porque se não ela não falava”. “Ela (referindo-se a AA) tinha horas; havia alturas em que estava bem, conhecia as pessoas e noutras alturas não”. Já a testemunha UU, funcionária do lar de ... desde cerca 2015, referiu lembrar-se da D. AA e do Senhor OO. Trabalhava mais (isto é, sobretudo) na limpeza e, por isso, não lidava muito com eles (os utentes do lar, onde se incluíam AA e marido desta, OO). Referiu que se cruzava poucas vezes com a D. AA. Quando foi para a limpeza, em 2016, e se cruzava com os utentes, nomeadamente com a D. AA, cumprimentava-a. Referiu que a D. AA “já não sabia muito bem o que dizia”, sem que, contudo, tivesse concretizado essa sua afirmação, tanto mais que afirmou cruzar-se poucas vezes com aquela. A testemunha VV referiu trabalhar no lar desde 2014. Afirmou conhecer a D. AA e o Senhor OO. Acompanhou a D. AA desde o início no lar. No início “ela andava bem; depois deixou de andar, de seguida retomou o andar até que deixou totalmente de andar”. Isto aconteceu num período de cerca de um ano. “Tinha alturas em que a D. AA sabia quem elas eram (as funcionárias do lar) e alturas em que não as conhecia”. “Sabe que a D. AA sofria de Alzheimer – esquecia-se das coisas – era isto que as enfermeiras lhe diziam”, ou seja, a testemunha desconhecia (e desconhece) se AA sofria (ou não) de Alzheimer, mas apenas pode afirmar que era isso que as enfermeiras lhe diziam e que AA se esquecia efetivamente “das coisas”. Confrontada com a fotografia junta a fls. 28 do processo físico, a testemunha VV referiu que, antes de 2018 viu a D. AA na cama no estado em que se encontra retratada na dita fotografia, mas não no cadeirão. Em 2018, passou a trabalhar no lar durante a noite e tinham de “amarrar a D. AA, porque ela mexia-se e caía da cama”. Por sua vez, a testemunha DDD, que referiu trabalhar no lar de ... e que conheceu a D. AA e marido quando estes ainda residiam na casa deles e lhes ia dar apoio domiciliário, afirmou que, na altura do apoio domiciliário, a D. AA “estava bem” e “andava bem da cabeça”, quando estava no lar a D. AA andava “mais ou menos”. “Ultimamente, nos finais (ou seja, já próximo da morte) a D. AA não dizia coisa com coisa”. “Para o final a D. AA não conhecia as pessoas e não dizia coisa com coisa”. Confrontada com a fotografia de fls. 26, a testemunha DDD referiu que “é a fase final da D. AA”, isto é, o estado em que se encontrava no período que antecedeu a sua morte. Já a testemunha WW, médico, afirmou ter exercido as funções de diretor clínico no lar de ... desde o início de funcionamento deste, onde se deslocava duas vezes por semana. Com a pandemia começou a ter uma colaboração mais à distância ao lar, até que cessou funções em outubro de 2023. Confrontado com a declaração médica junta aos autos a fls. 27, a testemunha WW confirmou ser o seu autor, referindo que, apesar de não se recordar da pessoa de AA, confirmar o seu teor. Referiu que AA sofria de síndrome demencial crónico. Pensa que, em 07/02/2017, AA não tinha capacidade para outorgar uma procuração. Não pode localizar no tempo o início da incapacidade de AA, “mas se é uma situação crónica, é uma situação arrastada”, que “já tem anos de evolução”. Em 2019 (emitiu a declaração médica de fls. 27, em ../../2019) AA “já estava numa situação de doença demencial visível. Mesmo nessa situação, AA podia ter momentos melhores e outros piores”. “Pode reconhecer um familiar, designadamente quando convive mais com ele, e já não reconhecer outro que não vê há muito tempo”. “Não é possível que se senhora estivesse bem mentalmente até praticamente à morte”. Se assim fosse, “não seria uma demência crónica”. Confrontada com a fotografia de fls. 26, a testemunha WW afirmou não se recordar da pessoa nela retratada (a AA). A maior parte das pessoas que estão no lar estão nas condições em que se encontra a pessoa retratada na dita fotografia porque, há uns anos atrás as pessoas só iam para o lar em idade já muito avançada, quando já não tinham condições para estarem em casa. Confrontada com o facto de AA sofrer de Alzheimer, a testemunha WW foi perentória em afirmar que a doença de Alzheimer é “uma doença muito específica, pode começar muito cedo”. “A senhora (referindo-se a AA) não tinha de certeza Alzheimer, tinha uma demência crónica associada à idade”, explicando que, quando os doentes “são institucionalizados no lar, muitas vezes o estado de demência avança muito rapidamente”. Confrontada com o facto da Senhora notária afirmar perentoriamente que falou com AA, que lhe leu e explicou o teor da procuração de fls. 19 e 20, e que nada de anormal detetou nela, sendo sua firme convicção de que AA entendeu o que então lhe disse e explicou e teve tinha perfeita consciência do ato que praticou (outorga da procuração de fls. 18 a 20), a testemunha WW referiu “ser possível que a senhora tivesse um momento de lucidez na altura em que assinou a procuração”. “Agora tenho dúvidas que ela tivesse consciência do ato que estava a praticar”. Concretizou ser “normal que a senhora tivesse momentos de lucidez e reconhecer as pessoas, mas não ter consciência das implicações do ato que estava a praticar, designadamente, que estava a beneficiar um filho em detrimento dos outros”. “Pode assinar o documento para agradar ao filho que a visita e que está presente e que lhe diz para que assine”. Finalmente, confrontada com as conclusões constantes do relatório pericial elaborado pelo INML, junto aos autos a fls. 28 a 29 (conclusões essas que lhe foram lidas pela Senhora Juíza a quo), nomeadamente, quando nelas se escreve que: “Não sendo possível definir uma data mais precisa para o início da incapacidade, esta pode ser fixada na data em que foi institucionalizada”, a testemunha WW referiu que “vai ao encontro daquilo que ele pensa”. “É um processo demencial crónico que resulta da idade, mas não só: depende da vida que a pessoa levou, designadamente maus tratos em criança”. Aqui chegados, dir-se-á que, cotejada a prova vinda a identificar e analisar resulta da mesma que AA sofria de síndrome demencial crónico, mas não da doença de Alzheimer. Com efeito, nenhuma prova foi produzida que indicie que a falecida AA padecesse de Alzheimer, nomeadamente, no relatório de perícia médico-legal de psiquiatria forense, realizado pelo INML, em 23/11/2017, no âmbito da ação de interdição, junto aos autos a fls. 28 e 29, não é feita nenhuma referência a semelhante doença, o mesmo sucedendo quanto à declaração médica emitida, em ../../2019, pela testemunha WW, a qual foi perentória em afirmar que AA “de certeza que não tinha Alzheimer”, mas antes padecia de uma “demência crónica, associada à idade”. Em 23/11/2017, data em que AA foi submetida ao exame pericial junto do INML, a que se reporta o relatório pericial de fls. 28 a 29 (ou seja, 9 meses e 16 dias depois daquela ter outorgado a procuração de fls. 19 a 20, constituindo seu procurador o filho - o aqui Réu KK –, conferindo-lhe os amplos poderes representativos acima já referidos, no exercício dos quais, aquele, juntamente com o pai, OO -, em representação de AA, vieram a vender os prédios de que esta e OO eram proprietário), aquela “expressava-se com boa articulação da fala, mas com discurso pobre e confuso, não sendo capaz de fazer a narrativa dos acontecimentos da sua vida. Não consegue descrever sequer a sua idade, naturalidade, frataria ou os seus filhos. Não reconhece o filho que a acompanha. Apresenta grave alteração dos processos da memória, quer recente, quer remota. Não mostra capacidade de entendimento do objetivo da avaliação e das perguntas que lhe são feitas, não estando orientada em nenhuma das dimensões circunstanciais. Não sabe ler, escrever ou calcular, não sendo capaz de reconhecer o valor facial ou real do dinheiro, nem demonstra capacidade de reconhecimento de qualquer documento. Ao exame clínico deteta-se deterioração grave do funcionamento cognitivo. Não é autónoma na realização das suas atividades básicas de vida diária”. Encontrava-se, em suma, “absoluta e permanentemente incapaz de governar a sua pessoa e os seus bens”, tudo conforme concluiu a senhora perita médica no identificado relatório de fls. 28 a 29. O síndrome demencial crónico é uma doença associada à idade e trata-se de uma patologia de evolução lenta, que se vai instalado gradualmente, ao longo dos anos, no doente, levando-o à perda progressiva das suas faculdades mentais. Todavia, se o que se acaba de referir é a evolução regra dessa específica doença – o síndrome demencial crónico -, a sua evolução depende do caso concreto, posto que, conforme referiu a testemunha WW, “tudo depende de caso para caso”: “depende da vida que a pessoa levou”, nomeadamente de eventuais “maus tratos que tenha sofrido em criança”, e existem doentes que, “quando são institucionalizados no lar muitas vezes o estado de demência avança muito rapidamente”. Daí que a questão que urge indagar é se AA, quando foi institucionalizada no lar de ..., em 07/08/2015, já apresentava falhas de memória e momentos de desorientação; se a mesma já se encontrava confusa, sem marcha autónoma e incontinente, com necessidade de usar fralda em permanência, tudo conforme foi relatado pelo recorrente BB à senhora perita médica quando se deslocou com a mãe, AA, no dia 23/11/2017, ao INML, onde esta foi submetida à perícia médico-legal de psiquiatria, no âmbito da ação de interdição, e que culminou com a elaboração do relatório pericial junto aos autos a fls. 28 a 29, acima transcrito. Ora, essa versão dos factos que foi relatada pelo recorrente BB à senhora perita médica, para além de não ser corroborada pelos Réus CC, KK e DD, não é confirmada pelas testemunhas que acima se identificaram, funcionárias do lar de ..., as quais descreveram AA, quando foi institucionalizada no lar (o que, relembra-se, ocorreu em 07/08/2015), como sendo pessoa autónoma, que caminhava pelo seu próprio pé, tomava as refeições pela sua própria mão, com um discurso coerente, sem falhas de memória ou de entendimento que tivessem sido por si percecionadas, e que apenas, com o decurso do tempo e o avançar da idade, foi vendo as suas faculdades mentais progressivamente a se degradarem, até ficar numa situação de total e de absoluta incapacidade para prover às suas necessidades mais básicas. Daí que, salvo o devido respeito por opinião contrária, face à prova produzida que se vem identificando e analisando, longe desta não consentir que se tivesse julgado como não provada a facticidade constante do ponto 5º dos factos não provados na sentença sob sindicância, e impor (conforme vem propugnado pelo recorrente) que se julgue como provado que: “A Autora AA tenha dado entrada no lar “sem capacidade de entendimento, a sofrer demência, sem autonomia, com grave alteração de memória, desorientada, incontinente de esfíncteres, com necessidade de usar fralda em permanência, sem capacidade de apreciar qualquer documento, designadamente procuração”, essa prova impõe precisamente o julgamento de não provado realizado pela 1ª Instância. Destarte, impõe-se julgar improcedente o fundamento de recurso acabado de apreciar e, em consequência, mantém-se inalterada a facticidade julgada não provada no ponto 5º. Avançando… Quanto ao estado físico e mental em que se encontrava AA, em 07/02/2017, data em que outorgou a procuração junta aos autos a fls. 19 e 20 (constituindo como seu procurador o filho e aqui Réu KK, a quem conferiu os poderes representativos já acima explanados, no exercício dos quais, em representação daquela, mais o pai – OO – vieram a vender os prédios que integravam o património do casal formado pela AA e pelo OO), para além dos elementos de prova já acima identificados e analisados, impõe-se convocar o depoimento prestado pelas testemunhas AAA e RR. A testemunha AAA afirmou ser ex-cunhada da Ré GG, em virtude desta ser viúva do seu falecido irmão, e manter com ela um bom relacionamento. AAA referiu ter estado emigrada em ... de 1992 a 2017, mas vir de férias a Portugal mais de uma vez por ano, e viver perto da casa de AA, sendo vizinha desta antes de ter sido institucionalizada no lar, a quem costumava visitar quando vinha de férias a Portugal. A última vez que esteve com AA foi no ano de 2017, altura em que a foi visitar ao lar. Afirmou que, quando foi visitar AA no lar, em 2017, esta “já estava numa situação difícil, mas reconheceu-a e falou com ela um pouquinho”. “Na altura perguntou à D. AA se sabia ainda assinar o nome dela”, ao que lhe respondeu que “sim”, na sequência do que lhe pediu: “Então escreve aqui. Mas apareceu o marido e o filho e não a deixaram assinar, e ela (AAA) teve de sair”, isto é, ausentar-se do lar. Na altura, AA queixou-se à depoente, dizendo-lhe: “Puseram-me aqui, eu quero ir para minha casa”. Aquando dessa visita, AA andava de cadeira de rodas e usava fralda. A testemunha AAA referiu que AA “nunca andou na escola. Foi o marido quem a ensinou a escrever qualquer coisa” e ter tido conhecimento que foi interditada, mas não sabe por que razão, porque “não está ao par”. Questionado sobre se, em 2014, quando veio de férias, se falou com GGG, a testemunha AAA afirmou “não se lembrar” e referiu que, em 2015 e 2016, “não falou com ela”. Por último, afirmou que, antes de ir para o lar, AA vivia com o marido; ia às compras, fazia as lides domésticas e que quando lhe disseram que ela tinha ido para o lar, “ficou admirada”, porque ela (referindo-se a AA) “andava, ia às compras, fazia as lides domésticas”, concluindo que, “não sabe o que lhe deu, porque é que foi para o lar”. Note-se que não pudemos deixar de suscitar sérias reservas quanto à bondade do depoimento prestado pela testemunha AAA quando se constata que, sendo ex-cunhada da Ré GG (pessoa que age com os intuitos já acima enunciados), denotou um manifesto comprometimento com a defesa dos interesses da última, nomeadamente, quando pretendeu ter visitado, no ano de 2017, AA no lar de ... e quando pretende que, na altura, AA já se encontrava “numa situação difícil”. De resto, não podemos deixar de estranhar que AAA pretenda ter visitado AA no lar, em 2017, quando, em 2014, diz não se lembrar se falou (ou não) com ela, apesar de então serem vizinhas e amigas, e quando afirma que, nos anos de 2015 e 2016, não falou com a mesma, não cuidando, pois, em visitar a sua amiga e anterior vizinha no lar em que foi institucionalizada, mas pretenda ter tido a preocupação de a visitar no lar, em 2017, que corresponde precisamente ao ano em que AA outorgou a procuração de fls. 19 e 20 e foram celebradas as escrituras de compra e venda de fls. 21 a 24. As referidas dúvidas adensam-se quando se verifica que AAA pretende ter ido visitar AA no lar, em 2017, com o propósito manifesto de cuidar em saber do estado, nomeadamente, mental em que a última se encontrava, designadamente, para apurar se ainda sabia (ou não) escrever – é isto que se extrai do seu depoimento. Todavia, cumpre referir que, a ter a testemunha AAA efetivamente visitado AA no lar de ..., em 2017, apesar de pretender que então esta se encontrava “em situação difícil”, é a própria que acaba por se contradizer ao afirmar que AA a reconheceu e que, tendo-a questionado sobre se ainda sabia escrever, obteve dela resposta positiva, e que pedindo-lhe para que assinasse o seu nome, logo GGG se propôs fazê-lo, apenas acabando por não o fazer porque, entretanto, apareceu o marido (OO) e o filho, sendo a testemunha obrigada a ausentar-se do lar. Daí que, salvo melhor opinião, longe do depoimento da testemunha AAA impor que se conclua pela prova da facticidade julgada não provada nos pontos 1º, 2º, 3º e 4º da sentença recorrida, o seu depoimento aponta precisamente em sentido contrário, ou seja, para a não prova dessa concreta facticidade. Por sua vez, a testemunha RR, confirmou ser a notária que lavrou a procuração, em 07/02/2017, junta aos autos a fls. 19 e 20, na qual AA constituiu seu procurador o Réu KK, na qual lhe conferiu os amplos poderes representativos que nela se encontram explanados, no exercício dos quais, em nome daquela, outorgou as escrituras de compra e venda de fls. 21 a 24. A testemunha RR referiu ter-se deslocado ao Centro Social ..., mas não se recordar, nem sequer se lembrar onde se situa esse centro - “devo ter ido lá uma única vez”. Afirmou “não se recordar da senhora” (ou seja, de AA), pelo que se limitou a descrever o procedimento habitual por si seguido em situações iguais/idênticas em que a última se encontrava – pessoa idosa e institucionalizada num lar de idosos. Disse que “o normal é falar com a pessoa para ver se ela está bem”; “para ver se ela sabe o que está a fazer”; “se ela conhece as pessoas, a idade que tem”. “Trata-se de uma conversa normal, depois tudo depende como a conversa corre”. “Se fez a procuração é porque achou que a senhora estava bem”. “Ela (AA) disse que estava bem e ela (RR) ficou convencida que sim”. “Se fez a procuração é porque entendeu que a senhora estava bem”, na medida em que, se tivesse dúvidas tinha recusado outorgar a procuração, como já aconteceu. Mais referiu que “todos os atos são explicados. É tudo explicado”. “Não se recorda de ter ido ao lar uma primeira vez e depois ter ido lá uma segunda vez. É possível que sim, mas não se recorda”. Reafirmou não se lembrar do caso concreto, apenas podendo dizer qual o “procedimento que segue”. “O que pode afirmar é que, se fez a procuração é porque entendeu que a senhora estava bem, porque se não, não teria feito a procuração, como já aconteceu”. Confrontada com a procuração junta aos autos a fls. 19 e 20, afirmou tratar-se de “uma minuta que tem, para tudo”. Quando os utentes se deslocam ao cartório e “dizem que é uma procuração para “tudo”, ela trás a minuta para “tudo””. Especificou que quando os utentes se deslocam ao cartório notarial para efetuarem a marcação de um ato notarial, o funcionário indaga junto daquele se a pessoa que vai outorgar sofre de Alzheimer, Parkinson, etc. Depois, no dia aprazado para a outorga do ato notarial, a depoente desloca-se ao lar e questiona “as pessoas que tratam da pessoa (que vai outorgar) sobre o estado desta”. A seguir, a própria depoente “fala com a pessoa que vai outorgar para perceber se ela está efetivamente bem, se entende o significado do ato e se percebeu”. Logo, como bem refere o recorrente, a testemunha RR, notária, não tem efetivamente lembrança da pessoa de GGG, nem das circunstâncias em que lavrou a procuração de fls. 19 e 20. De resto, também a testemunha WW, que exarou a declaração médica, em ../../2019, junto aos autos a fls. 27, em cujo depoimento o recorrente pretende principalmente assentar a prova da facticidade vertida nos pontos 1º, 2º, 3º e 4º dos factos julgados não provados na sentença recorrida, não tem lembrança da pessoa de GGG. Acontece que, apesar da testemunha HHH não ter lembrança da pessoa de AA nem das circunstâncias concretas em que a procuração de fls. 19 a 20 foi outorgada, aquela não só descreveu em audiência final os procedimentos habituais que adota em casos idênticos/semelhantes aos de AA, como produziu um depoimento que, na nossa perspetiva, se revelou sincero, enxuto e isento e que, por isso, nos merece credibilidade, do qual resulta estar-se na presença de uma Senhora notária cuidadosa e criteriosa no cumprimento das suas obrigações legais. Ora, dir-se-á que se AA na data em que, em 07/02/2017, outorgou a procuração de fls. 19 a 20 (constituindo seu procurador o Réu KK) estivesse num estado de deterioração mental, em quadro demencial avançado (conforme pretende o recorrente acontecer), esse quadro demencial não só seria apto a que a testemunha HHH se lembrasse desse específico caso e, inclusivamente, da pessoa de AA (posto que as regras da experiência comum demonstram que as pessoas tendem a lembrar-se das situações anormais e insólitas com que se vêm confrontadas, mas já não das que decorrem dentro de um quadro de normalidade) e dele se tivesse apercebido (o que não foi o caso), como esse quadro demencial não deixaria de ter sido relatado pelos responsáveis e/ou pelos funcionários do lar do Centro Social e Paroquial de ... em que AA se encontrava institucionalizada quanto foram contactos pela testemunha RR, notária, para se informar do estado mental da pessoa que ia outorgar, o que tudo também não foi o caso. Pelo contrário, AA outorgou a procuração de fls. 19 a 20 num “quadro de normalidade”, ao ponto da testemunha RR, notária, já não se lembrar da mesma, nem do contexto em que lavrou a referida procuração (logo, num contexto de normalidade) e de afirmar perentoriamente que, depois de ter adotado as cautelas que sempre adota em situações iguais/semelhantes à de AA (falando previamente com as pessoas que cuidam dela, a fim de indagar se a pessoa que vai outorgar sofre de qualquer patologia suscetível de afetar as suas capacidades intelectuais ou volitivas, e conversando, posteriormente, com a própria pessoa que vai outorgar para se “perceber se ela está efetivamente bem, se entende o significado do ato e se percebeu”, explicando “tudo” à pessoa), nada de anormal detetou na pessoa de AA, concluindo, afirmando convictamente que, “se fez a procuração, é porque achou que a senhora estava bem e por ter ficado convencida que sim”, e só depois, é que a AA assinou a procuração. É certo que no exame pericial a que se submeteu AA no INML, em 23/11/2017, no âmbito da ação de interdição, se concluiu que, “não sendo possível definir uma data mais precisa para o início da incapacidade (de AA) esta pode ser fixada na data em que foi institucionalizada”, e que, na sentença que foi proferida, em 19/03/2018, transitada em julgado em 04/05/2018, que declarou AA interditada, se fixou o início da incapacidade desta a data do seu internamento no lar de ..., em 07/08/2015, mas conforme antedito, a prova produzida não corrobora que, aquando da institucionalização no lar, AA padecesse de qualquer anomalia mental que comprometesse então o seu discernimento e/ou liberdade, mas antes pelo contrário, aponta no sentido que então esta era pessoa autónoma e escorreita. Também é certo que, a data provável do início da incapacidade de AA fixada na sentença, transitada em julgado, que decretou a interdição, constituiu uma forte presunção de facto, de primeira aparência, de que aquela, em 07/02/2017 (data em outorgou a procuração junta aos autos a fls. 19 a 20, constituindo como seu procurador o seu filho e aqui Réu KK, a quem conferiu os amplos poderes representativos com base nos quais foram celebrados as escrituras públicas de compra e venda), já se encontraria incapacitada de entender o sentido exato das declarações que emanou na referida procuração ou já estava privada do livre exercício da sua vontade. Todavia, conforme acima se deixou dito, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, não se está perante uma presunção judicial iuris tantum suscetível de inverter o ónus da prova que impende sobre o próprio de ter de alegar e provar em como AA, à data em que outorgou a dita procuração, estivesse incapacidade de entender o sentido exato das declarações que nela emanou ou estivesse privada do livre exercício da sua vontade, mas trata-se de uma simples presunção de facto, de experiência ou de mera aparência que aponta fortemente no sentido de então (em 07/02/2017) AA estar já diminuída nas suas capacidades intelectuais, que não lhe permitia apreender o significado e as consequências jurídicas da procuração que outorgou, ou privada do livre exercício da sua vontade. Todavia, essa prova de mera aparência de que beneficia o recorrente terá de ser por ele complementada por outros meios de prova que a corrobore (ou não) esse estado (aparente) de incapacidade de AA. Ora, conforme antedito, entre a data em que AA outorgou a procuração de fls. 19 a 20, em 07/02/2017, e a data em que foi submetida ao exame pericial no INML, em 23/11/2017, decorreram 9 meses e 16 dias, em que aquela poderá ter sofrido um considerável agravamento do seu estado mental e físico. Acresce que, conforme antedito, a data proposta pela senhora perita médica no relatório pericial como data do início da incapacidade de AA não foram alheias as informações que lhe foram prestadas pelo recorrente PP (de acordo com as quais, quando a sua mãe foi internada no lar já apresentava pretensamente “perda de memória e momentos de desorientação”, que evolui “rapidamente para a atual situação de dependência de terceiros. Na altura em que foi institucionalizada, já se encontraria confusa, sem marcha autónoma e incontinente de esfíncteres, com necessidade de usar fralda em permanência”), quando essas informações, conforme supra se demonstrou, não têm qualquer assento na prova produzida, a qual antes aponta no sentido de que, quando AA foi institucionalizada no lar de ..., em 07 de agosto de 2015, era pessoa autónoma e escorreita. A pretensão do recorrente em ver julgada provada a facticidade dos pontos 1º, 2º, 3º, 4º e 6º assenta essencialmente no depoimento da testemunha WW. Sucede que, se é certo que a testemunha WW referiu que AA, na altura da outorga da procuração, em 07/02/2017, podia ter um momento de lucidez, mas já ter “dúvidas que tivesse consciência do ato que estava a praticar”, foi o próprio WW que referiu não ter qualquer lembrança da pessoa de AA, pelo que não pode naturalmente ter conhecimento do estado mental em que se encontrava quando outorgou a dita procuração. Acresce que foi o próprio WW que referiu que, apesar de AA padecer de síndrome demencial crónico, que é um quadro clínico que, em regra, é de evolução lenta, essa evolução depende de múltiplos fatores – “da vida que a pessoa levou, designadamente maus tratos sofridos em criança” – e que “quando os doentes são institucionalizados no lar muitas vezes o estado de demência avança muito rapidamente”. Aqui chegados, resulta dos fundamentos probatórios acabados de identificar e de analisar que a prova produzida não corrobora minimamente a prova de primeira aparência de que o recorrente beneficia de que, à data em que outorgou a procuração, em 07/02/2017, AA não tivesse consciência das declarações que nela emanou ou estivesse privada do livre exercício da sua vontade. Pelo contrário, a circunstância de: entre a data da outorga da procuração de fls. 19 a 20 e a data em que AA foi submetida, em 23/11/2017, ao exame pericial no INML a que se reporta o relatório pericial junto a fls. 28 a 29 do processo físico terem decorrido mais de nove meses, em que poderá ter sofrido um considerável agravamento do seu estado físico e mental; de a testemunha RR, notária, nada de anormal ter detetado na pessoa de AA, aquando da outorga da procuração, apesar das cautelas que são por si adotados em casos idênticos/similares e que foram, por isso, também por ela tomados em relação à pessoa de AA, sendo sua firme convicção de que esta, aquando da outorga da procuração em causa estava no uso pleno das suas capacidades mentais, tendo compreendido integralmente o significado do ato jurídico que outorgou; e o facto de todos os filhos de AA e de OO terem tido conhecimento das vendas dos prédios realizada pelos últimos e dos atos jurídicos que presidiram às mesas (procuração de fls. 19 a 20 e escrituras de compra e venda de fls. 21 a 24) ainda no decurso do ano de 2017, sem que tivessem reagido até ../../2019 (o que aponta no sentido de ser também sua convicção de que AA, sua mãe, estava perfeitamente consciente do ato que praticou – outorga da procuração – com vista a viabilizar as compras e vendas), data em que o recorrente instaurou a ação a que se alude na alínea Q da facticidade julgada provada na sentença sob sindicância, em que, a título pessoal, procurou anular aquela procuração e escrituras de compra e venda pelos mesmos fundamentos que são invocados na presente ação, o que fez por, na sequência da morte do pai (OO), ter constado que o produto dessas vendas tinha desaparecido (vide fundamentos probatórios supra identificados e analisados), leva a que se conclua que, tal como foi decidido pela 1ª Instância, a prova produzida não consente que se tivesse julgado como provada a facticidade constante dos pontos 1º, 2º, 3º, 4º e 6º dos factos não provados na sentença, mas antes impõe que se conclua pela respetiva não prova. Acresce relembrar que, para que seja consentido ao tribunal da Relação alterar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, nos termos do n.º 1 do art. 662º do CPC, não basta que a prova produzida consinta ou permita o julgamento de facto propugnado pelo recorrente, mas antes é necessário que o imponha, o que manifestamente não é o caso. Destarte, na improcedência da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelo recorrente, mantém-se inalterada a facticidade julgada não provada nos pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º da sentença. B.4- Recebimento do preço da venda dos prédios – Ponto 8º dos factos não provados. A 1ª Instância julgou não provado que: “8- A Autora AA nunca haja recebido os preços descritos em F) e G)”. Imputa o recorrente erro de julgamento à facticidade assim julgada não provada, alegando que se encontra em contradição com os factos julgados não provados pelo tribunal a quo nos pontos 20º e 24º da sentença recorrida, em que julgou como não provado que: “20-A Autora AA, aquando do escrito mencionado em E), gozasse das faculdades mentais próprias de decidir, de querer e compreender livremente, com discernimento e lucidez”; e “24- A Autora AA nunca haja sido internada no lar do centro Social por sofrer de qualquer doença do foro demencial”. Argumenta que se “os Réus contestantes não granjearam afastar a presunção que sobre eles pendia, provando a lucidez de AA, aquando da procuração, a sua anulabilidade torna inócua a eficácia das escrituras de compra e venda dos imóveis em relação a ela. Atenta a idade do progenitor de 87 anos, à data da procuração, não é de crer de todo que as negociações não tenham passado pelo filho KK. Além destas questões, é de estranhar a própria venda dos imóveis por um casal institucionalizado, a mulher em 2015, o marido posteriormente, ela com 82 anos e ele com 87 anos. Nenhuma prova se logra decifrar dos autos que a Autora tenha recebido os valores das vendas, pior ainda, conhecimento da sua existência e, respetiva causa da transmissão dos imóveis. No coteja do relatório médico certifica-se “(…) não sendo capaz de reconhecer o valor facial ou real do dinheiro (…)”, logo não tinha qualquer capacidade de administração dos seus bens ou obtido algum benefício das vendas”. Com base nos argumentos que se acabam de transcrever conclui que a facticidade julgada não provada naquele ponto 8º tem de transitar para o elenco dos factos provados. Sem razão. A propósito da presunção iuris tantum de que pretende beneficiar decorrente da procuração ter sido outorgada em data posterior à data fixada na sentença, transitada em julgado, que decretou a interdição de AA, como sendo a do início da incapacidade daquela, já nos pronunciamos supra no sentido de que o mesmo não beneficia de semelhante presunção. O recorrente apenas beneficia de uma presunção simples, natural, de facto ou de experiência, e de primeira aparência, que lhe incumbia complementar, demonstrando em como, no momento da outorga da procuração de fls. 19 a 20, AA estava efetivamente incapacitada de entender o sentido exato das declarações que nela emanou ou privada do livre exercício da sua vontade. Acontece que essa prova se quedou por fazer (conforme acima se demonstrou), apesar de ser sobre o recorrente que impende o respetivo ónus da prova (art. 342º, n.º 1 do CC). Por outro lado, a circunstância de a 1ª Instância ter julgado como não provada a facticidade constante dos pontos 20º e 24º acima transcrita apenas significa que, se a prova produzida não lhe permitiu julgar como provado que, na altura da outorga da procuração, em 07/02/2017, AA estivesse diminuída nas suas capacidades intelectuais ou volitivas, de modo a não apreender o significado e as consequências jurídicas do ato jurídico que então outorgou (a procuração de fls. 19 a 20), também não lhe permitiu julgar provada a situação inversa, ou seja, que, no momento da outorga da procuração de fls. 19 a 20, AA tivesse plena consciência da declaração negocial que nela realizou ou tivesse o pleno exercício da sua liberdade, sem que dessa não prova decorra naturalmente qualquer contradição com o facto de também se ter julgado não provado que aquela tivesse plena consciência da declaração que emanou na procuração ou tivesse o pleno exercício da sua vontade/liberdade. Dito isto, aquando da outorga da procuração de fls. 19 a 20, em 07/02/2017, em que AA constituiu seu procurador - o Réu KK -, a quem conferiu poderes para, além do mais, em seu nome, “prometer vender e efetivamente vender, pelo preço e condições que entender conveniente, quaisquer imóveis sitos na união de freguesias ... e ..., concelho ...”, não se provou que aquela tivesse emitido a dita procuração de forma livre e consciente, nem o contrário. Aquando da outorga da dita procuração BBB encontrava-se institucionalizada, desde 07 de agosto de 2015, no lar de ..., e era casada com OO, que também aí foi institucionalizado ainda no decurso do ano de 2015 ou em inícios do ano de 2016. Em 23/05/2017, o entretanto falecido marido de AA, OO, e esta, através do seu procurador (o Réu KK, fazendo uso da procuração de fls. 19 a 20 que aquela lhe outorgara, em 07/02/2017), venderam ao Réu MM o prédio que fora a casa de morada de família do casal até ter sido institucionalizados no lar de ..., pelo preço de 45.000,00 euros, em que declararam que o preço da venda do prédio já fora por eles recebido. Destarte, tendo em consideração que essa declaração foi feita pelos vendedores do prédio (OO e AA, esta representada pelo seu procurador, o Réu KK) em documento autêntico – escritura pública de compra e venda – e se mostra desfavorável aos interesses daqueles (vendedores), nos termos do disposto nos arts. 362º, 363º, n.ºs 1 e 2, 369º, n.º 1, 370º, n.º 1, 371º, n.º 1 e 358º, n.º 2 do CC, considera-se plenamente provado, por confissão, que os vendedores AA e OO receberam do comprador QQ os mencionados 45.000,00 euros relativo ao preço do prédio que este lhes comprou. De resto, o Réu KK confirmou em audiência final que o preço da venda do prédio ao QQ ascendeu a 45.000,00 euros, e que este pagou 5.000,00 euros em dinheiro, a título de sinal, e a restante quantia de 40.000,00 euros, aquando da celebração da escritura pública de compra e venda. Por sua vez, por escritura pública outorgada em 08/06/2017, OO e AA (esta através do seu procurador, o Réu KK, fazendo uso da procuração de fls. 19 e 20, que aquela lhe outorgara em 07/02/2017), venderam ao Réu NN o prédio que então se encontrava arrendado à Ré GG, pelo preço de 70.000,00 euros, e declararam, nessa mesma escritura, já terem recebido o preço do vendedor, pelo que, nos termos das disposições legais atrás identificadas se tem como plenamente provado nos autos, por confissão, que os vendedores AA e OO receberam do comprador NN a quantia de 70.000,00 euros. Aliás, o Réu KK também confirmou em audiência final que o preço desta compra e venda ascendeu a 70.000,00 euros, e que HH pagou 15.000,00 euros em dinheiro e os remanescentes 55.000,00 euros no ato de celebração da escritura de compra e venda. A fls. 210 do processo físico encontra-se junto um cheque sacado pelo Réu KK, datado de 06/06/2017, titulando a quantia de 40.000,00 euros, à ordem de OO. E a fls. 211, encontra-se junto aos autos um outro cheque, sacado sobre a Banco 1..., datado de 08/06/2017, titulando a quantia de 55.000,00 euros, à ordem de OO. Por sua vez, por ofício entrado em juízo em 22/09/2022, o Banco 2... informou que os identificados cheques, titulando as quantias de 55.000,00 euros e 40.000,00 euros, foram depositados na conta n.º ... e que essa conta é co titulada por OO e pelo Réu KK. E por ofício entrado em juízo em 01/02/2024, a mesma instituição bancária informou que OO levantou, em 08/06/2017, a quantia de 40.000,00 euros e, em 13/06/2017, a quantia de 55.000,00 euros da referida conta bancária. Daí que, tendo o preço de venda dos prédios sido levantado por OO, marido de AA, a qual outorgou a procuração de fls. 19 a 20, em 07/02/2017, ao abrigo da qual, esta última, representada pelo seu procurador (o Réu KK) e o identificado OO venderam os prédios de que o então casal formado por AA e OO era proprietário, sem que tivesse sido feita prova em como AA não tivesse consciência do ato jurídico que praticou ao outorgar aquela procuração ou estivesse privada do livre exercício da sua liberdade, ou seja, em suma, que as referidas compras e vendas não correspondessem à sua vontade livre e esclarecida, a prova produzida, tal como foi corretamente decidido pela 1ª Instância, impõe que se conclua pela não prova em como AA nunca tivesse recebido os preços descritos em F) e G) relativo à venda daqueles prédios. Decorre do que se vem dizendo que, na improcedência do fundamento de recurso acabado de analisar, mantém-se inalterada a facticidade julgada não provada no ponto 8º da sentença. B.5- Do valor de mercado dos prédios vendidos – Pontos 9º e 10º dos factos julgados não provados A 1ª Instância julgou não provado que: “9- O valor de mercado do prédio identificado em F) seja superior a 45.000,00 euros”. “10- O valor de mercado do prédio identificado em G) seja superior a 70.000,00 euros”. O recorrente imputa erro de julgamento à facticidade assim julgada não provada, advogando que, “no enquadramento do relatório pericial que avaliou o valor de mercado dos imóveis à data das respetivas escrituras, o preço do inscrito sob o art. ...18º da matriz deve ser alterado para 105.500,00 euros, e o valor de mercado do prédio identificado em G) cifra-se em 118.500,00 euros. Os valores aferidos de 105.500,00 euros e de 118.500,00 euros tiveram como causa o relatório pericial da Sr.ª Eng. Perita nomeada pelo próprio tribunal, relatório este subestimado pela Mmª Juiz no crédito que deu à iliteracia da Ré GG”. Quid inde? Por escritura pública de fls. 21 a 22, outorgada em 23/05/2017, OO e mulher, AA (esta representada pelo seu procurador - o Réu KK -, fazendo uso da procuração de fls. 19 a 20 que esta lhe outorgou, em 07/02/2017), venderam ao Réu MM, pelo preço de 45.000,00 euros, o prédio que fora a casa de morada de família dos vendedores (OO e AA) até serem institucionalizados no lar de .... Por sua vez, por escritura pública de fls. 23 a 24, de 08/06/2017, os identificados OO e AA (esta representada pelo seu procurador – o Réu KK -, fazendo uso da procuração de fls. 19 a 20) venderam o prédio que então se encontrava arrendado à filha de ambos - a Ré III -, ao Réu NN, pelo preço de 70.000,00 euros. Ambos os prédios acabados de identificar foram submetidos a perícia tendo em vista apurar o respetivo valor de mercado aquando da sua venda, em 23/05/2017 e 08/06/2017, tendo a Sr.ª perita concluído que esse preço ascendia a, respetivamente, 105.500,00 euros e 118.500,00 euros (cfr. relatório pericial junto aos autos em 16/02/2024 e esclarecimentos juntos em 09/04/2024). A fim de determinar o valor de mercado de ambos os prédios à data da sua venda, conforme se extrai dos esclarecimentos prestados pela Sr.ª perita juntos aos autos em 09/04/2024, aquela utilizou o denominado “método comparativo”, o qual se processa mediante a comparação dos ditos prédios, incluindo casas que neles se encontravam edificadas aquando da sua venda, com outros da “mesma tipologia, com área cobertas e descobertas idênticas, de localização geográfica idêntica e no mesmo estado de conservação”. Acontece que, salvo melhor opinião, o método comparativo utilizado pela Sr.ª perita sofre a limitação que decorre das dificuldades de se encontrarem, na mesma área geográfica em que situam os prédios vendidos, que sejam exatamente iguais aos últimos (ou seja, com a mesma área coberta e descoberta, com o mesmo tipo de construção neles edificada e no mesmo estado de conservação). Acresce referir que, uma coisa é o preço pedido pelo vendedor (o qual tende a ser inflacionado face ao seu valor de mercado), e outra, diferente, é o preço que os possíveis interessados na respetiva compra estão dispostos a pagar pela respetiva aquisição (que tende a ser inferior ao preço objetivo de mercado do prédio). Ora, analisado o relatório pericial junto aos autos em 16/02/2024 e, bem assim, os esclarecimentos juntos pela Sr.ª perita em 09/04/2024, verifica-se que neles, para além daquela referir que, para determinar o valor de mercado dos prédios à data em que foram vendidos, em 23/05/2017 e 08/06/2017, recorreu ao método comparativo e de descrever em que consiste o identificado método, nada se esclarece quanto ao modo como alcançou o preço de mercado por si indicado de 105.500,00 euros e 118.500,00 euros, nomeadamente, se esse é o valor de venda que era pedido pelos vendedores (nomeadamente, pelas agência de mediação imobiliária) por prédios iguais/similares aos dos autos, ou se antes corresponde ao preço pelos quais aqueles prédios iguais/similares foram efetivamente vendidos na zona geográfica em que se situam os prédios a que se reportam os autos. Acresce referir que, conforme prova unânime acima já identificada, os prédios sobre que versam os autos, quando foram colocados à venda, neles foi colocada uma placa anunciando ao público em geral que se encontravam à venda. E não foi produzida qualquer prova em como existisse entre o comprador MM (que comprou, em 23/05/2017, o prédio que foi a casa de morada de família de OO e mulher, AA, até serem institucionalizados no lar de ..., pelo preço de 45.000,00 euros) ou entre o comprador NN (que comprou, em 08/06/2017, o prédio que então os vendedores OO e AA tinham arrendado à sua filha, a Ré GG, pelo preço de 70.000,00 euros) e os vendedores OO, AA, ou o procurador da última (o Réu KK), ou os restantes filhos mais próximos do casal formado por OO e AA, qualquer relação familiar, de vizinhança ou qualquer outra relação especial que tivesse levado a que os prédios em causa lhes tivessem sido vendidos por um preço “especial”, nomeadamente, por um valor inferior ao respetivo valor de mercado. De resto, perscrutada a prova produzida não existe qualquer indício que tivesse existido qualquer interessado na compra daqueles prédios que tivesse oferecido um preço superior ao pago pelos Réus QQ (45.000,00 euros) e HH (70.000,00 euros) pela sua aquisição. Acresce referir que, conforme decorre da prova produzida acima já identificada e analisada e é cabalmente corroborado pelo anúncio junto em anexo à reclamação ao relatório pericial que deu entrada em juízo em 26/02/2024, o Réu NN dedica-se à compra e venda de imóveis, com intuito lucrativo, pelo que se a senhora perita que elaborou o relatório pericial que vimos a analisar dispõe de conhecimentos técnicos especializados que lhe permitem determinar o valor de mercado dos prédios em causa, à data da respetiva venda, também não menos certo é que o Réu NN, por via da atividade profissional a que se dedica, também é possuidor desses mesmos conhecimentos técnicos especializados. Ora, conforme decorre da prova produzida acima já identificada e é corroborado pela prova objetiva junta aos autos (que é a documental, mais concretamente, pelo teor do anúncio junto em anexo à reclamação ao relatório pericial que deu entrada em juízo em 26/02/2024), após ter comprado, em 08/06/2017, a OO e a AA (esta representada pelo seu procurador, o Réu KK) o prédio que então se encontrava arrendado à Ré GG, pelo preço de 70.000,00 euros, o Réu NN pôs à venda esse mesmo prédio, na Internet, pelo preço de 92.500,00 euros, sem que lograsse obter qualquer interessado na sua compra pelo identificado preço, acabando por o vender à Ré CC pelo preço de 75.000,00 euros, ou seja, com escassos 5.000,00 de lucro em relação ao preço pelo qual o comprara a OO e AA. Ademais, toda a prova pessoal que foi produzida em audiência final foi no sentido de que o preço de venda dos prédios (45.000,00 euros e 70.000,00 euros) corresponde ao valor do mercado dos mesmos à data da sua venda, respetivamente, ao Réu QQ e ao Réu HH, pondo-se em evidência que a Ré GG e a testemunha AAA (cujas versões dos factos apresentam o comprometimento com a tese do recorrente, já acima enunciado), não só referiram que o preço de 45.000,00 euros, pelo qual o prédio foi vendido ao Réu QQ, correspondia ao justo preço de mercado daquele, como, inclusivamente, quanto ao preço de 70.000,00 euros, pelo qual o prédio arrendado à Ré GG foi vendido ao Réu NN, afirmaram que esse preço é superior ao respetivo valor de mercado. Relembra-se, a testemunha AAA, tendo visto o anúncio do prédio, na Internet, e estando interessada na sua aquisição para o filho, contactou o Réu NN, que lhe pediu 90.000,00 euros, o que a levou logo a desinteressar-se pela compra, por considerar que o preço pedido por NN “era um exagero”, e foi perentória em afirmar que, na sua perspetiva, o prédio em questão não valia os 70.000,00 euros que o Réu NN tinha pago pela sua compra aos entretanto falecidos OO e AA – “Acha que a casa não valia 70.000,00 euros”. Por sua vez, a Ré GG, afirmou que “a casa do pai foi vendida (ao Réu QQ) por 45.000,00 euros, que é um preço correto”. E referindo-se ao prédio que lhe estava arrendado (vendido por 70.000,00 euros ao Réu NN, que, posteriormente, o veio a vender à Ré CC pelo preço de 75.000,00 euros), referiu: “Não estava disposta a comprar a casa por 75.000,00 euros porque ela vale menos. Ela acha que a casa não valia mais de 35.000,00 euros”. Finalmente, urge relembrar que todos os filhos de OO e de AA tiveram conhecimento das compras e vendas efetuadas pelos últimos dos prédios de que eram proprietários aos Réus QQ (pelo preço de 45.000,00 euros) e NN (pelo preço de 70.000,00 euros), e dos atos jurídicos que estiveram subjacentes a essas compras e vendas (procuração de fls. 19 e 20 e escrituras de compras e vendas de fls. 21 a 24) ainda no decurso do ano de 2017, e não reagiram a esses ato e negócios jurídicos (procuração e escrituras de compra e venda), vindo-o apenas o recorrente a fazê-lo em ../../2019, data em que instaurou a ação a que alude a facticidade julgada provada na alínea Q) na sentença, pedindo a anulação daqueles, devido à circunstância do preço da venda dos prédios em questão ter desaparecido (vide fundamentos supra), o que tudo é demonstrativo que, na sua perspetiva, os prédios foram vendidos pelos pais pelo seu justo valor de mercado. Decorre do que se vem dizendo que, perante as insuficiências probatórias de que padece o relatório pericial que supra se indicaram e face à prova produzida que se acaba de analisar, esta não impõe que se tivesse julgado provado que o valor de mercado do prédio vendido ao Réu MM, à data da sua venda, em 23/05/2017, ascendesse a 105.500,00 euros, ou que o valor de mercado do prédio vendido ao Réu NN, em 08/06/2017, ascendesse a 118.500,00 euros, mas antes impõe que se julgue como não provada a facticidade constante dos pontos 9º e 10º dos factos não provados na sentença. Na improcedência do fundamento de recurso acabado de analisar, mantém-se inalterada a facticidade dos pontos 9º e 10º dos factos não provados na sentença. B.6 – Do vício da deficiência do julgamento da matéria de facto Os recorridos KK, QQ e NN suscitaram, nos pontos 20º a 25º da contestação (cfr. fls. 60 verso a 61 do processo físico), a exceção perentória de caducidade do direito de falecida Autora, AA, a propor a presente ação (requerendo que se declarasse a anulabilidade da procuração de fls. 19 a 20 e das escrituras de compra e venda de fls. 21 a 24), alegando que “o tutor da Autora teve conhecimento dos atos e negócios jurídicos cuja anulabilidade pede nesta ação, muito antes do trânsito em julgado da sentença de interdição. Esta transitou em julgado em 04 de maio de 2017”. Na sequência da então Autora, AA, representada pelo seu tutor (recorrente BB), ter impugnada a facticidade em causa, veio a ser elaborado o seguinte tema da prova: “3- Momento do conhecimento, por BB, da existência da mesma procuração (artigos 16º a partir de “o seu filho”, da p.i. e 22º da contestação”). Acontece que, analisada a facticidade constante do elenco dos factos provados e não provados na sentença sob sindicância, verifica-se que a 1ª Instância não julgou como provada, nem como não provada a pertinente facticidade que fora alegada pelos Réus contestantes em sede de exceção perentória da caducidade, com o que incorreu no vício da deficiência do julgamento da matéria de facto que realizou. O vício da deficiência do julgamento da matéria de facto é de conhecimento oficioso, tendo de ser suprido pela Relação, fazendo uso dos poderes de substituição que lhe são conferidos pelo n.º 1 do art. 662º do CPC, sempre que os elementos probatórios que constam do processo o permitam fazer com a necessária segurança. De contrário, terá de, nos termos da al. c) do n.º 2 do art. 662º do mesmo diploma, anular a sentença e ordenar a baixa dos autos à 1ª Instância para que amplie o julgamento da matéria de facto em relação à facticidade em relação à qual incorreu no apontado vício de deficiência, seguindo-se a posterior prolação de nova sentença[21]. Ora, conforme decorre da prova já supra identificada e sobejamente analisada, todos os oito filhos dos entretanto falecidos OO e AA (onde se inclui o recorrente, BB, tutor desta última até ao seu falecimento, em ../../2020) tiveram conhecimento das compras e vendas realizadas pelos seus pais através das escrituras públicas identificadas em F) e G) e, bem assim, da procuração identificada em E), ainda no decurso do ano de 2017. Por outro lado, na sequência do despacho proferido pelo aqui relator em 29/03/2025, foi junta aos autos certidão do assento de nascimento da falecida AA, onde se vê que a sentença transitada em julgado, proferida no âmbito do processo identificado em B), que a declarou interdita foi inscrita no registo civil em 18/05/2018 – cfr. certidão do assento de nascimento junta aos autos em 17/04/2025. Não tendo sido arguida a falsidade da dita certidão (documento autêntico), nos termos dos arts. 362º, 363º, n.ºs 1 e 2, 369º, 370º, n.ºs 1 e 2 e 371º, n.º 1 do CC, tem-se como plenamente provado que a sentença transitada em julgado, proferida no âmbito do processo identificado em B), que declarou AA interdita foi inscrita no registo civil em 18/05/2018. Nesta conformidade, ordena-se oficiosamente o aditamento ao elenco dos factos provados na sentença da seguinte facticidade, que se julga provada: “AN- Todos os oito filhos de OO e AA (onde se inclui o recorrente, BB, tutor desta última até ao seu falecimento, em ../../2020) tiveram conhecimento das compras e vendas realizadas pelos pais através das escrituras públicas identificadas em F) e G) e, bem assim, da procuração identificada em E), ainda no decurso do ano de 2017”. AO- A sentença transitada em julgado, proferida no âmbito do processo identificado em B), que declarou AA interdita, foi inscrita no registo civil em 18/05/2018 – cfr. certidão do assento de nascimento junta aos autos em 17/04/2025”. C- Mérito AA, então representada pelo seu tutor, BB (ora recorrente), instaurou, em 29/11/2019, a presente ação pedindo que se declarasse a anulabilidade da procuração que outorgou, em 07/02/2017 (em que constituiu como seu procurador o Réu KK, a quem conferiu poderes, para além do mais, em sua representação, prometer vender, e efetivamente vender, pelo preço e condições que entendesse convenientes, quaisquer imóveis sitos na união de freguesias ... e ..., concelho ...), bem como das escrituras públicas de compra e venda, outorgadas em 23/05/2017 e 08/06/2017, mediante as quais o seu falecido marido (OO) e a própria (representada pelo seu procurador, KK, fazendo uso da dita procuração), venderam, respetivamente, ao Réu MM, pelo preço de 45.000,00 euros, o prédio urbano composto de casa de ..., sito no lugar ..., da freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...68 e inscrito na matriz sob o art. ...18, e ao Réu NN, pelo preço de 70.000,00 euros, o prédio urbano composto por casa de um piso e logradouro, sito na Rua ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...59 e inscrito na matriz sob o art. ...30º, e, bem assim que, por via da declaração da anulabilidade daqueles atos jurídicos se ordenasse que os prédios fossem restituídas ao seu património e à herança aberta por óbito de seu marido e se ordenasse o cancelamento de todos e quaisquer registos que tivessem sido efetuados com base nas ditas escrituras de compra e venda. O fundamento da pretensão de AA (entretanto falecida) funda-se na circunstância de, por sentença proferida em 19/03/2018, transitada em julgado em 04/05/2018, no âmbito do processo n.º 1827/17...., do Juízo Local Cível de Guimarães, Juiz ..., ter sido declarada interdita e de nela ter sido fixada como data do início da sua incapacidade o dia 07 de agosto de 2015; de aquando da outorga da procuração, em 07/02/2017, já apresentar uma situação de deterioração cognitiva e volitiva, em quadro demencial avançado, sendo notório que não estava capacitada de entender o sentido e alcance da procuração, facto esse que era do perfeito conhecimento do seu procurador (o Réu KK); e das escrituras de compra e venda terem sido celebradas na pendência da ação de interdição e após a propositura desta ter sido anunciada, e dessas compras e vendas terem sido celebradas em seu prejuízo uma vez que nunca chegou a receber o preço de venda dos prédios e estes foram vendidos por um preço substancialmente inferior ao respetivo valor de mercado. Tendo a Autora AA falecido em ../../2020, por sentença proferida em ../../2021, transitada em julgado, julgou-se habilitado como seu co-herdeiro o recorrente BB, a fim de prosseguir os temos da presente ação ocupando a posição jurídico-processual de autor que antes era por ela ocupada, de quem, aliás, relembra-se, foi tutor até ao falecimento de AA. Acontece que tendo a ação sido julgada integralmente improcedente, o recorrente BB interpôs recurso imputando à sentença recorrida erro de julgamento da matéria de facto (fundamento esse que foi julgado totalmente improcedente, sem prejuízo do aditamento que se fez à facticidade julgada provada pelo tribunal a quo) e erro de direito, erro esse que pretende verificar-se independentemente do êxito da impugnação do julgamento da matéria de facto que operou, pelo que urge verificar se ao julgar improcedente a ação a sentença recorrida padece dos erros de direito que lhe são assacados pelo recorrente. No que respeita à validade jurídica dos atos praticados por pessoa interdita, conforme decorre do cotejo das normas constantes dos arts. 148º a 151º do CC, na redação vigente ao decretamento da interdição de AA, a lei distingue três momentos essenciais: 1º- atos jurídicos concluídos pelo interdito posteriores à inscrição no registo civil da sentença que decretou a interdição definitiva; 2º - atos jurídicos por ele concluídos no decurso da ação de interdição e depois de anunciada a propositura dessa ação nos termos da lei de processo; e, finalmente, 3º - atos jurídicos concluídos pelo interdito antes de anunciada a propositura da ação em que veio a ser declarado interdito. Quanto aos atos jurídicos concluídos pelo interdito após a inscrição no registo civil da sentença que decretou a interdição, rege o art. 148º do CC, nos termos do qual são anuláveis os negócios jurídicos celebrados pelo interdito depois do registo da sentença, transitada em julgado, que decretou a interdição. Tal significa que, após a inscrição no registo civil de sentença, transitada em julgado, que decretou a interdição, todos os negócios jurídicos que venham a ser concluídos pela pessoa interdita são anuláveis, sem mais, isto é, sem que seja admitida a alegação e prova de que, no momento da conclusão do negócio aquele se encontrava num intervalo de lucidez ou que já deixara de padecer do fundamento que levou à sua interdição[22]. Note-se que sobre a hipótese acabada de referir não versam os presentes autos, na medida em que a sentença, transitada em julgado, que decretou a interdição de AA foi inscrita no registo civil em 18/05/2018 e, por isso, em data posterior à outorga, em 07/02/2017, da procuração em que constituiu como seu procurador o Réu KK e, bem assim, das escrituras de compra e venda celebradas em 23/05/2017 e 08/06/2017. Por sua vez, quanto aos negócios jurídicos concluídos pelo interdicendo na pendência da ação de interdição e depois de publicados os anúncios exigidos pelo 893º do CPC (na redação vigente antes da entrada em vigor da Lei n.º 49/2018, de 14/04, que era a que vigorava à data em que os anúncios foram publicados no âmbito da ação de interdição de AA), rege o art. 149º do CC, nos termos do qual são igualmente anuláveis os negócios jurídicos celebrados pelo incapaz depois de anunciada a proposição da ação nos termos da lei do processo, contanto que a interdição venha a ser definitivamente decretada e se mostre que o negócio causou prejuízo ao interdito. Destarte, de acordo com a norma do art. 149º constituem requisitos jurídicos cumulativos para a anulação de negócios jurídicos concluídos pelo interdito na pendência da ação de interdição e após a publicação de anúncios da proposição desta: 1º - que a interdição venha a ser definitivamente decretada, por sentença transitada em julgado; e 2º - que o negócio celebrado tenha causado prejuízo ao interdito. Note-se que, para estes efeitos, na determinação da existência do prejuízo deve atender-se ao momento em que o negócio foi efetivamente realizado pelo interdito e não a eventos posteriores e, por outro lado, o mencionado prejuízo carece de ser aferido de acordo com um critério objetivo, isto é, o que teria sido utilizado por uma pessoa normal e sensata[23]. Neste sentido expende Mota Pinto que “os negócios praticados pelo interdicendo, na pendência do processo de interdição (rectius entre a publicação dos anúncios da propositura da ação e o registo da sentença de interdição definitiva), só serão anuláveis, se forem considerados prejudiciais numa apreciação reportada ao momento da prática do ato, não se tomando em conta eventualidades ulteriores (p. ex.: valorização dum terreno, etc.) que tornariam agora vantajoso não o ter realizado. A apreciação do prejuízo no momento da conclusão do negócio impõe-se, quer por força do elemento gramatical de interpretação (art. 149º: «causou prejuízo»), quer por força do elemento racional (…), pois a exigência do requisito prejuízo visa evitar que, à volta dos interdicendos, se forme um vácuo, que estes sejam postos como que em quarentena pelos restantes indivíduos, perigo particularmente impressionante quanto é certo poder acabar por se reconhecer tratar-se de pessoas normais. Se os atos posteriores à propositura da ação fossem anuláveis sem mais requisitos, ou mediante a simples prova da cognoscibilidade da demência – arts. 150º e 257º -, ninguém quereria contratar com um interdicendo, sujeito, como estaria, a ver o negócio desabar e, por este motivo, os interdicendos dificilmente poderiam gerir os seus interesses; sendo este o fundamento daquela exigência, resulta claramente que o prejuízo deve aferir-se relativamente ao momento da conclusão do negócio”. E concluiu que, “o prejuízo verificar-se-á, quanto aos negócios onerosos, sempre que um contratante sensato e prudente na gestão dos seus bens não teria celebrado o negócio naqueles termos. E quanto aos negócios gratuitos como as doações (…), devem considerar-se sempre prejudiciais ao interdito, para efeitos de anulação dos atos, mesmo que as circunstâncias concretas da sua realização tornassem razoável a prática daquele ato por uma pessoa normal. (…), pois uma doação, seja qual for a sua justificação moral, importa sempre, irremediavelmente, um empobrecimento imediato do doador, podendo eventualmente, por força de ulteriores vicissitudes, causar-lhe grave dano”[24]. Finalmente, no que respeita aos negócios concluídos pelo interdito anteriormente à publicação dos anúncios de proposição da ação em que veio a ser decretada a sua interdição por sentença transitada em julgado, rege o art. 150º do CC, que determina que a esses negócios é aplicável o disposto acerca de incapacidade acidental, ou seja, o regime do art. 257º, nos termos do qual a declaração negocial feita por quem se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário (n.º 1 do art. 257º); considerando-se ser notório o facto que uma pessoa de normal diligência o teria podido notar (n.º 2 do art. 257º). Convocando novamente os ensinamentos do Prof. Mota Pinto, não há que “fazer hoje qualquer distinção entre a hipótese de o incapaz por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira vir a ser ulteriormente interdito e a hipótese de nunca chegar a ser decretada a interdição. (…). Em qualquer das hipóteses a anulabilidade tem, como condições necessárias e suficientes, os seguintes requisitos: 1) Que, no momento do ato, haja uma incapacidade de entender o sentido da declaração negocial ou falte o livre exercício da vontade; 2) Que a incapacidade natural existente seja notória ou conhecida do declaratário (contraparte nos contratos, destinatário da declaração nos negócios unilaterais recetícios, destinatário dos efeitos da declaração nos negócios unilaterais não recetícios). O requisito notoriedade era já exigido no art. 335º do Código de Seabra e a determinação do seu sentido originou correntes doutrinais diversas. O n.º 2 do art. 257º não dá margem às dúvidas então surgidas, pois esclarece que notório é um facto que uma pessoa de normal diligência teria podido notar. Em face do exposto resulta que, para a anulabilidade destes atos, não basta a prova da incapacidade natural (…). Exige-se igualmente, para a tutela da boa fé do declaratário e da segurança jurídica, a prova da cognoscibilidade da incapacidade. Por outro lado, não bastará demonstrar um estado habitual de insanidade de espírito, na época do negócio. Torna-se necessário provar a existência de uma perturbação psíquica no momento em que a declaração de vontade foi emitida, prova que será difícil. Também parece evidente não ser exigível a prova de qualquer prejuízo para o incapaz, requisito este necessário para a anulação dos atos praticados na pendência do processo”[25]. Assentes nas premissas acabadas de referir, volvendo ao caso dos autos, a falecida Autora, AA, outorgou, em 07/02/2017, a procuração junta aos autos a fls. 19 a 20, mediante a qual constituiu seu procurador o filho, KK (Réu), a quem conferiu poderes para, em nome dela, além do mais, prometer vender, e efetivamente vender, pelo preço e condições que entendesse convenientes, quaisquer imóveis sitos na união das freguesia ... e ..., concelho ..., o qual, fazendo uso dessa procuração, em nome e em representação daquela, juntamente com o seu pai, OO (marido de AA), por escritura pública de compra e venda, em 23/05/2017, venderam um prédio ao Réu QQ, pelo preço de 45.000,00 euros, e por escritura pública de compra e venda celebrada em 08/06/2017, venderam um outro prédio ao Réu NN, pelo preço de 70.000,00 euros (cfr. factos apurados nas alíneas E), F) e G) da sentença). Em 30/03/2017 foi instaurada ação requerendo que se decretasse a interdição de AA, cuja proposição foi anunciada por anúncios publicados em 05/04/2017, e onde, em 19/03/2018, veio a ser proferida sentença, transitada em julgado, que decretou a interdição daquela e em que se fixou como data provável do início da sua incapacidade o dia 07 de agosto de 2015 (cfr. factos apurados nas alíneas B), C) e D) da sentença). Tendo a procuração em que AA constituiu como seu procurador o Réu KK sido outorgada em 07/02/2017 e, por isso, antes da propositura da ação de interdição ter sido anunciada, em 05/04/2017, mediante a publicação dos competentes anúncios, a dita procuração apenas poderá ser anulada nos termos do art. 150º, ex vi, art. 257º do CC, desde que o requerente da anulação alegue e prove que, no momento em que AA a outorgou se encontrava incapacitada de entender o sentido das declarações negociais que nela emanou ou que estava então privada do livre exercício da sua vontade e, bem assim, que a incapacidade natural com que então se encontrava afetada era notória ou era conhecida pela pessoa a quem conferiu a procuração – o Réu KK. A esse propósito, alegou-se na petição inicial que AA, aquando da outorga da procuração, em 07 de agosto de 2015, já apresentava uma situação de deterioração cognitiva e volitiva, em quadro demencial avançado, sendo notório que não estava capacitada de entender o sentido e alcance da mesma, o que era do perfeito conhecimento do procurador (o Réu KK). Acontece que a facticidade que se acaba de referir não foi provada pelo recorrente apesar de sobre si impender o respetivo ónus da prova com vista a obter a procedência do pedido em ver declarada a anulabilidade da dita procuração (art. 342º, n.º 1 do CC). Destarte, ao julgar improcedente o pedido formulado na petição inicial em ver declarada a anulabilidade da procuração outorgada em 07/02/2017, por AA, constituindo seu procurado o Réu KK, a 1ª Instância, salvo melhor opinião, não incorreu nos erros de direito que lhe são assacados pelo recorrente, impondo-se concluir pela improcedência do recurso neste conspecto. Acontece que, as escrituras de compra e venda (mediante a quais OO e AA, esta representada pelo seu procurador, KK, fazendo uso da procuração outorgada em 07/02/2017, venderam, em 23/05/2017, ao Réu MM, pelo preço de 45.000,00 euros, um prédio de que então eram proprietários, e, em 08/06/2017, venderam ao Réu NN um outro prédio, pelo preço de 70.000,00 euros), foram celebradas em plena pendência da ação em que era requerida a interdição de AA e já após a propositura dessa ação ter sido anunciada, em 05/04/2017, onde veio a ser decretada a sua interdição por sentença transitada em julgado. Conforme decorre da petição inicial, pretende-se que seja declarada a anulabilidade das escrituras de compra e venda acabadas de referir com fundamento no comando contido no art. 149º do CC, com o argumento de que aquelas foram celebradas na pendência da ação em que era requerida a declaração da interdição da AA e após terem sido publicados os respetivos anúncios e, bem assim de que esses contratos de compra e venda se mostram prejudiciais para a última, na medida em que nunca chegou a receber o preço das vendas, além de que os prédios foram vendidos por preço substancialmente inferior ao respetivo valor de mercado. Ora, a propósito da pretensão acabada de referir não se subscreve o entendimento de que a eventual anulabilidade de que enfermam os contratos de compra e venda celebrados possa ser decretada à luz do regime jurídico do art. 149º do CC, apesar desses negócios terem efetivamente sido celebrados após a publicação dos anúncios de propositura da ação em que veio a ser decretada a interdição de AA, por sentença transitada em julgado. As escrituras de compra e venda que se pretende ver invalidadas foram celebradas pelo Réu KK, enquanto procurador de AA, fazendo uso dos poderes representativos que esta lhe conferiu mediante a outorga, em 07/02/2017, da procuração acima identificada e em que celebrou os negócios de compra e venda em nome e em representação de AA, dentro dos poderes representativos que esta lhe conferiu na dita procuração. Nos termos do disposto no art. 262º do CC, a procuração é o ato pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos. O Cód. Civil trata autonomamente a representação e o contrato de mandato, o que significa que a procuração e o mandato são figuras jurídicas distintas que podem existir autonomamente ou coexistirem. A procuração é um negócio jurídico unilateral e autónomo, mediante o qual são conferidos pelo nela outorgante ao procurador poderes para que, em seu nome e interesse, nos limites dos poderes de representação que nela enuncia realizar ato ou atos jurídicos, cujos efeitos se produzem diretamente na esfera jurídica do representado. Por sua vez, o mandato é um contrato, de natureza civil ou comercial, mediante o qual uma das partes (mandatário) se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta e no interesse da outra parte (mandante) – art. 1157º do CC -, de acordo com as indicações e instruções dele recebidas, quer quanto ao objeto quer quanto à própria execução desse(s) ato(s) jurídico(s), em que os serviços são prestados de acordo com o querido e programado pelo mandante, apenas sendo permitido ao mandatário deixar de executar o mandato ou afastar-se das instruções recebidas do mandante nos casos previstos no art. 1162º do CC. O contrato de mandato pode ser celebrado com ou sem representação[26]. No mandato com representação, o mandatário não só tem a obrigação de, na execução do contrato de mandato, praticar os atos jurídicos a que se obrigou perante o mandante, por conta e no interesse deste, de acordo com as indicações e instruções dele recebidas, como tem o dever, por regra, de agir em nome do mandante (art. 1178º do CC), de modo que os efeitos jurídicos dos atos jurídicos por ele praticados na execução do contrato se produzem diretamente na esfera jurídica do mandante/representado. Já no mandato sem representação, o mandatário encontra-se obrigado, na execução do contrato, a praticar os atos jurídicos a que se obrigou perante o mandante por conta e no interesse deste, de acordo com as indicações e instruções que dele recebeu, mas, na medida em que não dispõe de poderes representativos (não lhe foi outorgada procuração), os referidos atos jurídicos são por ele praticados em seu próprio nome (mandatário) e, por isso, os direitos e obrigações que deles decorrem se produzem na sua própria esfera jurídica (art. 1180º do CC). Acontece que, seja como negócio jurídico unilateral integrada ou não no contrato de mandato, a procuração, nos termos dos arts. 260º e 266º do CC, é uma declaração negocial receptícia cujos destinatários são os terceiros com quem o representante vai contratar em nome do representado e dentro dos poderes representativos que este lhe conferiu na procuração[27]. Em apoio do que se acaba referir, observa Ferrer Correia que “é o representado que vai suscitar a confiança do terceiro na correspondência à sua vontade da autorização representativa, fazendo-o umas vezes diretamente – dirigindo-se ao terceiro ou fazendo publicar a procuração – outras por meio de um núncio – o representante – que transmitirá ao terceiro o conteúdo de autorização representativa”[28]. E compreende-se que assim seja, em favor do outro sujeito do negócio representativo: “para tutela da sua confiança no alcance objetivo da procuração. Com efeito, a ele é que virá afetar diretamente a nulidade deste ato, pois, uma vez a procuração anulada, todos os negócios jurídicos realizados ao seu abrigo pelo procurador caem necessariamente, deixam de ser vinculativos para o representado. O representante (…) não tem, por via de regra, um interesse independente na validade da procuração e na subsistência do ato representativo. Por outro lado, foi a confiança do terceiro que o principal veio suscitar com o seu agir consciente e livre”.[29] Perante isto, Ferrer Correia, referindo-se ao erro, conclui que “as condições que a lei, nos casos comuns de negócio jurídico, exige se verifiquem na pessoa da outra parte, para o erro poder ocasionar nulidade, devem cumprir-se aqui na pessoa do terceiro”, o que se justifica por a procuração ser uma declaração unilateral do representado, tendo por destinatário não o procurador, mas o outro sujeito do negócio representativo. Prosseguindo a sua análise, a pág. 284 da obra a que vimos fazendo referência, o mesmo autor suscita a questão de saber se, tendo sido a procuração captada por dolo, em quem devem cumprir-se as condições subjetivas que a lei, nos casos comuns, refere à pessoa do outro contraente e sem as quais este vício do consentimento não determina a invalidade do negócio. E responde: “Certamente que na pessoa do terceiro, do outro sujeito do negócio representativo. É a solução mais razoável; tentar justificá-la materialmente, depois de quanto já foi dito com relação a questões afins, seria ocioso”. Deste modo, conclui que a procuração será, pois, inatacável – e, consequentemente, inatacável também o negócio jurídico realizado à sombra dela – em caso de dolo procedente do representante e ignorado sem culpa do terceiro. Será, pelo contrário, impugnável – e com ela, mediatamente, o próprio ato representativo – se o deceptor tiver sido o terceiro, apesar da eventual boa fé do representante; bem assim como se, procedendo o dolo do procurador ou de qualquer outra pessoa, o terceiro tomou ou devia ter tomado conhecimento da situação em que agiu o representado. Transpondo as considerações jurídicas que se acabam de enunciar para as escrituras de compra e venda sobre que versam os autos, tendo estas sido celebradas pelo marido de AA (OO) e pela última, representada pelo seu procurador – o Réu KK -, fazendo uso da procuração que lhe outorgou em 07/02/2017, e dentro dos limites representativos nela consignados, ou seja, tendo os contratos de compra e venda sido celebrados à sombra daquela procuração, a qual tem como destinatários os compradores terceiros com que o procurador (Réu KK) viesse a contratar em nome daquela, no uso dos poderes representativos que esta lhe conferiu, a compra e venda, ou seja, no caso, os Réus MM (a quem, em 23/05/2017, foi vendido um prédio pelo preço de 45.000,00 euros) e NN (a quem, em 08/06/2017, foi vendido um outro prédio pelo preço de 70.000,00 euros), qualquer causa determinativa de anulabilidade que pudesse afetar essas compras e vendas verificáveis na pessoa do representado (AA) apenas poderá ter por fundamentos causas determinativas da invalidade que afetassem a procuração à sombra da qual foram celebradas. Na verdade, quer se considere que a procuração outorgada por AA em 07/02/2017 tinha como destinatários os compradores dos prédios com quem o procurador (Réu KK) veio a celebrar as compras e vendas em nome da sua representada e dentro dos poderes representativos consignados na procuração, quer se considere que a procuração se destinava mediatamente a operar perante os compradores, o que releva é a validade jurídica da procuração, na medida em que foi com base nela que foram celebradas as escrituras de compra e venda e foi confiando na sua validade jurídica que os compradores celebraram as compras e vendas. Tal significa que o estado mental em que se encontrava AA à data em que foram celebradas as escrituras de compra e venda, ou a circunstância desses contratos terem sido celebrados já depois de anunciada a propositura da ação em que veio a ser decreta a sua interdição por sentença transitada em julgado, mostra-se juridicamente irrelevante para a declaração da invalidade das compras e vendas com fundamento no estado mental daquela (representada), as quais apenas podem ser invalidadas com fundamento em vícios que a afetassem no momento em que outorgou a procuração e que determinem a invalidade desta à sombra das quais foram celebradas as compras e vendas. A declaração da anulabilidade da procuração determina ope legis a anulabilidade dos contratos de compra e venda celebrados sobre a sua égide. Aliás, entendimento contrário ao que se acaba de expender atentaria gravemente contra a segurança jurídica e a boa fé que presidiu à celebração dos contratos de compra e venda por parte dos compradores, que os outorgaram em termos fácticos/materiais com o procurado, que os celebrou em nome e em representação da sua representada (AA), confiando os compradores na validade jurídica da procuração por esta outorgada. Ora, a procuração foi outorgada por AA em 07/02/2017, em data anterior à publicitação da propositura da ação de interdição que contra ela foi instaurada e onde veio a ser decretada a sua interdição, por sentença transitada em julgado. Por conseguinte, salvo melhor opinião, para obter a anulação dos contratos de compra e venda que pretende ver invalidados, celebrados à sombra da procuração, o recorrente teria, nos termos do art. 150º, ex vi, art. 257º do CC, de alegar e provar que, no momento da outorga da procuração, em 07/02/2017 (ao abrigo da qual o Réu KK, em nome de AA celebrou aqueles contratos de compra e venda), AA estava incapacitada de entender o sentido das declarações que nela emanou ou estava privada do livre exercício da sua vontade e, bem assim que essa incapacidade natural de AA era conhecida dos compradores ou que era por eles cognoscível, caso tivessem agido com a diligência devida. Feita essa prova, impunha-se declarar a anulabilidade da procuração, o que determinaria ipso iure a anulabilidade das escrituras de compra e venda celebradas sobre a sua égide. Acontece que essa prova se quedou por fazer por parte do recorrente apesar de, nos termos do disposto no art. 342º, n.º 1 do CC, sobre si impender o respetivo ónus da prova, o que determina a improcedência do pedido que formulou em ver declarada a anulabilidade das escrituras de compra e venda celebradas. Acresce dizer que, ainda que assim não fosse e se entendesse que aos contratos de compra e venda, na medida em que foram celebrados na pendência da ação interdição instaurada contra AA e após a propositura desta ter sido anunciada, seria aplicável o regime do art. 149º do CC (o que não se subscreve), sempre o pedido de anulação daqueles contratos teria de improceder em virtude do recorrente não ter feito prova do requisito da prejudicialidade dos identificados contratos de compra e venda para a interdita AA, posto que não provou a alegação de que esta não tivesse recebido o preço pago pelos compradores relativo à aquisição dos prédios, nem que tivessem sido vendidos por preço inferior ao seu valor de mercado. Resulta do excurso antecedente, improcederem todos os fundamentos de recurso invocados pelo recorrente, impondo-se julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. * V- DecisãoNesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida. * Custas do recurso pelo recorrente, uma vez que ficou “vencido” (art. 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC).* Notifique.* Guimarães, 22 de maio de 2025 José Alberto Moreira Dias – Relator João Peres Coelho – 1º Adjunto Alexandra Maria Viana Parente Lopes – 2ª Adjunta [1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396. [2] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4º Ed., Almedina, págs. 78 e 79. No mesmo sentido Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, págs. 487 e 488: “A legitimidade para recorrer pode ser aferida segundo um critério formal ou material. Segundo o critério formal, tem legitimidade para recorrer a parte que não obteve o que pediu ou requereu; portanto, não pode recorrer a parte que conseguiu na ação aquilo que solicitou ou que está de acordo com a sua conduta na ação (como, por exemplo, a desistência ou a confissão do pedido, art. 293º, n.º 1). Diferentemente, segundo o critério material, tem legitimidade para recorrer a parte para a qual a decisão for desfavorável (ou não for a mais favorável que podia ser), qualquer que tenha sido o seu comportamento na instância recorrida e independentemente dos pedidos por ela formulados no tribunal a quo. Este é o critério habitualmente seguido na doutrina portuguesa. A legitimidade ad recursum é, apesar da sua designação, uma modalidade do interesse processual e não uma concretização no âmbito dos recursos, da legitimidade processual. A legitimidade para recorrer refere-se à tutela que pode ser obtida pelo recorrente na instância de recurso e, portanto, à utilidade resultante para essa parte da procedência do recurso, o que demonstra que o critério formal ou material que é usado para determinar agora a legitimidade se destina afinal a definir qual o parâmetro que deve ser utilizado para aferir aquela utilidade (que pode ser a conduta da parte na instância recorrida que lhe é causado por uma decisão desfavorável). Também a legitimidade para recorrer se observa a correlatividade que caracteriza o interesse processual. Se a uma das partes for reconhecido um interesse em recorrer, isto é, um interesse em obter a tutela decorrente da procedência do recurso, à contraparte é automaticamente atribuído um interesse em contradizer, ou seja, um interesse em evitar o prejuízo resultante daquela procedência”. Ac. STJ., de 15/02/2017, Proc. 118/13.0TBSTR.E1.S1, in base de dados da DGSI (onde constam todos os arestos que se venham a citar sem menção em contrário), em que se expende: “A legitimidade ad recursum relativamente às partes principais determina-se pela utilidade da procedência do recurso em função do prejuízo causado por uma decisão desfavorável ao recorrente. A expressão “tenha ficado vencido”, usada no art. 631º, n.º 1, do CPC, deve interpretar-se com o sentido de que pode recorrer a parte principal que tenha ficado afetada ou prejudicada”. [3] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 82, em que escreve: “Para além de quem no processo tenha qualidade de parte acessória, a legitimidade para recorrer pode ser invocada por terceiros direta e efetivamente prejudicados pela decisão. A exigência de um prejuízo direto tem subjacente a ideia de que a decisão visa diretamente o recorrente, afastando os casos em que o prejuízo, ainda que efetivo, é indireto, reflexo ou mediato, ou atinge unicamente a pessoa representada”. Ac. RC., de 20/01/2015, Proc. 2109/14: “A legitimidade ad recursum, i. e. de quem não foi parte na causa, é – e só pode – ser aferida segundo um critério material; esse terceiro há-de ser alguém que seja direta e efetivamente prejudicado com a decisão, alguém que seja afetado pela decisão que pretende impugnar, nos seus direitos e interesses. Verificados estas condições, esse terceiro deva ser admitido a interpor o recurso, embora lhe não seja lícito provocar, na instância correspondente, qualquer modificação no objeto da causa, designadamente, a formulação de um pedido novo”. [4] António Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 153. [5] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 797. [6]António Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 228. [7] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 798, nota 8. [8] Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1. [9] Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 153 e 290; Acs. R.G., de 29/10/2020, Proc. 2163/17.7T8VCT.G1; de 28/09/2023, Proc. 3343/19.6T8VNF-F.G1. [10] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 797, nota 4. [11]Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609. [12] Alberto dos Reis, “Processos Especiais”, vol. I – reimpressão, Coimbra Editora, 1982, págs. 127 e 128. [13] Manuel A. Domingues de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, Coimbra 1983, pág. 91. [14] Galvão Teles, Revista dos Tribunais, ano 72, 1954, fls. 268. [15] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 157. [16] Pais de Sousa e Oliveira Matias, “Da Incapacidade Jurídica dos Menores Interditos e Inabilitados”, 2ª ed., Almedina, 1983, pág. 232. [17] Pais de Sousa, “Reflexos Processuais da Incapacidade Jurídica no âmbito do Código de Processo Civil”, 2º ed., Quid Juris, 1980, pág. 75. [18] J. Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de processo Civil”, vol. IV, 1984, pág. 190. [19] Acs., STJ., de 22/01/2009, Proc. 08B333; de 29/01/2002, Proc. 01A437; de 05/07/2001, Proc. 01A437; de 08/04/1981, Proc. 06154; de 14/01/1975, Proc. 065351; de 04/10/1968, Proc. 062402 (lendo-se neste que: “A data provável do começo da enfermidade psíquica causadora da interdição, não constituindo uma presunção legal, representa, contudo, uma mera presunção, uma probabilidade de valor poderoso, adjuvante com os demais elementos”); 19/06/1973, B.M.J., n.º 228, pág. 155; RG.; de 07/12/2023, Proc. 331/19.6T8FAF.G1; R.C., de 12/12/2017, Proc. 123/15.1T8TCS.C1, defendendo-se neste que: “Quanto ao valor da fixação na sentença que decreta uma interdição da data do começo dessa incapacidade, na vigência no Cód. Civil de 1966, a doutrina e a jurisprudência têm atribuído a tal declaração um valor meramente indiciário: não de uma presunção (iuris et de iure ou iuris tantum), mas o valor de mera presunção simples, natural, judicial, de facto ou de experiência comum que, embora constitua um começo de prova, não inverte o ónus da prova da existência da incapacidade no momento da prática do ato – ónus que impende sobre quem pede a anulação. Contudo, é legítimo falar a este propósito de uma forte presunção de que o negócio praticados depois da data em que principiou a incapacidade de entender o sentido da declaração ou privada do livre exercício da sua vontade, sendo a esta luz que haverá como que um ónus “reforçado” de contraprova por parte dos demandados na ação – de contraprova da incapacidade, isto é, de que o ato foi praticado num momento lucido”. [20] Ac. S.T.J., de 22/01/2009, Proc. 08B3333. [21] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, ob. cit., págs. 293 a 295: “Outras decisões podem revelar-se total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedindo o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso. Verificado algum dos referidos vícios, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da Relação, esta poderá supri-los a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação. (…), a anulação da decisão da 1ª Instância apenas deve ser decretada se não constarem do processo todos os elementos probatórios relevantes. Ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas. Em qualquer dos casos, a anulação do julgamento deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada, tendo em conta, além do mais, os efeitos negativos que isso determina nos vetores da celeridade e da eficácia”(destacado nosso). [22] Carlos Alberto da Mota Pinto, “Teoria Geral do Direito Civil”, ob. cit., págs. 230 e 231, em que sustenta que: “A anulação não pode ser excluída, mediante a alegação de intervalo de lúcido do demente, falta de prejudicialidade do ato ou desconhecimento, pela contraparte da interdição”. No mesmo sentido, Manuel Domingues de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, ob. cit., págs. 85 e 86: “Depois da sentença de interdição, a demência do interdito ou em todo o caso a sua incapacidade está inatacavelmente definida e assente. Não se autoriza qualquer discussão a tal respeito; é excluída toda a alegação e proba em contrário. A nossa lei rejeita a doutrina dos intervalos lúcidos; estabelece a doutrina da continuidade absoluta da demência. Desde que esteja decretada a interdição, a nulidade relativa verifica-se necessariamente por força da sentença. Não se pode afastar essa nulidade provando-se que no momento da conclusão do negócio o interdito estava num intervalo lúcido ou já deixara de ser demente. Também o terceiro que contratou com o interdito não pode fugir à nulidade provando que não sabia da interdição. Se não sabia, devia saber. Menos ainda, finalmente, será consentida a prova de que o interdito nunca esteve demente, sendo injusta a sentença que decretou a interdição. Esta última exclusão é imposta desde logo pela própria força do caso julgado que compete à sentença; a tal ponto que não parece que a fórmula questionada tenha tido em vista sancioná-la. À incapacidade natural do demente, que comporta remitências ou intervalos de lucidez, substitui-se uma incapacidade contínua e perene. Por outro lado, a nulidade é independentemente da prova de qualquer prejuízo do demente”. [23] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, págs. 156 e 157; [24] Carlos Alberto da Mota Pinto, ob. cit., págs. 231 a 233. [25] Carlos Alberto da Mota Pinto, ob. cit., págs. 233 e 234. No mesmo sentido: Acs. STJ., 31/10/2006, Proc. 06A2907; de 13/01/2009, Proc. 08A3809; de 16/01/2014, Proc. 1556/08, escrevendo-se neste último que: “Os atos praticados antes da publicidade da ação de interdição são, em princípio, válidos. Só serão inválidos se acidentalmente, na altura em que são praticados, o declarante está incapacitado, nos termos do art. 257º do CC. Temos, pois, que, nestes casos, a capacidade é a regra e a incapacidade é a exceção, pelo que quem invocar esta tem o ónus de a provar, ou seja, compete a quem invoca uma incapacidade fundada no art. 257º do CC alegar e provar que o declarante se encontrava, na altura da prática do ato, incapacitado nos termos e para os efeitos do disposto neste artigo. Não é o estado de saúde do pretenso incapacitado acidentalmente que está em causa, mas o seu estado de não entendimento do sentido das suas declarações”. [26] Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 244, em que se lê: “O n.º 1 deste artigo 262º define procuração, que é um ato essencialmente distinto do mandato. Enquanto o mandato, integrado na categoria dos contratos (art. 1157º), é um negócio jurídico bilateral, a procuração constitui um ato unilateral. Além disso, a procuração inclui sempre poderes representativos, a passo que o mandato, adstrito à ideia do agir por conta de outrem, pode envolver ou não poderes de representação”. No mesmo sentido Abílio Neto, Código Civil Anotado”, 20º ed., abril/2018, Ediforum, pág. 1075, nota 5: “Importa distinguir mandato e procuração, aquele é um contrato, ao passo que esta é um negócio jurídico unilateral autónomo. De facto, o mandato impõe a obrigação de praticar atos jurídicos por conta de outrem (art. 1157º); a procuração confere o poder de os celebrar em nome de outrem (art. 262º, n.º 1). Por outro lado, o simples mandatário age por conta do mandante, mas em nome próprio (mandato sem representação – arts. 1180º e ss.); só o mandatário-representante age ao mesmo tempo por conta e em nome do mandante (mandato-representativo – arts. 118º e ss.). A representação, que é a essência da procuração, já não é essencial ao mandato, pois que há mandato não representativo. E o mandato não é a única fonte da representação, por isso que pode existir esta sem aquele (representação legal, contrato de sociedade, de prestação de serviços, etc.)”. [27] Ac. STJ., de 12/05/2003, Proc. 03A314. [28] Ferrer Correia, “A Procuração na Teoria da Representação voluntária”, Boletim da Faculdade de Direito”, XXIV (1984), pág. 282. [29] No sentido exposto no texto, vide ainda João Nuno Calvão da Silva, “Procuração (artigo 116.º do Código do Notariado e artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março”, ROA, ano 67, volume II, disponível em www.oa.pt. Segundo Januário Gomes (Em Tema…, pág. 237), o destinatário natural da procuração é o representante, o qual não pode prevalecer-se dos poderes conferidos enquanto não receber a procuração ou tiver conhecimento desses poderes. No entanto este autor reconhece: “embora a relação de representação respeite apenas ao representado e ao representante, é perante terceiros que a mesma está mediatamente destinada a operar.” |