Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA ERRO DE JULGAMENTO SERVIDÃO DE ESTILICÍDIO USUCAPIÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/02/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1- A servidão de estilicídio consiste no direito que assiste ao proprietário de telhado ou de outra cobertura de os manter construídos de modo que as águas pluviais que neles caem sejam escoadas em prédio vizinho, podendo essa servidão assumir uma das seguintes modalidades: a) o direito de escoar essas águas pluviais gota a gota no prédio vizinho; ou b) o direito de as escoar, uma vez recolhidas num único local, no prédio vizinho. b- A constituição de uma servidão predial por usucapião depende do preenchimento dos seguintes requisitos legais cumulativos: a) a posse; b) o período de tempo fixada na lei de exercício permanente de atos possessórios para que a posse gere a aquisição da servidão predial por usucapião; e c) que os atos possessórios sejam acompanhados por obras visíveis e permanentes que revelem o exercício da servidão. c- Para que se constitua uma servidão de estilicídio por usucapião, na medida que os atos possessórios (“corpus”) e a visibilidade e permanência desses atos decorre da mera construção de um telhado, com um beiral, cujas características faça com que a água pluvial que sobre ele caia se escoe no prédio vizinho, e porque a existência do “corpus” faz presumir a existência do “animus” (n.º2, do art. 1252º do CC), basta a alegação e prova da facticidade alegada pelos demandantes, em sede de exceção perentória, que: “desde há mais de 80 anos, o telhado da casa que têm erigida no prédio sua propriedade goteja ou cai, sempre da mesma forma e dimensões que atualmente possui, para o prédio propriedade dos demandantes”. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: I- RELATÓRIO AA e mulher BB, residentes na Rua ..., ... ..., instauraram a presente ação declarativa, com processo comum, contra CC e mulher DD, residentes na Rua ..., ... ..., pedindo que fossem condenados a reconhecer: “A) que os AA são donos e legítimos proprietários do prédio identificado nas als. A) e B) supra; B) que a única abertura permitida e acordada pelos AA e RR possui as medidas de 95 cm. de altura, 82 cm. de largura e situa-se a 1,65 m. do solo, reduzindo as dimensões da mesma a estas medidas e colocando vidro translúcido fixo e de uma só folha de forma a impedir a abertura da dita janela e a visibilidade e a devassa para o prédio dos AA, fazendo as obras necessárias para tal a suas exclusivas expensas; C) a eliminar as duas aberturas com as medidas de 50 cm. de largura por 40 cm de altura (situada por cima da janela suprarreferida A) e a outra de 50 cm. de largura por 50 cm. de altura, mais junta à casa dos AA, substituindo-as por parede e efetuando as obras necessárias a suas expensas para que tal suceda; D) a edificar obra no seu prédio que elimine o gotejamento das águas das chuvas do telhado do prédio dos RR para o prédio dos AA, a suas expensas; E) a proceder ao corte das raízes, ramos e dos galhos das árvores que propendem para o prédio dos AA, a suas expensas, limpando os detritos que decorram de tal corte; e F) a pagar o valor despendido pelos AA com a reparação do muro, no valor de 150,00€, bem como a título de danos morais, indemnização no valor de 750,00€”. Para tanto alegaram, em síntese, serem proprietários do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº. ...56, e do prédio rústico descrito na mesma Conservatória sob o nº. ...57, fundando esse direito de propriedade no instituto da usucapião. Por sua vez, os Réus são proprietários do prédio inscrito nas matrizes prediais urbana e rústica sob os arts. ...19 e ...41, o qual confronta com os prédios propriedade dos Autores. No âmbito das relações de boa vizinhança existentes Autores e Réus, há cerca de 10 anos, custearam, na proporção de metade para cada, as obras de limpeza e tapamento com cimento das juntas das pedras da parede da casa de habitação e anexos dos Réus e, a pedido destes, assentiram que abrissem uma abertura na parede da casa da habitação e anexos, em vidro translúcido, cujas dimensões tinham que ser no mínimo iguais (ou seja, não superiores) a 95 cm. de altura, 82 cm. de largura e situada a 1,65m do solo. Acontece que, aproveitando-se da ausência dos Autores, os Réus abriram, na parede do seu prédio, uma janela com 1,10 m. de largura, 1,20 m. de altura, situando-se aquela a 1,20 m. do solo. À revelia do acordado, os Réus edificaram ainda um postigo ou janela mais pequena, situada acima da janela anterior, com 50 cm. de largura e 40 cm. de altura. E também à revelia do acordado, edificaram uma outra janela com 50 cm. de altura e 50 cm. de largura, mais próxima da habitação dos Autores. Os Réus não possuem caleiras em todo o comprimento do telhado da sua casa na parte em que confina com a entrada principal da casa dos Autores, o que leva a que a água da chuva goteje sobre o prédio dos Autores, provocando danos no canteiro térreo situado ao longo da parede que delimita a casa dos Réus do pátio dos Autores e no próprio piso. Acresce que o prédio rústico dos Réus confina com o prédio rústico dos Autores, encontrando-se aqueles separados um do outro pela edificação de um muro. Do lado do terreno dos Réus, junto ao muro de separação, encontram-se plantados castanheiros e cerejeiras, propriedade dos Réus, cujos ramos propendem para o prédio dos Autores, invadindo-o e deixando cair ramos e folhagem. Por via das descritas condutas dos Réus, há cerca de 8/10 anos que os Autores se encontram pesarosos, angustiados e revoltados com a pendência dessas situações. Os Réus contestaram, defendendo-se por impugnação e por exceção e deduziram reconvenção. Impugnaram parte da facticidade alegada pelos Autores e, em sede de exceção, sustentaram que a primeira janela a que aludem aqueles foi aberta com as dimensões que tem com autorização dos Autores, em local em que já existia aberta uma janela há mais de 80 anos. As restantes duas janelas a que aludem os Autores também já se encontram abertas há mais de 80 anos. Há mais de 80 anos que o prédio propriedade dos Réus possui beirais iguais aos que atualmente nele existem e cujos pingantes caem, e sempre caíram, diretamente para o canteiro a que se reportam os Autores, o qual faz parte integrante do prédio propriedade dos Réus. Concluíram pedindo que a ação fosse julgada improcedente. Deduziram reconvenção pedindo que os Autores-reconvindos fossem condenados a: a- “Remover/cortar as plantas/arbustos/roseiras que se encontram em frente das janelas do anexo do prédio dos AA., situadas na parede do lado poente, bem como a mantê-las totalmente livres e desobstruídas. b- Reconhecer que os RR. são os donos e legítimos proprietários de um canteiro de terra com 29 metros de comprimento por 50 cm, de largura, que constitui o limite poente do prédio dos RR. c- Derrubar a parede em blocos e cimento edificada sobre um muro em pedra solta, que delimita os prédios rústicos dos RR e dos AA., com cerca de 20 metros de comprimento por 1, 90 m. de altura. d- Retirar o cimento que tapa a abertura existente na confrontação sul do prédio dos RR, na zona da sua adega, com a casa dos AA., com cerca de 25 cm. de largura e 5 metros de comprimento, por forma a que esse espaço fique livre e permita a livre circulação do ar entre as duas edificações”. Para tanto alegaram, em síntese, que o prédio propriedade daqueles, na sua confrontação poente, tem edificado um anexo, que possui duas janelas, encontrando-se, a situada mais a sul, totalmente tapada com arbustos, e a situada imediatamente a norte da janela anterior, parcialmente tapada com uma roseira. Esses arbustos e roseira foram plantados pelos Autores, que deles cuidam, e impedem ou oneram o exercício pelos Réus da “normal servidão de vistas e claridade para o interior do seu prédio”. O canteiro integra o prédio propriedade dos Réus. O terreno dos Réus e a propriedade dos Autores estão ao mesmo nível e encontram-se separados por um muro meeiro. Os Autores construíram sobre esse muro uma parede em blocos de cimento, sem autorização e contra a vontade dos Réus, e essa parede apresenta fissuras decorrentes de má construção, mostrando essas fissuras afastamentos que podem originar a queda da parede. Os Réus possuem, na confrontação sul com o prédio dos Autores, uma adega, a qual tem uma abertura destinada a ventilação e que se mostra aberta há mais de 80 anos. Há cerca de três anos, os Autores vedaram completamente, com cimento, o espaço, impedindo a entrada e a livre circulação de ar para a adega pela identificada abertura. Finalmente, pedem que os Autores sejam condenados, como litigantes de má-fé, no pagamento de multa e indemnização a seu favor, em valor não inferior a € 1.500,00, atenta a gravidada e a falsidade dos factos por eles alegados. Realizou-se tentativa de conciliação, que se frustrou. Em 19/06/2020, a 1ª Instância proferiu despacho, transitado em julgado, em que rejeitou a reconvenção deduzida pelo Réus-reconvintes, fixou o valor da presente causa em 5.001,00 euros, saneador tabelar, fixou o objeto do litígio e os temas de prova, que não foram objeto de reclamação, e conheceu dos requerimentos de prova apresentados pelas partes. Designada data para a realização da audiência final, na primeira sessão dessa audiência, que teve lugar em 04/05/2021, Autores e Réus transigiram parcialmente quanto ao objeto do litígio, nos termos que se seguem: 1º Os Réus confessam o pedido da al. a) dos Autores. 2º Os Réus aceitam e comprometem-se até ao dia 1 de setembro de 2021, a suas expensas, a reduzir as medidas existentes da janela que edificaram no anexo de sua casa, para as seguintes: a janela será reduzida para 95 cm de altura, 82 cm de largura, devendo situar-se a 1.65 m do solo; Deverá na mesma ser colocado vidro translúcido fixo de uma só folha, de forma a impedir a visibilidade e devassa para o prédio dos Autores; Os Autores aceitam que os Réus, se assim o entenderem, possam abrir no último terço superior da dita janela uma abertura basculante não superior a 20 cm. 3º Os Réus comprometem-se, até 1 de setembro de 2021 e a suas expensas, a eliminar o postigo que abriram por cima da janela, dando continuidade à parede em material equivalente a esta, a que se refere o artigo anterior, janela essa melhor identificada na fotografia nº 8 junta com a PI. 4º O pedido formulado na al. e) do peditório encontra-se já satisfeito, pelo que se verifica a sua inutilidade superveniente. 5º Quanto ao demais, pendem para decisão os pedidos formulados nas als. d) e f), requerendo-se face à transação parcial efetuada, a suspensão da presente instância por 30 dias, com vista à resolução dos pedidos sobre os quais não foi logrado o acordo”. A transação que antecede foi homologada por sentença transitada em julgado. Suspensa a instância conforme requerido pelas partes, frustrou-se a transação quanto ao objeto ainda em litígio, pelo que se designou data para a continuação da audiência final. Realizada esta, em 15/07/2022, proferiu-se sentença quanto ao objeto do litígio que permanecia por decidir, em que se julgou a ação parcialmente procedente e considerou-se prejudicado o conhecimento do pedido de condenação como litigantes de má fé, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: “Em face do acima exposto, julgo parcialmente procedente a ação, por provada, e em consequência: - Declaro que os Autores AA e BB são proprietários dos prédios identificados em 1 a) e b) dos factos provados, dos quais faz parte integrante a passagem ou entrada e os canteiros identificados em 22 e 23 dos factos provados; - Condeno os Réus, CC e DD a edificar obra (caleira) no seu prédio identificado em 20 dos factos provados, que elimine o gotejamento das águas das chuvas do telhado do prédio dos RR para o prédio dos AA; - Condeno os Réus, CC e DD a procederem ao pagamento aos Autores da quantia de 300,00€ (trezentos euros) a título de danos morais; - Absolvo os RR do demais peticionado”. Inconformados com o assim decidido, os Réus interpuseram o presente recurso de apelação em que formulam as seguintes conclusões: I- A sentença recorrida é merecedora de censura, pois não se pronunciou sobre as questões que ao tribunal cumpria apreciar e solucionar, conforme dispõe o artigo 607º, nºs 3 e 4 e 608º, n.º 2 do CPC, padecendo de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, al. d), do CPC. II – Como refere Miguel Teixeira de Sousa na obra “Estudos sobre o novo processo civil”, páginas 220 e 221, Editora Lex, ano 1997, a propósito do princípio da disponibilidade objetiva, antes vertido nos artigos 264º e 664º e agora condensado no artigo 5º do Novo Código de Processo Civil, “…significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com exceção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se torna inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões”. III - Os ora recorrentes defenderam-se por exceção, invocando a constituição de servidão de estilicídio, nos termos do artigo 1365º, nº2 do C. Civil. IV- Para tal alegaram, dando ali como reproduzido no seu artigo 35º da contestação, o que já havia sido alegado, na sua impugnação, a fim de evitar repetições inúteis e ao abrigo do princípio da economia processual, que a água proveniente do beiral dos RR, desde há mais de 80 anos, goteja ou cai sempre da mesma forma, e dimensões que atualmente possui. V-Pelo que mesmo na hipótese de terem efetuadas obras de restauro da sua casa, não teriam que colocar caleiros, ou afastar o beiral da sua parede apenas 5 cm. VI- Perante a invocação da tal questão de relevância para a decisão de mérito, a douta sentença “a quo” não se pronunciou. VII- É, assim, nula a sentença quando o Juiz deixe de conhecer de matéria sobre a qual havia de se pronunciar, seja por ser de conhecimento oficioso, seja porque haja sido suscitada pelas partes, violado foi o Artigo 615º, nº1 alínea d) do C. P. Civil; VII- Os Recorrente consideram que a matéria de facto constante da sentença sob os pontos 23 a 28; 32 a 42. dos Factos Provados, encontra-se incorretamente julgada, bem como se encontram incorretamente julgados os pontos b) a m); q) e x) da matéria de facto dada como não provada, impondo-se, assim, a sua modificação, nos termos do artigo 662º n.º 1 do Código de Processo Civil. VIII-Entende a Recorrente, sempre com o devido respeito, por diferente e melhor opinião, que a sentença ora recorrida, padece, assim, de erro de avaliação ou apreciação. IX- Da prova produzida em audiência de julgamento decorre que os pontos 23 a 28; 32 a 42 dos Factos Provados e os pontos b) a m); q) e x) dos Factos Não Provados encontram-se incorretamente julgados, sendo que, os meios probatórios constantes dos autos que impunham uma decisão diversa da recorrida, são, no essencial, os mesmos que o Tribunal usou para se convencer dos factos que lograram ficar provados e não provados, ou seja, a provas, nomeadamente a documental junta aos autos pelas partes. X- Acerca de que prédio faz parte integrante o canteiro de terra localizado a todo o comprimento da passagem ou estrada encostada à parede da casa dos RR, no logradouro dos AA., a douta sentença relevou de primordial importância para tal resposta um único depoimento da testemunha EE, aos costumes disse ter 60 anos, que apenas trabalhou para os AA. na reconstrução da casa destes, entre o ano 1981 e 1982, emigrou para o ..., em 1985, onde esteve até agora, tendo apenas conhecimento do que viu enquanto trabalhou para os AA., onde esteve e de há 40 anos para cá, nunca mais lá voltou, só há pouco tempo, se encontra com os AA, quando coincidem encontra-se cá. XI-Em contrapartida, o depoimento da testemunha FF, que tem 71 anos, e que viveu naquele local, desde que nasceu em 1950 até 1971, durante 21 anos, pois viveu na casa que era do seu avô, e que hoje pertence aos AA. Declarou que na entrada não havia cancela alguma, que o aceso a casa do seu avô, ora casa dos AA, era feito através de num caminho de terra batida por baixo da uma latada pertencia á família dos AA. Que a latada terminava, no lado da casa dos RR, mas afastada dela a largura que hoje tem o canteiro sub judice, em cima de uns postes. Que tal canteiro estava delimitado no eu comprimento por umas pedras e que na parte mais perto da casa dos AA. existia uma pedra maior, mas mais pequena que a dos postes que suportavam a latada. Que eram os RR, que se serviam daquele, hoje, canteiro para aceder às paredes da sua casa. A sentença ora recorria, valorou o seu depoimento, porque prestado sobre factos de que tinha conhecimento direto, apenas para prova dos factos constantes em 43 a 45, mas não para a decisão sobre a matéria vertida no facto nº 23 dos factos provados. Sendo certo que não esclareceu nem fundamentou como se impunha, a razão porque não, o fez, a fim de compreendermos o percurso cognitivo eu a levou a tomar a decisão que tomou, nem o desvalorizou no tocante á totalidade do seu depoimento. XII- Assim, analisada a questão jurídica e o conjunto da prova resulta que, no que respeita á matéria de facto constante do ponto 23 dos factos provados, deve este Exmº. Tribunal dar como não provado e dar como provado o ponto d) dos factos dados como não provados. XIII- Mais, este Exm.º Tribunal da Relação, em substituição do tribunal de 1.ª instância, deverá apreciar e decidir a questão da existência ou não de caleiras e toda o comprimento do telhado da casa que confina com a entrada principal da casa dos autores. XIV- E, caso não se considerasse documentalmente provado - o que não se concebe e apenas se representa por mero dever de patrocínio - o que é facto é que as testemunhas confirmaram que a casa dos RR. tem caleiras, sendo apenas os seus dois anexos que as não possuem. XV- Constate-se que a este respeito a testemunha GG, que só conhece o local há cerca de 10 anos, faz afirmações sem razão de ciência ou testemunhal direta, só por olhar para as telhas, e fazendo conjeturas, diz que foi efetuado um restauro e que não foi respeitado o intervalo mínimo de 5 cm, XVI- Conforme esclarece a testemunha, não tem conhecimento presencial de ter havido restauro, nem quem o fez, como adiante se verá. XVI- O mesmo se considera acerca do depoimento da testemunha HH, o qual apenas conhece o local há cerca de 11 anos., esboçando no seu depoimento suposições, e nada mais, XVII- O mesmo se considera do depoimento da testemunha EE, quando afirma que o restauro da casa, ou melhor das paredes foi executado pelos RR, o que foi corroborado até pela Meritíssima Srª. Juíz, afirmando que não foram os AA. mas sim o RR, que as fizeram, fazendo tábua do que vai provado na sentença junta pelas AA, no qual se dá como provado que as obras de restauro foram executadas por acordo entre AA e RR., bem como a abertura da janela o foram por mútuo acordo, para o que bastará verificar aquela sentença nos pontoso 3 e 4 dos factos provados, o que contaria inelutavelmente, o facto não provado com o ponto b) dos factos não provados. Do depoimento desta testemunha é patente a ignorância total do que se passou e está a contar uma história que lhe contaram, ao ponto de levar a Sr. Juiz a acreditar na sua história e que infelizmente manteve da sentença, e que é desmentida pela sentença junta aos autos pelos AA. nos seus factos provados 3 a 6 dos factos provados. Logo facilmente se provará que a tese da ampliação do telhado bem como a ampliação do beiral, são falsos factos elencados pelos AA. XVII- Na verdade em 2006 e 2007, e como se provará pelas fotografias juntas aos autos da sentença junta aos autos pelos AA, já os telhados se encontravam como atualmente, e os AA. nada disseram, ou reivindicaram acerca da alegada desconformidade legal dos telhados. Em suma, da prova produzida, sobretudo da submissão dos documentos juntos aos autos ao direito aplicável, resulta manifesto que a matéria acabada de expor se encontra incorretamente julgada. XVIII-Deste modo, deverá esse douto Tribunal considerar que este ponto da matéria de facto se encontra incorretamente julgado, devendo ser modificados e aditados aos “Factos Provados” e consequentemente devendo dar-se também como não provados os factos constantes dos pontos 24 a 28 e 35 a 42º “Factos não Provados”. E dando-se como provados os factos b) a m) dos factos não provados devendo-se dar como provado a Servidão de Estilicídio, pois incumbia aos AA. provar que que a água proveniente do beiral dos RR, goteja, de forma e dimensão muito superior ao que antes gotejava e saia, o que não lograram provar. Assim, impõe-se a sua alteração por esse douto Tribunal, modificando-se a mesma dando-se como provado os factos dados como não provados em b) a m) e x) Posto isto, decida que deve a presente ação improcedente por não provada. Ao não decidir assim, o tribunal a quo violou, nomeadamente o disposto nos artigos 615º, n.º 1 alínea d), , 195º, 547º, 607º, , todos do Cód. Proc. Civil Da complexa causa de pedir em ação de prestação de contas, fazem igualmente parte, segundo se vem entendendo, os factos de onde pode, igualmente, emergir a responsabilidade de tal obrigação. Termos em que, na procedência da presente apelação, deve ser revogada a decisão proferida na 1ª instância e substituída por outra julgue totalmente improcedente a presente ação. Os Autores contra-alegaram pugnando pela improcedência da apelação, concluíndo essas contra-alegações nos termos que se seguem: 1- Os RR. deduziram a reconvenção quanto à propriedade do canteiro de terra, mas já não quanto à servidão de estilicídio, que agora invocam; 2- O pedido reconvencional não foi admitido em sede de despacho saneador, ficando assim prejudicada a invocada omissão de pronúncia e consequente nulidade alegada; 3- Sem prescindir, e quanto à propriedade do canteiro de terra, existe confissão dos RR. do direito de propriedade dos AA., beneficiando ainda estes da presunção que o registo lhes confere. 4- Como bem salienta a sentença recorrida, foi feita prova concludente que ocorreram atos possessórios sobre a citada parcela de terreno por parte dos AA tendentes á aquisição originária da mesma, que inclui o canteiro ao qual os RR. se arrogam. 5- Quanto à prova gravada, sobre este item foram unânimes as testemunhas dos autores em referir que o canteiro desde sempre foi trabalhado pelos antepassados dos AA e, atualmente, pelos próprios AA. há mais de 40 anos, sem qualquer oposição, à vista de todos, na condição de que o mesmo lhe pertencia. 6- A testemunha dos RR, FF, invocada por estes nas suas alegações, de interesse para o desfecho da causa, referiu que se ausentou do local em 1973, portanto há cerca de 50 anos, e que a partir desta data nada sabe, o que não tem a virtualidade de contrariar os atos possessórios dos AA. sobre aquela faixa de terreno, que são posteriores a essa data. 7- Quanto à questão dos caleiros, também o depoimento das testemunhas dos AA. foram unanimes em referir que dois prédios dos RR não tinham caleiros e que, quando chove mais intensamente, e a agua da chuva cai na parte cimentada do prédio dos AA. e quando chove menos intensamente cai no canteiro que é propriedade dos AA, desrespeitando o intervalo mínimo que a lei impõe decorrente do art. 1365 nº 1 do Cód. Civil. 8- A confirmar o sobredito, a testemunha GG referiu que esteve no local quando chovia, por diversas vezes, mediu com fita métrica a distância que assegurou existir relativamente aos beirais, tendo ainda conhecimento direto dos factos que presenciou. 9- A matéria, tal que foi decidida, constante dos factos provados e não provados não merece qualquer censura, da mesma forma que não merece qualquer censura à sentença proferida. Termos em que julgando-se improcedente o recurso e mantendo-se tal qual como foi proferida a sentença recorrida se fará Justiça. * Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- DO OBJETO DO RECURSOO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo esta Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. No seguimento do que se acaba de dizer, as questões que se encontram submetidas à apreciação do tribunal ad quem resumem-se ao seguinte: a- se a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia; b- se essa sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto ao nela ter sido julgada como provada a facticidade dos pontos 23º a 28º e 32º a 42º e ao ter sido julgada como não provada a facticidade das alíneas b) a m), q) e x) e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe julgar como não provada a facticidade julgada provada pelo tribunal a quo e como provada a por ele julgada como não provada; c- se, na sequência da procedência da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos apelantes, a sentença recorrida padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida, impondo-se a sua revogação e julgar a ação procedente, quanto ao objeto do litígio que permanece por decidir na sequência da transação celebrada entre as partes em 04/05/2021, homologada por sentença transitada em julgado. * III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade com relevo para a decisão a proferir quanto ao objeto do litígio que permanece por decidir na sequência da transação celebrada entre as partes em 04/05/2021, homologada por sentença transitada em julgado: 1. Os A.A. são donos e legítimos proprietários dos seguintes prédios: a) prédio urbano, composto por casa de habitação com dois pavimentos com área total de 120 m2, confrontando a norte com AA, a sul com II, a nascente com caminho público e JJ, e a poente com KK, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...6º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº. ...56 – cfr. doc. nº. ... junto com a pi. que aqui damos por integralmente reproduzido. b) prédio rústico, situado em ..., composto por terreno de cultura, confrontando a norte com caminho público, a sul com AA, a nascente com caminho público e JJ, e a poente com LL, inscrito na matriz rústica sob o art. ...96º e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº. ...57 – cfr. doc. nº. ... junto com a p.i. e que aqui damos por integralmente reproduzido. 2. Os prédios identificados em 1 chegaram à propriedade dos A.A. por escritura de justificação notarial outorgada no dia 11 de abril de 2016 - cfr. doc. ... junto com a p.i. e aqui se dá por integralmente reproduzido. 3. Na qual se declara os A.A. no estado de casados entraram na posse dos suprarreferidos prédios no ano de 1979 por doação não titulada efetuada pelos pais da A. mulher e sogros do A. marido que ali residiram, pelo menos há mais de 20 anos os possuem, sem interrupção, nem ocultação de quem quer que seja – cfr. doc. ... junto com a p.i. e aqui se dá por integralmente reproduzido. 4. Os AA, ao longo do tempo, sempre mantiveram a posse dos indicados prédios no ano de 1979 por doação não titulada efetuada pelos pais da A. mulher e sogros do A. marido que ali residiram, pelo menos há mais de 20 anos – cfr. doc. ... junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido. 5. Os AA ao longo do tempo por e pelos seus antepossuidores sempre mantiveram a posse sobre os ditos prédios, 6. ocupando o prédio identificado em 1. alínea a) 7. ali dormindo, tomando as refeições e fazendo a sua residência, 8. efetuando e pagando obras de conservação, 9. pagando os respetivos impostos, 10. e fazendo benfeitorias à sua custa; 11. e no prédio identificado na alínea b), limpando e cuidando do mesmo, podando e tratando das árvores de fruto, 12. lavrando, semeando e regando, 13. e retirando do mesmo todas as suas utilidades, 14. e suportando as despesas inerentes a tais atos materiais, 15. pagando os impostos e contribuições, 16. à vista de todas as pessoas, 17. de forma contínua no tempo e sem interrupção, 18. de forma pacífica e sem oposição de quer que seja, 19. na convicção de se encontrarem a exercer um direito próprio, 20. Os R.R. são donos e legítimos proprietários com descrição a seu favor sob o nº. 3079/...15 do prédio sito em ..., freguesia ..., ..., composto por casa de morada de dois pavimentos e rossios, inscrita nas matrizes prediais urbana e rústica sob os arts. ...19... e ...41º. 21. O prédio urbano dos R.R. encontra-se localizado do lado esquerdo, pintado de branco e com parede em granito e o prédio dos A.A. encontra-se situado ao fundo de cor ... – cfr. documentos nºs. ... e ... juntos com a p.i. e que aqui se dão por integralmente reproduzidos. 22. Pertencendo aos A.A. a passagem ou entrada revestida a calceta que dá acesso exclusivo ao seu prédio. 23. Pertencendo aos A.A. o canteiro em terra localizado a todo o comprimento da passagem ou estrada encostada à parede da casa dos R.R, no logradouro dos AA. 24. Os R.R. não possuem caleiras em todo o comprimento do telhado da sua casa, que confina com a entrada principal da casa dos A.A. – cfr. fotografias nºs 5 e 6 juntas com a p.i. 25. A ausência de caleiras ou beirais que conduza a água da chuva, permite que esta goteje sobre o prédio dos A.A. 26. Provocando danos no canteiro térreo situado ao longo da parede que delimita a casa dos R.R. do pátio dos A.A. e no próprio piso. 27. Esburacando-o quando cai com mais abundância. 28. Os R.R. não respeitaram, quando procederam ao restauro da sua casa, um intervalo mínimo de 5 cm entre os prédios dos A.A. e a beira. 29. O prédio rústico dos R.R. confina com o prédio rústico dos A.A. encontrando-se separados um do outro pela edificação de um muro – cfr. fotografias 9 a 12 juntas com a p.i., que aqui damos por integralmente reproduzidas; 30. Do lado do terreno dos R.R. junto ao muro de separação encontram-se plantados diversos castanheiros e uma cerejeira que são propriedade dos R.R. 31. Causando danos no muro com a queda dos ramos das árvores bem como com as raízes das mesmas, que abalando a sua estrutura, fez abrir fissuras no mesmo, que os AA vem reparando para evitar a queda do mesmo. 32. Os A.A. há cerca de 8, 10 anos encontram-se pesarosos, angustiados e revoltados com a pendência dessas situações. 33. O mesmo tendo sucedido há já mais tempo com a situação dos beirais e das árvores supra descrita, bem com as reparações do muro. 34. Os AA. todos os anos e por diversas vezes ao ano, vão ao local, ali permanecem por muito tempo. 35. Na parte do prédio dos R.R. que foi remodelado, há cerca de 10 anos, foi colocado telhado novo, 36. cujos beirais são mais salientes do que os do restante telhado; 37. e tal faixa de terreno sempre foi propriedade dos Autores, reconhecimento por todos foi considerado; 38. desde o tempo dos antepassados da Autora mulher o limite de propriedade dos R.R. era e é a parede exterior da sua casa e dos anexos ali existentes; 39. Nunca antes e depois da colocação do portão em 1980, os R.R. e seus antepassados fruíram daquela faixa ou canteiro. 40. Agora os A.A. e antes os antepassados da Autora mulher sempre tratavam, daquele canteiro e faziam-no à vista dos R.R. e dos seus antepassados, sem que ninguém os impedisse, 41. Limparam-no, plantando e podando flores e arbustos, 42. fazendo-o na convicção de existência do direito que detinham, 43. Por ali existia há cerca de 40 anos e antes da colocação do portão uma vinha que era pertença dos antepassados da A. mulher, que colhiam as uvas que a mesma dava pois dela tratavam. 44. Os antepassados dos R.R. nunca obstaculizaram a colocação do portão que desde 1980, pelo menos, ali existe desde essa altura até ao momento. 45. O muro referido em 29 é em pedra sobreposta. * E julgou como não provados os seguintes factos:a) A reparação de muro identificado em 31 que os AA custearam e que orçou em 150,00€. b) No ano de 1999, os AA. contactaram os RR. no sentido de que pretendiam fazer obras de limpeza e tapar com cimento as juntas das pedras em toda a extensão poente do prédio dos RR, que abrange o muro e a parede da casa e anexos do prédio dos RR., a fim de alindar e embelezar aquela extensão de parede. c) O prédio dos RR, desde há mais de 80 anos, que possui beirais iguais aos que atualmente existem, cujos pingantes caem diretamente para o canteiro em terra localizado em todo o comprimento encostado à parede da casa dos RR., mantendo as mesmas características do beiral antigo quando os RR. fizeram obras de manutenção. d) Tal canteiro pertence e faz parte integrante do prédio dos RR. e) Até há 30/40 anos, o acesso ao prédio que os AA. ocupam, e que confronta com o dos RR., não possuía qualquer portão, pelo que quer os AA e seus antecessores, para aceder ao seu prédio, como os RR e seus antecessores, para aceder ao referido canteiro entravam livremente e sem restrições. f) Há cerca de 20/30 anos, os AA e seus antecessores colocaram duas colunas/ombreiras em parte daquela entrada e implantaram nessas colunas/ombreiras um portão de duas folhas com as dimensões do portão que atualmente ali se encontra, deixando uma abertura entre a coluna esquerda daquele portão atento o sentido de acesso vindo da via pública e a parede da propriedade dos RR. com cerca de 50 cm. g) O pai da Ré mulher, implantou nesse espaço de 50 cm, um pequeno portão em zinco e ferro, com as dobradiças fixadas na parede da casa dos RR, e batente na coluna/ombreira dos AA. h) O pai da Ré mulher entrava por essa pequena entrada para proceder à limpeza de manutenção de tal canteiro. i) Tal canteiro possuía junto à casa dos AA., um marco com cerca de 25 cm de altura que delimitava tal canteiro/casa dos RR, do prédio dos AA. j) Com o andar dos anos, e as relações e de boa vizinhança que AA e RR, tinham, os AA. começaram a cuidar daquele canteiro, e a implantar ali flores e arbustos decorativos, não havendo necessidade dos RR, de ali acederem para cuidar do canteiro. l) Há cerca de 15/20 anos, quando os AA. efetuaram obras de melhoria do seu prédio um pedreiro retirou aquele marco em pedra. m) Posteriormente os AA, fizeram outras obras na sua casa e retiraram o pequeno portão com 50 cm de largura, e cimentaram-no, ainda se visualizando, um pequeno pedaço de zinco, bem como é visível o encerramento em cimento de tal abertura. n) O terreno dos RR, e o terreno dos AA estão ao mesmo nível, estando dividido por um muro sem qualquer argamassa ou cimento a unir tais pedras e que possui mais de 80 anos. o) Sobre parte desse muro os AA. construíram em blocos e cimento, uma parede, com 1,90 de altura e 21 metros e comprimento e sem que tenha solicitado autorização e contra a vontade dos RR. p) Não obstante interpelação aos RR nesse sentido, sem qualquer resultado q) O muro em causa sempre foi próprio dos A.A. r) Foram os antepassados da Ré mulher que o edificaram e os A.A. que o altearam, há mais de 40 anos e, s) sempre os A.A. do mesmo vêm cuidando e reparando, t) mesmo após os danos causados pelas árvores dos R.R., u) e sempre fruindo das utilidades do mesmo na sua plenitude à vista dos R.R. e seus vizinhos, sem que por ninguém fossem incomodados. v) No caso do gotejamento da água e no caso da invasão dos galhos e raízes das árvores, foram os R.R. ao longo do tempo interpelados extrajudicialmente para proceder de forma a que a violação do direito de propriedade dos AA cessasse. x) A água proveniente do beiral dos RR. desde há mais de 80 anos, goteja ou cai, sempre da mesma forma, e dimensões que atualmente possui, para o referido canteiro. z) As árvores, são de porte médio os seus ramos também de porte médio, confrontam com um terreno rústico, onde não existe nenhuma casa. aa) Não deixam cair ramos nem folhas que acarretem algum perigo, nem prejudicam qualquer cultura pois o referido terreno, de grandes dimensões está inculto, não onerando a limpeza do seu terreno, até porque na envolvência existem outras árvores, que são propriedade dos AA. bb) As fendas e a estrutura danificada do muro, deve-se a má construção e qualidade dos materiais utilizados. * IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA A- Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia. Imputam os apelantes o vício da nulidade à sentença recorrida por alegada omissão de pronúncia, sustentando que, em sede de contestação, se defenderam por exceção, invocando a constituição de uma servidão de estilicídio, nos termos do art. 1365º, n.º 2 do CC., alegando para tanto, no ponto 35º daquele articulado o seguinte: “O que já havia sido alegado na sua impugnação, a fim de evitar repetições inúteis e ao abrigo do princípio da economia processual, que a água proveniente do beiral dos Réus, desde há mais de 80 anos, goteja e cai sempre da mesma forma, e dimensões que atualmente possui, pelo que, mesmo na hipótese de terem efetuado obras de restaurou da sua casa, não teriam que colocar caleiros, ou afastar o beiral da sua paredes apenas 5 cm.”. Acontece que, na sentença recorrida, o tribunal a quo não se pronunciou sobre essa exceção, o que determina a nulidade desta por omissão de pronúncia. Vejamos se assiste razão aos apelantes. Conforme se extrai do disposto no art. 615º, n.º 1 do CPC, as nulidades da sentença, do acórdão (art. 666º, n.º 1 do CPC) ou do despacho (art. 613º, n.º 3 do CPC) encontram-se taxativamente enunciadas no n.º 1, do art. 615º e traduzem-se em patologias intrínsecas destas específicas peças processuais, decorrentes de na sua elaboração e/ou estruturação o tribunal não ter respeitado as normas processuais que regulam a sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão neles proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição em termos de fundamentos – causa de pedir - o que se reconduz à nulidade por omissão e excesso de pronúncia, respetivamente -, e/ou de pretensão – pedido, o que se traduz na nulidade por condenação ultra petitum), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados, ou seja, vícios formais que afetam essas decisões de per se e/ou os limites à sombra dos quais são proferidas[1]. Entre as causas de nulidade da sentença (acórdão ou despacho), conta-se a nulidade por omissão ou excesso de pronúncia (al. d), do n.º 1 do art. 615º). Trata-se de nulidade que se relaciona com o preceituado no art. 608º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença, acórdão ou despacho, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso. Com efeito, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos pelas partes, com fundamento em todas as causas de pedir por elas invocadas para ancorar esses pedidos e, bem assim, de todas as exceções invocadas por aquelas com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte, bem como de todas as exceções que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção (desde que suscitadas/arguidas pelas partes, pelo que não integra nulidade da sentença, a omissão de pronúncia quanto a exceção de conhecimento oficioso do tribunal, mas não arguida pelas partes e de que aquele não conheceu, caso em que se está perante erro de direito) cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes na sentença, que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC)[2]. Inversamente, o conhecimento de pedido, causa de pedir ou de exceção não arguidos pelas partes e que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente, configura nulidade por excesso de pronúncia. Precise-se que a nulidade da sentença (acórdão ou despacho) por omissão ou excesso de pronúncia é uma decorrência do princípio do dispositivo, segundo o qual, na sua dimensão tradicional, “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe às partes instaurar a ação e, através do pedido, causa de pedir, formulados e alegados na petição inicial, respetivamente, circunscreverem o thema decidendum[3], o qual apenas será complementado pela eventual reconvenção e exceções que venham a ser deduzidas pelo réu na contestação e pelas eventuais contra exceções que venham a ser invocadas pelo autor na réplica, caso esta seja admissível, não o sendo, na audiência de partes ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final (arts. 5º, n.º 1, 572º, al. c), 573º, 576º, 577º, 584º, n.º 1, 587º e 5º, n. 4, todos do CPC). Acresce que a nulidade da sentença, acórdão ou despacho por omissão ou excesso de pronúncia é também uma decorrência do princípio do contraditório, o qual, na sua atual dimensão positiva, proíbe a prolação de decisões surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), ao postergar a indefesa e, consequentemente, ao reconhecer-se às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e de influírem para a decisão a ser nele proferida. Na esteira da doutrina e da jurisprudência, “questões” são os núcleos fáctico-jurídico essenciais, centrais, nucleares, relevantes ou importantes submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia entre elas existentes e cuja resolução lhe submetem, atentos os sujeitos, os pedidos, causas de pedir e exceções por elas deduzidas ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir das teses em confronto[4]. Revertendo ao caso dos autos, à pretensão dos apelados (Autores) para que os apelantes fossem condenados a “edificar obra no seu prédio que elimine o gotejamento das águas das chuvas do telhado do prédio dos Réus para o prédio dos Autores, a suas expensas” (alínea e) do petitório), fundada na alegação (causa de pedir) de que a casa edificada no prédio de que aqueles são proprietários, não possui caleiras “em todo o comprometimento que confina com a entrada principal a casa dos Autores” e, bem assim, que a “ausência de caleiras ou beirais que conduza a água da chuva, permite que esta goteje sobre o prédio dos Autores, provocando danos no canteiro térreo situado ao longo da parede que delimita a casa dos Réus do pátio dos Autores e no próprio piso, esburacando-o”, não tendo os Réus alegadamente respeitado, “quando procederam ao restauro da sua casa, a imposição da Lei, que exige um intervalo mínimo de 5 centímetros entre os prédios dos Autores e a beira” (cfr. arts. 40º a 44º da petição inicial), os apelantes contrapuseram, em sede de contestação, a alegação que se segue: “O prédio dos Réus, desde há mais de 80 anos, que possui beirais iguais aos que atualmente existem, cujos pingantes caem diretamente para o canteiro em terra, localizado em todo o comprimento encostado à parede da casa dos Réus, e referido no artigo ...9º da p.i., mantendo as mesmas características do beiral antigo quando os Réus fizeram obras de manutenção” (art. 21º da contestação); “Efetivamente, tal canteiro pertence e faz parte integrante do prédio dos Réus” (art. 22º da contestação), conclusão essa que concretizam mediante a alegação vertida nos pontos 23º a 29º do mesmo articulado. “O gotejamento das águas que provêm do beiral dos Réus, caem em propriedade que lhes pertence e faz parte integrante do seu prédio, confessado pelos Autores na sua petição inicial” (art. 30º da contestação); “Sem prescindir, mesmo que os Réus não logrem provar a sua propriedade sobre o referido canteiro, o que só por mera hipótese académica aqui se equaciona, invocam os Réus a servidão de estilicídio (artigo 1365º, n.º 2 do C. Civil)” (art. 31º da contestação); “Efetivamente, e como se alegou atrás, e que aqui se dá por reproduzido a fim de evitar repetições inúteis, a água proveniente do beiral dos Réus, desde há mais de 80 anos (ainda os Autores não eram nascidos) goteja ou cai sempre da mesma foram e dimensões que atualmente possui para o referido canteiro” (art. 32º da contestação). “Pelo que também por esta via, não teriam os Réus como não têm, que ao fazer o restauro da sua casa há mais de 15 anos afastar os pretendidos 5 cm. entre prédio” (art. 33º do mesmo articulado). Conforme decorre da alegação dos apelantes que se acaba de transcrever, à pretensão dos apelados para que os apelantes fossem condenados a edificar “obra” no prédio de que são proprietários, “que elimine o gotejamento das águas das chuvas do telhado” da casa que nele têm construída, decorrente do telhado desta não ter alegadamente caleira em todo o seu comprimento, na parte em que confina com a entrada principal da casa dos primeiros, o que leva a que a água da chuva goteje sobre o seu prédio, provocando estragos no canteiro que se situa neste, os apelantes contrapuseram que (contrariamente ao alegado pelos apelados), a casa que têm edificada no prédio de que são proprietários tem beirais, e que esses beirais encontram-se nela colocados há mais de 80 anos, permitindo que os pingantes das águas pluviais caiam diretamente para o canteiro a que aludem os apelados na petição inicial e de que se arrogam proprietários, mas que, igualmente ao contrário do que por eles vem alegado, esse canteiro integra o prédio de que são proprietários. Essa concreta alegação dos apelantes, configura defesa por mera impugnação, dado que nela os apelantes se limitam a contradizer a versão dos factos apresentada pelos apelados na petição inicial. Contudo, alegam ainda os apelantes que, ainda que o dito canteiro faça parte integrante do prédio urbano propriedade dos apelados (conforme estes pretendem acontecer), a água pluvial proveniente desses beirais goteja, há mais de 80 anos, sempre da mesma forma e dimensões que atualmente possui para o referido canteiro e que, por via disso, encontra-se constituída uma servidão de estilicídio, nos termos do n.º 2, do art. 1365º do CC, em benefício do prédio de que são proprietários, onerando o prédio urbano propriedade dos apelados, alegação essa que, salvo o devido respeito e melhor opinião, configura já defesa por exceção[5]. Vejamos: O art. 1305º do CC atribui ao proprietário o gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, mas condiciona esses poderes aos “limites da lei” e às “restrições por ela impostas”. Essas restrições podem ser de direito público, como é o caso do sacrifício imposto pela expropriação por utilidade pública, ou de direito privado. Quanto às restrições de direito de privado, estas decorrem das relações de vizinhança e têm em vista “regular os conflitos de interesses, que surgem entre vizinhos, em consequência da solidariedade dos seus direitos, ou seja, em virtude da impossibilidade de os direitos do proprietário serem exercidos plenamente sem afetação dos direitos dos vizinhos”, encontrando-se a maioria dessas restrições previstas e reguladas nos arts. 1344º e segs. do CC[6]. Uma dessas restrições encontra-se prevista no n.º 1, do art. 1365º do CC, onde se impõe ao proprietário de um prédio o dever de nele edificar de modo que a beira do telhado ou outra cobertura que cubra esse edifício não goteje sobre o prédio vizinho, impondo-lhe, com vista a ser atingida essa finalidade, a obrigação de deixar um intervalo mínimo de cinco decímetros (ou seja, meio metro – e não 5 cms.) entre o prédio vizinho e essa beira, “se de outro modo não puder evitá-lo”. A restrição ao direito de propriedade que se acaba de referir, que impõe ao proprietário de prédio a obrigação de nele construir de modo que entre a beira do telhado ou de outra cobertura dessa edifício e o prédio vizinho fique uma distância de pelo menos meio metro, funda-se, por um lado, na regra do art. 1346º do CC, que proíbe o proprietário de emitir fumos, produzir ruídos e factos semelhantes para os prédios vizinhos, e, por outro, no princípio enunciado no art. 1351º do mesmo Código, segundo o qual os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores. Daí que a beira do telhado (ou outra cobertura) do edifício que um proprietário venha a erigir no prédio sua propriedade não possa gotejar sobre o prédio vizinho, por tal se traduzir numa emissão que a lei não consente. E com o fim de evitar essa emissão, salvo “se de outro modo não puder evitá-lo”, a lei impõe ao proprietário de prédio que ao nele edificar deixe uma distância mínima de pelo menos meio metro entre a beira da cobertura ou telhado que cobrirá o edifício que irá erigir no seu prédio e o prédio vizinho, situação em que este último já não poderá impedir o escoamento das águas pluviais[7]. Acresce precisar que o “escoamento de água” que o proprietário do prédio vizinho é obrigado a suportar nos termos da norma contida no n.º 1, do art. 1365º, contanto que entre o seu prédio e a beira do telhado ou da cobertura deste e o prédio vizinho diste uma distância mínima de meio metro, é o “gotejar” de água pluvial que provenha do telhado ou de outro tipo de cobertura de edifício contruído no dito prédio, isto é, o proprietário de prédio vizinho apenas tem a obrigação legal de suportar as águas pluviais provindas de telhado ou de cobertura de edifício construído em prédio vizinho ao seu quando essa água pluvial caia no seu prédio gota a gota, pelo que, sempre que essas águas, por ação do homem, forem reunidas (v.g., através de caleiras e tubos de descargas), aquele não é obrigado a suportá-las[8]. Note-se que o proprietário de prédio apenas se encontra obrigado a deixar a mencionada distância mínima de pelo menos meio metro entre a beira do telhado ou de outra cobertura de edifício que nele queira construir e o prédio vizinho, “se de outro modo não puder” evitar o gotejamento da água provinda desse telhado ou cobertura do seu prédio sobre o prédio vizinho (art. 1365º, n.º 1, in fine, do CC), o que significa que o primeiro deixa de estar sujeito à proibição de edificar no seu prédio sem que entre a beira do telhado ou da cobertura do edifício que se proponha erigir e o prédio vizinho fique uma distância mínima de pelo menos meio metro quando essa construção que pretende erigir seja acompanhada de obras que permitam o escoamento das águas pluviais para a sua própria propriedade, evitando, assim, que essas águas pluviais gotejem (caiam gota a gota) no prédio vizinho[9]. Acontece que quando o proprietário infrinja as injunções legais que se acabam de enunciar, construindo no seu prédio sem que entre a beira do telhado ou da cobertura dessa construção e o prédio vizinho deixe uma distância de pelo menos meio metro e sem que essa construção seja acompanhada de obras que permitam que as águas pluviais provindas do telhado ou da cobertura desse edifício sejam despejadas na sua propriedade, acabando as mesmas por cair gota a gota no prédio vizinho, ou quando recolha essas águas pluviais num local, escoando estas assim recolhidas no prédio vizinho, essas situações fácticas são suscetíveis de levar à constituição de uma servidão de estilicídio, em beneficio desse seu prédio (prédio dominante), onerando o prédio vizinho (prédio serviente). A constituição de uma servidão de estilicídio, nos termos do n.º 2, do mencionado art. 1365º, impede que o proprietário do prédio onerado pela servidão (prédio serviente) possa levantar nele qualquer edifício ou construção que impeça o escoamento das águas, devendo realizar as obras, necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio, sem prejuízo para o prédio dominante. A servidão de estilicídio consiste, assim, “no direito que assiste ao proprietário do telhado ou outra cobertura de os manter construídos de modo que as águas pluviais se escoem sobre o prédio vizinho” e pode revestir duas modalidades: “a servitus stillicidii recipiendi propriamente dita, quando a água cai diretamente no prédio vizinho gota a gota (gutatim) e a servitus fluminis recipiendi, que tem por objeto o escoamento da água por meio de canos ou caleiras (flúmen) antes de cair no terreno alheio”[10]. Como decorre do art. 1543º do CC, a servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, dizendo-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia. Decompondo a mencionada definição legal de servidão predial temos que esta se consubstancia; a) num encargo; b) esse encargo recai sobre um prédio; c) e aproveita exclusivamente a outro prédio; d) e esses prédios têm de pertencer a donos diferentes. Sendo a servidão predial um “encargo”, tal significa que aquela é uma restrição ou limitação ao direito de propriedade sobre o prédio por ela onerado (prédio serviente), consubstanciando uma restrição ao gozo efetivo do dono desse prédio, inibindo-o de praticar atos que possam prejudicar o exercício da servidão, impedindo-o de nele fazer obras que tornem mais onerosa a servidão ou que estorvem o uso desta (arts. 1566º e 1568º do CC). Deste modo, mediante esse requisito assinala-se expressamente o caráter real da servidão, traduzindo-se aquela num poder direto e imediato sobre o prédio por ela onerado, como é próprio de todo o direito real, o qual não é oponível apenas ao proprietário do prédio por ela onerado (serviente), mas a todos os terceiros (credores, arrendatários do prédio serviente, titulares de outras servidões, etc.). As servidões prediais consubstanciam-se num direito real menor de gozo que é, assim, imposto ao prédio serviente em benefício do dominante, implicando a sua constituição a automática restrição do direito de propriedade do titular do prédio serviente na medida do conteúdo do direito de servidão constituído, limitando esse direito de propriedade sobre o prédio serviente, cuja elasticidade, uma vez extinta a servidão, e como consequência dessa extinção, absorve automaticamente as utilidades dele anteriormente retiradas por força da constituição da servidão. O mencionado encargo constitui-se, de acordo com a definição legal de servidão predial, sobre um prédio (serviente) e aproveita exclusivamente a outro prédio, o que significa que, no atual sistema jurídico nacional, não são admitidas as denominadas servidões pessoais, que eram frequentes na estrutura feudal da propriedade, em que o encargo era imposto sobre uma pessoa em proveito de um prédio, não tendo, portanto, no atual sistema jurídico, o proprietário do prédio que beneficia de uma servidão (prédio dominante), o poder de colher as utilidades, vantagens ou benefícios que lhe são proporcionadas pela servidão predial, enquanto sujeito individualmente considerado, mas apenas na estrita medida em que detém a qualidade de proprietário sobre o prédio dominante. E esse proprietário do prédio dominante apenas pode colher as utilidades proporcionadas pela servidão na medida do objetivamente postulado para o aproveitamento do prédio dominante de que é proprietário, não lhe sendo lícito impor quaisquer encargos sobre o prédio serviente que não se relacionem com as necessidades próprias do prédio dominante, sua propriedade. Destarte, essencial é que a utilidade derivada da servidão seja proporcionada e gozada através dos prédios serviente e dominante, traduzindo-se a servidão num ónus e num poder direto e imediato sobre aqueles prédios de modo que a constituição da servidão implica o automático retirar de uma utilidade ou vantagem ao prédio serviente, em benefício do prédio dominante, que pode ou não aumentar o valor deste, mas que o torna mais aprazível, mais cómodo ou mais ameno. Por outro lado, a relação jurídica que se estabelece entre prédio dominante e serviente em resultado da constituição da servidão predial explica o princípio da inseparabilidade das servidões consagrado no art. 1545º do CC, nos termos do qual, salvas as exceções previstas na lei, as servidões não podem ser separadas dos prédios a que respeitam, de modo que a afetação das utilidades próprias da servidão a outros prédios importa sempre a constituição de uma servidão nova e a extinção da antiga[11], e foi precisamente para acentuar a inerência da servidão ao prédio dominante que se acrescentou o adjetivo “exclusivo” ao substantivo “proveito” incluído na definição legal de servidão predial do art. 1543º[12]. Finalmente, decorre da enunciada definição legal de servidão predial que os prédios dominante e serviente têm de pertencer a proprietários distintos, pelo que não é possível ao proprietário de um prédio constituir uma servidão predial entre dois prédios que lhe pertençam, com o objetivo de valorizar o prédio dominante, residindo, aliás, neste pressuposto o fundamento lógico que preside quer à constituição das denominadas servidões prediais constituídas por destinação do pai de família (art. 1549º do CC), que apenas se constituem quando os prédios deixam de pertencer ao mesmo proprietário, quer à extinção da servidão pela reunião de prédios serviente e dominante na propriedade da mesma pessoa (art. 1569º, n.º 1, al. a) do CC). Posto isto, as servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família (art. 1547º, n.º 1 do CC). Cingindo-nos às servidões prediais constituídas por usucapião, dispondo o art. 1287º do CC que “a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação; é o que se chama usucapião”, e definindo o art. 1251º do mesmo Código a posse como “o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”, destas definições legais decorre, por um lado, que à existência de uma situação de posse é necessária a verificação de um elemento material (“corpus”), traduzido na necessidade de o possuidor exercer atos materiais efetivos sobre a coisa ou ter a possibilidade de os exercer; e um elemento psicológico (“animus”), que consiste na vontade de atuar sobre aquela como titular do direito e, por outro, que a posse exercida por um certo lapso de tempo, variável em função das características desta, permite adquirir, por via originária, mediante o funcionamento do instituto da usucapião, o direito correspondente a esses atos materiais que o agente pratica sobre a coisa ou que tem a possibilidade de sobre ela exercer e à intencionalidade com que assim atua sobre aquela. No entanto, aos requisitos constitutivos da posse e os relativos ao período de tempo necessário à aquisição, por via da usucapião, do direito real correspondente ao corpus e animus possessórios, tratando-se de aquisição de uma servidão predial por essa via, têm de ser acompanhados por sinais visíveis e permanentes que os revelem, na medida em que o legislador nacional não permite a aquisição de servidões não aparentes por via da usucapião (art. 1548º do CC)[13]. Por conseguinte, tratando-se da aquisição de direito de servidão constituído por usucapião, para a aquisição de semelhante direito por essa via originária é necessário verificar-se o preenchimento do requisito da posse, o exercício desta pelo período de tempo fixado na lei para a aquisição do direito de servidão por essa via, e que aqueles atos possessórios sejam acompanhados por sinais visíveis e permanentes reveladores do exercício da servidão (o caminho, os canos, etc.). No que respeita à servidão de estilicídio constituída por usucapião, “se o telhado for construído de maneira que as águas pluviais se escoem para o terreno de outrem constitui-se uma situação irregular, que se torna definitiva com a usucapião. O facto do homem só é necessário inicialmente, nos atos preparatórios (construção do telhado, canalizações, etc.). Depois, a servidão exercer-se-á naturalmente, sempre que chova. A circunstância de não chover continuamente, nenhuma influência tem na natureza contínua ou descontínua da servidão. A visibilidade e a permanência revelam-se pelas obras e sinais existentes – beirais, canos, algerozes ou condutores de água, tubos de descarga, etc. – colocados no prédio dominante. Porém, (…), podem os canos conduzir as águas a um determinado ponto do prédio serviente e existir neste também sinais de servidão”[14]. Dito por outras palavras, o requisito da visibilidade e da permanência da obra reveladora do exercício da servidão de estilicídio necessário à sua constituição por via do instituto da usucapião é preenchido pela mera construção do telhado de maneira que as águas pluviais que sobre o mesmo caem se escoem para o prédio vizinho. Decorre do que se vem dizendo que, numa ação em que os demandantes venham exercer o direito que lhes é conferido pelo n.º 1 do art. 1365º do CC, pedindo que os demandados sejam condenados e edificar no prédio de que são proprietários “obra que elimine o gotejamento das águas das chuvas do telhado do” edifício que têm construído nesse seu prédio “a suas expensas” (dos demandados), com fundamento (causa de pedir) que esse edifício foi construído sem que entre a beira do respetivo telhado ou cobertura e o prédio propriedade dos demandantes interceda uma distância mínima de meio metro e que esse telhado ou cobertura, em todo o comprimento em que confina com o prédio daqueles, não possui caleiras, de modo que as águas pluviais que caem sobre esse telhado ou cobertura goteja no prédio de que os demandantes são proprietários, como é o caso da pretensão dos apelados (Autores) deduzida na alínea d) do petitório vertido na petição inicial, os demandados (apelantes) podem invocar, a título de exceção perentória, a constituição de uma servidão de estilicídio por uma das vias legalmente previstas, onde se inclui a usucapião, que lhes permita manter o gotejamento das águas pluviais provindas do telhado ou cobertura do edifício que têm erigido no prédio de que são proprietários sobre o prédio vizinho, propriedade dos demandantes (apelados), ficando-se pela invocação da mencionada servidão de estilicídio a título de exceção perentória, de modo a impedirem o direito que os demandantes (apelados) contra eles exercem e de onde fazem derivar a identificada pretensão condenatória que consta da referida alínea d), como podem ir mais além, formulando uma ação cruzada e conexa com a que lhes foi instaurada pelos apelados (demandantes), deduzindo reconvenção pedindo a condenação destes (reconvindos) a reconhecer que em benefício do prédio de que são proprietários se encontra constituída a identificada servidão de estilicídio por usucapião, onerando o prédio urbano propriedade dos apelados (Autores-reconvindos). No caso dos autos, nos arts. 21º a 30º da contestação, os apelantes não invocaram matéria tendente à constituição de uma servidão de estilicídio, na medida em que consubstanciando-se esta num direito real de gozo que assiste ao proprietário do telhado ou outra cobertura que cobre edifício que mantém construído no prédio de que é proprietário de os manter construídos de modo que as águas pluviais se escoem sobre prédio vizinho propriedade de outra pessoa, pressupondo, pois, a constituição da servidão a existência de dois prédios – dominante e serviente – propriedade de donos distintos, os apelantes, naqueles artigos do seu articulado, alegam que o canteiro sobre o qual goteja aquele telhado integra o seu próprio prédio. No entanto, nos arts. 31º a 33º da contestação, os apelantes invocam, a título subsidiário, e como forma de impedir a pretensão dos apelados formulada na identificada alínea e) do petitório, a mencionada servidão de estilicídio, constituída por usucapião, mediante a alegação que vertem nesses pontos. Os apelantes deduziram reconvenção em que não formularam pedido de condenação dos apelados (Autores-reconvindos) a reconhecer a existência da identificada servidão de estilicídio, mas apenas a: a- “remover/cortar as plantas/arbustos/roseiras que se encontram em frente das janelas do anexo do prédio dos AA., situadas na parede do lado poente, bem como a mantê-las totalmente livres e desobstruídas; b- reconhecer que os RR. são os donos e legítimos proprietários de um canteiro de terra com 29 metros de comprimento por 50 cm, de largura, que constitui o limite poente do prédio dos RR.; c- derrubar a parede em blocos e cimento edificada sobre um muro em pedra solta, que delimita os prédios rústicos dos RR e dos AA., com cerca de 20 metros de comprimento por 1, 90 m. de altura; e a d- retirar o cimento que tapa a abertura existente na confrontação sul do prédio dos RR, na zona da sua adega, com a casa dos AA., com cerca de 25 cm. de largura e 5 metros de comprimento, por forma a que esse espaço fique livre e permita a livre circulação do ar entre as duas edificações”, reconvenção essa que, aliás, não foi admitida por decisão proferida em 19/06/2020, transitada em julgado. Contudo, conforme antedito, aos apelantes assistia o direito de invocar a mencionada servidão de estilicídio, constituída por usucapião, na contestação, apenas a título de mera exceção perentória. Sucede que, compulsada a sentença recorrida, a propósito da servidão de estilicídio, ponderou a 1ª Instância que: “In casu, não há que aferir da eventual constituição da servidão de estilicídio, atento o facto de não admissão do pedido reconvencional, no entanto, sempre se dirá que os Réus não lograram fazer tal prova”. Se bem interpretamos o assim decidido, segundo a 1ª Instância, para que pudesse conhecer da servidão de estilicídio, constituída por usucapião, que vem invocada pelos apelantes na contestação, nos mencionados arts. 31º a 33º, a título de exceção perentória, estes teriam de ter deduzido reconvenção, pedindo a condenação dos apelados (autores-reconvindos) a reconhecer a existência daquela, posição jurídica essa que, salvo o devido respeito por entendimento contrário e melhor opinião, aqui não perfilhamos. No entanto, diversamente do pretendido pelos apelantes, a sentença recorrida não é nula por omissão de pronúncia, ao pretensamente não se ter pronunciado sobre a servidão de estilicídio que os mesmos invocaram a título de exceção, na contestação, na medida em que a verificação daquela nulidade pressupõe que, na sentença, o tribunal a quo tivesse silenciado em absoluto qualquer pronúncia sobre a servidão de estilicídio que se encontrará constituída em benefício do prédio propriedade dos apelantes e que onera o prédio propriedade dos apelados, que lhes conferirá o direito a continuarem a projetar (gota a gota) a água pluvial proveniente do telhado que cobre a sua casa sobre o prédio vizinho, não se reconduzindo, aliás, essa causa determinativa de nulidade da sentença à prolação pelo tribunal de uma decisão sintética e escassamente fundamentada sobre a questão em apreço[15]. Ora, na sentença recorrida, a questão da constituição da servidão de estilicídio por usucapião que vem alegada pelos apelantes, na contestação, a título de exceção perentória, não passou despercebida ao tribunal a quo, que sobre ela se pronunciou, entendendo (erroneamente) que dela não podia conhecer, mesmo em via de exceção, por não ter sido admitido o pedido reconvencional, por decisão transitada em julgada, o que se reconduz a erro de direito e não a uma causa determinativa da nulidade da sentença, nomeadamente, por omissão de pronúncia. Acresce dizer que o facto de o tribunal a quo ter considerado, na sentença, ainda que de modo muito sintético, que a mencionada exceção perentória teria de improceder porque “os Réus não lograram fazer tal prova” (da existência da servidão de estilicídio, constituída por usucapião, em benefício do seu prédio onerando o propriedade dos Autores), sempre impediria a verificação da nulidade da sentença, por pretensa omissão de pronúncia. Decorre do exposto, improceder a nulidade da sentença por omissão de pronúncia. B- Da impugnação do julgamento da matéria de facto. B.1- Condições em que é consentida a alteração do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância. (…) B.2- Propriedade do terreno em que se encontra implantado o canteiro Os apelantes impugnam a facticidade julgada provada e não provada pela 1ª Instância a propósito da propriedade do terreno em que se encontra implantado o canteiro sobre o qual se projeta a água pluvial proveniente do telhado da casa de habitação que têm erigida no prédio de que são proprietários, questão essa a propósito da qual se refere a facticidade julgada provada pela 1ª Instância nos pontos 23º, 37º, 38º, 39º, 40º, 41 e 42º do elenco dos factos julgados provados na sentença, bem como a vertida nas alíneas b), c), d), e), f), g), h), i), j), l), m) e x) do elenco dos factos nela julgados não provados. (…) Resulta do exposto que, longe da prova produzida impor o julgamento de facto que vem propugnado pelos apelantes, impõe o que foi realizado pela 1ª Instância, que assim se mantém inalterado, improcedendo a impugnação do julgamento de matéria de facto operada pelos apelantes. B.3- Da existência de caleiras na casa propriedade dos apelantes e danos decorrentes para os apelados da inexistência daquelas. A 1ª Instância, com os fundamentos já acima transcritos, julgou provada a seguinte facticidade: “24. Os R.R. não possuem caleiras em todo o comprimento do telhado da sua casa, que confina com a entrada principal da casa dos A.A. – cfr. fotografias nºs 5 e 6 juntas com a p.i. 25. A ausência de caleiras ou beirais que conduza a água da chuva, permite que esta goteje sobre o prédio dos A.A. 26. Provocando danos no canteiro térreo situado ao longo da parede que delimita a casa dos R.R. do pátio dos A.A. e no próprio piso. 27. Esburacando-o quando cai com mais abundância. 28. Os R.R. não respeitaram, quando procederam ao restauro da sua casa, um intervalo mínimo de 5 cm entre os prédios dos A.A. e a beira. 35. Na parte do prédio dos R.R. que foi remodelado, há cerca de 10 anos, foi colocado telhado novo, 36. cujos beirais são mais salientes do que os do restante telhado”. Os apelantes impugnam o julgamento de facto assim realizado, pretendendo que a prova produzida não consente que a 1ª Instância tenha julgado essa concreta facticidade como provada, mas antes impõe que se conclua pela respetiva não prova, (…) (…) Por conseguinte, na improcedência deste fundamento de recurso, mantém-se inalterada a facticidade julgada provada nos pontos 24º, 25º, 26º, 27º, 28º, 35º e 36º. B.4- Danos sofridos pelos apelados por via das condutas dos apelantes. Os apelantes impugnam o julgamento da matéria de facto julgada provada pela 1ª instância nos pontos 32º, 33º e 34º, onde esta deu como provada a seguinte facticidade: “32. Os A.A. há cerca de 8, 10 anos encontram-se pesarosos, angustiados e revoltados com a pendência dessas situações. 33. O mesmo tendo sucedido há já mais tempo com a situação dos beirais e das árvores supra descrita, bem com as reparações do muro”. 34º- Os Autores todos os anos e por diversas vezes ao ano, vão ao local, ali permanecem por muito tempo”. Acontece que a facticidade assim julgada provada tem perfeito assento na prova produzida tendo em consideração o que se vem dizendo quanto à construção dos telhados pelos apelados que cobrem a sua casa, sem caleiras, e à propriedade do canteiro, levando a que a água pluvial que cai sobre os telhados da casa dos apelantes se projete no prédio dos apelados, e em que aquela que se projeta sobretudo sobre o telhado do meio, face à dimensão da beirada deste, se projete diretamente sobre a guia do canteiro e daí para o passeio de acesso à casa dos apelados, levando consigo terra e detritos para o mencionado passeio, o que tudo é apto a criar o estado anímico nas pessoas dos apelados julgado provado. Acresce que esse estado anímico dos apelados foi corroborado pelas testemunhas GG (referiu que o apelado-marido “gosta das coisas muito aparadinhas e andava um bocadinho revoltado. Quando as coisas não funcionam bem, não se anda bem”), HH (o apelado-marido manifestou ao depoente “estar desgostoso por tudo o que estava a passar, por causa dos caleiros e dos castanheiros”, que lhe estavam a danificar o muro) e EE (referiu que se encontra ocasionalmente com o apelado-marido, quando este também vem a Portugal, e este “diz-lhe que nem lhe apetece vir a Portugal porque tem problemas como o vizinho; que lhe aborrece”). Destarte, sem mais, por desnecessárias, considerações, improcede este fundamento de recurso, mantendo-se inalterada a facticidade julgada provada nos pontos 32º, 33º e 34º. B.5 – Impugnação da facticidade da alínea q) dos factos não provados. Os apelantes, que não impugnaram a facticidade julgada provada nos pontos 29º, 30º, 31º e 45º na sentença, impugnam o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância quando à facticidade nela julgada não provada na alínea q). Essa alínea q) da facticidade julgada não provada consta do seguinte teor: “q) O muro em causa sempre foi próprio dos A.A.”. Acontece que a mencionada alínea não contém qualquer matéria de facto mas matéria puramente conclusiva, na medida em que é a partir da facticidade que tivesse sido alegada pelos Autores (apelados) e que estes viessem a provar e posterior subsunção jurídica da mesma ao direito aplicável que se teria de extrair (ou não) a ilação jurídica quanto à propriedade dos apelados sobre o dito muro. Acresce dizer que os apelantes (Réus) nem sequer dispõem de legitimidade para impugnar essa matéria (conclusiva) que se encontra vertida na mencionada alínea q), quando se verifica que a respetiva não prova não lhes é desfavorável, mas sim favorável, e vieram a ser absolvidos de todos os pedidos formulados pelos apelados (Autores) fundados nessa facticidade conclusiva que alegaram. Que assim é, extrai-se do próprio enquadramento jurídico feito na sentença, em que a 1ª Instância decidiu o seguinte quanto ao muro em referência, absolvendo os apelantes de todos os pedidos formulados pelos apelados em relação ao mesmo: “Continuando, os Autores defendem que o muro identificado no ponto 27º dos factos provados lhes pertence em exclusivo, sendo que os Réus, ao invés, entendem que o muro é comum, pedindo os Autores o valor de 150,00 euros a título de danos patrimoniais pela reparação do referido muro. (…). Os Autores não lograram ilidir a presunção de compropriedade do muro que divide os respetivos prédios rústicos e que é estabelecida no n.º 2 do artigo 1371º do C. Civil. Do acervo factual apurado não resulta provada matéria suscetível de preencher factualidade que permita afirmar a existência de sinais que excluem a presunção legal. Não tendo os Autores logrado afastar a presunção legal de compropriedade do muro em questão, e não tendo logrado provar a factualidade alegada nas alíneas a), q), r), s), t), u) dos factos não provados, fica preterido o conhecimento do pagamento pelos Réus do alegado valor de 150,00 euros com a reparação do aludido muro, pelo que improcede tal pedido. (…). Pedem ainda os Autores a quantia de 750,00 euros a título de danos morais pela pendência destas situações há mais de 8 a 10 anos, situações essas relativas à questão da janela, dos beirais, das árvores, da reparação do muro. (…). Quanto aos danos morais respeitantes à situação do muro atento o facto dos Autores não terem conseguido provar a propriedade exclusiva sobre o mesmo também não serão atendidos danos morais nessa parte”. Note-se que os apelados não interpuseram recurso desta sentença, pelo que a decisão absolutória dos apelados quanto aos pedidos por aqueles formulados respeitantes ao muro, ancorados naquela materialidade conclusiva, encontra-se transitada em julgado. No entanto, atento o carácter exclusivamente conclusivo do teor da alínea q) da facticidade julgada não provada na sentença, ordena-se a eliminação do mesmo do elenco dos factos nela julgados não provados. C- Do direito. C.1- Parte prejudicada. Na sequência da transação celebrada entre apelantes (Réus) e apelados (Autores) em 04/05/2021, homologada por sentença transitada em julgado, bem como da não admissão da reconvenção, por despacho proferido em 19/06/2020, também ele transitado em julgado, as únicas pretensões dos apelados que permaneciam por decidir e sobre as quais se debruçou a sentença recorrida são as constantes das alíneas d) (condenação dos apelantes “a edificar obra no seu prédio que elimine o gotejamento das águas das chuvas do telhado dos prédio dos Réus para o prédio dos Autores, a suas expensas”) e f) (condenação dos apelantes “a pagar o valor despendido pelos Autores com a reparação do muro, no valor de 150,00 euros, bem como a título de danos morais, indemnização no valor de 750,00 euros). No que respeita ao pedido condenatório formulado pelos apelados a verem os apelantes condenados a pagar-lhes a quantia de 150,00 euros, correspondente ao preço que despenderam na reparação do muro e, bem assim, a compensá-los pelos danos morais que sofreram em consequência dos estragos que provocaram no muro, a 1ª Instância julgou improcedente tais pretensões e absolveu delas os apelantes, não tendo os apelados interposto recurso dessa decisão absolutória, pelo que, a sentença recorrida, quanto à absolvição dos apelantes desses pedidos, encontra-se transitada em julgado. Os apelantes interpuseram o presente recurso de apelação imputando à sentença recorrida o vício da nulidade por omissão de pronúncia, decorrente de nela o tribunal a quo ter omitido qualquer pronúncia quanto à servidão de estilicídio que invocaram, na contestação, a título de exceção perentória, bem como erro de julgamento quanto à matéria de facto nela julgada provada e não provada que impugnaram e, bem assim, erro de direito à decisão de mérito nela proferida, mas exclusivamente como consequência da procedência da nulidade por omissão de pronúncia que imputaram à sentença e da impugnação do julgamento da matéria de facto vir a proceder, cingindo-se, pois, o objeto da presente apelação a essas questões. Na verdade, os apelantes não assacaram no recurso que interpuseram qualquer erro de direito às normas que foram selecionadas pela 1ª Instância na sentença sob sindicância, quanto à interpretação que nela foi feita dessas normas, nem quanto à aplicação que das mesmas nela foi feita à facticidade que se quedou como provada ou não provada nos autos que não seja decorrência da procedência do vício da nulidade por omissão de pronúncia e/ou da procedência da impugnação do julgamento da matéria de direito que operaram. Acontece que, quanto ao vício da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, já nos pronunciámos supra, cremos que sobejamente, no sentido da improcedência desse vício e no sentido de que a questão por eles suscitada se reconduz a erro de julgamento. No que concerne à impugnação do julgamento da matéria de facto, essa impugnação improcedeu, tendo-se mantido inalterada a facticidade julgada provada e não provada pela 1ª Instância na sentença, com exceção da alínea q) da facticidade nela julgada não provada, que se ordenou fosse eliminada por não conter qualquer matéria de facto mas antes matéria puramente conclusiva, pelo que essa eliminação em nada interfere com a decisão de mérito proferida na sentença. Resulta do exposto, encontrar-se prejudicada a apreciação dos erros de julgamento que os apelantes imputam à decisão de mérito proferida na sentença recorrida, o que se declara, com exceção da questão que suscitaram em sede de pretensa nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, a propósito da qual nos passamos a pronunciar, por se estar perante uma situação de erro de julgamento. C.2- Servidão de estilicídio constituída por usucapião invocada a título de exceção perentória pelos apelantes - improcedência. Conforme supra se referiu, ao decidir não poder conhecer da servidão de estilicídio invocada pelos apelantes em sede de contestação, a título de exceção perentória, por via do pedido reconvencional que por estes foi deduzido não ter sido admitido, por decisão transitada em julgado, a 1ª Instância não incorreu no vício da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas sim em erro de direito. As servidões prediais em geral e a servidão de estilicídio em particular podem ser constituídas, relembremos, por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família (art. 1547º do CC). Nos pontos 31º e 33º da contestação, os apelantes alegaram encontrar-se constituída uma servidão de estilicídio em benefício do prédio de que são proprietários, onerando o prédio propriedade dos apelados, uma vez que a água pluvial proveniente do beiral do telhado que cobre a sua casa, “desde há mais de 80 anos (ainda os Autores não eram nascidos), goteja ou cai sempre da mesma forma e dimensões que atualmente possui, para o referido canteiro. Pelo que também por esta via, não teriam os Réus como não têm, que fazer o restauro da sua casa há mais de 15 anos afastar os pretendidos 5 cm. entre prédios”. E nos pontos 21º, 22º e 30º daquele articulado alegaram que: “O prédio dos Réus, desde há mais de 80 anos, que possui beirais iguais aos que atualmente existem, cujos pingantes caem diretamente para o canteiro em terra localizado em todo o comprimento encostado à parede da casa dos Réus e referido no artigo ...9º da douta p.i., mantendo as mesmas características do beiral antigo quando os Réus fizeram obras de manutenção”. A referida facticidade, a ser provada pelos apelantes, conforme é seu ónus fazer (art. 342º, n.º 2 do CC), a fim de proceder a exceção perentória que opõem ao pedido condenatório que contra eles é deduzido pelos apelados na alínea d) do petitório formulado na petição inicial, é suficiente para que se conclua pela constituição por usucapião da servidão de estilicídio que invocam, a título de exceção perentória. Na verdade, na constituição por usucapião de uma servidão de estilicídio o poder de facto que o possuidor tem de exercer (ou ter a possibilidade de exercer) sobre a coisa (“corpus) e, bem assim, a permanência e a visibilidade desses atos possessórios decorrem da mera construção de um telhado, com um beiral, cujas características leve que a água da chuva que sobre ele caia se projete no prédio vizinho. Por sua vez, a existência do “corpus” possessório faz presumir a existência do “animus”, nos termos do disposto no n.º 2, do art. 1252º do CC[16]. Daí que baste a alegação e prova por parte dos apelantes que têm construído no seu prédio um telhado, com um beiral, cujas características faça com que a água da chuva que sobre ele caia se projete sobre o prédio vizinho, propriedade dos apelantes, com as mesmas características há mais de 80 anos (período de tempo mais que suficiente para a constituição de uma servidão de estilicídio por usucapião, uma vez que não havendo registo do título nem da mera posse, à usucapião basta a posse seja exercida durante vinte anos em caso de posse de má fé – art. 1296º do CC) para que essa servidão se tenha por constituída por usucapião. Neste sentido pronunciou-se o STJ, no acórdão de 14/07/2021, onde expende: “Constando da decisão sobre a matéria de facto que o beiral do telhado da casa dos réus goteja diretamente sobre o logradouro do prédio dos autores e que as águas do telhado escoam, desaguam ou são conduzidas para o mesmo logradouro em circunstâncias (temporais e outras) que permitem dizer que a situação se consolidou juridicamente (isto e, ocorreu usucapião), devem retirar-se daí as devidas consequências, concluindo-se que se constituiu uma servidão de estilicídio a favor dos réus”[17]. E também se pronunciou a Relação do Porto no seu acórdão de 25/09/97, onde se lê que: “Tendo os réus-reconvintes alegado na sua contestação que a sua casa tinha o telhado em pedra de ardósia que se projetava para fora da parede cerca de 70 centímetros sobre o caminho, sendo certo que os réus não alteraram a matriz da mesma, que assim se mantém, com uma janela que possuía há mais de 50, 100 ou mais anos, e deduzido pedido reconvencional em que pedem, com fundamento em usucapião, se condene os autores a reconhecer a existência de três servidões: uma servidão de manter a cornija; uma servidão de estilicídio e uma servidão de vistas, não é inepta a petição inicial da reconvenção porquanto os réus alegaram factos materiais para fundamentar a sua pretensão deduzida no processo e têm a seu favor a presunção de posse que resulta do n.º 2 do art. 1252º do CC”[18]. Acontece que, no caso dos autos, os apelantes não fizeram prova, conforme era seu ónus (art. 342º, n.º 2 do CC), da facticidade que alegaram, em sede de exceção perentória, quanto à constituição por usucapião da pretensa servidão de estilicídio de que beneficiará o prédio de que são proprietários e que onerará o dos apelados (cfr. alíneas c) e x) da facticidade julgada não provada), tal como acabou por concluir certeiramente a 1ª Instância. Destarte, improcede a exceção perentória invocada pelos apelantes. Resulta do que se vem dizendo que, sem prejuízo da supra determinada eliminação do elenco dos factos não provados da matéria conclusiva constante da alínea q), na improcedência de todos os fundamentos de recurso apresentados pelos apelantes, impõe-se concluir pela improcedência da presente apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. * Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).1- A servidão de estilicídio consiste no direito que assiste ao proprietário de telhado ou de outra cobertura de os manter construídos de modo que as águas pluviais que neles caem sejam escoadas em prédio vizinho, podendo essa servidão assumir uma das seguintes modalidades: a) o direito de escoar essas águas pluviais gota a gota no prédio vizinho; ou b) o direito de as escoar, uma vez recolhidas num único local, no prédio vizinho. b- A constituição de uma servidão predial por usucapião depende do preenchimento dos seguintes requisitos legais cumulativos: a) a posse; b) o período de tempo fixada na lei de exercício permanente de atos possessórios para que a posse gere a aquisição da servidão predial por usucapião; e c) que os atos possessórios sejam acompanhados por obras visíveis e permanentes que revelem o exercício da servidão. c- Para que se constitua uma servidão de estilicídio por usucapião, na medida que os atos possessórios (“corpus”) e a visibilidade e permanência desses atos decorre da mera construção de um telhado, com um beiral, cujas características faça com que a água pluvial que sobre ele caia se escoe no prédio vizinho, e porque a existência do “corpus” faz presumir a existência do “animus” (n.º2, do art. 1252º do CC), basta a alegação e prova da facticidade alegada pelos demandantes, em sede de exceção perentória, que: “desde há mais de 80 anos, o telhado da casa que têm erigida no prédio sua propriedade goteja ou cai, sempre da mesma forma e dimensões que atualmente possui, para o prédio propriedade dos demandantes”. * Decisão:Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sem prejuízo da supra determinada eliminação do elenco dos factos não provados da matéria conclusiva constante da alínea q), acordam em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência: - confirmam a sentença recorrida. * Custas da apelação pelos apelantes (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).* Notifique.* Guimarães, 02 de fevereiro de 2023 Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores: José Alberto Moreira Dias – Relator Alexandra Maria Viana Parente Lopes - 1ª Adjunta Rosália Cunha - 2ª Adjunta.--
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