Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2620/23.6T8VCT-A.G1
Relator: JOSÉ CARLOS DUARTE
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO (UE) 1215/12
CONTRATO DE VENDA DE AÇÕES
TRANSMISSÃO DE UMA POSIÇÃO JURÍDICA
INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/28/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- Quando o litígio, tal como o autor o configura na acção, apresenta um ou mais elementos de conexão com uma ou várias ordens jurídicas distintas do ordenamento do foro, coloca-se um problema de competência internacional.
II - Sempre que seja instaurado um processo nos tribunais nacionais que apresente conexões com a ordem jurídica portuguesa e com ordem ou ordens jurídicas estrangeiras, a fim de se determinar se os tribunais nacionais são (ou não) internacionalmente competentes para dele conhecer, há que atender, em primeiro lugar, às regras de competência internacional impostas por fontes normativas supranacionais a que o Estado Português se auto vinculou, nomeadamente, as previstas em Regulamentos da União Europeia, que o art. 8º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), incorpora diretamente na ordem jurídica nacional através de uma cláusula de receção direta nele enunciada, impondo-se, na ausência daqueles recorrer então às normas de competência interna previstas nos arts. 62º e 63º do CPC.
III – A regra geral estabelecida no art.º 4º n.º 1 do Regulamento (UE) 1215/12, é a de que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro.
IV - No entanto o art.º 5º n.º 1 do Reg. 1215/12 prevê a possibilidade de, em alternativa (e não em substituição) as pessoas domiciliadas num Estado-Membro, serem demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro, nas situações enunciadas nas secções 2 a 7 do capitulo II.
V – Uma dessas situações é o tribunal do foro do lugar do cumprimento – art.º 7º, o qual comporta uma regra geral em matéria contratual – alínea a) – e uma regra específica para os contratos de compra e venda e prestação de serviços.
VI – Sendo a causa de pedir a transmissão de acções não tituladas, está em causa, em essência, a transmissão de uma posição jurídica, pelo não é aplicável o 1º parágrafo da alínea b) do n.º 1 do art.º 7º, na parte em que se refere ao contrato de compra e venda, já que o critério utilizado pelo referido normativo para determinar o lugar do cumprimento em tal contrato é o lugar da entrega, o que, pela natureza das coisas, não ocorre no negócio em referência.
VI – Relativamente à alínea a) do n.º 1 do art.º 7º, o TJUE tem vindo a decidir que “o lugar do cumprimento deve ser determinado segundo a lei designada pelo Direito de Conflitos do foro”, o que, no caso português, implica atentar no disposto nos art.ºs 41º e 42º do CC.
VII - O que a alínea a) do art.º 62º do CPC autoriza é que uma acção seja proposta em tribunal português se isso resultar da concreta aplicação das regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, sendo certo que em tal âmbito existem regras especiais e gerais e, como é consabido, se a situação fáctica a considerar estiver prevista numa norma especial, é essa que se aplica e não a regra geral.
VIII – Se a acção se destinar a exigir o cumprimento de uma obrigação, nos termos do n.º 1 do art.º 71º, em abstracto, o tribunal competente para a acção é o tribunal do domicílio do réu; se o R. residir no estrangeiro, em concreto não pode ser aplicada a referida norma e, portanto, a acção não pode ser proposta em tribunal português à luz da alínea a) do art.º 62º do CPC.
IX – A alínea c) do art.º 62º do CPC visa evitar situações de denegação de justiça (proibida pelo art.º 20, n.º 1 da CRP, pelo art.º 6 n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e pelo art.º 47 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) seja porque o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português, seja porque se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro (nomeadamente de ordem financeira para suportar os custos da propositura de uma acção nos tribunal estrangeiro).
X - O preenchimento da alínea c) do art.º 62º do CPC exige a alegação e prova de factos consubstanciadores de alguma das suas previsões.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

1. Relatório

AA, residente em ... intentou contra BB, residente em França, a acção declarativa de condenação de que os presentes são apenso, pedindo a condenação da mesma a pagar-lhe a quantia de € 15.000,00, acrescida de juros legais à taxa legal em vigor, calculando-se os vencidos em € 4.135,34 e dos vincendos até efectivo e integral pagamento

Alegou para tanto, e em síntese, que a 01 de Janeiro de 2016 realizou-se uma Assembleia Geral Extraordinária da sociedade anónima que identifica, com sede em França, da qual A. e Ré são accionistas, na qual os accionistas ratificaram a cessão de 170 acções da citada sociedade, efectuada pelo autor à Ré, pelo valor de € 15.000,00; a Ré obrigou-se a proceder ao pagamento da referida quantia em três prestações, cada uma no valor de € 5.000,00, a primeira, até ../../2016, a segunda até ../../2016 e a última até ../../2016; a 23 de Março de 2016 as partes subscreveram o instrumento denominado “Declaração de Reconhecimento de Dívida”; a Ré não procedeu ao pagamento de nenhuma das três prestações acordadas

A Ré contestou invocando que o negócio jurídico em que o A. sustenta o pedido consiste numa hipotética transmissão/cessão/venda, efetuada pelo mesmo à Ré, de 170 acções da sociedade anónima já identificada pelo A., pelo valor de € 15.000,00; o A. identifica a Ré como residindo em França, o que efectivamente ocorre; nos termos do art.º 4º, n.º 1 do Regulamento (EU) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro a competência internacional para julgar a presente demanda é atribuída aos tribunais franceses, não podendo a Ré ser demandada, atenta a causa de pedir invocada, nos tribunais portugueses, pelo que se verifica a incompetência absoluta, em razão da infração das regras de competência internacional dos tribunais portugueses para julgar a presente demanda.

O A. respondeu invocando que, se é verdade que a Ré reside em França, não é menos verdade que, nos termos do disposto no artigo 80º, nº 3 do CPC, residindo a Ré no estrangeiro, é demandada no domicílio do A.; residindo o autor em ... e tendo a ré de perfazer os pagamentos devidos ao autor de forma parcelar, era em Portugal que esta havia de cumprir a obrigação.

Depois de relatar as incidências processuais, o tribunal recorrido proferiu a seguinte decisão:
“ (…)
A questão de competência internacional surge quando no pleito se desenham elementos em conexão – as pessoas, os bens, o lugar do cumprimento da obrigação - com outra ordem jurídica, para além da portuguesa – cfr. Alberto dos Reis, in Comentário, 1º, 105 e sgs.
Trata-se de saber se a questão submetida a Tribunal deve ser dilucidada e decidida pelos tribunais portugueses ou se pelos tribunais estrangeiros.

Estatui o artº 59º do CPC:
«Competência internacional
Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º»
Deste preceito - e de outros que o sobrelevam: artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, e 8º da Constituição - dimana que a competência internacional afere-se em função de fontes internacionais (vg. convenções, fontes comunitárias, regulamentos CE) e fontes internas (cfr. artº 62º do CPC).
Importando notar que «a lei portuguesa dá prevalência às normas convencionais sobre tal matéria, pugnando o referido na Constituição da República Portuguesa, na media em que o seu art.º 8, em conjugação com outras normas, nomeadamente as constantes dos nºs 5 e 6 do art.º 7º, acolhe o princípio do primado do Direito Comunitário, e no seu nº 2 consagrou a doutrina da receção automática das normas do direito internacional particular, isto é, o direito convencional constante de tratados e acordos em que participe o Estado português, as quais são diretamente aplicáveis pelos tribunais, apenas condicionando a sua eficácia interna à publicação oficial no seguimento de ratificação ou aprovação» - Ac. RC de 11.10.2017, p. 6484/16.8T8VIS.C1 ; Ac. do STJ de 09.02.2017, p.1387/15.6T8PRT-B.L1.P1-A, in dgsi.pt. e REMÉDIO MARQUES, in Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, página 173.
Assim, importa reter três aspetos essenciais.
Primeiro.

Nos termos do artº 38º da lei 62/2013 (LOSJ):
1 - A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.
Segundo.
A competência aprecia-se em função do modo como o autor delineia o pleito, rectius define a causa de pedir, sendo, em princípio, irrelevantes as razões aduzidas pelo réu.
Terceiro:
Sempre que, de acordo com as regras da competência traçadas na ordem interna, a ação possa ser instaurada em Portugal, os tribunais portugueses terão, em princípio, competência internacional para julgar, não obstante existirem elementos de conexão com outras ordens jurídicas estrangeiras.
Os elementos de conexão que atribuem a competência internacional aos tribunais portugueses são estabelecidos no artº 62º do CPC.

Estatui este preceito:
«Fatores de atribuição da competência internacional
Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.»
A alínea a) consagra o designado princípio da coincidência.
A alínea b) o princípio da causalidade.
A alínea c) o princípio da necessidade.
O caso sub judice.
Entende-se face à forma como a presente acção foi proposta que se subsume nas alíneas a) e c) do artº 62º.
E, de facto e de direito, assim é.
Prescreve o art. no artigo 80º, nº3 do CPC, sendo o Tribunal competente o do domicilio do réu, “… se o réu tiver o domicílio e a residência em país estrangeiro, é demandado no tribunal do lugar em que se encontrar; não se encontrando em território português, é demandado no do domicílio do autor…”.
As regras de atribuição de competência visam aproximar a causa do tribunal que estiver em melhores condições para, mais justa e celeremente, a julgar.
Pelo menos por via de regra, e salvo circunstâncias excepcionais, a decisão sobre a competência afere-se pelo modo factual – rectius causa petendi – como o autor delineia o pleito.
As regras de atribuição de competência poderão, no limite, ser afastadas, mas apenas se se provar ou indiciar fortemente que da aplicação das mesmas resultará uma decisão intoleravelmente injusta ou morosa, e, assim, nociva – cfr. al. c) do artº 62º do CPC.
Nestes termos, conclui-se que o Autor podia instaurar a presente acção neste tribunal porquanto reside neste concelho e comarca, pelo que não poderá a exceção invocada proceder.

A Ré interpôs recurso, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. Tem o presente recurso por objeto o douto despacho saneador, datado de 04.01.2024, com a Ref.ª ...21, na parte em, pronunciando-se sobre as exceções dilatórias invocadas, decidiu que, conclui-se que o Autor podia instaurar a presente acção neste tribunal porquanto reside neste concelho e comarca, pelo que não poderá a exceção invocada proceder, indeferindo, assim, a invocada incompetência absoluta, em razão da infração das regras de competência internacional dos Tribunais Portugueses para julgar a presente demanda.
2. Na presente demanda sustenta o Autor/Recorrido, como causa de pedir uma (hipotética) transmissão/cessão/venda efetuada entre o ele, AA, e a Ré/Recorrente, BB, de 170 acções da sociedade EMP01..., pelo valor global de € 15.000,00,
3. Mais pedindo a final a condenação da Recorrente a pagar-lhe a quantia de €15.000,00, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
4. Para o efeito, identifica a aqui Recorrente, indicando o seu domicílio em ..., ...10, ..., França.
5. Mais identifica a referida sociedade comercial EMP01..., constituída ao abrigo do Ordenamento Jurídico Francês, com sede naquele país,
6. Sustenta, ainda, que se realizou na sede da empresa, a 01.01.2016, uma assembleia geral extraordinária na qual os sócios (donde se infere que o mesmo também terá estado presente) terão ratificado a invocada cessão de quotas.
7. Estes os factos alegados pelo Autor em que o mesmo baseia o pedido formulado e, através dos quais, se tem de aferir a (in)competência internacional dos tribunais portugueses.
8. Por sua vez, a Recorrente, contestando a presente demanda, invoca, em primeira linha, a exceção dilatória da incompetência absoluta dos tribunais portugueses para apreciar a presente demanda e só, subsidiariamente, apresenta os demais argumentos defensionais.
9. Com efeito, para a apreciação da competência internacional do presente tribunal para julgar a presente causa, parte a decisão a quo do prescrito no ordenamento jurídico-adjetivo Português, concretamente o art. 59.º do CPC que estabelece que,
Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.
10. O sobredito normativo legal parece, pois, estabelecer que, independente[mente] do que se mostre consagrado em regulamentos europeus ou demais instrumentos internacionais, os Tribunais Portugueses serão sempre competentes quando se verificarem, num determinado caso em concreto, um dos factos de atribuição de competência internacional, seja as previstas no art. 62.º e 63.º do CPC, seja as prevista no art. 94.º do mesmo diploma legal.
11. Acontece que, o disposto no art. 59.º do CPC, em conjugação com o disposto no art. 62.º, 63.º e 94.º do CPC, apenas determina a competência internacional dos tribunais portugueses quando inexiste regulamentos europeus ou outros instrumentos internacionais que regulem expressamente determinada matéria,
12. Porquanto, quando existe essa regulamentação (europeia/internacional) é essa ordem jurídica (a que resulta dos regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais) a competente para determinar tal competência.
13. É, isso, pois, o que determina o n.º 4 do art. 8.º da CRP e o art. 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e que a Doutrina e a Jurisprudência denomina de PRINCÍPIO DO PRIMADO DO DIREITO COMUNITÁRIO SOBRE O DIREITO NACIONAL.
14. Neste sentido, quando numa determinada demanda judicial que se discute a atribuição da competência dos tribunais (portugueses), tem prevalência a aplicação das disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições em relação às normas do ordenamento jurídico interno português.
15. Assim, dúvidas não surgem que, havendo concurso de “jurisdição” – interna e comunitária/europeia – quanto a determinada problemática, v.g. competência dos tribunais, tem prevalência da aplicação do ordenamento jurídico comunitário.
16. Neste sentido, de molde a aferir a competência internacional dos Tribunais Portugueses ou Franceses para julgar a presente demanda, tem aplicabilidade o Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, porquanto, estabelece o art. 1.º, n.º 1 do mesmo que, O presente regulamento aplica-se em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição. Não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, nem a responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado («acta jure imperii»).
17. Por sua vez, o art. 4.º daquele mesmo diploma legal, estabelece que, Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro.
18. A Recorrente tem o seu domicílio em França, facto que o Autor bem sabe e não pode ignorar. Mais, reconhece-o, porquanto, assim a identifica na [Petição ] Inicial.
19. Pelo que, a competência internacional para julgar a presente demanda é atribuída, à luz do sobredito Regulamento da EU, aos tribunais franceses,
20. Tanto assim é que, no caso sub judice, não se encontra verificada nenhuma exceção à determinação daquela competência, conforme prescrito no art. 7.º e 8.º do mesmo Regulamento da EU, porquanto, o negócio jurídico invocado pelo Autor na Inicial é um contrato de compra e venda (cessão de ações) de uma empresa constituída ao abrigo do ordenamento jurídico francês; com sede em França; a uma cidadã residente em França;
21. Além de que, não tendo o Autor alegado o local para o cumprimento do invocado contrato, aplicar-se-á as regras gerais do direito a este propósito, que determina que o cumprimento da obrigação tem de ser realizado no domicílio do devedor.
22. Assim, à luz dos normativos legais supra enunciados, é inelutável que os Tribunais Portugueses são internacionalmente incompetentes para apreciar e julgar a presente demanda.
23. Por isso, nunca a Ré/Recorrente poderia ser demandada, atenta a causa de pedir invocada, nos Tribunais Portugueses, porquanto, verifica-se a incompetência absoluta, em razão da infração das regras de competência internacional, dos Tribunais Portugueses para julgar a presente demanda, o que se impõe seja reconhecido e declarado, com todos os legais efeitos.
24. Destarte, em prol da Verdade, da Justiça e do Direito deve a decisão a quo ser alterada e substituída por uma outra que reconheça e declare a incompetência absoluta, em razão da infração das regras de competência internacional, dos Tribunais Portugueses para julgar a presente demanda, julgamento deste modo procedente a invocada exceção dilatória invocada, com todos os legais efeitos, só assim se fazendo inteira e sã Justiça.
25. Tanto mais que, as presentes alegações de recurso encontram conforto legal nos artigos, art. 8.º, n.º 4 da CRP, art. 59.º, 62.º, 63.º, 94.º do CPC e, ainda, o Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, bem assim, em todas as demais disposições legais que V/Exas. considerem aplicáveis in casu.

Não consta tenham sido apresentadas contra-alegações.

2. Questões a apreciar

O objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso, cuja apreciação ainda não se mostre precludida.

O Tribunal ad quem não pode conhecer de questões novas (isto é, questões que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (cfr. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, p. 139).

Pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, pelo que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida.

A única questão que cumpre apreciar é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, ao considerar os tribunais portugueses internacionalmente competentes para apreciar a acção intentada pelo A. contra a Ré.

3. Fundamentação de facto

As incidências fácticas relevantes para a decisão são as indicadas no antecedente relatório e que aqui se dão por reproduzidas.

4. Fundamentação de direito
4.1. Enquadramento jurídico

A competência do tribunal é a medida da jurisdição dos tribunais (cfr., por todos, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 88).

E afere-se:
- pelos “termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão” (Manuel de Andrade, ob. cit., pág. 91), ou seja, afere-se em função do pedido e da causa de pedir;
- em regra, no momento em que a ação se propõe (cfr. art.º 38º, n.º 1 da LOSJ).

A competência internacional constitui a “fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto em face dos tribunais estrangeiros para julgar as ações que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídicas estrangeiras” (cfr. Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, pág. 198).

Coloca-se um problema de competência internacional quando o litígio, tal como o autor o configura na acção, apresenta um ou mais elementos de conexão com uma ou várias ordens jurídicas distintas do ordenamento do foro.

Dispõe o art.º 59º do CPC (negrito nosso):
Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.

Como refere Remédio Marques in Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, p. 173, “coexistem na nossa ordem jurídica regras de competência internacional direta impostas por fontes normativas supranacionais, de direito comunitário da União Europeia, os regulamentos comunitários, que determinam a competência internacional direta dos diferentes tribunais dos Estados membros. As regras de competência internacional (direta), que constam desses regulamentos comunitários, valem tanto para os tribunais do foro (isto é, para os tribunais de um Estado membro onde, em concreto, a ação foi proposta), como para os tribunais de qualquer outro Estado membro”.

A aferição da competência internacional dos tribunais portugueses, deve ser efectuada, prioritariamente, à luz dos regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais que vinculem o Estado português (cfr. António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa n CPC Anotado, 2ª edição, pág. 95-96 e Ac. do STJ de 07/06/2022, proc. 24974/19.9T8LSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj).

Sempre que seja instaurado um processo nos tribunais nacionais que apresente conexões com a ordem jurídica portuguesa e com ordem ou ordens jurídicas estrangeiras, a fim de se determinar se os tribunais nacionais são (ou não) internacionalmente competentes para dele conhecer, há que atender, em primeiro lugar, às regras de competência internacional impostas por fontes normativas supranacionais a que o Estado Português se auto vinculou, nomeadamente, as previstas em Regulamentos da União Europeia, que o art. 8º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (CRP), incorpora diretamente na ordem jurídica nacional através de uma cláusula de receção direta nele enunciada, impondo-se, na ausência daqueles recorrer então às normas de competência interna previstas nos arts. 62º e 63º do CPC.

Assim tem decidido de forma constante a jurisprudência nacional como se verifica, nomeadamente, nos seguintes acórdãos:
- Ac. desta RG de 25/11/2013, proc.  2696/09.9TBBCL.G1, consultável in www.dgsi.pt/jtrg:       
III - Caindo determinada situação no âmbito de aplicação v.g. de um concreto Regulamento comunitário, e porque as regras internacionais integram-se no ordenamento jurídico de cada Estado, quando o Tribunal português é chamado a conhecer de uma causa em que haja um elemento de conexão com a ordem jurídica de outro Estado contratante, deverá ignorar as regras de competência internacional da lex fori, antes deve aplicar as regras uniformes do Regulamento.

- Ac. da RE de 15/12/2016, proc. 1330/16.5T8FAR.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre:
3- Caindo determinada situação no âmbito de aplicação v.g. de um concreto Regulamento comunitário, e porque as regras internacionais integram-se no ordenamento jurídico de cada Estado, quando o Tribunal português é chamado a conhecer de uma causa em que haja um elemento de conexão com a ordem jurídica de outro Estado contratante, deverá ignorar as regras de competência internacional da lex fori, antes deve aplicar as regras uniformes do Regulamento.

- Ac. desta RG de 07/12/2017, proc. 6919/16.0T8PRT.G1, consultável no mesmo sítio do anterior:      
II – O regime interno de competência internacional só será aplicável quando a ação não for abrangida pelo âmbito de aplicação do regime comunitário, que é de fonte hierarquicamente superior e face ao princípio do primado do direito europeu (cfr. arts. 288º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, 8.º, n.º 4 da Constituição de República Portuguesa e 1ª parte do art. 59º do CPC).

- Ac. do STJ de 07/10/2021, proc. 448/18.4T8FAR.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj onde consta:
I – Os tribunais portugueses estão vinculados a regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais que, no seu campo específico de aplicação, gozam de prevalência aplicativa sobre as normais processuais portuguesas, nomeadamente sobre as normas reguladoras da competência internacional constantes do Código de Processo Civil.

O Regulamento europeu é uma das fontes do direito comunitário, dispondo o art.º 288º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia que “tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros.”

Por outro lado, o n.º 4 do art.º 8º da CRP dispõe que as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.

Destarte e por força das referidas normas, os Regulamentos têm efeito directo na ordem jurídica portuguesa.

Outra questão é a do primado do direito da União Europeia sobre o ordenamento jurídico interno de cada um dos Estados-Membros, ou seja, em caso de conflito entre as normas de direito da União Europeia e as normas nacionais, os Estados têm o dever de aplicar as primeiras e de desaplicar a norma de direito nacional.

Muito embora não exista nos Tratados da União Europeia norma que expresse tal primado, o mesmo foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) nos acórdãos históricos de 5 de Fevereiro de 1963, proferido no processo 26/62, consultável  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/Pt/TXT/HTML/?uri=CELEX:61962CJ0026&from=PT e de 15 de Julho de 1964, no processo 6/64, consultável in  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:61964CJ0006&from=PT.

No que aos autos releva, impõe-se convocar o Regulamento n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, aplicável a partir de 10/01/2015, nos termos do seu art.º 81º.

Este Regulamento visou melhorar o Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22 de dezembro de 2000 o qual, por sua vez, visou melhorar a Convenção de Bruxelas de 1968, já que ambos tinham por objecto a mesma matéria: a competência judiciária e a execução de decisões em matéria civil e comercial.

A razão de ser da regulação comunitária da competência judiciária e da execução de decisões em matéria civil e comercial encontra expressão nos considerados (3), (4) e (6) do Regulamento 1215/2012, que têm o seguinte teor:

(3) A União atribuiu-se como objetivo manter e desenvolver um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, nomeadamente facilitando o acesso à justiça, em especial através do princípio do reconhecimento mútuo de decisões judiciais e extrajudiciais em matéria civil. A fim de criar gradualmente esse espaço, a União deve adotar medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil que tenham incidência transfronteiriça, nomeadamente quando tal seja necessário para o bom funcionamento do mercado interno.

(4) Certas disparidades das regras nacionais em matéria de competência judiciária e de reconhecimento de decisões judiciais dificultam o bom funcionamento do mercado interno. São indispensáveis disposições destinadas a unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial e a fim de garantir o reconhecimento e a execução rápidos e simples das decisões proferidas num dado Estado-Membro.

(6) Para alcançar o objetivo da livre circulação das decisões em matéria civil e comercial, é necessário e adequado que as regras relativas à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões sejam determinadas por um instrumento legal da União vinculativo e diretamente aplicável.

No que diz respeito ao âmbito de aplicação material ou objectiva, o Regulamento aplica-se em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição (cfr. art.º 1º, n.º 1), ou seja, independentemente de o tribunal que julga a causa (que há-de ter por objecto matéria civil e comercial) ser um tribunal civil, comercial, laboral ou mesmo criminal (João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, I, AAFDL, pág. 177)

A segunda parte do n.º 1 dispõe que o Regulamento não abrange, nomeadamente, as matérias fiscais, aduaneiras ou administrativas, nem a responsabilidade do Estado por atos ou omissões no exercício da autoridade do Estado («acta jure imperii»).
Por outro lado, pese embora as matérias referidas nas alíneas a), e) e f) do n.º 2 sejam indubitavelmente de direito civil substantivo e as matérias referidas na alínea b) sejam de direito comercial, o corpo do n.º 2 do art.º 1º dispõe que o Regulamento 1215/2021 não se aplica às mesmas, assim como à segurança social (alínea c)) e à arbitragem (alínea d)).

O “conceito de “matéria civil e comercial“ é “específico, autónomo e exclusivo do regulamento” - já que a qualificação da natureza civil ou comercial de um determinado litígio não é uniforme  nos diversos Estados-Membros da União Europeia – e tem vindo a ser integrado e densificado, caso a caso, em função da jurisprudência produzida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)” (Marco Carvalho Gonçalves, in Scientia Iuridica, Tomo LXIV, n.º 339, Setembro/Dezembro, 2015, Universidade do Minho, Competência Judiciária Europeia, pág. 421)

A referida orientação foi estabelecida pelo Ac. do TJ de 14 de Outubro de 1976,  processo 29/76, consultável in  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A61976CJ0029 que, sobre a interpretação da noção «matéria civil e comercial» na acepção do primeiro parágrafo do artigo 1.º da convenção de 27 de Setembro de 1968, norma idêntica ao actual art.º 1º do Reg. 1215/2012, decidiu: “Para interpretar a noção «matéria civil e comercial» para efeito da aplicação da convenção de 27 de Setembro de 1968, designadamente do seu título III, deve fazer-se referência não ao direito de qualquer dos Estados-membros em causa, mas, por um lado, aos objectivos e ao sistema da convenção e, por outro, aos princípios gerais que resultam do conjunto dos ordenamentos jurídicos nacionais.

Do ponto de vista subjectivo, o Reg. 1215/12 só é aplicável, em princípio, quando o demandado tiver domicílio ou sede num Estado-membro, como decorre do disposto no seu art.º 6º, n.º 1, ao dispor que, se o requerido não tiver domicílio num Estado-Membro, a competência (internacional) dos tribunais de cada Estado-Membro é, sem prejuízo do artigo 18.º, n.º 1, do artigo 21.º, n.º 2, e dos artigos 24.º e 25.º, regida pela lei desse Estado-Membro, o que, no caso português, sucede com os artigos 62º e 63º do CPC.

Destarte, quando o litígio se enquadrar no âmbito de aplicação material do Reg. 1215/12 e o demandado tiver o seu domicílio no território de um Estado-Membro, as respectivas regras de competência devem, em princípio, ser aplicadas e prevalecer sobre as regras nacionais de competência.

A regra geral está estabelecida no art.º 4º n.º 1 do Reg. 1215/12, onde se dispõe que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro.

Sendo a competência fixada a função do domicílio do Réu, o Reg. 1215/2012 não permite a aplicação da teoria do forum non conveniens, tradicionalmente adoptada nos países da common law, segundo a qual um tribunal pode declinar a sua jurisdição para conhecer um determinado litígio se considerar que um tribunal de uma outra jurisdição está em melhores condições para conhecer esse mesmo litígio (Ac. do TJUE de 01/03/2005, proc. 281/02 consultável in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62002CJ0281).

No entanto a regra do art.º 4º n.º1 não é absoluta, pois o art.º 5º n.º 1 do Reg. 1215/12 prevê a possibilidade de, em alternativa (e não em substituição) as pessoas domiciliadas num Estado-Membro, serem demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro, nas situações enunciadas nas secções 2 a 7 do capitulo II: 2 – Competências especiais; 3 – competências em matéria de seguros; 4 - Competência em matéria de contratos de consumo; 5 - Competência em matéria de contratos individuais de trabalho; 6 - Competências exclusivas; 7 - Extensão de competência.

A este respeito refere o Considerando 16 do do Regulamento 1215/2012:
“O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para ele.”.

Ou seja, caso se verifique alguma das situações enunciadas nas secções 2 a 7 do capitulo II o demandante “pode” escolher o foro contratual ali especificado, assim não se afastando o critério geral previsto no artigo 4º, apenas se prevendo uma opção ao demandante (cfr. Ac. do STJ de 07/06/2022, proc. 24974/19.9T8LSB.L1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj).

A este respeito refere Marco Carvalho Gonçalves, in ob.cit. supra, pág. 427:
“Note-se que, estando simultaneamente preenchida a regra geral do domicilio do réu e uma regra especial de competência, a regra especial não derroga a regra geral. Diversamente, verificando-se, no caso em concreto, algum critério especial de competência, o autor tem a possibilidade de escolher entre propor a acção nos tribunais do Estado-Membro do domicilio do réu ou nos tribunais do Estado-Membro que sejam competentes à luz desse critério especial, ou seja, a competência desses tribunais é alternativa. Isto a não ser que, no caso concreto, se verifique alguma situação de competência exclusiva (art.º 24º) ou convencional (art.º 25º), as quais afastam os critérios gerais e especiais de competência. Ocorrendo essa possibilidade de escolha do foro, estamos perante uma situação de forum shopping.”
No que aos autos releva, apenas cumpre atentar na competência especial prevista no art.º 7º n.º 1, que integra a Secção 2 do Regulamento – e que diz respeito ao lugar do cumprimento da obrigação – o qual dispõe que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro:
1) a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;
b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:
- no caso de venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,
- no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados.
c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a);

Mais uma vez importa referir que a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) vem afirmando a necessidade de os Regulamentos deverem ser objecto de uma interpretação autónoma da que eventualmente pudesse ser encontrada em face do direito de cada Estado-Membro.

Assim afirmou-se no Ac. do TJ de 05/12/2003, proc. C-508/12 consultável in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62012CJ0508o seguinte:
Segundo jurisprudência constante, decorre das exigências tanto de aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição de direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos EstadosMembros para determinar o seu sentido e alcance devem normalmente ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União, interpretação essa que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objetivo prosseguido pela regulamentação em causa (v., nomeadamente, acórdão de 27 de junho de 2013, Malaysia Dairy Industries, C320/12, n.° 25 e jurisprudência referida).

E o mesmo entendimento foi afirmado, por remissão para tal Ac., pelo Ac. do TJUE de 16.06.2016, proc. C-511/14, consultável in  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A62014CJ0511.

A alínea a) é a cláusula geral.
A alínea b) define especificamente o lugar do cumprimento para os contratos de compra e venda e de prestação de serviços.
Neste contexto, a alínea c) é uma regra de aplicação do direito: se não for aplicável a alínea b), nomeadamente porque não está em causa um contrato de compra e venda ou um contrato de prestação de serviços, será aplicável a alínea a).

São abrangidas pelo n.º 1 do art.º 7º - “matéria contratual” -, as situações em que há uma obrigação livremente assumida por uma pessoa relativamente a outra, como no caso dos negócios unilaterais (Luís Lima Pinheiro in Direito Internacional Privado Volume III Tomo I, 3.ª Edição, pág. 118).

Relativamente à alínea a) o “legislador europeu entendeu que “o foro do lugar do cumprimento da obrigação não só está bem colocado para a condução do processo, como também é aquele que, em regra, apresenta a conexão mais estreita com o litígio” (Marco Carvalho Gonçalves, in ob. cit. supra, pág. 428).

Ainda relativamente à alínea a) “o lugar do cumprimento deve ser determinado segundo a lei designada pelo Direito de Conflitos do foro” (Luís Lima Pinheiro in Direito Internacional Privado, Volume III Tomo I, 3.ª Edição, pág. 120)

No referido sentido:
- o Ac. do TJ de 06/10/1976, proc. 12/76, consultável in  https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A61976CJ0012, que versa sobre a interpretação da noção «lugar onde a obrigação foi ou deve ser cumprida», na acepção do n.º 1 do artigo 5.º da convenção de 27 de Setembro de 1968, norma idêntica à do actual n.º 1 do art.º 7º do Reg. 1215/2012, tendo decidido que: “Para esse efeito, deve determinar, em virtude das suas próprias normas de conflitos, qual a lei aplicável à relação jurídica em causa e, em conformidade com essa lei, definir o lugar do cumprimento da obrigação contratual em litígio.”;
- o Ac. do TJ de 23/04/2009, proc. C-533/07, consultável in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62007CJ0533 que considerou que, para determinar, em aplicação do artigo 5.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento n.º 44/2001, idêntico ao actual art.º 7º, n.º 1 do Reg. 1215/2012 o tribunal competente, devem continuar a ser tidos em conta os princípios que decorrem da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao artigo 5.º, n. 1, da Convenção de Bruxelas;
- e o Ac. do TJ de 14/03/2013, proc. C-419/11, consultável in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A62011CJ0419 decidiu que “o lugar onde essa obrigação foi ou deva ser cumprida deve ser determinado em conformidade com a lei que regula essa obrigação de acordo com as regras de conflito do órgão jurisdicional chamado a decidir o litígio (v., por analogia, designadamente, acórdãos de 6 de outubro de 1976, Industrie Tessili Italiana Como, 12/76, Colet., p. 585, n.º 13, e de 28 de setembro de 1999, GIE Groupe Concorde e o., C-440/97, Colet., p. I-6307, n.º 32; e acórdão Besix, já referido, n.ºs 33 e 36).”

No Ac. da RL de 17/12/2008, processo 3599/2008-6, consultável in www.dgsi.pt/jtrl relativamente à expressão “bens” utilizada no art.º 5º, n.º 1, alínea b) do Regulamento nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, norma idêntica ao art.º 7º, n.º 1, alínea b) do Reg. 1215/2012, escreveu-se:
“(…) para que a alínea b) do artigo 5º do Regulamento seja aplicável necessário se torna que a “venda de bens” e a “prestação de serviços” impliquem realidades susceptíveis de ser entregues ou prestadas.
No sentido de que à expressão “bens” deve ser associada uma natureza corpórea (sob pena de dificilmente se poder equacionar a sua entrega) invocamos, ainda, o texto do Regulamento nas línguas espanhola e francesa, que falam, respectivamente, em mercaderías e marchandises, e a Proposta de Regulamento (CE) do Conselho relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (apresentada pela Comissão), que por mais de uma vez refere “venda de mercadorias” .

4.2. Em concreto

O A., residente em Portugal, demandou a Ré, residente em França, pedindo a condenação da mesma no pagamento de € 15.000,00 invocando para tanto, num primeiro momento, a venda à mesma de 170 acções de uma sociedade anónima francesa, pelo valor de € 15.000,00, e num segundo momento, o facto de a mesma ter declarado, por escrito, reconhecer dever ao A. a citada quantia relativamente à venda das acções.

Uma vez que o reconhecimento de dívida é acompanhado da indicação da respectiva causa – a venda das acções – pode afirmar-se que a causa de pedir central é a venda das acções.

A acção tem elementos de conexão com duas ordens jurídicas: a portuguesa, dado o facto de o A. residir em Portugal e a francesa, dado o facto de a Ré residir em França, pelo que se coloca um problema de competência internacional dos tribunais portugueses para julgar a acção.

Quer Portugal, quer a França são Estados-Membros da União Europeia, pelo que para determinar a competência internacional dos tribunais portugueses tem plena aplicação o já acima referido Regulamento n.º 1215/2012 de 12 de dezembro de 2012, o qual, como também ficou referido, dado o primado do direito comunitário sobre o direito nacional, é a fonte primeira da determinação daquela competência.

Assim, a primeira questão que se coloca é a de saber se estamos perante matéria civil ou comercial.

A resposta é, sem margem para dúvidas, afirmativa, pois a presente acção tem por objecto a alegada obrigação da Ré de pagar ao A. a quantia peticionada por ter vendido àquela 170 acções de uma sociedade francesa e a mesma ter subscrito uma declaração de reconhecimento de dívida, pelo que estamos perante uma questão entre particulares e no exercício da autonomia da sua vontade e, assim, de direito das obrigações.

O passo seguinte é verificar da aplicabilidade da regra geral estabelecida no art.º 4º n.º 1 do Reg. 1215/12, onde se dispõe que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro.

A Ré reside em França, pelo que se aplica o referido normativo e competentes para julgar o litígio são os tribunais franceses.

Cabe, no entanto, perguntar se à luz do Regulamento em referência e concretamente à luz do seu art.º 7º os tribunais portugueses podiam ser um foro alternativo.

Comecemos por verificar se é aplicável a alínea b) do n.º 1 do art.º 7º.

Como já ficou referido, a causa de pedir central é a compra e venda das acções.

As acções são valores mobiliários representativos do capital social das sociedades anónimas, as quais conferem uma posição jurídica composta de um conjunto de direitos e obrigações, que podem ser escriturais ou tituladas, ou seja, consoante sejam representadas por registos em conta ou por documentos em papel.

Destarte, estamos essencialmente perante a transmissão de uma posição jurídica, sendo certo que nada permite, sequer, afirmar que as acções sejam tituladas, pelo que não é aplicável o 1º parágrafo da alínea b) do n.º 1 do art.º 7º, na parte em que se refere ao contrato de compra e venda, já que o critério utilizado pelo referido normativo para determinar o lugar do cumprimento em tal contrato e, assim, o tribunal internacional e alternativamente competente, é o lugar da entrega, o que, pela natureza das coisas, não ocorre no negócio em referência.
E é manifesto que também não estamos perante um contrato de prestação de serviços, pelo que também não se aplica o 2º parágrafo da alínea b) do n.º 1 do art.º 7º.

De referir que, mesmo que se considerasse que a causa de pedir central era o facto de a Ré ter subscrito um documento em que declara reconhecer dever ao A. a quantia peticionada, estávamos remetidos para os negócios unilaterais, ou seja, para os negócios em que alguém, por sua livre e exclusiva vontade, se obriga a realizar uma prestação, realidade bem diferente de um contrato de compra e venda ou de um contrato de prestação de serviços, pelo que também por esta via não teria aplicação a alínea b) do n.º 1 do art.º 7º.

Não sendo aplicável a alínea b) é aplicável a alínea a) – assim dispõe a alínea c) do n.º 1 do art.º 7º - a qual dispõe, recorde-se, que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão.

A venda de 170 acções é necessariamente um contrato, pois resulta do encontro de duas vontades: a do vendedor e a do comprador.

Mesmo que se considerasse que a causa de pedir central era o facto de a Ré ter subscrito um documento em que declara reconhecer dever ao A. a quantia peticionada, a mesma era abrangida pela alínea a) do n.º 1 do art.º 7º pois, como ficou referido em sede de enquadramento jurídico, são abrangidas em tal normativo as situações em que há uma obrigação livremente assumida por uma pessoa relativamente a outra, como no caso dos negócios unilaterais (Luís Lima Pinheiro in Direito Internacional Privado Volume III Tomo I, 3.ª Edição, pág. 118).

A obrigação em questão é o pagamento da quantia de € 15.000,00, como contrapartida pela venda de 170 acções da sociedade EMP01....

Como ficou referido, o TJ tem entendido que “o lugar do cumprimento deve ser determinado segundo a lei designada pelo Direito de Conflitos do foro”.

Note-se que o TJ não manda aplicar a lei do foro, mas a lei designada pelo Direito de Conflitos do foro o que, no caso português, implica atentar no disposto nos art.ºs 41º e 42º do CC.

O art.º 41.º do CC dispõe que as obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista.

Não está alegado que as partes tenham designado a lei aplicável.

O art.º 42º n.º 1 do CC dispõe que na falta de determinação da lei competente, atende-se, nos negócios jurídicos unilaterais, à lei da residência habitual do declarante e, nos contratos, à lei da residência habitual comum das partes.

O n.º 2 dispõe que na falta de residência comum, é aplicável, nos contratos gratuitos, a lei da residência habitual daquele que atribui o benefício e, nos restantes contratos, a lei do lugar da celebração.

Como já ficou referido a causa de pedir central é o contrato de compra e venda de acções.

As partes não têm uma residência habitual comum: o A. reside em Portugal; a Ré em França.

Face ao alegado pelo A. – que a 01 de Janeiro de 2016, realizou-se uma Assembleia Geral Extraordinária da sociedade anónima EMP01..., com sede em 3 Avenue ..., ... – ..., em França, com sede em França, da qual A. e Ré são accionistas, na qual os accionistas ratificaram a cessão de 170 acções da citada sociedade, efectuada pelo autor à Ré, pelo valor de € 15.000,00 – e face ao n.º 2 do art.º 41º, temos como lugar da celebração do contrato França, pelo que é aplicável a lei francesa.

Mesmo que se considerasse que a causa de pedir central era o reconhecimento da dívida, o resultado seria o mesmo, pois estar-se-ia perante um negócio unilateral e sendo a Ré a única declarante - apesar de o documento estar subscrito, também, pelo A., aquele não contem qualquer declaração do A. -, e residindo a mesma em França, nos termos do n.º 1 do art.º 42º seria aplicável a lei francesa.

Da mesma forma que no direito português, as normas relativas ao lugar do cumprimento se encontram no CC, o mesmo sucede no direito francês.

Assim e até ../../2016, nos termos do 3º parágrafo do art.º 1247º do CC francês, a regra era a de que o pagamento devia ser feito no domicilio do devedor, não havendo uma norma específica para as obrigações pecuniárias.

O CC francês foi objecto de uma reforma legislativa que entrou em vigor a ../../2016 e que, nomeadamente, transferiu o conteúdo do art.º 1247 - 3º parágrafo para o art.º 1342-6 e introduziu um art.º 1343-4, especificamente para as obrigações pecuniárias, o qual dispõe que o pagamento deve ser efectuado do domicilio do credor (em termos semelhantes ao nosso art.º 774º do CC).

O A. alegou que a obrigação em questão – o pagamento da quantia de € 15.000,00 – seria efectuado em três prestações: a primeira, até ../../2016, a segunda até ../../2016 e a última até ../../2016.

Uma vez que as duas primeiras prestações de três se venceram antes da entrada em vigor do novo art.º 1343-4, tem-se por aplicável o artigo 1247 - 3º parágrafo do CC francês, pelo que, sendo devedora da quantia a Ré e residindo a mesma em França, o lugar do cumprimento era o seu domicílio e, deste modo a Ré a não podia ser demandada em outro Estado-Membro que não a França.

Verifica-se, assim, que o resultado da aplicação do art.º 4º n.º 1 - o domicílio da Ré em França - e da alínea a) do n.º 1 do art.º 7º - o lugar onde a obrigação em questão (pagamento da quantia) devia ser cumprida era em França -, ambos do Regulamento, é coincidente pelo que se impõe concluir que a Ré só podia ser demandada em França e, em consequência, pela incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgar acção.

Mas a decisão recorrida considerou que os tribunais portugueses eram internacionalmente competentes à luz das alíneas a) e c) do art.º 62º do CPC, que tem o seguinte teor:
Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
(…)
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.

E relativamente à alínea a) aplicou o art.º 80º n.º 3 do CPC, o qual dispõe:
3 - Se o réu tiver o domicílio e a residência em país estrangeiro, é demandado no tribunal do lugar em que se encontrar; não se encontrando em território português, é demandado no do domicílio do autor, e, quando este domicílio for em país estrangeiro, é competente para a causa o tribunal de Lisboa.

Salvo o devido respeito, a aplicação do referido normativo traduz-se numa incorrecta interpretação e aplicação do direito.

O que a alínea a) do art.º 62º autoriza é que uma acção seja proposta em tribunal português se isso resultar da concreta aplicação das regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, sendo certo que em tal âmbito existem  regras especiais e gerais e, como é consabido, se a situação fáctica a considerar estiver prevista numa norma especial, é essa que se aplica e não a regra geral.

Tomemos como exemplo a situação dos autos.
Está em causa uma acção destinada a exigir o cumprimento de uma obrigação.
Nesta situação, em abstracto, o tribunal competente para a acção é o tribunal do domicílio do réu pois dispõe o n.º 1 do art.º 71º do CPC - que constitui uma regra especial -, que a ação destinada a exigir o cumprimento de obrigações, … é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa coletiva - o que não era o caso -  ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana - o que também não era o caso.
Mas há que verificar se em concreto o R. reside em Portugal.
No caso isso não sucede, porque a Ré tem domicílio em França.
Destarte, em concreto, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, a acção em referência não podia ser proposta em tribunal português.

A aplicação do art.º 80º, n.º 3 não tem cabimento porque se traduz na aplicação de uma regra geral em detrimento da regra especial e traduz-se na aplicação de uma norma em abstracto, sem curar da sua aplicação em concreto.

Além disso conduziria a resultados que não podem ser aceites, por subverterem toda a lógica do sistema, já que sempre que em abstracto e de acordo as regras de direito interno, o tribunal territorialmente competente para determinada acção fosse o tribunal do domicílio do R., como era o caso  e o mesmo residisse no estrangeiro, a primeira parte do art.º 59º - que manda atender, em primeiro lugar ao que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais -, não teria qualquer aplicação, apesar do principio de que a primeira fonte normativa da determinação da competência internacional dos tribunais portugueses são aqueles regulamentos ou instrumentos internacionais.

Finalmente e quanto à alínea c) do art.º 62º, tem sido considerado que tem carácter subsidiário e excepcional (cfr. Luís Lima Pinheiro in ob. cit. pág. 351 e Ac. do STJ de 28/06/2018, proc. 30508/15.7T8LSB e Ac. da RL de 07/03/2017, proc. 8496/14.7T8LSB; em sentido contrário, que não acompanhamos, Ac. do STJ de 11/07/2017, proc. 531/15.8T8LRA.C1.S2 e Ac. da RL de 11/07/2013, proc.. 1072/12.0TBTVD.L1.6).

Por outro lado, visa evitar situações de denegação de justiça (proibida pelo art.º 20, n.º 1 da CRP, pelo art.º 6 n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e pelo art.º 47 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) seja porque o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português (o Estado em que a acção devia ser proposta está em guerra ou o A., nacional daquele Estado, se ter exilado por razões políticas, correndo graves riscos se regressasse – exemplos referidos por Luís Lima Pinheiro in ob. cit., pág. 351; o tribunal estrangeiro internacionalmente competente recusou a competência ou o tribunal estrangeiro internacionalmente competente foi assolado por uma calamidade – exemplos referidos por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, 2ª edição, pág. 99), seja porque se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro (nomeadamente de ordem financeira para suportar os custos da propositura de uma acção nos tribunal estrangeiro).

Finalmente exige-se que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real, que poderá ser a nacionalidade ou residência das partes (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, in CPC Anotado, 2ª edição, pág. 99).

O preenchimento da alínea c) exige a alegação e prova de factos consubstanciadores de alguma das suas previsões.

In casu não estão alegados nem provados quaisquer factos que permitam concluir que o direito do A. não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou o autor não tenha condições económicas para suportar os custos da propositura da acção em França.

É tempo de concluir.

Tem plena aplicação aos autos o Regulamento 1215/12, não tendo aplicação as regras das alíneas a) e c) do art.º 62º do CPC.

Da aplicação daquele resulta que, quer de acordo com o critério geral, quer de acordo com o critério alternativo, o tribunal competente para julgar o litigio é França.

Assim, os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para conhecer da acção de que os presentes são apenso, o que gera uma situação de incompetência absoluta (dispõe o art.º 96º que a infracção das regras de competência internacional determinam a incompetência absoluta) o que determina a absolvição da instância da Ré (art.º 99º n.º 1 e, 278º, n.º1, alínea a), ambos do CPC).

Em face de tudo o exposto a decisão recorrida não se pode manter, devendo ser revogada e substituída por outra que julgue verificada a incompetência absoluta dos tribunais portugueses por não serem internacionalmente competentes para conhecer da acção e em consequência absolva a Ré da instância.

4.3. Custas

Dispõe o art.º 527º n.º 1 do CPC que a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

E o n.º 2 dispõe que “dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.”

As custas da acção são a cargo do A. por vencido.

As custas da apelação são também a cargo do mesmo, de acordo com o critério da causalidade, na medida em que o mesmo intentou a acção em tribunal português.

5. Decisão

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 1ª Secção desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida e em sua substituição julgar verificada a incompetência absoluta dos tribunais portugueses, por não serem internacionalmente competentes para conhecer da acção e em consequência absolver a Ré da instância.

Custas da acção e da apelação pelo A.

Notifique-se
*
Guimarães, 28/11/2021
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Relator: José Carlos Pereira Duarte
Adjuntos: José Alberto Martins Moreira Dias
Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade