Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5969/22.1T8GMR-B.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
ARTICULADO DO TRABALHADOR
RECONVENÇÃO
FALTA DE “NOMINAÇÃO” DO ARTICULADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O articulado a que se refere o artigo 98- J, 3, al. c) do CPC, destinado exclusivamente a peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização, não tem que ser “nominado” como reconvenção. Tal articulado tem essa natureza pelas suas próprias características, não tendo essa falta de “nominação” qualquer impacto ao nível da tramitação e dos direitos das partes.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

AA, idf. nos autos, apresentou o formulário referido nos arts. 98º-C, nº 1 e 98º-D, ambos do CPT para instauração de ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra EMP01..., S.A., idf. nos autos, opondo-se ao despedimento que diz ter sido efetuado por esta e requerendo que seja declarada a ilicitude do mesmo com as legais consequências.

- A ré foi citada pata audiência de partes.
- A 10-01-2023 teve lugar a audiência de partes, fazendo-se a ré representar por advogado que juntou procuração com poderes gerais e especiais para aquela diligência.  
- A 25-01-2023 a ré apresentou articulado motivador do despedimento, protestando juntar processo disciplinar em dez dias, o que não sucedeu.
- A 23-3-2023 foi proferida despacho declarando-se a ilicitude do despedimento, devido à não junção do processo disciplinar.
- Notificado para apresentar articulado nos termos do artigo 98.º J n.º 3 c) do Código de Processo do Trabalho, o autor apresentou a peça junta a 14.4.2023 – Na contestação invocou-se ineptidão por contradição nos pedidos das alíneas a) e b), e nulidade por não ter sido formulada reconvenção.
-  no Despacho saneador der 25-10-2023 indeferiram-se as invocações referindo-se designadamente:
“ Nesta fase processual é aplicável o disposto no artigo 98.º J, o que a entidade empregadora não põe em causa, e não é feita qualquer referência à reconvenção, antes pelo contrário, é apenas identificado como um articulado.
Vem ainda a entidade empregadora invocar a ineptidão do articulado apresentado pelo trabalhador por existir contradição entre o pedido e a causa de pedir, quanto aos pedidos das alíneas a) e b) e falta de causa de pedir quanto aos pedidos das alíneas c) e d).
No que respeita aos pedidos das alíneas a) e b) não se vislumbra qualquer contradição entre os pedidos, antes pelo contrário, os mesmos complementam-se na medida em que o valor peticionado na alínea a) é deduzido na alínea b).
Relativamente ao pedido das alíneas c) e d), trata-se de créditos salariais, devidamente identificados no artigo 21.º do articulado.”
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- A ré interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:
1º) Salvo melhor opinião e o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, no despacho saneador notificado a 31 de Outubro de 2023, a inexistência de uma nulidade e a inexistência das exceções invocadas pela Recorrente, na sua contestação apresentada em 05 de Maio de 2023, o que não se concebe atento que a tal decisão carece de qualquer fundamentação, bem como nada tendo sequer despachado ou respondido sobre a nulidade invocada do recurso apresentado pela Recorrente em 18 de Abril de 2023, apesar de ter aceite o mesmo recurso por despacho de 17 de Junho de 2023.
2º) Mas o que ainda se estranha mais é que apenas em 31 de outubro de 2023, a Recorrente seja notificada da pronuncia no saneador das nulidades e exceções deduzidas na contestação em 05 de maio de 2023, ou seja quase mais de 6 meses após as mesmas terem sido invocadas. 3º) Segundo, o artigo 615º, nº1, CPC, é nula a sentença quando: “(…) b) - não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; A previsão reporta-se a vício de falta de motivação que pode atingir a sentença, exigindo-se que da mesma conste, quer a factualidade que suporta a decisão, quer a interpretação e aplicação do direito - 607º, 3, 4, CPC.
4º) A nulidade da sentença por falta de fundamentação apenas ocorrerá quando o tribunal omita totalmente a fundamentação de facto e/ou de direito em que ancorou a decisão de mérito proferida nessa sentença.
5º) O que se exige é que a decisão tenha o elemento principal, não seja arbitrária, demonstre quais são as suas premissas, quais as razões dadas ao caso para ser aquela a decisão e não outra, sob pena de constituir uma “peça sem base”.
6º) As nulidades nada têm a ver com o mérito da fundamentação. Se a sentença apresentar qualidade mais dificilmente será alterada. No que se refere à fundamentação de direito, devem ser visíveis as normas e institutos a que se recorreu para apreciar o caso, o que manifestamente não sucede in casu, pelo que estamos na presença de nova nulidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
7º) Deverá pois ser anulado o despacho saneador, proferindo-se outro, que julgue as exceções deduzidas procedentes ou quando assim não se entenda em que a decisão que incida sobre as exceções deduzidas sejam devidamente fundamentadas.
8º) O despacho saneador ora recorrido violou o disposto nos artigos 195º e 615 º todos do Código de Processo Civil e nº 3 do artigo 98º J do CPT.
Termos em que, pelo que vem de expor-se e pelo muito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao recurso e em consequência julgar-se procedente o recurso, sendo anulado o despacho saneador, proferindo-se outro, que julgue as exceções deduzidas procedentes ou quando assim não se entenda em que a decisão que incida sobre as exceções deduzidas sejam devidamente fundamentadas,
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Em contra-alegações sustenta-se o julgado, referindo-se ter sido deduzida reconvenção, embora não a nominando.
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O Exmº PGP deu parecer no sentido da improcedência.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.
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A factualidade com interesse é a que resulta do precedente relatório.
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Conhecendo dos recursos:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões colocadas:
- Falta de fundamentação do despacho recorrido.
- Verificação das exceções deduzidas.
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Quanto à nulidade do despacho recorrido.

Refere o artigo 615º do CPC:
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
A nulidade da referida alínea b) verifica-se quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, ou uma insuficiência de tal forma grave que não permita perceber as razões que determinaram a decisão. Trata-se de vício que afeta a estrutura da decisão, não atinentes ao mérito do decidido.
Ora a decisão mostra-se fundamentada, explicitando-se os fundamentos do indeferimento quer da invocada “nulidade do articulado”, por não dedução dos pedidos em “reconvenção”, quer quanto à contradição entre pedidos e causa de pedir e por falta de causa de pedir quanto aos pedidos das las. c) e d). Assim e quanto à “reconvenção” refere-se que a norma não alude a “reconvenção”.
Quanto aos pedidos das als. a) e b) refere-se não se ver qualquer contradição, complementando-se os pedidos, e referindo-se o facto de que no pedido b) é deduzido o peticionado em a).
Quanto à causa de pedir dos pedidos c) e d) (vincendas e juros), refere-se tratar-se de créditos identificados em 21º. O peticionado terá ainda a ver com o alegado em 22º e 23º. Trata-se de direito que decorre da lei.
Não ocorre a invocada falta de fundamentação.
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Pede a recorrente que as exceções deduzidas sejam julgadas procedentes.
Mas sem razão. Relativamente à invocada ineptidão (contradição e falta de causa de pedir), pouco pode adiantar-se. Da leitura dos pedidos a) e b), e sua correta interpretação, não resulta qualquer duplicação de pedidos, resultando de outra parte evidente a invocação da causa quanto aos restantes pedidos, como atrás ficou exposto. Mais não merecem as questões.
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Quanto à questão da reconvenção.

Refere o artigo 98- j, 3, al. c)
Se o empregador não apresentar o articulado referido no número anterior, ou não juntar o procedimento disciplinar ou os documentos comprovativos do cumprimento das formalidades exigidas, o juiz declara a ilicitude do despedimento do trabalhador, e:
c) Ordena a notificação do trabalhador para, querendo, no prazo de 15 dias, apresentar articulado no qual peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho.

E o nº 5:
5 - Se o trabalhador apresentar o articulado a que se refere a alínea c) do n.º 3, o empregador é notificado para, no prazo de 15 dias, apresentar contestação, observando-se seguidamente os restantes termos do processo comum regulados nos artigos 57.º e seguintes.
Já o artigo 98-L refere expressamente a reconvenção. Consta deste:
Artigo 98.º-L
Contestação
1 - Apresentado o articulado de motivação do despedimento a que se referem os n.os 1 e 2 do artigo anterior, o trabalhador é notificado para, no prazo de 15 dias, contestar, querendo.
2 - Se o trabalhador não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente notificado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo empregador, sendo logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito.
3 - Na contestação, o trabalhador pode deduzir reconvenção nos casos previstos no n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil, bem como para peticionar créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º do Código do Trabalho, independentemente do valor da ação.
Nada obsta nesta forma processual à dedução de reconvenção. O facto de o autor não ter “nomeado” o articulado, como não o faz aliás o nº 3 al. c) do artº 98- j, não implica qualquer obstáculo ao prosseguimento e aceitação do articulado, já que ainda que se entenda dever ter deduzido os pedidos por reconvenção (o que não é claro no quadro de circunstâncias da referida alínea), tal circunstância não teria qualquer relevo ao nível da tramitação do processo e dos direitos das partes.
Importa ter em linha de conta que o direito processual deve servir a adequada e equitativa resolução de conflitos entre os sujeitos, estando vocacionado para a apreciação de mérito, demandando que na interpretação das normas adjetivas, se tenha em mente essa finalidade, evitando que meras questiúnculas processuais obstem ao objetivo do direito.
Sempre seria de aproveitar o articulado. Como referimos no Ac. 3436/22.2T8GMR-A.G1 de 19/12/2023, embora sobre questão algo diversa; “ redundando-se numa questão da “forma”, e desde que aos autos sejam trazidos todos os elementos pertinentes, i é, “desde que o seu conteúdo seja adequável ao meio concreto de que deveria ter-se socorrido”(STJ de 22/9/2021, processo nº 373/15.0T8AMT-D.P1.S1, disponível em DGSI.pt); e seja admissível a reconvenção; tendo em conta o princípio da economia processual, a prevalência das decisões de mérito sob as de forma, e os poderes de adequação – artigo 547º do CPC -, a entender-se, como parece firmar-se na jurisprudência, que com a redação do artigo 266º, a compensação tem que ser formulada em reconvenção, sempre se imporia, na condição atrás referida, proceder à convolação da mera exceção em reconvenção.
Refere o artigo 193º do CPC. quanto a erro “no meio processual”, que “o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados” – Nº 3. Salvaguardando-se naturalmente as garantias do réu – artigo 193º, 2.”
Como referido, a questão da necessidade neste caso de dedução de reconvenção, ou melhor, de “nomear” o articulado como tal, não resulta clara, a opção efetuada em primeira instância, considerando não ser necessário, não causa qualquer prejuízo ou perturbação ao direito das partes, volvendo-se na prática e em concreto, a invocação efetuada, numa mera questão teórica, sem qualquer reflexo pratico e útil no processamento da ação, pelo que é de manter decidido.
É de manter o decidido.
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DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedentes a apelação confirmando a decisão.
Custas pela recorrente.
16-5-2024

Antero Veiga
Vera Sottomayor
Francisco Pereira



O articulado a que se refere o artigo 98- J, 3, al. c) do CPC, destinado exclusivamente a peticione quaisquer outros créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da sua cessação, incluindo a indemnização, não tem que ser “nominado” como reconvenção. Tal articulado tem essa natureza pelas suas próprias características, não tendo essa falta de “nominação” qualquer impacto ao nível da tramitação e dos direitos das partes.