Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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| Relator: | ANTÓNIO TEIXEIRA | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Descritores: | PROCESSO PENAL ARRESTO PREVENTIVO REQUISITOS PERICULUM IN MORA | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Nº do Documento: | RG | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Data do Acordão: | 01/24/2022 | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Texto Integral: | S | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Sumário: | I – O arresto é um procedimento cautelar que visa combater o periculum in mora, isto é, o prejuízo decorrente da demora do processo judicial normal, e traduz-se numa apreensão judicial de bem tendente à garantia de um crédito, colocando-o na indisponibilidade do seu titular. II - O arresto preventivo a que alude o artigo 228.º do Código de Processo Penal é determinado em consonância com o Código de Processo Civil pelo que os seus fundamentos são os que constam no artigo 391.º, n.º 1 deste diploma, segundo o qual «o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.». III - Nesse circunstancialismo, impende sobre o requerente do arresto [Ministério Público ou lesado] o ónus de alegar e provar factos que tornem provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, nos termos do artigo 392.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. IV - O receio [de ocultação ou dissipação dos bens por banda do devedor] não é justo ou fundado quando assenta sobre vagas conjecturas subjectivas, sendo necessário que se aleguem factos positivos e concretos, susceptíveis de exprimir a ameaça de ocultação. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1. Em 05/04/2021, no âmbito do Inquérito nº 413/14.0IDBRG-BF, pendente na 1ª Secção de Braga do Departamento de Investigação e Acção Penal, da Procuradoria da República da Comarca de Viana de Braga, ao abrigo do disposto nos Artºs. 110º, nºs. 3 e 4, do Código Penal, 228º, do C.P.Penal (1), e 391 a 393º, do C.P.Civil, requereu o Ministério Público arresto preventivo contra a arguida “X-Têxteis Para a Hotelaria, Lda.”, com sede na Rua ..., Edifício ..., Bloco …, na freguesia da ..., Madeira (cfr. fls. 135/150). Sustentou a sua pretensão alegando, em síntese, que existem indícios da prática pela arguida (e pelos seus representantes legais - A. C. e R. M.) de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos Artºs. 7º, nº 1, 8º, nºs. 3 e 5, 103º, 104º, nº 2, als. a) e b), do RGIT, na medida em que utilizou facturação falsa, que inscreveu na respectiva contabilidade, assim obtendo vantagem patrimonial ilegítima, no valor total de € 116.860,57 euros, seja em sede de IVA, seja em sede de IRC, e que, estando verificados os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, deveria ser decretado o arresto preventivo dos montantes pecuniários que identifica, para garantia do pagamento do valor das vantagens do crime. Terminando o seu requerimento pedindo que, sem a audição da arguida, fosse julgada procedente a providência requerida, com o consequente arresto do montante de € 117.478,00, correspondente aos seguintes pedidos de reembolso de IVA efectuados pela sociedade requerida junto da Autoridade Tributária: - Em 15/04/2016, do período de 1603, no valor de € 38.734,82 (pedido 16160077/1); - Em 12/05/2016, do período de 1604, no valor de € 55.151,47 (pedido 16168034/0); e - Em 16/06/2016, período de 1605, no valor de 23.591,71 (pedido 16177282/0). * 2. Conclusos os autos ao Mmº Juiz de Instrução Criminal, do Juízo de Instrução Criminal de Braga, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, este, sem audiência da parte contrária (arguida/requerida), considerando estarem indiciariamente verificados os pertinentes pressupostos legais, em 13/04/2021 proferiu a decisão cuja cópia consta de fls. 151/158, da qual se extrai o seguinte dispositivo (transcrição (2)):“Pelo exposto, julgo o arresto preventivo requerido pelo MP procedente e, em consequência, determino o arresto da quantia (até) de 116.860,57 euros (cento e dezasseis mil, oitocentos e sessenta euros e cinquenta e sete cêntimos), referente aos seguintes reembolsos de IVA requeridos pela arguida junto da Autoridade Tributária: - em 15/04/2016, do período 1603 (pedido 16160077/1) - em 12/05/2016, período 1604 (pedido 16168034/0) - em 16/06/2016, período 1605 (pedido 16177282/0)”. * 3. Concretizado o arresto decretado [nos termos da notificação cuja cópia consta de fls. 159, remetida em 14/04/2021 à “Direcção de Serviços do Imposto Sobre o Valor Acrescentado” da “Direcção-Geral dos Impostos”, recepcionada em 15/04/2021, conforme aviso de recepção cuja cópia consta de fls. 160], foi a requerida “X-Têxteis Para a Hotelaria, Lda.” notificada, nos termos e para efeitos do disposto no Artº 366º, nº 6, do C.P.Civil.3.1. E, nessa sequência, veio a mesma deduzir a oposição cuja cópia consta de fls. 165 / 169 Vº, sustentado, em síntese, que: - Não se aplica o regime da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, ao abrigo do qual o arresto foi decretado, e não se verificam os pressupostos do Artº 228°, do C.P.Penal; - Não foi assegurado o prévio contraditório; - Não foram facultados à arguida (oponente) os elementos de prova, pelo que não está em condições para exercer plenamente o direito de defesa; - As quantias apreendidas (reembolsos de IVA) resultam de actividade comercial lícita; - Não se verifica o requisito do periculum in mora, sendo certo que não cometeu qualquer crime; e - Ademais, os valores apurados (€ 116.860,57) não estão correctos, porquanto, para efeitos de IVA (e de IRC), não podem considerar-se falsas as operações subjacentes às facturas na compra, mas verdadeiras na venda. Como prova juntou vários documentos, requereu a prestação de declarações da própria (nos termos do disposto no Artº 466º, do C.P.Civil), e arrolou uma testemunha. Terminando o seu requerimento pugnando pela “revogação do Arresto”, e pelo “levantamento dos bens”. * 4. Pelo despacho de 15/06/2021, cuja cópia consta de fls. 219, foi admitida tal oposição, bem como os meios de prova indicados pela requerida.4.1. E após a realização da respectiva audiência, em 09/07/2021 foi proferida a decisão que consta de 244/247, que ora se transcreve: “Na sequência do despacho proferido em 13/04/202 1 (refª 172594690), pelo qual se julgou o arresto requerido pelo MP procedente, vem a arguida X — Têxteis para a Hotelaria, Lda deduzir oposição. Em suma e no essencial diz que: - Não se aplica o regime da Lei 5/2002, ao abrigo do qual o arresto foi decretado, e não se verificam os pressupostos do artigo 228.° do CPP - Não foi assegurado prévio contraditório. - Não foram facultados à arguida (oponente) os elementos de prova, pelo que não está em condições para exercer plenamente o direito de defesa. - As quantias apreendidas (reembolsos de IVA) resultam de actividade comercial lícita. - Não se verifica o periculum in mora, não cometeu qualquer crime. - Ademais os valores apurados (116.860,57 euros) não estão correctos, porquanto para efeitos de IVA (e de IRC) não podem considerar-se falsas as operações subjacentes às facturas na compra, mas verdadeiras na venda. Recebida a oposição foi apenas ouvida a testemunha indicada, uma vez que foi prescindida a inquirição do representante legal da oponente. Decidindo. QUESTÕES PRÉVIAS. 1. Do regime da Lei 5/2002. Visto despacho que decretou o arresto não se entende onde a oponente foi encontrar fundamento para tecer considerações dirigidas ao referido despacho por nele se ter fundamentado de direito com recurso ao regime resultante da Lei 5/2002. Pois basta ler o despacho para perceber facilmente que em parte alguma dele se refere tal regime. pelo que só por lapso se entende o referido. 2. Do contraditório prévio. Estando em causa uma medida de garantia patrimonial, por remissão do artigo 228°/1 do CPP para as regras do arresto do artigo 393.°/l do CPC (examinadas as provas produzidas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária...). Por isso também o n° 3 do artigo 228° do CPP fala em ‘oposição ao despacho que tiver decretado o arresto”. Se há oposição é porque o arresto foi decretado sem audiência prévia. Como tal os elementos de prova são os fornecidos no despacho que decretou o arresto. Elementos de prova que a oponente (arguida — e actualmente o arresto pode até ser decretado em momento prévio à constituição de arguido) pôde consultar. Tanto mais que o processo não está em segredo de justiça. E mesmo que estivesse sujeita a segredo de justiça o direito de consulta dos elementos de prova está assegurado nos termos do disposto no artigo 194.°18 do CPP. O que importa é exercer esse direito. Mas isso cabe ao titular dele. OPOSIÇÃO A oponente - que assumiu previamente o estatuto de arguida - não ataca substancialmente os factos que o Tribunal considerou corno indiciariamente provados, pelo que assim se mantém. Sendo certo que a testemunha que indicou e foi ouvida nada de relevante sabe, tendo apenas passado a exercer funções em Novembro de 2016 (e as facturas em causa nos autos reportam-Se ao ano de 2014) como contabilista para a requerida oponente, limitando-se a generalidades por via da consulta que realizou da documentação à época, ademais sem qualquer conhecimento quanto aos circuitos financeiros, em face dos cheques emitidos e seus beneficiários. Na verdade, a oponente (arguida) nada de relevante diz sobre as facturas falsas (indiciariamente) incorporadas na respectiva contabilidade, com referência aos agentes comerciais identificados no despacho (cfr. facto 9, 10, 11 e 12 do despacho que decretou o arresto). E através da incorporação dessa facturação falsa, relativamente ao ano de 2014, visou a oponente (arguida), através dos seus representantes legais, enganar o Estado (fisco), seja em sede de IVA (73.947,74 euros), seja em sede de IRC (41.912,83 euros), ou seja no total 116.860,57 euros. Ora, os pedidos de reembolso referem-se ao ano de 2016, não tendo, como é óbvio, qualquer ligação com a facturação falsa do ano de 2014 por referencia às concretas facturas. Por isso mesmo se disse no despacho que decretou o arresto “está em causa património lícito”. O que, com o devido respeito, não foi compreendido e afigura-se que continua a não ser, em face do teor das alegações orais produzidas a final pela oponente em sede de oposição, na medida em que continua a enfatizar-se o caracter lícito do património financeiro apreendido para daí, e apenas por isso, afirmar uma pretensa insusceptibilidade de indisponibilidade do montante referente ao crédito de IVA. Acontece que é assim mesmo. É este património lícito (no valor de 116.860,57 euros) que serve para garantir a futura perda a favor do Estado do valor de 116.86,57 euros, resultante da vantagem com a prática do facto ilícito típico/crime. O periculum in mora, ao contrário do que parece a oponente fazer crer, não se mostra afastado face à apregoada “boa saúde” da sociedade oponente, antes assenta no facto de estar em causa dinheiro facilmente dissipável, do facto de a mesma reiteradamente estar a solicitar o seu reembolso que (apenas por razões relacionadas com a própria AT e que não se confundem com as razões do processo crime, pelo que, ao contrário do afirmado, não está a entrar pela janela aquilo que o legislador não quis que entrasse pela porta, pela comezinha razão de a casa não ser a mesma) não poderia mais ser adiado e do facto de se destinar a garantir valores idênticos decorrentes de vantagens relacionadas com a prática de crimes fiscais (concretamente fraude fiscal), sendo manifestamente insuficiente invocar um imobilizado significativo (afirmado como presentemente mais de 1.000.000,00 euros) como fonte garante do valor da futura perda, tanto mais que nem sequer se conhece que imobilizado é esse. Sendo ainda manifestamente insuficiente dizer-se que “oportunamente demonstrará” que não cometeu qualquer tipo de crime, porquanto o que importa é atacar os factos de momento dados corno indiciários e não relegar o ataque para oportunamente, porquanto o fumus (os indícios da Procedimento Cautelar prática do crime de fraude fiscal) existem. Não bastando ainda, num arrumo de alguma confusão, juntar 6 facturas, com isso procurando afirmar a veracidade e a existência das relações comerciais subjacentes às facturas indiciariamente afirmadas como falsas emitidas em 2014 pelas sociedades Y- Unipessoal, Lda, W — Representações Têxteis Unipessoal, Lda e K Têxteis, Lda e incorporadas na respectiva contabilidade pela sociedade arguida, ora oponente, por via da afirmação da venda das mercadorias e do respectivo pagamento, bem como da subcontratação daquelas, desde logo da correlação das facturas emitidas pela W e das emitidas pela B. Ademais, consultado o relatório a AI, referido no despacho que decretou o arresto, retira-se a relação desta B, bem como de A. R., com os factos e o levantamento de dinheiro à boca de caixa. Para além da verificação de na pessoa do representante legal (R. M.) ocorrer representação daquela e anterior representação da sociedade arguida (oponente), com actualidade de manutenção de relacionamento. E como se refere no ponto 8.9 do relatório/informação da AI “esclarece-se que as consequências fiscais associadas à emissão de facturação falsa por parte da X a favor da B serão apuradas na esfera desta”. Termos em que julgo improcedente a oposição, mantendo-se o arresto nos exatos termos decretados. Notifique.”. * 5. Inconformada com tal decisão, dela veio a arguida/requerida interpor o presente recurso, nos termos da peça processual que consta de fls. 257/261, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição):“1- Atentos constatamos que o tribunal “a quo” continua a não fundamentar o facto de ter decretado o arresto preventivo sem a audição prévia da apelante, o que enferma a sentença da nulidade cominada na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do mesmo Código. 2- Na verdade, a ausência da audição prévia da apelante, bem como o facto de não lhe terem sido facultados todos os elementos de prova que suportam a decisão em crise, não só viola os mais elementares princípios e regras processuais, como o direito ao exercício do contraditório previsto no art. 3º, nº 3, o princípio da igualdade das partes – art. 4º; o princípio do dispositivo do art. 5º e o princípio do inquisitório previsto no art. 411º, todos do CPC, como roça mesmo inconstitucionalidade, tendo em conta as disposições conjugadas dos artigos 32º da Constituição da República Portuguesa, 7º, nº 1 e nº 2, alínea b) e 110º, nº 1 do Código Penal, e fere a sentença com a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) do CPC. Todavia, e sem prescindir 3- Decorre do disposto no art. 391º e 362º do CPC que as providências cautelares se destinam, apenas, a prevenir prejuízos decorrentes da demora no processamento da acção principal, não podendo ter o mesmo objecto que a acção definitiva, isto é, não pode alcançar-se, por via de um procedimento cautelar, um efeito constitutivo, modificativo ou extintivo que esteja precisamente dependente da sentença a proferir na acção principal; 4 - In casu, os valores arrestados correspondem a IVA decorrentes de atividade lícita da apelante, que estão cativos à ordem da AT há mais de 5 anos sem qualquer causa ou justificação! 5 - Ora, apesar de 7 anos volvidos desde a investigação/inquérito, nem a AT procedeu a qualquer liquidação corretiva, nem a apelante se encontra formalmente indiciada pela prática de qualquer crime, na medida em que ainda não foi proferida qualquer acusação contra si! 6 - Pelo que, o presente procedimento cautelar deveria ter sido liminarmente rejeitado ou indeferido, nos termos dos artºs 365º, nº 1, 368º, nº 1 e 590º, nº 1, todos do CPC, por ser o pedido deduzido manifestamente improcedente. 7 - Mas, ainda que assim não se entenda, o que não se concebe nem concede, sempre o presente procedimento cautelar não poderia deixar de ser indeferido por não se encontrar preenchido o requisito enunciado no art. 391º e 381º do CPC da verificação do “periculum in mora”, traduzido na iminência do requerente da providência sofrer qualquer lesão ou dano irreparável ou de difícil reparação, que justifique a necessidade de composição provisória da situação controvertida. 8 - Na verdade, resulta da decisão recorrida que o MP não conseguiu afastar os factos alegados pela apelante no sentido de provar a saúde económica e financeira da apelante, como resulta dos documentos contabilísticos, financeiros e fiscais juntos sob os nºs 1, 2 e 3, cujo teor se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais, donde decorre que esta é dona e legitima possuidora de um imobilizado de mais de € 1.000.000,00 que não foi minimamente colocado em crise pelo MP/requerente! 9 - Pelo que, não se encontrando preenchido o “periculum in mora”, elemento constitutivo da providência requerida, jamais o procedimento cautelar podia ter sido decretado. 10 - E, nem se diga que a circunstância de os bens arrestados se tratar de dinheiro (facilmente dissipável) justifica a instauração de uma providência cautelar, pois assim não o prevê o artº 391.º ou o art. 362.º do CPC. Sem prescindir, 11- Ainda que por hipótese meramente académica, se admitisse que há lugar a um arresto preventivo – o que não se concede – sempre se dirá que os valores apurados não estão corretos pois caso se venha a desconsiderar as faturas de compra por parte da apelante às empresas envolvidas no presente processo, também terão de ser desconsideradas as faturas que refletem a saída/venda de tais bens. 12- Donde, também por aqui, o arresto dos reembolsos de IVA no montante de € 116.860,57 violar de forma grosseira e inadmissível princípio da proporcionalidade. 13 - Daí que, ao decretar o presente arresto preventivo, o tribunal “a quo” violou os arts. 391º, 362º, nº 1, 365º, nº 1 e 368º, nº 1, todos do CPC. Termos em que deve a apelação ser julgada procedente, e em consequência ser revogada a douta sentença apelada, substituindo-se por outra que julgue o presente procedimento cautelar de arresto preventivo totalmente improcedente, com as legais consequências. Assim decidindo, farão Vªs Exªs, Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA.” * 6. Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, nos termos constantes de fls. 298 / 300 Vº, pugnando pela sua improcedência, e pela manutenção da decisão recorrida.* 7. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal da Relação emitiu o parecer que consta de fls. 309/311, aderindo à posição exposta pelo Ministério Público na resposta ao recurso, e adiantando doutas considerações jurídicas acerca das questões suscitadas, pronunciando-se, pois, pela improcedência do recurso.* 8. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, não foi apresentada qualquer resposta.* 9. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois conhecer e decidir.* II. FUNDAMENTAÇÃO1. É hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2. No caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pela recorrente, esta coloca a este Tribunal as seguintes questões essenciais que importa decidir: - Saber se a decisão recorrida padece da nulidade prevista no Artº 615º, nº 1, al. d), do C.P.Civil, atendendo a que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a razão pela qual não procedeu à sua audiência prévia, e não lhe forneceu todos os elementos de prova que suportem a decisão em crise; - Saber se o pedido de arresto preventivo deveria ter sido rejeitado liminarmente, uma vez que a arguida ainda não foi acusada da prática de qualquer crime, sendo certo, por outro lado, que o valor arrestado diz respeito a património lícito referente a reembolsos de IVA; - Saber se não existia razão para ser decretada uma medida cautelar provisória porque não existia periculum in mora; e - Saber se o arresto decretado viola o princípio da proporcionalidade, em virtude de os valores apurados não estão estarem correctos, pois caso se venha a desconsiderar as facturas de compra por parte da arguida às empresas envolvidas no presente processo, também terão de ser desconsideradas as facturas que reflectem a saída/venda de tais bens. * 2. Mas, para uma melhor compreensão das questões colocadas, e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, antes de mais, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e não provados na decisão que decretou o arresto, e bem assim a fundamentação acerca de tal factualidade.2.1. O Tribunal a quo considerou indiciariamente provados os seguintes factos (transcrição): “1. A X – Têxteis para Hotelaria, Lda é uma sociedade por quotas, com NIPC ………, matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o mesmo número, encontrando-se registada no Serviço de Finanças em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), na actividade de “Fabricação de artigos têxteis confecionados, exceto vestuário”. 2. Tal sociedade foi constituída em 2011.02.16, com sede na Rua ..., Edifício ..., Bloco A 1, 3 W, na freguesia da ..., na Ilha da Madeira. 3. Foi constituída com um capital social de 5.000,00 €, representado por duas quotas, cada uma delas no valor de 2.500,00 €, detidas por A. C., NIF ………, e R. M., NIF ………, respetivamente. 4. Quanto à gerência, a mesma foi atribuída a ambos os sócios, sendo necessária apenas a assinatura de um deles para vincular a sociedade. 5. No ano de 2012, R. M. renunciou formalmente à gerência e procedeu à alienação da sua quota a favor de A. C.; sendo que a publicitação destes atos foi promovida pelo arguido E. S.. 6. Em 2013.08.08, foi promovida a alteração do objeto social da sociedade, passando a contemplar a “Fabricação de artigos têxteis confecionados, exceto vestuário”; refira-se que, até então, constava do objeto social apenas o “Comércio por grosso de artigos têxteis, exceto vestuário e a prestação de serviços de apoio à hotelaria”. 7. Sucede que, em 2013 e 2014, eram os suspeitos R. M. e A. C., quem a geriam, de direito e de facto, apesar do registo de cessação de funções de R. M., tomando ambos as decisões relativas ao seu normal funcionamento, representando-a perante clientes e fornecedores, incluindo as que se reportam ao preenchimento das declarações fiscais, bem como ao apuramento e pagamento de todos os impostos devidos pela arguida sociedade. 8. Para efeitos de Tributação em sede de IVA, a arguida sociedade encontra-se registada no regime de tributação normal, com periodicidade trimestral até 01.01.2014, e mensal após essa data. 9. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao início do ano de 2013, os suspeitos R. M. e A. C., em representação da sociedade X – Têxteis para Hotelaria, Lda, em conluio com pelo menos com os arguidos E. S. e J. O., elaboraram um plano, a fim de obter benefícios fiscais ilegítimos, segundo o qual, tal sociedade inscreveria na sua contabilidade facturas emitidas em nome das sociedades, indiciadas já nos autos como emitentes de facturação falsa, como sendo Y – UNIPESSOAL LDA., W – REPRESENTAÇÕES TEXTEIS UNIPESSOAL LDA. e K TEXTEIS LDA, não correspondentes a transacções reais, forjando para o efeito o seu conteúdo, por forma a incluir na contabilidade daquela, despesas que não foram efectivamente suportadas e obter deduções de IVA a que não tinha direito e bem assim, incluindo ali despesas que não foram efectivamente suportadas por aquela, incrementando os custos, diminuindo o lucro tributável e, consequentemente, o valor do imposto IRC a pagar, assim se locupletando de verbas a que não tinha direito por corresponderem a impostos devidos ao Estado Português. 10. Na execução de tal propósito, os arguidos elaboraram ou fizeram elaborar, em nome das sociedades Y – UNIPESSOAL LDA., W – REPRESENTAÇÕES TEXTEIS UNIPESSOAL LDA. e K TEXTEIS LDA, as seguintes facturas, que incluíram na contabilidade da arguida X – Têxteis para Hotelaria, Lda, no ano fiscal de 2014, nos meses abaixo indicados, como se de verdadeiros custos se tratassem:
11. Não obstante, durante o período identificado, as referidas sociedades não prestaram os serviços, nem venderam qualquer bem constante das referidas facturas à sociedade X – Têxteis para Hotelaria, Lda, ou a qualquer dos seus representantes legais. 12. Com efeito, as facturas emitidas em nome das sociedades Y – UNIPESSOAL LDA., W – REPRESENTAÇÕES TEXTEIS UNIPESSOAL LDA. e K TEXTEIS LDA não foram pagas. 13. As referidas facturas foram entregues aos suspeitos A. C. e R. M., na qualidade de representantes da sociedade X – Têxteis para Hotelaria, Lda e no interesse de todos, inclusivamente desta sociedade, em conformidade com o referido plano entre todos desenhado. 14. Uma vez na posse das referidas faturas, os suspeitos A. C. e R. M., apesar de bem saberem que as mesmas não refletiam serviços efetivamente prestados, nem materiais efetivamente adquiridos, e por isso eram falsas, incluíram-nas na contabilidade da X – Têxteis para Hotelaria, Lda, registando-as e discriminando-as, para efeitos de declaração em sede de IRC e de IVA, que entregaram na Repartição de Finanças, assim incrementando artificialmente os custos do exercício anual de 2014, nos montantes globais das faturas em causa e, consequentemente, diminuíram, na mesma proporção, o valor da sua matéria coletável e consequentemente do imposto a pagar. 15. Através da incorporação na contabilidade da X – Têxteis para Hotelaria, Lda, a Administração Fiscal convenceu-se que as faturas em causa eram verdadeiras e correspondiam a transações comerciais e/ou prestação de serviços reais e consequentemente aceitou os montantes titulados pelas mesmas, no referido exercício fiscal de 2014. Quanto ao IVA: 16. A utilização por parte dos arguidos, por si e em representação da sociedade X – Têxteis para Hotelaria, Lda das aludidas facturas na respectiva contabilidade teve como consequência a dedução indevida de IVA, o que implicou a obtenção de uma vantagem patrimonial relativamente a este imposto. 17. Com efeito, os referidos arguidos A. C. e R. M., em sede de IVA, ao fazerem constar o imposto suportado nas facturas, bem sabendo que elas não correspondiam a serviços efectivamente prestados, obtiveram as seguintes vantagens patrimoniais através da dedução indevida deste imposto nos seguintes montantes e períodos que se concretizam:
18. Consequentemente, a utilização por parte dos arguidos das aludidas facturas teve como consequência a dedução indevida de IVA, no montante total de 73.947,74 € (setenta e três mil, novecentos e quarenta e sete euros e setenta e quatro cêntimos). E quanto ao IRC: 19. Com recurso às facturas falsas mencionadas em 10., a sociedade arguida X – Têxteis para Hotelaria, Lda, por intermédio dos referidos arguidos seus representantes, conseguiu diminuir o lucro tributável em sede de I.R.C., no ano de 2014, e consequentemente eximir-se ao pagamento do imposto devido, uma vez que à matéria colectável apresentada pela sociedade nesse ano deveria ter acrescido o valor correspondente à base tributável das facturas referidas, calculado nos seguintes termos:
20. A utilização pela sociedade arguida, através dos dos arguidos A. C. e R. M., das aludidas faturas teve assim como consequência a omissão do pagamento de IRC, o que implicou a obtenção de vantagem patrimonial no montante global de pelo menos 42.912,83 € (quarenta e dois mil, novecentos e doze euros e oitenta e três cêntimos). 21. Defraudaram, assim, o Estado nos aludidos montantes ao fazer crer aos respetivos Serviços da Administração Fiscal que o IVA deduzido se baseava em documentos que titulavam verdadeiras transações, induzindo-os em erro quanto à sua autenticidade, bem como à apresentação de custos inexistentes para efeitos de redução de IRC a pagar, com o que conseguiram que a mesma visse o seu património prejudicado no montante acima indicado, com o qual se locupletaram e que correspondem à vantagem ilegítima que os arguidos obtiveram.”. * 2.2. Considerou inexistirem indiciariamente factos não provados.* 2.3. E motivou a essa decisão de facto nos seguintes moldes (transcrição):“O Tribunal teve em conta o teor dos documentos juntos aos autos (fls. 10339 a 10394), bem como os depoimentos, designadamente, das testemunhas identificadas e inseridos a fls. 10166/10168, 10178/10181, 10219/10225, 10226/10230, 10231/10238, 10391/10401, fls. 1044710449, tudo clarificado no teor da informação da Autoridade Tributária de fls. 10291 a 10315, onde igualmente consta elencada a documentação apreendida à arguida X e de entre ela a facturação falsa levada à contabilidade da mesma, no que diz respeito (em face do que o MP delimitou no respectivo requerimento) às sociedades emitentes Y – Unipessoal, Lda; W – Representações Têxteis Unipessoal, Lda e K Têxteis, Lda. Facturas que não titulam efectivas e verdadeiras transmissões de bens e ou prestações de serviços, desde logo em face das evidências apresentadas, seja por via da ausência de documentação de suporte, desde logo de transporte, seja por via da movimentação bancária correspondente e do tratamento contabilístico, seja mesmo por via da incongruência de datas, tudo como mais bem referenciado consta dos pontos 7.9, 7.10, 7.11 e 7.12, da referida informação da AT, podendo ver-se e concluir-se pela existência de indícios de que o beneficiário último do montante do IVA era (também) o arguido E. S., aliás no desenvolvimento do esquema criminoso que os autos evidenciam de forma alargada e que o colocam com um dos mentores e também beneficiário das contrapartidas resultantes do esquema de facturação falsa.”. * 3. Posto isto, passemos, então, à análise das concretas questões suscitadas pela recorrente, as quais serão apreciadas segundo a sua precedência lógica.* 3.1. Da nulidade da sentença, nos termos do disposto no Artº 615º, nº 1, al. d), do C.P.CivilComo se viu, a este propósito, sustenta a recorrente que o tribunal “a quo” continua a não fundamentar o facto de ter decretado o arresto preventivo sem a sua audição prévia, o que acarreta a nulidade da sentença, nos termos da alínea d), do nº 1, do Artº 615º, do C.P.Civil, e que a ausência de tal audição prévia, bem como o facto de não lhe terem sido facultados todos os elementos de prova que suportam a decisão em crise, não só viola os mais elementares princípios e regras processuais, como o direito ao exercício do contraditório previsto no Artº 3º, nº 3, o princípio da igualdade das partes, previsto no Artº 4º, o princípio do dispositivo do Artº 5º, e o princípio do inquisitório previsto no Artº 411º, todos do C.P.Civil, roçando mesmo inconstitucionalidade, tendo em conta as disposições conjugadas dos Artºs. 32º da Constituição da República Portuguesa, 7º, nº 1 e nº 2, alínea b), e 110º, nº 1, do Código Penal. Salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão. Na verdade, compulsando a decisão recorrida, facilmente se constata que nela o tribunal a quo esclareceu devidamente essa questão, nos seguintes termos: “Estando em causa uma medida de garantia patrimonial, por remissão do artigo 228°/1 do CPP para as regras do arresto do artigo 393.°/l do CPC (examinadas as provas produzidas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária...). Por isso também o n° 3 do artigo 228° do CPP fala em ‘oposição ao despacho que tiver decretado o arresto”. Se há oposição é porque o arresto foi decretado sem audiência prévia. Como tal os elementos de prova são os fornecidos no despacho que decretou o arresto. Elementos de prova que a oponente (arguida — e actualmente o arresto pode até ser decretado em momento prévio à constituição de arguido) pôde consultar. Tanto mais que o processo não está em segredo de justiça. E mesmo que estivesse sujeita a segredo de justiça o direito de consulta dos elementos de prova está assegurado nos termos do disposto no artigo 194.°18 do CPP. O que importa é exercer esse direito. Mas isso cabe ao titular dele.”. Nestas circunstâncias, não corresponde à verdade que o Tribunal a quo não se pronunciou acerca dessa questão. Tal questão foi expressamente abordada, e com total acerto. Pois, como emerge das aludidas nomas legais, maxime do Artº 393º, nº 1, do C.P.Civil, o arresto é decretado sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais. Foi isso que, claramente, sucedeu na situação em apreço: tendo o tribunal a quo entendido estarem verificados os respectivos requisitos legais [e note-se que não são esses requisitos que, neste momento, estamos a apreciar], sem a audiência prévia da requerida, decretou o arresto, nos termos da supra aludida decisão de 13/04/2021, sendo certo que, após a concretização da medida, por registo de 21/04/2021, cuja cópia consta de fls. 161, a arguida foi notificada para, além do mais, deduzir oposição, querendo, altura em que lhe foi remetido, também, um duplicado do requerimento inicial, obviamente acompanhados das provas nele indicadas. Nada há a apontar, pois, ao procedimento adoptado, não ocorrendo a invocada nulidade. E não se diga, como o faz a recorrente, que esta não audição prévia “roça” inconstitucionalidade, tendo em conta as disposições conjugadas dos Artºs. 32º da Constituição da República Portuguesa, 7º, nº 1 e nº 2, alínea b), e 110º, nº 1, do Código Penal. Pois, como o Tribunal Constitucional já teve a oportunidade de expender acerca desta questão, designadamente no acórdão nº 724/2014, de 28/10/2014 (3), não merece censura constitucional o regime normativo do arresto preventivo, ao não prever a audição prévia do requerido para o decretamento da providência cautelar em causa (regime hoje reproduzido no artigo 393.º do novo Código de Processo Civil, que prevê, no seu número 1, o decretamento do arresto «sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais». Encontrando “a solução normativa contida na lei processual civil (...) justificação na natureza dessa mesma medida cautelar, cujas finalidades específicas se mostrariam desvirtuadas com a prévia audição do arrestado.”. Sendo certo que “(...) o diferimento do exercício do contraditório do momento prévio à decisão para fase ulterior mostra-se justificado pelo sério risco de inviabilização da medida cautelar a adotar (por via da alienação ou dissipação dos bens a arrestar), sendo «o direito a uma efectiva e eficaz tutela da pretensão do demandante só assegurável, em termos de razoabilidade, se o requerido não for antes ouvido».”. E que “a especificidade contestada – não audição prévia do arguido – não se mostra desvirtuada na sua razoabilidade pelo facto de outras disposições do Código de Processo Penal exigirem essa audição para as medidas de coacção e de garantia patrimonial”, pois que são “as exigências cautelares próprias do arresto preventivo que determinam a não audição (prévia) do requerido”, não tendo em vista “o meio cautelar aplicado (...) as finalidades próprias do processo criminal – cujas garantias associadas não podem deixar de ter em vista a possibilidade de uma condenação em face da comprovação da prática de um ilícito penal que poderá determinar a aplicação de uma pena (máxime privativa da liberdade) – mas antes, por força das suas específicas finalidades, a tutela (cautelar, provisória, urgente) dos direitos patrimoniais invocados pelos credores – in casu, a lesada ora recorrida – em face do perigo de dissipação ou alienação dos bens patrimoniais do devedor.”. Soçobra, pois, esta questão recursória trazida à liça pela recorrente. * 3.2. Da rejeição liminar do pedido de arresto em virtude de os valores arrestados correspondem a IVA decorrente de actividade lícita da apelante, e em virtude de a requerida ainda não ter sido formalmente acusada pela prática de qualquer crimeNeste âmbito questiona a arguida a circunstância de ainda não ter sido acusada da prática de qualquer crime, e que o valor arrestado diz respeito a património lícito (reembolsos de IVA), razão pela qual a providência deveria ter sido liminarmente rejeitada. Porém, uma vez mais carece de razão, a recorrente. Na verdade, como bem aduz o recorrido na sua resposta, mau grado ainda não ter sido deduzida acusação pública nos autos [o que justifica com a manifesta complexidade da investigação, essencialmente pelo número de suspeitos existente], o certo é que, quanto à ora recorrente, o Ministério Público enunciou a factualidade e os elementos de prova que permitem já concluir pelos indícios suficientes de que a arguida praticou um crime de fraude fiscal, factualidade essa que, aliás, a recorrente não questionou na oposição deduzida. Não havendo dúvidas de que, efectivamente, tudo indica que a requerida, através da actuação dos seus representantes legais, terá praticado um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos Artºs. 103º e 104º do RGIT, tendo em resultado da sua actuação ilícita sido apurado um prejuízo para as contas da Fazenda Nacional que ascende a € 116.860,57. E verificando-se a probabilidade da existência do crédito, requisito do arresto preventivo, então, nessa vertente, e mesmo tratando-se de património lícito da requerida, está justificado o arresto decretado, dessa forma se visando garantir a futura perda do Estado da vantagem patrimonial auferida com a prática do facto ilícito típico. Improcede, pois, o recurso, nesta parte. * 3.3. Da (não) verificação do periculum in moraSustenta a recorrente que o procedimento cautelar em causa não poderia deixar de ser indeferido dado não se encontrar preenchido o requisito enunciado no Artº 391º do C.P.Civil, do periculum in mora, traduzido na iminência do requerente da providência sofrer qualquer lesão ou dano irreparável ou de difícil reparação, que justifique a necessidade de composição provisória da situação controvertida. Vejamos. Como se viu, o arresto em causa foi decretado ao abrigo do disposto no Artº 228º do C.P.Penal, enquanto mecanismo de garantia patrimonial que opera no âmbito da denominada perda clássica, ou seja, para garantir a eventual condenação da arguida/requerida no pagamento ao Estado do valor correspondente às vantagens resultantes do ilícito criminal que indiciariamente levou a cabo - cfr. Artº 110º, nºs. 1, al. b), e 4, do Código Penal. Ora, compulsando a decisão que decretou o arresto, constata-se que o Mmº Juiz abordou muito sinteticamente esta questão, justificando tal requisito, do periculum in mora, com a circunstância de [os reembolsos de IVA em causa, no valor de € 117.478,00] configurarem “dinheiro (...) facilmente escondido, gasto, branqueável, etc, se entregue à arguida (e arguidos seus representantes legais), nos termos que a mesma reclama.”. Acrescentando, posteriormente, na decisão recorrida, que “O periculum in mora, ao contrário do que parece a oponente fazer crer, não se mostra afastado face à apregoada “boa saúde” da sociedade oponente, antes assenta no facto de estar em causa dinheiro facilmente dissipável, do facto de a mesma reiteradamente estar a solicitar o seu reembolso que (apenas por razões relacionadas com a própria AT e que não se confundem com as razões do processo crime, pelo que, ao contrário do afirmado, não está a entrar pela janela aquilo que o legislador não quis que entrasse pela porta, pela comezinha razão de a casa não ser a mesma) não poderia mais ser adiado e do facto de se destinar a garantir valores idênticos decorrentes de vantagens relacionadas com a prática de crimes fiscais (concretamente fraude fiscal), sendo manifestamente insuficiente invocar um imobilizado significativo (afirmado como presentemente mais de 1.000.000,00 euros) como fonte garante do valor da futura perda, tanto mais que nem sequer se conhece que imobilizado é esse.”. Já a Digna Magistrada do Ministério Público, na sua resposta ao recurso, defende que, em face “das finalidades e fundamentos dogmáticos do confisco das vantagens do crime imediatamente se conclui que não será exigível a demonstração do periculum in mora nos casos de arresto para o confisco das vantagens.”. Pois - diz - “Se se demonstrar, como se demonstrou neste caso, que existem fortes indícios da prática de um crime e que esse crime gerou vantagens, não será de todo compreensível que se exija a demonstração que os arguidos se preparam para dissipar esse património para que o Estado possa assegurar que esse montante, que não lhes pertence, será a final confiscado.”. E asseverando que “O que se exige como pressuposto da aplicação do arresto nestes casos são os indícios da prática do facto ilícito e do valor por este gerado, não os perigos de dissipação.” E que “O crime não é título aquisitivo da propriedade, e o arguido não pode dispor (ainda que temporariamente) desse incremento patrimonial, ainda que não tenha intenção de o dissipar”, o que “significa que o arguido pode até ter vontade de não alienar um cêntimo do valor que obteve com a prática do crime, e pode até nunca ter praticado ou se prepare para praticar qualquer acto que indicie que pretende dissipar esse património, mas mesmo nesses casos deverão as vantagens do crime ou o seu valor ser arrestados, impedindo-se de imediato o arguido de a gozar”, sendo “apenas condição para tal que se demonstre a existência de fortes indícios do crime, e de que esse crime gerou vantagens (presumidas ou demonstradas)”, e não sendo “necessário aguardar que o arguido pratique o crime de branqueamento para que as vantagens do crime sejam confiscadas.”. Tese genericamente perfilhada pelo Exmo. PGA no seu parecer, embora reconhecendo que a jurisprudência maioritária dos nossos tribunais superiores tem vindo a exigir, para o decretamento do arresto preventivo com vista ao confisco (perda clássica), a verificação cumulativa dos dois pressupostos [fumus commissi delicti e periculum in mora, nos termos do Artº 391º, n.º 1, do C.P.Civil, ex vi Artº 228º, nº 1, do C.P.Penal], ou seja, a necessidade de o requerente alegar a probabilidade de existência de indícios da prática de crime e o fundado receio de perda da garantia patrimonial do pagamento do valor que venha a ser confiscado/declarado perdido, apenas soçobrando tal exigência perante um dos crimes de catálogo – Artº 10º, nº 3, da Lei nº 5/2002 – relativamente aos quais o arresto pode ser decretado independentemente da verificação do periculum in mora. Porém, salvo o devido respeito, como se referiu no recente acórdão deste TRG, de 27/09/2021, preferido no âmbito do Proc. nº 140/12.3TELSB-M.G1, disponível in www.dgsi.pt, no qual o ora relator interveio como adjunto, e que aqui se acolhe inteiramente, “Este entendimento, no sentido de que não é exigível para o decretamento do arresto a demonstração do mencionado perigo quando o arresto vise o pagamento das vantagens, ou seja a restauração da ordem patrimonial correspondente ao direito legítimo - que tem sido perfilhado, nomeadamente por Hélio Rigor Rodrigues, O confisco das vantagens do crime: entre os direitos dos homens e os deveres dos estados a jurisprudência do TEDH em matéria de confisco, in O Novo Regime de Recuperação de Ativos, INCM, 2018, pág. 81- não foi o acolhido pelo legislador que consagrou solução normativa diversa e que por isso importa respeitar.”. Não podendo olvidar-se também que, como ali se sublinhou, no que tange à alegação de que o crime não é título aquisitivo da propriedade e que o arguido não pode dispor (ainda que temporariamente), desse incremento patrimonial, ainda que não tenha intenção de o dissipar, os valores arrestados são lícitos, em relação aos quais foi decretado o arresto para garantia do eventual confisco de valores, esses sim produto de eventuais actividades delituosas. Consequente, entendemos que impende sobre o requerente do arresto, no caso o Ministério Público, tendo em vista a garantia do confisco/perda clássica, o ónus de alegar e provar o periculum in mora. Efectivamente, como ali se expendeu, “O artigo 228.º, n.º 1 do Código de Processo Penal preceitua que «a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil.». (...) Os fundamentos do arresto são, pois, os do artigo 391º, nº 1 do Código de Processo Civil, de acordo com o qual «o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.». E cabe ao requerente alegar e provar factos que tornem provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, nos termos do artigo 392.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Assim, como já referimos, uma vez que o arresto foi requerido e decretado ao abrigo do disposto no 228º do Código de Processo Penal, impende sobre o Ministério Público o ónus de alegar e provar o periculum in mora, salvo se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, caso em que fica dispensado dessa prova. O arresto é um procedimento cautelar que visa combater o “periculum in mora”, isto é, o prejuízo decorrente da demora do processo judicial normal e traduz-se numa apreensão judicial de bem tendente à garantia de um crédito, colocando-o na indisponibilidade do seu titular. Por isso o decretamento do arresto preventivo depende da probabilidade da existência do crédito e do justo receio de que o devedor inutilize, oculte, se desfaça dos seus bens que em princípio integram a garantia do credor. Constituem, assim, requisitos para o decretamento do arresto: - a probabilidade de existência de um crédito do requerente; - o justo receio ou perigo de insatisfação desse direito de crédito.”. No caso sub-judice não está em causa a probabilidade da existência de um crédito por banda do requerente, que ocorre, mas tão somente a verificação do segundo requisito, do periculum in mora ou do justo receio ou do perigo de insatisfação desse direito de crédito. Ora, como se sublinhou no citado aresto deste TRG, de 27/09/2021, que vimos seguindo de perto, “Para que se verifique o justo receio de perda da garantia patrimonial é necessário que se aleguem e provem factos concretos, objetivos, que demonstrem que o alegado receio é objetivamente fundado.”. E “embora não seja necessária a certeza de que a perda da garantia se torne efetiva mas apenas que haja um receio justificado de que tal virá a ocorrer, não basta qualquer receio, sendo necessário, no dizer da própria lei, que o receio seja justificado.”. Sendo que “ O justo receio de perda da garantia patrimonial ocorre sempre que o devedor adote, ou tenha o propósito de adotar, conduta, indiciada por factos concretos, relativamente ao seu património que, razoavelmente, interpretados inculquem a suspeita de que se prepara para subtrair os seus bens à ação dos credores (...). Pelo que, “Tendo presente então o que deve entender-se por justo receio de garantia patrimonial, também não podemos concordar com o Ministério Público quando defende que o periculum in mora, de acordo com o citado Artº 228º, concretiza-se por referência “ao fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento” do valor das vantagens, tal como determina o Artº 227º, nº 1, do C.P.Penal. Efectivamente, “tal não foi (...) a intenção do legislador, pois, se assim fosse, certamente que teria feito constar tal remissão no citado artigo 228º, ao invés de consagrar expressamente que o arresto é decretado nos termos da lei do processo civil.”. Sendo certo que, para além de tal consagração expressa, o legislador “ teve ainda o cuidado de fazer constar as exceções que entendeu dever fazer em relação a esse regime, como é o caso da situação prevista na parte final do nº 1, do artigo 228, do C.P.P., em que (...) presume que a não prestação da caução, só por si, consubstancia o “fundado receio da perda da garantia patrimonial” ou a situação prevista no nº 2, com a admissibilidade do arresto preventivo em relação ao comerciante.”. Assim, “o critério para avaliar o justo receio de perda da garantia patrimonial deve ser ponderado caso a caso, a partir de factos objetivos e concretos que denotem o perigo de se tornar mais difícil ou impossível a cobrança do crédito.”. Pelo que “o requerente do arresto terá (...) de materializar os concretos comportamentos realizados pelo devedor em face dos quais o tribunal possa retirar a conclusão de que com os mesmos aquele está a dissipar o património, a desviar ou desfazer-se dos ativos, de molde a tornar bem mais difícil ou mesmo de todo impossível a cobrança de créditos.”. Ou seja, e em síntese, entendemos que o requerente do arresto terá de alegar e demonstrar factos dos quais resulte a necessidade da providência, o que claramente resulta do Artº 392º, nº 1, do C.P.Civil, em cujo nº 1 se impõe que [o requerente do arresto] deduza os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado. Ora, como já há longas décadas fazia notar o Prof. Alberto dos Reis, no seu “Código de Processo Civil anotado", Volume II, Coimbra Editora, 3ª Edição, Reimpressão, 1981, pág. 25, o receio [de ocultação ou dissipação dos bens por banda do devedor] “não é justo ou fundado quando assenta sobre vagas conjecturas subjectivas”, sendo “necessário que se aleguem factos positivos e concretos, susceptíveis de exprimir a ameaça de ocultação”. No mesmo sentido se pronunciando o Exmo. Conselheiro Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, IV Vol., Almedina, 2001, pág. 176, quando, a propósito deste requisito, afirma que o critério de avaliação do mesmo “não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (...), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva.”. Sucede que, na situação em apreço, compulsando o requerimento (inicial) do Ministério Público, cuja cópia consta de fls. 135/150, nele não se vislumbra que tenham sido alegados factos positivos e objectivos que permitam admitir como razoável a ameaça de perda próxima da garantia patrimonial do crédito, que o receio invocado é justificado, e que, nessa perspectiva, a providência é necessária. Na verdade, salvo o devido respeito, não foi alegado qualquer facto concreto susceptível de permitir extrair a conclusão de que a sociedade arguida (através dos seus representantes legais, obviamente), ora recorrente, praticou ou se preparava para praticar actos com vista ao extravio ou delapidação do seu património de forma a subtrair os seus bens à acção do credor Estado, designadamente os valores atinentes a reembolsos de IVA, cujo arresto se requereu. E não tendo sido alegada, tal factualidade não consta, evidentemente, espelhada nos factos indiciariamente dados como assentes na decisão de 13/04/2021, que decretou a providência. Pelo que, mau grado estar verificada a existência da aparência do crédito, falece por completo o requisito do periculum in mora, que o tribunal a quo teve por verificado. Concordando-se inteiramente com a recorrente quando, na sua motivação recursória, afirma que “a circunstância de o dinheiro ser um elemento facilmente dissipável” por si só não justifica o decretamento da providência. Pois, como assertivamente ensinava o Prof. Alberto dos Reis, ibidem, págs. 25/26, “Uma coisa é o justo receio de ocultação, outra a grande facilidade ou possibilidade de ocultação.”. E se é certo que “Um indivíduo cuja fortuna é constituída por dinheiro ou por títulos ao portador, por exemplo, tem a maior facilidade em fazer desaparecer esses valores de um momento para outro”, não menos certo é que “isso não basta (...) para que contra ele se possa requerer arresto com o fundamento de justo receio de ocultação de bens”, sendo “indispensável que ele tenha praticado factos ou assumido atitudes que, razoavelmente interpretados, inculquem a suspeita de que se prepara para subtrair os seus bens à acção dos credores“. Neste circunstancialismo, não se mostrando preenchido o requisito do periculum in mora ou do justo receio de perda da garantia patrimonial, imprescindível para o decretamento do arresto preventivo requerido pelo Ministério Público, cujo ónus - repete-se - sobre si impendia, a providência não deveria ter sido deferida. Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, deverá proceder o recurso da arguida, neste segmento, impondo-se a revogação do despacho recorrido e o consequente levantamento do arresto decretado e concretizado [que teve por objecto os reembolsos de IVA requeridos pela sociedade junto da Autoridade Tributária, identificados na decisão proferida pelo tribunal a quo em 05/04/2021], ficando prejudicada a apreciação da última questão suscitada pela recorrente (Artº 608º, nº 2, 1ª parte, do C.P.Civil, ex-vi Artº 4º do C.P.Penal). III. DISPOSITIVO Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso interposto pela arguida e requerida “X-Têxteis Para a Hotelaria, Lda.” e, em consequência, revogam o despacho recorrido e determinam o levantamento do arresto decretado relativamente aos reembolsos de IVA oportunamente requeridos pela sociedade junto da Autoridade Tributária, melhor identificados na decisão proferida pelo tribunal a quo em 05/04/2021. Sem custas. (Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos - Artº 94º, nº 2, do C.P.Penal) * Guimarães, 24 de Janeiro de 2022 António Teixeira (Juiz Desembargador Relator) Paulo Correia Serafim (Juiz Desembargador Adjunto) 1. Diploma ao qual pertencem todas as disposições legais a seguir citadas, sem menção da respectiva origem. 2. Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator. 3. Disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140724.html. |