Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
232/10.3TBAVV-B.G1
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE PARENTAL
ALTERAÇÃO
ALIMENTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - O superior interesse da criança deve estar sempre presente em cada caso concreto e, com ele, pretende-se assegurar um desenvolvimento harmonioso da criança ou jovem, tendo em conta as suas necessidades, bem como a capacidade dos pais para as satisfazer e ainda os valores dominantes no meio envolvente.
II - Aos progenitores compete criar para os filhos uma condição de vida que corresponda a um patamar normal dentro das condicionantes sócio-económicas de que disponham.
III – Devendo a contribuição de cada um ser fixada de modo a conseguir que ambos os pais se sintam “implicados” e “responsáveis” pelo bem-estar dos filhos.
IV - E, independentemente das concretas circunstâncias de cada caso, mostra-se igualmente decisiva a maturidade dos pais, que devem saber pôr os filhos em primeiro lugar, mostrar civismo em prol dos mesmos, pela simples razão de que os filhos precisam de ambos e, muito importante, não foram ouvidos na decisão ou no acto, do acaso, de que resultou o seu nascimento.
V - Em sede de fixação de pensão de alimentos, há que ponderar que as necessidades dos filhos sobrelevam a disponibilidade económica do progenitor devedor de alimentos, devendo estes em momentos menos propícios adequar as suas despesas aos seus rendimentos, cientes que a assunção da responsabilidade parental impõe que as necessidades dos filhos tenham uma importância prevalecente e prioritária.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
O requerente, Joaquim ..., veio requerer contra a requerida, Maria ..., alteração do exercício das responsabilidades parentais, relativas à menor, filha de ambos, Matilde ..., nascida em 29/05/2008, pretendendo o requerente que seja reduzido o valor da pensão de alimentos fixada na quantia mensal de € 125,00 que ficou obrigado a pagar à sua filha, devendo ser alterada a prestação de alimentos anteriormente fixada para um valor nunca superior a € 50 (cinquenta euros).
Para fundamentar a sua pretensão alega, em resumo que, actualmente, se encontra desempregado, constituindo o seu único meio de subsistência o rendimento que aufere a título de subsídio de desemprego, de cerca de € 400,00, alegando diversas despesas e concluindo que não tem as mínimas possibilidades de pagar o montante fixado, o que alicerçou já um incidente de incumprimento.
Notificada para o efeito a progenitora, Maria ..., detentora da guarda da menor, pronunciou-se nos autos, nos termos exarados nas alegações que aqui se consideram integralmente reproduzidas, juntas a fls. 20 e ss., alegando que a quantia proposta de € 50,00, constituem um manifesto deconhecimento dos gastos diários de uma criança com aproximadamente 4 anos, requerendo que se mantenha a regulação do exercício das responsabilidades parentais, mantendo-se o valor da prestação fixada de €125 com as devidas atualizações anuais.

Designou-se dia para uma conferência de pais, (artº 175 ex vi do artº 182, nº 4, da OTM) onde não foi possível obter qualquer acordo, tendo sido o requerente e a requerida notificados para alegarem e solicitada a elaboração de relatórios sociais, cfr. artº 178, nºs 1 e 3, da OTM.

A requerida alegou nos termos que constam a fls. 32 e ss., pedindo que se mantenha o valor da prestação fixada de € 125 com as devidas atualizações anuais.
O requerente alegou nos termos que constam a fls. 39, rogando que a prestação alimentícia seja fixada num valor proporcional aos seus rendimentos.
Foram juntos os relatórios sociais a fls. 48 e ss., de 24.8.2012 e 52 ss., de 21.8.2012, respectivamente, relativos ao requerente e à requerida.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, conforme resulta da acta de fls. 63 e ss., tendo sido proferida sentença que terminou com a seguinte decisão:
“Nos termos do exposto, julgo improcedente a presente acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais intentada por Joaquim ... contra Maria ..., relativamente à menor Matilde ....
Custas a cargo do Requerente Joaquim ... – artigo 446.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 161.º da OTM.”

Inconformado com esta decisão dela interpôs o requerente recurso de apelação, cujas alegações a fls. 73 ess., terminou com as seguintes CONCLUSÕES :
A. A sentença de que ora se recorre julgou [totalmente] improcedente a acção de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais intentada pelo Recorrente contra a Recorrida Maria ..., relativamente à [filha] menor [de ambos] Matilde ....
B. Na referida acção, o Recorrente peticiona unicamente que a obrigação de prestação alimentícia seja fixada num valor proporcional aos seus rendimentos, de modo a poder cumpri-la, concretamente, €75.
C. No acordo de regulação das responsabilidades parentais, homologado por sentença exarada nos autos principais e datada de 03/05/2010, o Recorrente ficou obrigado a prestar a quantia de alimentos mensal de €125, com actualização mínima de 3% ao ano. Tal quantia ascende, actualmente, a €136,59.
D. O Recorrente ficou ainda obrigado a suportar metade das despesas de saúde, escolares e medicamentosas [cfr. ponto 1.2 dos factos provados]. Actualmente, metade das despesas escolares correspondem ao montante mensal de €64,90 [€129,80/2 – cfr. pontos 1.2 e 1.4 dos factos provados].
E. Assim sendo, actualmente, a título de pensão de alimentos, o Recorrente está obrigado a pagar o montante mensal de €201,49, ao que acresce ainda metade das despesas de saúde e medicamentosas.
F. Precede esta acção de alteração já um incidente de incumprimento, pois o Recorrente não tem vindo a consegui honrar integralmente a mencionada pensão de alimentos e despesas.
G. De acordo com o relatório sócio-económico e social relativo ao Recorrente este encontra-se desempregado desde 13/09/2011, auferindo subsídio de desemprego no valor de €413,40 mensais; recebe apoio dos seus pais; tem como despesas mensais: € 225 de renda da habitação, empréstimo bancário na Caixa de Crédito Agrícola no valor de € 170; água, luz, gás, alimentação e vestuário [cfr. ponto 1.3 dos factos provados] – sublinhado nosso.
H. Segundo conclui o mesmo relatório, “Tendo em conta os factos apresentados, parece-nos que o requerente, Joaquim ..., não reúne as condições económicas para assegurar o pagamento da pensão de alimentos inicialmente decretado, comprometendo-se apenas com o pagamento de 75€ mensais. Somos de parecer favorável à responsabilização do progenitor pelo pagamento do valor da pensão de alimentos estabelecido…” - sublinhado nosso.
I. Inexistem factos não provados.
J. O tribunal a quo, na sua motivação, refere unicamente que “Entendemos que as [condições económicas e profissionais] pecam por defeito quanto aos rendimentos, pois resulta existir clara disparidade entre os rendimentos e as despesas, o que, de acordo com as regras da experiência, aponta para uma ocultação dos rendimentos daquele, mormente profissionais” (sublinhado nosso).
K. Ora, salvo o devido respeito, é manifestamente arbitrária, injusta e ilógica a conclusão retirada, por manifestamente falsa.
L. Em primeiro lugar, pensamos que, se o tribunal a quo entendia que faltavam elementos - que não se vislumbra quais seriam, diga-se – competia-lhe investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar inquéritos e recolher as informações convenientes – cfr. artigo 1409.º, n.º 2, do CPC, ao invés de proferir uma decisão para a qual não estava totalmente preparado, isto já considerando que o obrigado Recorrente nada mais podia provar com interesse para a decisão dos autos, pois já tudo provou.
M. O dever de fundamentação das decisões visa de uma banda; “impor ao juiz um momento de verificação de controlo crítico da lógica da decisão”, e “permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação”, e de outro, “tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão.” – Vd. Ac. TC nº 304/88, de 14/12 no BMJ 382/230 e no DR, II Série, de 11/04/1989 (sublinhado nosso).
N. Temos, pois, para nós, que é ilógica e arbitrária a decisão do tribunal.
O. Senão, vejamos: O rendimento do Recorrente é de €413,40 [cfr. ponto 1.3 dos factos provados] e as suas despesas atingem, em média, cerca de €535,00, pelo que, matematicamente, é verdade, há um “saldo negativo”, de cerca de €120,00.
P. Porém, o tribunal esquece redondamente que o Recorrente, actualmente,infelizmente, não honra por completo/na íntegra todos os seus compromissos, mormente, o da renda de casa, do empréstimo bancário e da própria e prioritária pensão de alimentos.
Q. O facto de existir um saldo negativo, nada tem que ver com uns infundados rendimentos misteriosos. São, isso sim, mais um exemplo do actual flagelo social em que muitos Portugueses vivem.
R. Menciona ainda o tribunal a quo que o Recorrente podia viver com um familiar, descurando totalmente, enfim, que o Recorrente sempre trabalhou em Paredes de Coura, pelo que considera que é nesta localidade ou arredores que pode mais facilmente arranjar emprego e que os seus pais (única família que tem) residem no distrito de Braga e não têm condições para o albergar.
S. A sentença, em suma, com base na factualidade em que se baseia, não pode retirar, segundo padrões de lógica, com base no estado actual das coisas (economia, emprego, modo de vida, etc), as conclusões que retira, seja por falta de fundamentação ou errada apreciação das provas, sob pena de viabilizar outras conclusões infelizes.
T. Para além disto, também as referências genéricas constantes na sentença não podem entender-se como satisfazendo o mínimo de fundamentação.
U. Se o Recorrente não se deparasse com problemas financeiros não recorreria à presente acção, aliás, se não vivesse numa situação muito precária não fazia uso deste processo. È evidente, pois, que os seus rendimentos são poucos e as despesas elevadas.
V. Agora, não pode é o tribunal condenar o Recorrente em algo que este não pode, como é lógico, cumprir.
W. O Recorrente quer cumprir, mas roga que esse cumprimento ocorra dentro daquilo que são as suas possibilidades económicas actuais.
X. O direito a alimentos é um direito actual, pelo que os alimentos têm que corresponder às possibilidades do obrigado e às necessidades do alimentando no momento.
Y. Deverá atender-se às receitas e às despesas do obrigado e salvaguardar um mínimo de auto-sobrevivência ou reserva mínima de auto-sobrevivência.
Z. A sentença recorrida violou, entre outros, o art.º 2004º do Código Civil, pois resulta da factualidade provada que o Recorrente não tem capacidade para cumprir a prestação de alimentos em que foi condenado.
AA. €201,49 mais metade das despesas de saúde e medicamentosas, é um valor desproporcional para quem tem rendimentos de €413,40, e doloroso para quem quer cumprir.
BB. Para além disso, o Recorrente desconhece os menores Manuel ... e José ... identificados pelo tribunal a quo na página 7, que não fazem parte destes autos.
CC. Com cuidado e ponderação, e jamais esquecendo o superior interesse da criança, julga-se que fixando-se, neste momento da vida do Recorrente, uma pensão de alimentos no montante de €75,00, se fará JUSTIÇA.
NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO E, consequentemente:
- ser revogada a sentença do tribunal recorrido e substituída por outra que fixe o valor da pensão de alimentos no montante de €75,00 ou noutro valor que se julgue proporcional com os seus rendimentos.
FAZENDO-SE, ASSIM, JUSTIÇA.

A recorrida contra-alegou nos termos que constam a fls. 84 e ss., concluindo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo a douta decisão do Tribunal a quo.

Admitido o recurso e notificado das alegações de recurso, o Ministério Público apresentou resposta que terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
I – A decisão sob recurso que decidiu indeferir a alteração de alimentos requerida pelo recorrente, mantendo a pensão de alimentos anterior, não enferma de qualquer vício, nomeadamente de falta de fundamentação ou outro.
II – Comparando os rendimentos do recorrente à data da fixação da pensão de alimentos com o rendimento actual, não se verifica uma alteração económica e financeira manifestamente pior que legalmente justifique uma alteração da prestação – artº 2012, do Código Civil.
III – Sendo certo, que as necessidades do menor à pensão de alimentos não se alteraram para melhor.
IV – O superior interesse da criança impõe que se mantenha inalterada a prestação de alimentos anteriormente fixada, uma vez que este interesse prevalece sobre o interesse egoísta do obrigado à prestação - artº 180º, da OTM.
V - A prestação de alimentos anteriormente fixada pelo tribunal, revela-se adequada e proporcional às capacidades deste e às necessidades do menor.
VI – Não se mostra violado, pelo contrário, o disposto no artº 2004, do Código Civil.
Termos em que, nestes e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e manter-se a decisão sob recurso, nos seus precisos termos.
Assim fazendo V. Exas a costumada JUSTIÇA!

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Conforme resulta do disposto nos artºs. 684º nº 3 e 685º-A nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação do recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Perante as conclusões da alegação do recorrente a única questão sob recurso consiste em apreciar se será de manter o montante que foi fixado de € 125 para o recorrente prestar, a título de alimentos, a favor da sua filha menor, ou se deve aquele ser alterado e fixada a prestação mensal em 75 €, como defende no recurso.

II – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
1 - Discutida a causa, provaram-se os seguintes factos com relevo para a decisão:
1.1. − Matilde ... (nascida em 29/05/2008) é filha de Joaquim ... e de Maria ....
1.2. − Por acordo de regulação das responsabilidades parentais, homologado por sentença proferida em 31/05/2010, nos autos principais n.º 232/10.3TBAVV, foi estabelecido o seguinte regime:
“1º) A menor fica a residir com a mãe, à qual caberá o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da sua vida.
2º) O pai poderá visitar a menor sempre que pretenda, sem prejuízo dos seus períodos de repouso e escolares e desde que comunique as suas visitas com antecedência mínima de 48 (quarenta e oito) horas.
3º) As datas festivas serão passadas com a mãe, sem prejuízo da visita do pai se assim o entender.
4º) O pai poderá ainda visitar a menor no dia do pai, aniversário da menor e aniversário do próprio.
5º) O pai pagará, a título de alimentos, a quantia mensal de 125,00 € (cento e vinte e cinco euros), a depositar na conta com o NIB ........., a qual será paga até ao dia 10 de cada mês e terá início no próximo mês de Junho de 2010
6º) Esta quantia será actualizada anualmente em função da taxa de inflação publicada pelo I.N.E., no mínimo de 3%, a começar no mês de Janeiro de 2011.
7º) As despesas escolares, de saúde e medicamentosas serão suportadas pelos progenitores em partes iguais, mediante a prévia apresentação de recibo.”
1.3. − De acordo com o relatório sócio-económico e social relativo a Joaquim ... este encontra-se desempregado desde 13/09/2011, auferindo subsídio de desemprego no valor de € 413,40 mensais; recebe apoio dos seus pais; tem como despesas mensais: € 225 de renda da habitação, empréstimo bancário na Caixa de Crédito Agrícola no valor de € 170; água, luz, gás, alimentação e vestuário.
1.4. − De acordo com o relatório sócio-económico e social relativo a Maria ... é educadora de infância no Jardim-de-infância da Santa Casa da Misericórdia dos Arcos de Valdevez desde 2007 auferindo € 697 mensais; a menor tem como prestações € 31 de abono e € 125 de pensão de alimentos; como despesas mensais mais relevantes apresenta: € 129,80 de infantário e uma prestação bancária de € 240 pela aquisição de uma viatura.
2 - Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão a proferir.

B) O DIREITO
Segundo o artº 1906° nºs. 1 e 3 do Código Civil (na redacção conferida pela Lei nº 61/2008 de 31/10), “as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores (...)”, sendo que “o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente”.
Estabelece o nº 5 do mesmo preceito que “o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.
E acrescenta, ainda, o nº 7 do referido normativo que, “o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.
Por seu lado, preceitua o art. 180º da OTM, que, na sentença, “o exercício do poder paternal será regulado de harmonia com os interesses do menor”.
Vemos, assim, que na regulação do exercício das responsabilidades parentais deverão ser observados, entre outros, os princípios fundamentais do interesse dos menores e da igualdade entre os progenitores, atendendo-se, prioritariamente, ao interesse do menor, sem prejuízo da consideração de outros interesses legítimos que concorram no caso concreto.
É certo que, a lei não define o que deve entender-se por interesse do menor, sendo o mesmo um conceito genérico, vago e abstracto, de modo a permitir ao julgador concretizá-lo e conformá-lo consoante os contornos de cada caso concreto.
Se lermos Almiro Rodrigues, in “Interesse do menor, contributo para uma definição”, Revista Infância e Juventude, nº 1, 1985, 18-19, citado por Tomé d’Almeida Ramião, in “Organização Tutelar de Menores, Anotada e Comentada”, 9ª ed., pág. 28, vemo-lo definido como “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.
Por sua vez se lermos o Ilustríssimo Conselheiro, Sr. Dr. Armando Leandro, in “Poder Paternal : Natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária”, Temas do Direito da Família – Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Almedina, pág. 119, temos que as “responsabilidades parentais” não são “um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral”.
Sendo o menor titular de direitos juridicamente reconhecidos, considera-se que a tónica deverá ser colocada no desenvolvimento da personalidade da criança e no seu bem-estar material e moral, numa situação jurídica de plena igualdade entre os pais, encorajando-se os pais a cumprirem as suas tarefas em harmonia – depois de consultarem os filhos, sempre que isso pareça indicado – contribuindo para conseguir que ambos os pais se sintam “implicados” e “responsáveis” pelo bem-estar dos filhos.
Importa, pois, afirmar a unidade da responsabilidade dos pais, mesmo quando não vivam juntos, em relação ao filho e encorajar a colaboração entre eles, quando se trata de assegurar o bem-estar moral e material deste.
Mas, independentemente das concretas circunstâncias de cada caso, mostra-se igualmente decisiva a maturidade dos pais, que devem saber pôr os filhos em primeiro lugar, mostrar civismo em prol dos mesmos, pela simples razão de que os filhos precisam de ambos e, muito importante, não foram ouvidos na decisão ou no acto, do acaso, de que resultou o seu nascimento.
Ora de acordo com os normativos, que temos vindo a citar e, ainda, com o estipulado no artº 1905º do Código Civil, o processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais tem por objecto decidir do destino dos filhos, fixar os alimentos a estes devidos, forma da respectiva prestação e ainda fixar o regime de visitas no tocante ao progenitor que não tem a seu cargo as crianças.
Como é evidente, na prossecução da aludida finalidade deverá sempre que possível privilegiar-se de igual forma uma solução de consenso com respeito pelo interesse do menor, devendo o Tribunal recusar uma solução que não defenda adequadamente tal interesse; e na falta de consenso decidirá o Tribunal sempre orientado por aquele escopo.
No caso, conforme consta do ponto 1.2 dos factos que ficaram provados, existiu aquele priveligiado consenso, que foi homologado por sentença, nomeadamente, quanto ao montante a pagar pelo pai a título de alimentos, que agora pretende seja reduzido.
Ora, conforme sabido, uma vez regulado o exercício das responsabilidades parentais, pode esse regime acordado sofrer alterações.
Com efeito, o artº 182º nº 1 da OTM estatui que “quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer dos progenitores ou o curador podem requerer ao tribunal que no momento for territorialmente competente nova regulação do poder paternal”.
No caso em análise, não estando em causa o destino da menor, nem o regime de visitas no tocante ao progenitor/pai que não tem a seu cargo a menor, resta apenas encarar em pormenor a obrigação alimentar, que o pai, aqui recorrente, pretende ver modificada.
O dever de alimentos está englobado no conjunto dos deveres inerentes ao poder paternal. Assim, o artº 1878 nº 1 do Código Civil refere que “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.
Vigorando o poder paternal, a lei pressupõe que o menor não irá cair numa situação a que os artigos 2003º e ss. do Código Civil pretendem acudir. A questão só surge com a falta de acordo entre os progenitores, quando o poder paternal passa a ser exercido por um deles (cfr. artºs. 1903 a 1909 do Código Civil), colocando-se, então, a temática do dever de alimentos da parte do outro progenitor que tendo capacidade para tanto, está obrigado a prestá-los.

Quanto à medida dos alimentos, estatui o artº 2004, nº 1 do Código Civil, devem ser proporcionados aos meios daquele que houver que prestá-los e à necessidade daquele que houver que recebê-los.
Dispondo o nº 2 do mesmo artigo que, na fixação de alimentos atender-se-á outrossim à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
No caso em apreço, no acordo homologado por sentença proferida em 31.5.2010 acordou-se, inicialmente, o exercício das responsabilidades parentais, foi atribuída uma pensão de alimentos para a menor no valor de € 125 a pagar pelo pai nos termos referidos nos pontos referidos, no ponto 1.2, dos factos provados, através da propositura da presente acção veio requerente pedir a alteração do valor fixado para o valor de € 50 mensais, o que a decisão recorrida julgou improcedente, mantendo a decisão anterior, pretendendo, agora, o recorrente, através do presente recurso, a revogação daquela, concretamente quanto à prestação alimentícia que peticiona seja fixada em € 75 mensais.
Vejamos:
Na noção do artº 2003 do Código Civil, entende-se por alimentos tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário do alimentado e, se este for menor, compreende ainda a sua instrução e educação.
O artº 2004 nº 1 do Código Civil, dispõe que os alimentos serão proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
Por outro lado, o nº 2 do mesmo preceito determina que na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Donde há que concluir que a medida dos alimentos depende, pois, da verificação das seguintes condições: -possibilidade do alimentante; -necessidade do alimentado e; -possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Importa, pois, saber, se o recorrente, atenta a sua, actual, situação económica, pode ver reduzido o valor da pensão a que está obrigado.
O direito a alimentos é indisponível e irrenunciável, cfr. artº 2008, nº 1 do Código Civil.
A modificação de circunstâncias pode condicionar a alteração dos alimentos, cfr. artº 2012 do Código Civil.
Significando isto que, só se justificará a alteração se, face ao apurado, as circunstâncias actuais, forem de tal modo diferentes das existentes à data em que foi fixada a pensão, no caso, 31.5.2010, que permitam concluir que o requerente se encontra numa situação pior, financeiramente, àquela em que se encontrava àquela data e, que essa situação não lhe permite pagar o valor que anteriormente acordou.
E como bem refere, o recorrente quer cumprir e reconhece que o direito a alimentos é um direito actual, no entanto, face à situação que alega, invoca a violação do artº 2004, referido por parte da sentença recorrida.
Esta, depois de doutamente analisar a situação alegada pelo recorrente e apurada, concluiu: “A prestação de alimentos anteriormente fixada e respectiva actualização anual corresponde a um valor justo e perfeitamente suportável pelo progenitor, sendo um montante idóneo a garantir o mínimo das exigências económicas de sustento da menor, abaixo do qual estaria em sério perigo o seu superior interesse a um são e completo desenvolvimento.”.
Ora, da análise dos factos não podemos estar mais de acordo com esta decisão, o que significa em total desacordo com o apelante, sempre com o devido respeito por diferente opinião.
Como é sabido a prestação de alimentos é esssencial e necessária para a sobrevivência e bem estar da criança, devendo ser cumprida com prevalência a outras obrigações do progenitor/apelante, o que resulta do princípio do superior interesse da criança, já supra referido, consagrado no artº 180 da OTM.
O recorrente, com o devido respeito, pretende, como bem referiu o Sr. Procurador do Ministério Público, na resposta que apresentou ao recurso, “que o cumprimento da obrigação de alimentos seja apenas ponderado do ponto de vista dos interesses egoístas do próprio e não partindo do interesse central, fundamental e superior, que é o interesse da criança.
A regra da capacidade económica do obrigado a alimentos estabelecida no artº 2004, do CC é apenas um elemento a ter em consideração na fixação de alimentos. Mas não é o único nem o mais importante.
O outro critério não menos importante encontra-se fixado na parte final do nº1, do citado artigo que refere que os alimentos devem ter em conta “...as necessidades daqueles que houver de recebê-los”.”
A verdade é que o recorrente nada alega quanto à alteração de circunstâncias relativamente às necessidades e gastos da sua filha menor ou das possibilidades da mãe.
De forma egocêntrica, limita-se a invocar as suas possibilidades económicas, referindo estar desempregado desde 13.9.2011, auferindo subsídio de desemprego no valor de € 413,40 mensais, referindo receber apoio esporádico dos seus pais, em montante que não precisou e referiu despesas, nomeadamente, € 225 de renda mensal, que não demonstrou de modo algum, respeitante ao apartamento que habita, sózinho, conforme suas declarações prestadas a fls. 49.
Ora, como é evidente e por tudo o que já referimos, na medida dos alimentos tem maior supremacia a carência do alimentado do que a possibilidade do alimentante. E, por isso, nesta sede, não é a contingência de, em certo momento o alimentante ver esgotada ou reduzida a sua fonte do rendimento, que acarreta, só por si, a extinção ou diminuição do vínculo à prestação dos alimentos.
No caso, o flagelo social a que o recorrente alude na al. Q. das suas conclusões, não é suficiente para que se dê por provado que as circunstâncias que estiveram na base da fixação da prestação de alimentos que pretende ver alterada se modificaram, nem tão pouco a manutenção da mesma, tem qualquer fundamento em pensarmos que o recorrente tenha rendimentos misteriosos, tem sim a ver com o facto de, em nosso entender, o recorrente, nesta altura, alegadamente, difícil para si, dever adequar as suas despesas aos seus rendimentos, nomeadamente, procurando um outro local, onde possa habitar, já que vive sózinho, em que possa pagar de renda uma quantia bem inferior à que actualmente paga e, eventualmente, diminuir todas as despesas mensais, que não provou, de água, gás e luz. Certamente, neste período difícil para todos, arrendar um quarto seria suficiente para si, já que como referiu deixou de viver com a companheira com quem cobitava no apartamento arrendado, vejam-se fls. 49, dos autos e, isso seria, certamente, substancialmente mais barato do que a renda que alega pagar.
Acrescendo que, nada resulta dos autos que desde a data em que foi fixada a prestação alimentícia em causa, as necessidades da menor tenham diminuído, sendo das regras da experiência que essas despesas só podem ter aumentado, com o crescimento normal da menor e as necessidades normais que isso acarreta. E, não alegou o recorrente, nem isso resulta de modo algum dos autos que a mãe da menor tenha melhorado as suas condições económicas e sociais, em relação àquela mesma data, em que foi fixada a pensão, cuja redução o recorrente pretende.
O que resulta do relatório de fls. 52 e ss., é que a recorrida para poder proporcionar à menor o bem estar que vem proporcionando, reside em casa dos seus progenitores, partilhando o mesmo quarto e cama com a filha.
Ora, se o recorrente alega e apresenta algumas despesas que, do seu ponto de vista, o inibem de pagar 125 € mensais a favor da sua filha (nomeadamente o pagamento de um crédito pessoal e o alegado valor da renda do apartamento onde habita), a verdade é que a mãe da menor poderia, também, apresentar gastos bem superiores, bastaria para isso tomar a decisão de viver numa casa própria com a sua filha.
Verifica-se, assim, que a condição financeira relativa dos progenitores da menor não se configura notoriamente distinta, daquela que detinham quando acordaram na fixação da prestação em causa, sendo certo que ambos devem conceder à filha uma condição de vida condigna, no patamar do seu estatuto sócio-económico.
Deste modo, uma pensão alimentícia mensal de 125 € anteriormente fixada não é, objectivamente, uma quantia desajustada às possibilidades económicas actuais do recorrente, bastando este reajustar os seus gastos, nomeadamente, alterando a sua situação habitacional, pois que, como acima dissemos, afigura-se-nos que as necessidades da filha sobrelevam a disponibilidade económica do pai.
A assunção da responsabilidade parental impõe que aquelas tenham uma importância prevalecente e prioritária.
Assim sendo, não vislumbramos razões para alterar a sentença sob recurso, que manteve o valor anteriormente fixado, ponderando o interesse superior da menor (Matilde) e as capacidades económicas do recorrente, afigurando-se-nos justa e adequada a prestação de alimentos anteriormente fixada e, a decisão recorrida não só se mostra devidamente fundamentada como não violou qualquer dispositivo legal, ao decidir julgar improcedente a pretensão deduzida pelo recorrente na presente acção.

Improcedem, assim, totalmente as conclusões da alegação.

SUMÁRIO (artº 713, nº 7, do CPC) :
I - O superior interesse da criança deve estar sempre presente em cada caso concreto e, com ele, pretende-se assegurar um desenvolvimento harmonioso da criança ou jovem, tendo em conta as suas necessidades, bem como a capacidade dos pais para as satisfazer e ainda os valores dominantes no meio envolvente.
II - Aos progenitores compete criar para os filhos uma condição de vida que corresponda a um patamar normal dentro das condicionantes sócio-económicas de que disponham.
III – Devendo a contribuição de cada um ser fixada de modo a conseguir que ambos os pais se sintam “implicados” e “responsáveis” pelo bem-estar dos filhos.
IV - E, independentemente das concretas circunstâncias de cada caso, mostra-se igualmente decisiva a maturidade dos pais, que devem saber pôr os filhos em primeiro lugar, mostrar civismo em prol dos mesmos, pela simples razão de que os filhos precisam de ambos e, muito importante, não foram ouvidos na decisão ou no acto, do acaso, de que resultou o seu nascimento.
V - Em sede de fixação de pensão de alimentos, há que ponderar que as necessidades dos filhos sobrelevam a disponibilidade económica do progenitor devedor de alimentos, devendo estes em momentos menos propícios adequar as suas despesas aos seus rendimentos, cientes que a assunção da responsabilidade parental impõe que as necessidades dos filhos tenham uma importância prevalecente e prioritária.

III – DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a apelação improcedente e em confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Guimarães, 11 de Julho de 2013
Rita Romeira
Amílcar Andrade
José Rainho