Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1713/21.9T8VRL.G1
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
CADUCIDADE DO DIREITO DE AÇÃO
ELEMENTOS ESSENCIAIS DA ALIENAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- “ Os elementos essenciais da alienação” a que o art. 1410, nº1 do CC alude referem-se a uma alineação já efetuada e, portanto, basta-se com o conhecimento por parte do preferente da alienação propriamente dita, com a identificação do bem alienado, e do sacrifício económico global suportado por terceiro na aquisição, que será também aquele que o preferente terá de suportar se efetivamente exercer a sua prioridade de aquisição, ou seja, em casos como o dos autos, são o conhecimento da venda, a identidade do terceiro adquirente e o preço.
II- Ora, no caso concreto, para proceder a exceção da caducidade do direito de ação, competia exatamente aos RR alegar e provar que os AA., há mais de 6 meses à data da propositura da ação, tinham conhecimento destes elementos essenciais da alienação (cujo conhecimento era aqui também exigível demonstrar), nos quais se engloba o preço da venda, para além do conhecimento da venda e da identidade dos compradores.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório ( que se transcreve):

“AA e mulher BB, intentaram a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra CC e mulher DD, e EE e mulher FF.
Pedem a condenação dos réus ser condenados a reconhecer, aos autores, o direito de preferência na venda do prédio constante da escritura referenciada no artigo 1º da petição, substituindo-se, nessa venda, os autores aos réus adquirentes EE e mulher FF, abrindo, estes, mão do mesmo prédio em favor dos autores, a fim de estes o haverem, ficando-lhes a pertencer para todos os efeitos legais, mediante o preço de aquisição e custo da escritura, e demais impostos (IS e IMT) devendo, ainda, decretar-se a anulação e cancelamento de qualquer registo de transmissão, consequente daquela venda e condenar-se nas custas a quem de direito for.
Os Reus adquirentes deduziram contestação, por via da qual impugnaram o alegado e invocaram a caducidade do direito, tendo ainda deduzido reconvenção pela qual peticionam a condenação dos AA. e, caso de procedência da acção, ao pagamento, a titulo de benfeitorias, da quantia de €61573.96.
Os Réus alienantes deram como reproduzida a contestação apresentada pelos demais Réus.
Os AA replicaram, tendo pugnado pela improcedência da reconvenção, e ainda requerido a condenação dos RR. em litigância de má fé.
Foi determinada a realização de arbitramento com vista a apurar-se o valor do prédio objecto de preferência, antes e depois das benfeitorias/obras alegadas pelos RR e valor destas,
Foi elaborado despacho saneador, por via do qual se procedeu à identificação do objecto do litigio e enunciação dos temas da prova e agendado julgamento.
Realizou-se o julgamento, conforme decorre das actas.”.
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Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, decido julgar a presente acção improcedente e, em consequência, absolver os RR dos pedidos formulados.
Mais declaro que inexiste litigância de má fé das partes.
Custas pelos Autores (artigo 527.º Código de Processo Civil).
Registe e notifique.”
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Inconformados com esta decisão, os autores dela interpuseram recurso e formularam, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

“A. Atendendo à confissão dos RR./apelados, aos documentos juntos conciliados entre si e o relatório pericial e, ainda, aos depoimentos das testemunhas, que se encontram gravados, tendo sido, supra, indicado a data, o início e o fim dos depoimentos, e indicados os minutos da gravação, das passagens dos depoimentos, em que se fundamenta o recurso, relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, os pontos 11., 12., 13., 16., 20., 21. e 22., dos factos dados como provados, e as alíneas a), b) e c), dos factos dados como não provados, deveriam ser corrigidos como supra se refere, além de serem adicionados os confessados sobre a destruição da ramada existente quando da compra, para possível compensação com as obras realizadas no prédio, posteriores à venda e que constam do relatório pericial.
B. Assim, dos factos dados como provados:
- Os pontos 11., 12., 13., 16., 20., 21. e 22., deviam ser dados como não provados, atendendo à prova produzida e, supra, especificada.
C. Dos factos dados como não provados:
- As alíneas a), b) e c), atendendo à prova produzida e ao que decorre do conhecimento geral e comum, deveriam, os factos constantes de tais alíneas, ter sido dados como provados.
D. Pelos depoimentos e confissão dos RR. nos articulados, cuja confissão foi aceite sobre a destruição de uma ramada de vinha, existente quando da compra, devem tais factos serem dados como provados, para que em incidente de liquidação seja apurado o valor, para possível compensação, com os valores das obras feitas, posteriormente, à venda e que constam do relatório pericial.
E. Fazendo-se uma análise objetiva dos depoimentos e a confrontação com os documentos e relatório pericial, não se poderia, partindo deles e, atendendo às regras da experiência comum, segundo o padrão do homem médio, deixar de dar como assentes as conclusões em B e C, supra.
F. É evidente, por admitido e provado que os RR./apelados não comunicaram, aos Autores, os elementos essenciais do contrato de compra e venda, maximé, o preço, nem fizeram prova de tal comunicação, como tudo decorre dos depoimentos das testemunhas, pois, nem estas, tinham, à data do depoimento, e, por isso, nem antes, conhecimento do preço da venda.
G. Assim, estamos perante o direito legal de preferência dos AA./apelantes, atempadamente exercido, pela presente ação.
H. Devendo a mesma ser, considerada procedente, revogando-se a sentença recorrida com todas as consequências legais.
I. A sentença de que recorre, além de outros infringiu os dispositivos legais, dos artigos 413º e segs. do C.P.C., 1380º e 1381º, do Código Civil.”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido, por despacho de 01 de Julho de 2024, como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:

1- Apreciar a decisão da matéria de facto ( pontos 11., 12., 13., 16., 20., 21. e 22., dos factos dados como provados, e as alíneas a), b) e c), dos factos dados como não provados, além de saber se devem ser adicionados os factos confessados sobre a destruição da ramada existente quando da compra), apurando se ela deve ou não ser alterada;
2- E, como consequência, se deve ou não ser mantida a decisão recorrida, o que passa pela reapreciação jurídica da causa, no sentido de saber se ocorreu o prazo de seis meses, previsto no n.º 1 do artigo 1410º do Código Civil, para a instauração da ação de preferência.
3- Saber se, mesmo que seja modificada a decisão de facto e concluindo-se pela improcedência da exceção da caducidade, se pode o Tribunal da Relação conhecer dos restantes pedidos e qual o mérito da ação e reconvenção.
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III. Fundamentação de facto.

Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes:

Factos provados
Com interesse para a decisão da causa, resultam provados os seguintes factos:
1. Por escritura de 17 de Outubro de 2013, lavrada no cartório notarial ..., da Lic. GG os réus CC e mulher DD, venderam ao réu EE, casado com a ré FF, um prédio rústico, sito na freguesia ..., deste concelho, identificado nos seguintes termos: “Prédio rústico composto por um terreno de vinha em ramada, com a área de duzentos e noventa metros quadrados, denominado “...”, sito no lugar ..., da dita freguesia ..., a confrontar do norte com caminho público, do nascente com herdeiros de HH e do sul e do poente com AA, descrito na Conservatória do Registo Predial, deste concelho sob o número ..., (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...88, com o valor patrimonial de €: 138,75.
2. O dito prédio tem a área de 290 m 2
3. A venda foi efectuada pelo preço de €: 5.000,00 (cinco mil euros).
4. O referido prédio confronta do sul e do poente com o prédio do aqui Autor, AA.
5. O Prédio rústico, constituído por um terreno de cultura arvense de regadio e vinha em ramada, sito no lugar ..., da freguesia ..., com a área de mil e oitocentos e noventa metros quadrados, omisso na Conservatória do Registo Predial, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., onde figura como titular o autor marido, foi adquirido, pelo autor marido, por doação de sua avó, II, no estado de viúva, tendo a mesma, já falecido, mas que o fez em vida, no ano de 1995, no mês de Agosto.
6. Desde essa data, com exclusão de qualquer outra pessoa, sem qualquer violência, sem oposição ou contrariedade de ninguém, com continuidade ininterrupta, com o conhecimento geral das pessoas do meio, que os autores vêm e corporizada na poda e cultivo da vinha em ramada, colhendo as uvas, plantando videiras, semeando milho e ervas e aproveitando as demais utilidades do terreno.
7. Os prédios identificados em 1 e 5 são aptos e destinados para cultivo de vinha em ramada e outras plantações próprias para terrenos de regadio.
8. A venda do prédio indicado em foi feita a quem não era proprietário confinante.
9. Pelo terreno dos AA. é devida servidão de passagem para o prédio vendido.
10. Aos autores não foi dado conhecimento da venda para usarem do direito de preferência que lhes cabia.
11. Os Autores souberam da compra nos dias seguintes à venda mencionada em 1, ainda no ano de 2013.
12. Souberam que a compra foi efectuada pelos RR adquirentes, bem como o preço e condições respectivas.
13. Imediatamente após a venda, os RR adquirentes disseram aos AA para retirarem do terreno que haviam comprado as suas ovelhas que ali pastoreavam, para nele colocarem as ovelhas dos RR., o que aqueles cumpriram.
14. Os RR limparam o terreno e retiraram os postes e ramadas.
15. E construíram no terreno um anexo para ferramentas e enxadas de 6 m2 de área.
16. Os RR construíram um furo artesiano para recolha de aguas no subsolo e canalizaram-na por mais de 600 metros para a sua habitação.
17. Os reus regularizaram a cota do terreno e desmontaram latadas de vinho.
18. Os Reus contrataram empreiteiros da freguesia, passaram a cruzar o terreno dos AA pela servidão de caminho.
19. Os 1ºs RR são tios do A.
20. Os Autores residem em frente ao prédio indicado em 1.
21. Os 2ºs Reus pagaram €2000 à empresa que efectuou o furo artesiano;
22. Licenciaram a agua de regadio que no local extraíram;
23. Gastaram cerca de € 1459.50 em obras no local
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Factos não provados

Não se provaram os restantes factos alegados com interesse para a decisão da causa.

Designadamente, não se provou que:
a) A venda mencionada em 1 foi feita no maior sigilo entre os réus (vendedores e compradores).
b) Desconhecendo os autores o projecto de venda, assim como as cláusulas do respectivo, máxime, o preço.
c) Os autores só tiveram conhecimento, através da certidão da escritura de compra e venda que obtiveram em 06 de Março, do presente ano de 2019.
d) Com as obras realizadas no prédio identificado em 1 pelos 2ºs RR, este passou a ter o valor de € 56000.”.
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IV. Do objecto do recurso.          
  
1. Da impugnação da matéria de facto.

Os apelantes impugnaram a decisão da matéria de facto e pretendem que:
- dos factos dados como provados:- Os pontos 11., 12., 13., 16., 20., 21. e 22., deviam ser dados como não provados, atendendo à prova produzida;
- Dos factos dados como não provados:- As alíneas a), b) e c), atendendo à prova produzida e ao que decorre do conhecimento geral e comum, deveriam, os factos constantes de tais alíneas, ter sido dados como provados.
- Pelos depoimentos e confissão dos RR. nos articulados, cuja confissão foi aceite sobre a destruição de uma ramada de vinha, existente quando da compra, devem tais factos ser dados como provados e aditados (, para que em incidente de liquidação seja apurado o valor, para possível compensação, com os valores das obras feitas, posteriormente, à venda e que constam do relatório pericial.)

Dispõe o artigo 640º do CPC, que:
 “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) (…);
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».
No caso dos autos, verifica-se que os recorrentes indicam qual o facto que pretendem que seja decidido de modo diverso, bem como a redação que deve ser dada, como ainda os meios probatórios que na sua óptica o impõe(m), pelo que podemos concluir que cumpriram suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640.º.  
Assim, este Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.
Vejamos cada um dos grupos de factos impugnados.
Quanto aos factos provados nos pontos 11., 12., 13., 16., 20., 21. e 22., entendem os apelantes que  deviam ser dados como não provados.
No facto 11º consta: “ 11.     Os Autores souberam da compra nos dias seguintes à venda mencionada em 1, ainda no ano de 2013.”
-No “12. Souberam que a compra foi efectuada pelos RR adquirentes, bem como o preço e condições respectivas.”
- no “13. Imediatamente após a venda, os RR adquirentes disseram aos AA para retirarem do terreno que haviam comprado as suas ovelhas que ali pastoreavam, para nele colocarem as ovelhas dos RR., o que aqueles cumpriram.”
- No “ 16. Os RR construíram um furo artesiano para recolha de aguas no subsolo e canalizaram-na por mais de 600 metros para a sua habitação.”
- No “20. Os Autores residem em frente ao prédio indicado em 1.”
- No “ 21. Os 2ºs Reus pagaram €2000 à empresa que efetuou o furo artesiano”;
- No “ 22. Licenciaram a agua de regadio que no local extraíram”;
Para tal invocam que atentos os meios de prova produzidos e conjugados chega-se a essa conclusão e contrária à da sentença.
A sentença motiva do seguinte modo a respeito da matéria dada como provada e que era controvertida: “ Para a resposta à matéria controvertida, fundou o tribunal a sua livre convicção na apreciação crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, com respeito pelas regras da experiência comum e do ónus da prova (artigo 342.º do Código Civil).
Foram analisados os documentos juntos aos autos, designadamente: escritura de compra e venda datada de 17/10/2013; caderneta predial de fls. 9, cheque de fls. 27 v.º, declaração de fls. 28, autorização de utilização de fls. 29 e ss. .
Foi valorada a prova pericial realizada, mormente quanto ao valor das obras realizadas no prédio em causa.
Arroladas pelos Autores foram ouvidas como testemunhas:
- JJ, 65 anos, agricultor e padrinho do A., referiu conhecer os 2os RR por serem vizinhos e ainda que a avó deu há mais de 20 anos o prédio indicado em 6 ao A e ele cultivou e tratou, até há 4 anos, tudo sem à vista de todos e sem oposição. Esclareceu que já em 2012 havia falado com o afilhado (A.) sobre a venda, uma vez que já se sabia que os 2º RR iam comprar, tanto que o 2º R marido havia pedido à testemunha para fresar o campo. De forma eloquente, referiu ainda que o A. é que lhe falou que já tinha ocorrido a venda.
- KK, 74 anos, irmã do A, sobrinha dos 1ºs RR e vizinha dos 2º RR, com quem referiu estar zangada, explicou que o prédio indicado em 6 foi doado ao A. pela avó, que sempre foi cultivado por este ou a mando deste e que por volta de 2019 é que viu o 2º R. no prédio indicado em 1 e disse ao irmão que veio de ..., foi ao notário e só aí tomou conhecimento do negocio.
- LL, 69 anos, pedreiro, cunhado do A, tendo referido conhecer os RR , mencionou que o prédio indicado em 6 foi doado ao A. pela avó e sempre foi trabalhado. No mais, afigurou-se ao Tribunal que esta testemunha se apresentou confundida, tendo prestado um depoimento imperceptível, mercê do estado alterado em que se encontrava, cujas razoes não se apuraram.
E arroladas pelos RR foram ouvidas:
- ..., 71 anos, trabalha na lavoura, refere que ajudou a construir um tanque no prédio indicado em 1 e a encanar a água para casa dos 2ºs RR., confirmando as demais benfeitorias ali realizadas.
- MM, 48 anos, trolha e genro dos 2ºs RR, referiu ter auxiliado nas obras de exploração de água no terreno para casa e que o sogro começou a ir com as ovelhas para o prédio logo que o comprou há cerca de 10 anos.
- NN, 47 anos, trabalhador da construção civil, referiu que estava numa obra , em 2013, a trabalhar e o 2º R passou e comentou que ia ver o terreno que tinha comprado.
- OO, 53 anos, comerciante, vizinha dos RR, refere que chegou a levar as ovelhas ao campo indicado em 1, e que há 9 anos, os 2º RR compraram esse prédio (recorda a data porque o pai faleceu em Março e a compra foi em Outubro), tendo iniciado obras de canalização da água, à vista de todos, incluindo os AA, que moram em frente a tal prédio.
- PP, 58 anos, domestica, referiu que o 1º R. é tio do A. e que estão zangados desde algum tempo antes da escritura.

As testemunhas arroladas pelo Autores demonstraram conhecimento quanto à forma como o A. adquiriu o prédio indicado em 6 e bem assim quanto aos actos de posse pelo mesmo ou por outros a seu mando, praticados quanto ao mesmo.
No mais, atentou-se ao depoimento da testemunha JJ que referiu que o A. era conhecedor da venda, pois havia sido o próprio a comentar consigo em momento prévio à escritura, donde se conclui que lhe foi dado o conhecimento. Este depoimento, conjugado com o facto dos AA residirem em frente ao prédio indicado em 1, que impõe que, pelo menos, tivessem visto as obras ali realizadas pelos RR, de alguma monta e, bem assim, os RR terem começado a passar no caminho de servidão que onera o prédio dos AA, formou a convicção do tribunal que os AA, até pela relação de parentesco, não podiam deixar de saber do negócio e dos seus elementos.
O depoimento da testemunha KK (único que corrobora a versão dos AA) não foi bastante para contrariar a convicção do Tribunal, até reforçada pelo decurso de largo período temporal, e pelo depoimento da testemunha NN, que referiu ter ouvido o 2º R a afirmar ter comprado o prédio indicado em 1, o que era do conhecimento geral.”
Vejamos.
Quanto à temática do conhecimento pelos AA. da compra e venda feita entre os RR., do prédio em causa, do preço e das condições de tal negócio, argumentam os AA que atenta a matéria não impugnada no ponto 10º dos factos provados, os AA antes da venda ocorrida em 17 de Outubro de 2013 não tiveram conhecimento de tais elementos, e conjugando tal facto com o depoimento das testemunhas que disseram que os AA vivem em ... e apenas vêm uma vez por ano a Portugal, nas férias do verão, então não poderiam ter conhecimento de tal venda nos dias seguintes a 17 de outubro e ainda nesse ano de 2013, para além de que as testemunhas quando se referem a tal conhecimento da venda apenas mencionam o autor marido e já não a A mulher. Acresce, aduzem ainda, que os apelantes entendem que a sentença apenas ponderou, no que se refere à motivação da prova de tais factos, as testemunhas: JJ e KK.
Salvo o devido respeito, cremos que os AA têm razão, pelo menos, em relação ao (des)conhecimento do preço da venda, pois quanto a este elemento essencial do negócio em causa não resulta de qualquer meio de prova produzido que os AA tivessem tido conhecimento do preço naquele ano de 2013.
Mas já resulta da conjugação da prova que os AA tiveram conhecimento da compra e venda e da identidade dos compradores- os 2ºsRR- do terreno em causa e ainda no ano de 2013.
E esta prova decorre:
. além do depoimento da testemunha JJ, padrinho do autor e que relatou ter sido o próprio autor quem lhe falou da ocorrência da venda do CC ( reportando tal conhecimento à data ao ano de 2012, mas claramente equivocado pois só poderia ter sido no ano de 2013, atenta a data da venda e o que foi falado foi já da venda consumada e esta ocorreu em Outubro de 2013) e ainda relatou que o próprio réu lhe pediu para “ fresar o campo que tinha comprado ao CC”;
. ainda da conjugação do depoimento da testemunha NN, o qual afirmou que ouviu em 2013 o réu a dizer “ acabei de comprar o terreno aqui ao lado”( recorda-se da data por ter andado a construir no ano de 2013 a casa do seu irmão e que fica ao lado do terreno em causa) e,
. ainda do depoimento de MM e OO ( recorda-se da data por ter sido o ano em que faleceu o pai) que confirmaram que as ovelhas dos 2ºs RR começaram a ir pastar para o dito terreno há cerca de 9/10 anos, aliás levadas, por vezes, pela própria testemunha OO.
Assim, no confronto de todas estas declarações convenceu-se este tribunal ad quem de que os autores tiveram conhecimento da venda do terreno, ainda no ano de 2013, e como a data da escritura é de Outubro de 2013, apenas poderiam ter tido conhecimento nos dias seguintes até ao fim do ano de 2013.
Efetivamente, ditam as regras da experiência comum que, em meios rurais pequenos, como é o caso da localidade onde se situa o terreno em causa, esses assuntos são comentados (e mais que comentados!) pela população em geral e mais a mais com as ovelhas a pastarem no terreno, aliás conforme realçado pelas testemunhas supra referidas. Portanto, é verosímil o aludido comentário sobre o assunto entre o próprio autor e o seu padrinho, testemunha JJ, não constituindo qualquer obstáculo a tal conhecimento o facto de os AA serem emigrantes em ... e regressarem todos os anos a Portugal nas férias do verão ou quando necessário, e nessa altura permanecerem a residir durante a sua estada na sua casa em Portugal.
Por conseguinte, tendo em conta a globalidade dos depoimentos das testemunhas inquiridas, confrontando-os com a matéria de facto impugnada, conclui-se que esta retrata com fidelidade e exatidão a prova produzida em audiência de julgamento, pelo menos, quanto ao conhecimento pelos AA da venda e da identidade dos adquirentes ( mas já não do preço, como veremos infra).
E não se diga que apenas sabia o autor marido e já não a A mulher, porquanto dizem-nos as regras da experiência comum que, podemos afirmar que, atenta a sua relevância para a economia comum, tais factos foram, naturalmente, comunicados pelo A. marido à A mulher, no âmbito do relacionamento normal e comum entre cônjuges que partilham interesses, preocupações e objetivos.
Sem embargo, nenhuma testemunha sabia dizer algo sobre o preço ou que os autores soubessem do preço e das condições da venda, por esse motivo não se prova que os AA tivessem tido conhecimento do preço daquela venda, naquela data de 2013.
Assim sendo, mantém-se o pontos 11 e  ponto 12º com exceção “do conhecimento do preço e condições respetivas”, matéria que irá constar dos factos não provados.

Ou seja, os pontos 11 e 12º ficarão com  a seguinte redação:
“11. Os Autores souberam da compra nos dias seguintes à venda mencionada em 1, ainda no ano de 2013.”
“12. Souberam que a compra foi efetuada pelos RR adquirentes”.

E nos factos não provados irá constar a alínea e) com a seguinte redação- Não se provou:
“ e)- que os AA souberam, em 2013, do preço e condições respetivas da compra referida em 11 e 12.”

Já o ponto 13º dos factos provados manterá a sua redação uma vez que decorre da prova testemunhal produzida, conforme supra mencionado, nomeadamente decorre dos depoimentos das testemunhas MM e OO.

O Ponto 20º dos factos provados, atenta a prova testemunhal produzida, deverá apenas sofrer uma correção, pois as testemunhas referiram de forma unanime que os AA ali vivem em frente ao prédio indicado em 1, na altura em que se deslocam de férias a Portugal, normalmente no verão e noutras alturas que seja necessário, aliás conforme foi referido pela irmã do autor marido- KK- que afirmou terem vindo a Portugal ao Notário e numa altura que não era de férias de verão ( cfr. data da certidão obtida e junta aos autos: Março de 2019).
Assim sendo, o ponto 20º deverá passar a ter a seguinte redação:
“ 20.    Os Autores residem em frente ao prédio indicado em 1, quando se deslocam a Portugal”.

Os pontos 16º e 21º e 22º dos factos provados referem-se às alegadas obras de construção de furo artesiano, canalização de água para habitação dos RR., pagamento à empresa que efetuou o furo, e licenciamento da água de regadio e que no local extraíram.
Os AA entendem, a respeito do furo artesiano, que este nem sequer foi feito no terreno em causa, e impugnaram os documentos juntos aos autos- doc 2 e 3 e entendem que também o relatório pericial nada diz a respeito.
Ora, ouvida a prova testemunhal em causa, verifica-se do depoimento das testemunhas ouvidas sobre a matéria- QQ, MM e OO- que foram feitas obras de canalização de água para a habitação dos RR, que a testemunha QQ ajudou a fazer “ um tanquinho para a água”, e que todos falavam na exploração da água, mas que nem sequer sabiam de onde vinha, pelo que nenhuma das testemunhas falou em furo artesiano. A testemunha QQ, a certa altura, fala de as máquinas fazerem um buraco, mas para que? Para o tanque? Para o anexo? Para o furo? Do relatório pericial também não resulta qualquer referência ao furo artesiano, podendo bem ocorrer, como também foi ventilado e consta do relatório pericial já existir uma mina e não ser necessário qualquer furo! A prova produzida não esclarece a realidade alegada.
Assim sendo, a existência do doc. 3 a permitir a realização do  furo vertical no prédio “ ...” ( igual à denominação do terreno dos autos), de per si, não é suficiente para se concluir que foi feito um furo com aquela autorização e que do mesmo extraíram água,  por outro lado, a cópia de um simples cheque com um valor de 2.000 e sem qualquer fatura ou recibo  a respeito da realização do furo artesiano e corroboração de alguém da empresa que fizesse tal furo por tal valor, igualmente não permite concluir pela prova do ponto 21 e primeira parte do ponto 16 e 22º, facto este que também diz respeito à realização do furo ( e não apenas à autorização para a realização do mesmo). Por outro lado, a perícia nada diz acerca da existência e realização do furo, mas tão somente fala de uma mina e canalização da água, descrevendo as obras ali feitas apenas como sendo um edifício ( anexo) e um tanque no valor de €1.459,50, valor em que se cifra o total das obras ali realizadas, aliás matéria de facto constante do ponto 23º dos factos provados e que não foi impugnado.
 Assim sendo, apenas se tendo provado a canalização da água para a habitação dos RR e já não a realização de furo deverá a redação do ponto 16º sofrer correção e os pontos 21º e 22º deverão ser dados como não provados e correspondendo às alíneas f) e g).
Assim sendo, o ponto 16º dos factos provados terá a seguinte redação:
“ 16.    Os RR canalizaram a água para a sua habitação”.
E a matéria de facto dada como não provada irá ser acrescentada das alíneas f) e g) com a redação dos pontos 21º e 22º
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Os AA igualmente impugnaram os factos constantes das alíneas a), b) e c) dos factos não provados.
Ora, as alíneas a) e b) respeitam a matéria que já não é controvertida porque não impugnado o ponto 10 dos factos provados e respeitantes à não comunicação da venda, tendo ficado provado “ 10. Aos autores não foi dado conhecimento da venda para usarem do direito de preferência que lhes cabia”.
Assim sendo é irrelevante a matéria de facto constante daquela alínea a)a)    A venda mencionada em 1 foi feita no maior sigilo entre os réus (vendedores e compradores”, a qual deverá ser eliminada.
A alínea b) dos factos não provados reza assim: “ b)      Desconhecendo os autores o projecto de venda, assim como as cláusulas do respectivo, máxime, o preço.”
Ora, deverá tal alínea igualmente ser eliminada sob pena de contrariar o que foi dado como provado naquele ponto 10º dos factos provados.
Igualmente deverá ser eliminada a alínea c) que reza assim : “ c) Os autores só tiveram conhecimento, através da certidão da escritura de compra e venda que obtiveram em 06 de Março, do presente ano de 2019.”.
Com efeito, apesar de ser matéria alegada pelos AA, na verdade, atento o ónus de prova que incumbia aos RR, teriam estes de alegar e provar a caducidade do direito de ação ( cfr. art. 342º,nº2 do CC), pois estamos no âmbito de matéria de facto concernente à caducidade do direito de ação, ou seja, a factos impeditivos e extintivos do direito dos AA.
Assim sendo, apesar da alegação dos Autores, o Tribunal quando efetua o julgamento da matéria de facto deve selecionar apenas a matéria de facto que corresponda à aplicação das aludidas regras do ónus da prova.
Nesta conformidade, como já se afirmava no Ac. da RP de 19.03.1971 in BMJ 205, 258 (citado pelo ac. da RL 21.10.2010 (relator: Manuel Gonçalves), in dgsi.pt “embora o autor tenha alegado, aliás sem necessidade, o seu conhecimento somente em (…) da venda efectuada (…) mesmo que desse facto não faça prova, isso não influirá na decisão, por a prova da extemporaneidade da acção incumbir ao réu, como se declara expressamente no art. 343º, nº 2 CC”.
Assim, podemos concluir que é o Réu – e apenas este – que tem o ónus de alegar e provar que o Autor/Preferente teve conhecimento dos elementos essenciais da venda há mais de seis meses, tendo por referência a data da propositura da ação (art. 1410º, nº 1 do CC).
Na verdade, nestas situações “o legislador terá entendido que seria mais fácil ao Réu provar a data em que o Autor teve conhecimento de determinado facto do que ao Autor demonstrar que não teve conhecimento da ocorrência do mesmo até certo dia (isto, mais uma vez, dentro da lógica da dificuldade da prova dos factos negativos) ” [1].
Nestes casos, pois, o art. 343º, nº 2 do CC opta pela primeira opção.
Na presente ação de preferência será, assim, aos RR. que caberá o ónus de alegação e prova da caducidade da ação.
Ora, a relevância destas regras do ónus da prova, que aqui sumariamente enunciamos, para a questão que se coloca nos presentes autos, contende com o facto de, nestas situações em que as duas partes alegam a factualidade (positiva e negativa) correspondente ao (não) preenchimento da caducidade da ação, o Juiz ao selecionar e proferir a decisão sobre a matéria de facto tem que ter em atenção qual das versões fácticas deve integrar o elenco dos factos que constituirão a fundamentação da sentença, tendo em conta as referidas regras do ónus da prova (não devendo pronunciar-se sobre as duas versões fácticas carreadas por cada uma das partes, a não ser que, por exemplo, tal possa ter relevância para efeitos de apuramento da existência de uma situação de litigância de má-fé e no caso a questão da má fé não é alvo de recurso).
Assim, quando as versões de ambas as partes incidam sobre a mesma factualidade (no caso, a caducidade da ação), o Tribunal só deve pronunciar-se sobre uma das versões alegadas pelas partes, devendo, para o efeito, “lançar mão das regras do ónus de alegação e prova, ou seja, nas palavras de Remédio Marques, o Juiz deverá privilegiar a versão do enunciado linguístico suscetível de respeitar a repartição do ónus da prova do facto em questão”[2]
Aqui chegados, e revertendo ao caso concreto, temos que os AA. alegaram os factos de que dependia a sua qualidade de preferente. Além disso, alegaram factualidade correspondente à negação da caducidade da ação.
No entanto, conforme se julga ter demonstrado, não lhe incumbindo o ónus da prova destes últimos factos, tal matéria de facto não deveria ter merecido resposta, já que, aplicando as referidas regras do ónus da prova, o tribunal apenas atendeu à versão fáctica que havia sido alegada pelos Réus, tendo em conta que era a estes que incumbia o ónus de prova dos factos de onde pudesse resultar a caducidade da ação.
Assim sendo, deverá ser eliminada tal resposta à matéria de facto, sendo certo que nesta fase de recurso, uma vez que nem sequer se discute a questão da má fé, tornar-se-ia igualmente inútil a sua apreciação.
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E o que dizer acerca do aditamento pretendido?
Os AA pretendem genericamente “  serem adicionados os confessados sobre a destruição da ramada existente quando da compra, para possível compensação com as obras realizadas no prédio, posteriores à venda e que constam do relatório pericial”.
Ora, desde já se diga, que não se vislumbra a concreta pretensão para além do que já consta dos factos provados no ponto 14º e no ponto 23º, pelo que nada mais há a apreciar, sob pena de se tratar de mera redundância, sendo certo que não foi feita sequer a referência a qualquer facto concreto a mais pretendido adicionar e com relevância para o desfecho da ação.
Por tudo, neste particular, improcede a impugnação.
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Considerando a alteração introduzida na decisão relativa à matéria de facto, estabilizada, é a seguinte a factualidade provada e não provada:
1. Por escritura de 17 de Outubro de 2013, lavrada no cartório notarial ..., da Lic. GG os réus CC e mulher DD, venderam ao réu EE, casado com a ré FF, um prédio rústico, sito na freguesia ..., deste concelho, identificado nos seguintes termos: “Prédio rústico composto por um terreno de vinha em ramada, com a área de duzentos e noventa metros quadrados, denominado “...”, sito no lugar ..., da dita freguesia ..., a confrontar do norte com caminho público, do nascente com herdeiros de HH e do sul e do poente com AA, descrito na Conservatória do Registo Predial, deste concelho sob o número ..., (…), inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...88, com o valor patrimonial de €: 138,75.
2. O dito prédio tem a área de 290 m 2
3. A venda foi efectuada pelo preço de €: 5.000,00 (cinco mil euros).
4. O referido prédio confronta do sul e do poente com o prédio do aqui Autor, AA.
5. O Prédio rústico, constituído por um terreno de cultura arvense de regadio e vinha em ramada, sito no lugar ..., da freguesia ..., com a área de mil e oitocentos e noventa metros quadrados, omisso na Conservatória do Registo Predial, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., onde figura como titular o autor marido, foi adquirido, pelo autor marido, por doação de sua avó, II, no estado de viúva, tendo a mesma, já falecido, mas que o fez em vida, no ano de 1995, no mês de Agosto.
6. Desde essa data, com exclusão de qualquer outra pessoa, sem qualquer violência, sem oposição ou contrariedade de ninguém, com continuidade ininterrupta, com o conhecimento geral das pessoas do meio, que os autores vêm e corporizada na poda e cultivo da vinha em ramada, colhendo as uvas, plantando videiras, semeando milho e ervas e aproveitando as demais utilidades do terreno.
7. Os prédios identificados em 1 e 5 são aptos e destinados para cultivo de vinha em ramada e outras plantações próprias para terrenos de regadio.
8. A venda do prédio indicado em foi feita a quem não era proprietário confinante.
9. Pelo terreno dos AA. é devida servidão de passagem para o prédio vendido.
10. Aos autores não foi dado conhecimento da venda para usarem do direito de preferência que lhes cabia.
11. Os Autores souberam da compra nos dias seguintes à venda mencionada em 1, ainda no ano de 2013.
12. Souberam que a compra foi efectuada pelos RR adquirentes.
13. Imediatamente após a venda, os RR adquirentes disseram aos AA para retirarem do terreno que haviam comprado as suas ovelhas que ali pastoreavam, para nele colocarem as ovelhas dos RR., o que aqueles cumpriram.
14. Os RR limparam o terreno e retiraram os postes e ramadas.
15. E construíram no terreno um anexo para ferramentas e enxadas de 6 m2 de área.
16. Os RR canalizaram a água para a sua habitação.
17. Os reus regularizaram a cota do terreno e desmontaram latadas de vinho.
18. Os Réus contrataram empreiteiros da freguesia, passaram a cruzar o terreno dos AA pela servidão de caminho.
19. Os 1ºs RR são tios do A.
20. Os Autores residem em frente ao prédio indicado em 1, quando se deslocam a Portugal.
23. Gastaram cerca de € 1459.50 em obras no local
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Factos não provados

Não se provaram os restantes factos alegados com interesse para a decisão da causa.
Designadamente, não se provou que:
-d) Com as obras realizadas no prédio identificado em 1 pelos 2ºs RR, este passou a ter o valor de € 56000.
e)- que os AA souberam, em 2013, do preço e condições respetivas da compra referida em 11 e 12.
f)  Os 2ºs Reus  construíram um furo artesiano para recolha de aguas no subsolo e pagaram €2000 à empresa que efectuou o furo artesiano;
g) Licenciaram a agua de regadio que no local extraíram.
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V. Reapreciação de direito.

Da reapreciação jurídica da causa, no sentido de saber se ocorreu o prazo de seis meses, previsto no n.º 1 do artigo 1410º do Código Civil, para a instauração da ação de preferência.
A decisão recorrida declinou o direito dos AA preferirem na venda do prédio rústico em causa nestes autos (denominado “ ...”) na base da consideração que os AA. tiveram conhecimento da venda, dos adquirentes, do preço e condições do negócio no ano de 2013 e instauraram a presente ação em 11-06-2019, ou seja, decorridos mais de seis meses após o conhecimento da venda.
Os AA. divergem argumentando que os RR não provaram, como lhes incumbia, haverem-lhe dado conhecimento do projeto da venda, nos termos previstos pelo artº 416º do CC, que só tiveram conhecimento das cláusulas da venda em Março de 2019, data em que obtiveram uma certidão da escritura de compra e venda e que à data da propositura da ação (29/9/2011), estavam em tempo de exercer o direito de preferência.
Desde já se diga que nos presentes autos encontra-se definitivamente adquirido para os autos, por força do caso julgado que se formou (cfr. n.º 5 do artigo 635.º do CPC), que os autores são efetivamente titulares do direito de preferência fundado na confinância ( cfr. art. 1380º do CC), por isso, os AA apelantes restringiram, essencialmente, o recurso interposto à questão de saber se o direito de ação foi tempestivamente exercido ou antes se encontrava já extinto por caducidade à data da instauração da ação, conforme defenderam os RR e a sentença acima concluiu.
Sem embargo, e atenta a alteração à matéria de facto supra importa averiguar, pois, se se verifica a exceção perentória da caducidade invocada pelos RR.
Com efeito, ficou provado o seguinte, para além de que não lhes foi comunicada a venda anteriormente:
“ Os Autores souberam da compra nos dias seguintes à venda mencionada em 1, ainda no ano de 2013 e souberam que a compra foi efectuada pelos RR adquirentes”, mas já não tiveram conhecimento nessa data do preço e condições da venda.
Assim sendo, resta-nos analisar se a prova do conhecimento daqueles elementos-conhecimento da venda e da identidade dos adquirentes e já não do preço- é bastante para se concluir que tiveram conhecimento dos elementos essenciais do negócio.
O preferente, como resulta do artigo 1410º do C.C., a quem não se dê conhecimento da venda tem direito de haver para si a coisa alienada, contanto que o requeira no prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação e deposite o preço devido, no prazo legal.
No que concerne a este conhecimento, entende-se que não é necessário que o preferente conheça em todos os pormenores as cláusulas da venda para começar a correr contra ele o prazo de caducidade fixado na lei; mas também não é suficiente para o efeito a mera notícia de que o proprietário vendeu a coisa; basta mas é indispensável ao mesmo tempo que o preferente tenha conhecimento de todos os elementos essenciais da alienação. cfr. A. Varela, RLJ, Ano 100, pág. 225.
Assim, é determinante para a contagem do prazo, não a data do conhecimento da venda, mas antes a data do conhecimento dos elementos essenciais da alienação, isto é, todos os elementos capazes de influir decisivamente na formação da vontade de preferir ou não e que sendo elementos reais do contrato possam ter importância no estabelecimento dessa decisão num sentido ou noutro.
Ora, todo o esforço probatório realizado pelos RR, como analisamos, dirigiu-se apenas àquela primeira realidade, ou seja, provar que os Autores tinham conhecimento de que os RR eram os (novos) proprietários.
Sucede que o aludido prazo não se conta a partir desse mero conhecimento da mudança da titularidade do(s) prédio(s) em discussão, mas sim da data em que alegadamente os Autores teriam tido conhecimento de todos aqueles “elementos essenciais da alienação”.
Vejamos, então, em que é que se traduz esta diferença.
Uma coisa é o mero conhecimento, da parte dos Autores, de que a titularidade da propriedade sofreu alterações.
Outra coisa bem mais exigente - e plenamente justificada em face do direito de preferência de que os Autores beneficiavam - é a alegação e prova da data em que aquele teve conhecimento dos aludidos elementos essenciais da alienação – pois que só nesse momento é que o Autor/Preferente poderia ponderar se lhe interessava o exercício do direito de que era detentor.
Na verdade, neste âmbito, se bem que se entenda que não é necessário que o preferente conheça em todos os pormenores as cláusulas da venda para começar a correr contra ele o prazo de caducidade fixado na lei, é pacífico o entendimento de que não é suficiente, para o efeito, a mera notícia de que o proprietário vendeu a coisa ou o conhecimento genérico que este a vendeu.
Com efeito, entende-se que, para este efeito, é indispensável que o preferente tenha conhecimento efetivo de todos os elementos essenciais da alienação.
Agostinho Cardoso Guedes[3] depois de explicar a razão das diferenças da comunicação referida no artr. 1410º e no 416º do CC e o aligeiramento registado naquele primeiro preceito em confronto com as exigências de comunicação formuladas pelo artigo 416.º , conclui o seguinte a respeito do art. 1410º do CC:
Na verdade, os elementos essenciais da alienação” a que esta norma alude referem-se a uma alineação já efetuada e, portanto, não faz sentido perguntar o que seria importante aquele preferente conhecer para decidir se quer ou não exercer o seu direito, mas sim o que, em abstrato e dentro dos dados objetivos de uma alienação já efetuada, deverá ser importante para alguém decidir se quer ou não adquirir certo bem em condições já determinadas. O preferente carece de conhecer as cláusulas que, objetivamente, constam do contrato celebrado e, entre estas as que, em abstrato, são necessárias para que o sujeito, também abstrato, possa decidir se quer ou não acompanhar.
A conclusão que se impõe parece ser só uma: o art. 1410º,nº1 do CC basta-se com o conhecimento por parte do preferente da alienação propriamente dita, com a identificação do bem alienado, e do sacrifício económico global suportado por terceiro na aquisição, que será também aquele que o preferente terá de suportar se efetivamente exercer a sua prioridade de aquisição.
Não pode ser de outra maneira sem se colocar em risco a segurança do tráfico da própria boa fé.
De facto, se a lei atendesse aos elementos essenciais para aquele preferente em concreto, ou mandasse contar o prazo para o exercício do direito a partir do momento em que o preferente tivesse conhecimento de todas as cláusulas do contrato celebrado, permitir-lhe-ia manipular o prazo d caducidade prolongando-o quase indefinidamente, pois seria permitido ao preferente continuar a alegar o desconhecimento dos elementos que ele reputaria essenciais ou esperar o tempo que lhe conviesse para conhecer as demais cláusulas do contrato, assim prolongando a situação de incerteza com evidentes prejuízos para a segurança do tráfico.”

Revertendo para o caso sub judicio, elementos essenciais da alienação para efeitos do decurso do prazo de caducidade previsto no artº 1410º, do CC, em casos como o dos autos, são o conhecimento da venda, a identidade do terceiro adquirente e o preço.
Ora, no caso concreto, competia exatamente aos RR alegar e provar que os AA., há mais de 6 meses à data da propositura da ação, tinham conhecimento destes elementos essenciais da alienação (cujo conhecimento era aqui também exigível demonstrar), nos quais se engloba o preço da venda.
Com efeito, e conforme é pacífico na doutrina e na jurisprudência, por decorrer da letra da lei, o prazo conta-se a partir da data em que o preferente teve conhecimento não da venda, mas dos referidos elementos essenciais da mesma.
Daí que, para correr tal prazo, mostrava-se necessário apurar que os preferentes sabiam, no mínimo, além da venda e identidade dos adquirentes, ainda do preço, pois que todos esses elementos são determinantes para formar a sua vontade de exercer o direito, ou não.
E, no caso vertente, apesar de se ter provado que os AA tiveram conhecimento da venda e da identidade dos compradores, em 2013, sem embargo, não se provou que nessa data também tivessem tido conhecimento do preço da compra e venda e tal prova incumbia aos RR fazer, como vimos.
Na verdade, e conforme já se referiu, os RR dirigiram todo o seu esforço probatório no sentido de procurar demonstrar apenas que os Autores tinham conhecimento da alteração da titularidade da propriedade com anterioridade ao prazo legal de seis meses, mas, o que os RR tinham que demonstrar, em termos factuais, era antes que os Autores tinham com anterioridade à data da instauração da ação, conhecimento efetivo dos sobreditos elementos essenciais da venda (há mais de seis meses), nomeadamente do preço da venda e não apenas conhecimento da venda e da identidade do comprador.
Sucede que, colocando o enfoque naquela primeira realidade fáctica, os RR não só soçobraram na prova da mesma, como, além do mais, não chegaram a produzir qualquer prova sobre tal realidade fáctica.
Por todo o exposto, improcede a exceção de caducidade que incumbia aos RR provar.
Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, ocorrendo violação dos normativos invocados pelos apelantes, referentes à caducidade devendo, por isso, a decisão recorrida ser revogada.
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Assim sendo, nos termos do art. 665º,nº2 do CPC importa que este Tribunal da Relação conheça das questões suscitadas pelas partes e que o tribunal a quo julgou prejudicadas, uma vez que se entende que os autos contêm todos os elementos necessários para a decisão.
Ora, atentos os factos dados como provados é inequívoco, como já mencionámos e a própria sentença já tinha analisado, a violação do direito de preferência dos AA, e o consequente reconhecimento do direito de preferência e os efeitos que tal reconhecimento operou na posição substantiva das partes contraentes, tal como pedido pelos AA.
Em verdade, nesta ação de preferência, intentada nos termos do art. 1380 CC, aos autores apenas cabia alegar e provar os factos de que resulta a sua situação de preferentes, o que fizeram tal como reconhecido na sentença e é caso julgado, ou seja: a) que foi efectuada venda de prédio com área inferir à unidade de cultura; b) que o preferente é dono de prédio confinante com o alienado; c) que o prédio do preferente tem área inferior à unidade de cultura; d) que o adquirente do prédio não é proprietário confinante.
Por outro lado, recairia sobre os RR o ónus da prova dos factos relativos à comunicação e ao exercício extemporâneo do direito de preferência, nomeadamente que a ação foi intentada mais de seis meses após o conhecimento dos elementos essenciais da alienação, o que não lograram efetuar.
Pelo exposto, julga-se a ação procedente e condena-se os réus a reconhecer, aos autores, o direito de preferência na venda do prédio constante da escritura referenciada no artigo 1º da petição, substituindo-se, nessa venda, os autores aos réus adquirentes EE e mulher FF, abrindo, estes, mão do mesmo prédio em favor dos autores, a fim de estes o haverem, ficando-lhes a pertencer para todos os efeitos legais, mediante o preço de aquisição e custo da escritura, e demais impostos (IS e IMT) devendo, ainda, decretar-se a anulação e cancelamento de qualquer registo de transmissão, consequente daquela venda e condenar-se nas custas a quem de direito for.
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E o que dizer em relação aos pedidos (reconvencionais) formulados pelos RR?
Estes é que não foram de todo apreciados.
Os RR fundamentaram o pedido reconvencional na base da alegação de que com os investimentos que fizeram no valor de € 2.000 no furo, 4.000€ em obras e têm licenciada extração de água que no local extraíram, encontrando-se o terreno limpo e melhorado, o terreno valorizou-se no montante de € 56.000.
Pedem, assim, a condenação dos AA no pagamento do valor total de € 61.573,96 e correspondente ao valor da valorização do imóvel-€ 56.000 e valor de € 5.573,94 correspondente ao valor que pagaram pela aquisição do terreno.
Ora, não lograram os RR provar a alegada valorização do terreno e apenas se provou que os RR fizeram obras no valor da quantia de € 1.459,50.
Sem embargo, não foi tal quantia peticionada a qualquer título, sendo certo que que não foram sequer alegados, nem provados, factos,  de modo a se concluir por uma qualquer benfeitoria suscetível de indemnização por um qualquer enriquecimento sem causa por parte dos AA. a respeito das obras realizadas e naquele valor de € 1.459,50, pelo que o pedido reconvencional no que se refere à peticionada valorização de € 56.000 terá de soçobrar e apenas terão os RR direito ao valor do preço pelo qual pagaram e encontra-se depositado nos autos.
Em verdade, ainda que se qualificassem de benfeitorias as obras realizadas no terreno no valor de 1.459,50 e respeitantes a um tanque e uns anexos, na verdade, nada mais foi alegado parta além da simples valorização do imóvel, valorização essa que não foi provada.
Porém, não se tratando de benfeitorias que tivessem por finalidade evitar a perda, a destruição ou deterioração do prédio (benfeitoria necessária), para que as mesmas pudessem ser consideradas úteis, teria de ter sido alegado, e provado, que, apesar de não serem indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentaram o valor.
Tais factos não foram, porém, alegados (e provados) pelos RR, competindo-lhes a eles o ónus da prova (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Sempre se dirá que, quanto ao tanque e anexos, por se tratar de uma propriedade de vinha em ramada, competia aos Apelantes alegarem quais os motivos por que, naquela situação em concreto, tais obras implicaram um aumento do valor do prédio objeto da ação de preferência, o que manifestamente não fizeram.
Por tudo o exposto, o pedido formulado pelos RR quanto à valorização do imóvel terá de soçobrar, bem como qualquer eventual pagamento pelas obras supra elencadas.
Assim sendo, apenas terão direito os 2ºsRR ao pagamento do preço pelo qual pagaram a aquisição do imóvel e que se mostra depositado e no que vão condenados os AA.
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V- DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, as Juízes desta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Guimarães acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida e, entendendo ser improcedente a exceção perentória da caducidade do direito, consideram a ação procedente por provada e, em consequência:
A)- os réus são condenados a reconhecer, aos autores, o direito de preferência na venda do prédio constante da escritura referenciada no artigo 1º da petição, substituindo-se, nessa venda, os autores aos réus adquirentes EE e mulher FF, abrindo, estes, mão do mesmo prédio em favor dos autores, a fim de estes o haverem, ficando-lhes a pertencer para todos os efeitos legais, mediante o preço de aquisição e depositado nos autos devendo, ainda, decretar-se a anulação e cancelamento de qualquer registo de transmissão, consequente daquela venda;
B) - Julga-se a reconvenção parcialmente procedente e, consequentemente, decide-se que terão direito os 2ºsRR à restituição do preço de € 5.573, 94 pelo qual pagaram a aquisição do imóvel e que se mostra depositado e no que vão condenados os AA e no mais absolvem-se os Autores/Reconvindos do peticionado;
C)- Condenam-se os RR no pagamento das custas processuais.
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Guimarães, 17 de outubro de 2024

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira
Sandra Melo e
Conceição Sampaio


[1] Helena Cabrita, in “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, pág. 134.
[2] Helena Cabrita, in “A fundamentação de facto e de direito da decisão cível”, pág. 160.
[3] in Exercício do Direito de Preferência, páginas 649 e seguintes, Dissertação apresentada para doutoramento em Ciências Jurídico Civilísticas, na Universidade católica em Julho de 2004, Publicações Universidade Católica, Porto 200