Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ALEXANDRA VIANA LOPES | ||
| Descritores: | PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO ACTO INÚTIL COMPETÊNCIA MATERIAL AÇÃO PARA SEPARAÇÃO DE BENS DO CASAL | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 02/22/2025 | ||
| Votação: | DECISÃO SUMÁRIA | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1. É inútil o conhecimento da arguição de falta de cumprimento de contraditório prévio à decisão recorrida (art.130º do CPC), numa circunstância em que o recorrente: não pediu o seu cumprimento (entretanto exercido no recurso); pediu, como efeito prático-jurídico essencial pretendido do Tribunal ad quem, a revogação da decisão de incompetência em razão da matéria por erro de julgamento e a declaração que a competência material cabia ao Juízo Local Cível (de ...), onde o processo deveria prosseguir. 2. As ações declarativas de processo comum (arts.546º/1 e 548º do CPC), que pretendem a separação de bens nos termos dos arts.1767º ss do CC: não são de competência material dos Juízos de Família e Menores, pois não estão integradas no nº1 do art.122º da LOSJ, nem na previsão do nº2 do art.122º da LOSJ (respeitante aos inventários previstos nos arts.79º e 81º do RJPI aquando da aprovação da LOSJ, entretanto revogado, inventários esses agora previstos no art.1133º e 1135º do CPC); são de competência material dos Juízos Cíveis (arts.117º ou 130º da LOSJ, conforme o valor processual). | ||
| Decisão Texto Integral: | DECISÃO SUMÁRIA (art.656º do CPC) I. Relatório: Na ação declarativa, sob a forma de processo comum, com vista à simples separação judicial de bens, instaurada por AA contra BB, nos termos do art.1767º do CC: 1. A autora pediu o decretamento da simples separação de bens, nos termos do art.1767º do CC, alegando como fundamento: que é casada com o réu e que é a este que incumbe a gestão do património comum do casal conforme há muito acordado; que o réu é sócio gerente da EMP01...- Unipessoal, Lda., empresa que deixou de cumprir as suas obrigações perante trabalhadores, credores, Autoridade Tributária e Segurança Social; que o réu responsabilizou-se por diversos negócios celebrados na empresa e está a ser alvo de processos executivos, por reversão de dívidas daquela empresa; que a autora, em face da má –gestão do réu, vê-se também alvo de muitos dos seus processos, com grande valor de dívidas; que o réu, para tentar colmatar as dívidas das empresas, delapidou as poupanças que levou para o casamento; que ambos se viram obrigados a recorrer a um processo de insolvência pessoal, com plano que corre sob o nº871/24....; que a autora nunca interveio na administração das sociedades, nem assinou qualquer documento nem se responsabilizou pelo que quer que fosse, vendo-se obrigada a fazer uso deste processo para salvaguardar o que ainda resta do seu património. 2. A 02.04.2024, no ato imediato à instauração desta ação, foi proferido o seguinte despacho: «O artigo 122º, nº 2, última parte, da Lei nº 62/2013, de 26/08, estabelece que compete aos Juízos de Família e Menores preparar e julgar as ações especiais de separação de bens. Atento o objeto/matéria da presente ação (Ação de Separação Judicial de Bens), declara-se a incompetência material deste Juízo Local Cível de Barcelos - J... - e determina-se a remessa dos presentes autos ao Juízo de Família e Menores de Barcelos. * Custas pelo incidente a cargo da Autora/Requerente (artigos 527º/1,1ªparte,2, 529º/2 e 607º/6 todos do Código de Processo Civil), fixando-se a taxa de justiça nos termos tabelares do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido. * Registe. * Notifique a I. Mandatária da Autora/Requerente e o Ministério Público. * Após trânsito em julgado, Dê-se, de imediato, Baixa Estatística neste Juízo Local Cível de Barcelos - J... -, e Remeta-se os presentes autos ao Juízo materialmente competente. D.n..». 3. A autora interpôs recurso de apelação da decisão de I-2 supra, na qual apresentou as seguintes conclusões: «I. A recorrente não teve a oportunidade de se pronunciar sobre a questão da incompetência material do Tribunal antes da decisão que a decretou. II. O princípio do contraditório garante às partes o direito de influenciar todos os elementos relevantes ao processo, em igualdade de condições, permitindo que as partes incidam ativamente no desenvolvimento e desfecho do processo, indo além da mera defesa. III. No âmbito das questões de direito, as partes devem ter a oportunidade de discutir os fundamentos da decisão antes da sentença, sendo a proibição de decisões-surpresa é particularmente relevante para questões de direito material ou processual que o tribunal pode decidir de ofício. IV. O juiz deve informar as partes e discutir com elas as possíveis soluções para o litígio, prevenindo decisões-surpresa. V. A omissão de prévia notificação à parte sobre a intenção de abordar um fundamento ainda não discutido na decisão configura violação do princípio do contraditório. VI. Essa violação do contraditório resulta na nulidade da decisão, nos termos do art. 195º do NCPC. VII. A nulidade da decisão acarreta a nulidade dos atos subsequentes, conforme o parágrafo 2º do art. 195º do NCPC. Por outro lado VIII. A simples separação judicial de bens tem carácter patrimonial, não alterando os direitos e deveres inerentes ao casamento. IX. Por se cingir às relações patrimoniais, distingue-se da separação judicial de pessoas e bens, que também abrange os direitos e deveres pessoais dos cônjuges. X. O legislador reconheceu essa diferença ao não inserir a ação de separação judicial de bens no nº 1 do art. 122º da LOSJ. XI. A competência do Juízo Local Cível para este tipo de ação decorre do princípio da especialização e da não inclusão da separação judicial de bens no art. 122º, nº 1 da LOSJ. XII. Tal competência material dos Juízos cíveis é hoje pacifica sendo confirmada por diversos Acórdãos dos Tribunais superiores XIII. A decisão do Tribunal a quo que atribuiu competência ao Juízo de Família e Menores deve ser revogada, por violar as disposições supra referidas, de modo a que os autos prossigam no Juízo Local Cível onde a ação foi intentada. Termos em que requer a Vossas Excelências que se dignem julgar procedente recurso procedente e, em consequência, deverá: a) Declarar-se nula a decisão recorrida e todos os actos subsequentes nos termos do 195º do NCPC, por violação do disposto no artigo 3º n.º 4 do mesmo diploma, b) Revogar a decisão recorrida, por violação do disposto no artigo 122º n.º 1 da LOSJ, declarando o Juízo Local Cível o Tribunal materialmente competente para apreciação da presente acção e ordenando que a mesma prossiga.». 4. Foi proferido despacho a admitir o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo. 5. Subidos os autos a esta Relação, foi ordenada a descida dos mesmos à 1ª instância para ser cumprida a citação do réu, para os termos do recurso (art.638º/5 e 6 do CPC) e para os termos da causa (arts.563º ss, 569º ss do CPC), ao abrigo do art.647º/7 do CPC. 6. Descido o processo, foi cumprido I-5 supra e não foi apresentada resposta às alegações. 7. Proferido novamente despacho a 06.12.2024 nos termos de I-4 supra, o recurso subiu a esta Relação. II. Questões a decidir: As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC. Definem-se como questões a decidir, face às questões suscitadas no recurso: 1. Se é útil apreciar a arguida falta de cumprimento de contraditório e as suas consequências e/ou 2. Se a decisão recorrida deve ser revogada e ser declarado competente o Juízo Local Cível. III. Fundamentação: 1. Sobre a utilidade da apreciação da falta de cumprimento de contraditório prévio ao despacho liminar: A recorrente arguiu a falta de cumprimento de contraditório pelo Tribunal a quo antes de proferir o despacho liminar em que conheceu a exceção de incompetência absoluta em razão da matéria, falta esta que qualificou como nulidade processual (arts.195º e 3º do CPC), causadora de nulidade da decisão de incompetência e dos atos subsequentes. No entanto, importa decidir sobre a utilidade de apreciar esta arguição, tendo em conta que não é lícito realizar no processo atos inúteis (art.130º do CPC) Para este efeito, e por um lado, verifica-se que, mesmo que se entendesse que a nulidade processual e os seus efeitos poderia ser invocada e conhecida neste recurso, por estar coberta coberta por uma decisão judicial, conforme defende uma parte da jurisprudência (v.g., Ac. RL de 11.01.2011, proferido no processo nº286/09.5T2AMD-B.L1-1, relatado por António Santos; Ac. RL de 9.10.2014, proferido no processo nº2164/12.1TVLSB.L1-2, relatado por Jorge Leal; Ac. RG de 19.04.2018, proferido no processo nº533/04.0TMBRG-K.G1, relatado por Eugénia Cunha), com discordância de outra parte da mesma, salvo no caso excecional do art.199º/3 do CPC (v.g.: Ac. RC de 03.05.2021, proferido no processo nº 1250/20.9T8VIS.C1, relatado por Moreira do Carmo; Ac. STJ de 29.02.2024, proferido no proc. n.º19406/19.5T8LSB.L1.S1, relatado por Emídio Francisco Santos; Ac. STJ de 04.04.2024, proferido no processo nº5223/19.6T6STB.E1.S1, relatado por Maria da Graça Trigo): 1. A recorrente não pediu neste recurso o cumprimento do contraditório cuja falta invocou. Ainda que o tivesse pedido e se entendesse que o Tribunal a quo deveria ter cumprido o contraditório da autora antes de conhecer a exceção de incompetência em razão da matéria (nomeadamente por ter conhecido a exceção antecipadamente à fase do despacho saneador e de forma distinta da jurisprudência nacional dos tribunais superiores sobre esta questão), verificar-se-ia que esse contraditório havia sido entretanto cumprido no próprio recurso como fundamento do pedido de fundo referido infra. Nestes casos, há jurisprudência que considera dispensável a sua repetição, nomeadamente no Ac. STJ de 12.01.2021, proferido no processo nº3325/17.2T8LSB-B.L1.S1, relatado por Graça Amaral («III - A reclamação para a conferência do despacho do relator (…), onde a parte teve oportunidade de aduzir as razões que no seu entendimento impunham que o colectivo de juízes invertesse o sentido da decisão singular proferida, torna dispensável dar lugar a novo contraditório antes do proferimento do acórdão que decidiu no sentido de manter a decisão de não recebimento da revista..»). 2. Embora a recorrente tenha defendido a anulação de atos subsequentes à decisão recorrida proferida sem contraditório, não existem quaisquer atos praticados no processo após a decisão recorrida, para além da obrigatória citação legal do réu para a causa e para o recurso (art.671º/7 do CPC), que pudessem ser anulados. Por outro lado, verifica-se que a recorrente pediu a este Tribunal ad quem neste recurso, como efeito prático- jurídico essencial, a revogação da decisão recorrida, a declaração que o Juízo Local Cível é materialmente competente para apreciar a presente ação e a determinação do seu prosseguimento da mesma, face à aplicação que entendeu dever ser feita do art.122º/1 da LOSJ, exposta e defendida nas alegações e sintetizada nas conclusões do recurso. Assim, julga-se inútil apreciar neste recurso a arguição inconsequente de falta de cumprimento antes do despacho liminar do contraditório e considera-se que apenas é útil apreciar se a decisão de incompetência proferida padece de erro de julgamento de direito (face à pretensão essencial do recurso e aos fundamentos entretanto expostos), o que se fará em 2 infra. 2. Sobre o erro da decisão de incompetência material da decisão recorrida: A recorrente defendeu que o Juízo Local Cível é competente em razão da matéria para conhecer e julgar as ações de separação de bens, nos termos do nº1 do art.122º da LOSJ (não obstante o Tribunal a quo tivesse fundado a incompetência em razão da matéria, por simples enunciação, nos termos do nº2 do art.122º da LOSJ). Importa, assim, reapreciar a decisão de acordo com os atos processuais provados (em I supra) e o direito aplicável. 2.1. Enquadramento jurídico relevante para a questão a decidir: 2.1.1. Ações de simples separação judicial de bens: A ação de separação judicial de bens encontra-se prevista nos art.1767º ss do CC. Esta ação destina-se, num caso de casamento celebrado de acordo com um dos regimes da comunhão, a obter o decretamento do efeito de separação de bens, em exceção ao regime da imutabilidade das convenções nupciais, nos termos do art.1715º/1-b) do CC, em referência ao art.1714º do CC, mediante a prova dos pressupostos previstos por lei («Qualquer dos cônjuges pode requerer a simples separação judicial de bens quando estiver em perigo de perder o que é seu pela má administração do outro cônjuge.»- art.1767º do CC), por via litigiosa («A separação apenas pode ser decretada em ação intentada por um dos cônjuges contra o outro»- art.1768º do CC). Esta separação de bens deve ser pedida e apreciada numa ação declarativa sob a forma única do processo comum (arts.546º/1 e 548º do CPC), uma vez que para a mesma não está previsto qualquer processo especial no Código de Processo Civil de 2013, na esteira do que já acontecia e se entendia anteriormente em relação ao Código de Processo Civil de 1961, nomeadamente por Pires Lima e Antunes Varela («O Código de Processo não inclui a acção de separação entre os chamados processos especiais, razão pela qual a separação terá de seguir a forma de processo comum ordinário»[i]). Esta ação declarativa litigiosa não se confunde com outras ações ou providências que podem ter como efeitos (ou um dos efeitos) a separação de bens: nem com a ação especial de separação judicial de pessoas e bens litigiosa que, apesar de não dissolver o vínculo conjugal, põe termo aos deveres pessoais de coabitação e de assistência e, relativamente aos bens, produz os mesmos efeitos que a dissolução do casamento (arts.1794º a 1795º-D do CC, com referência também aos arts.1773º ss do CC) e dispõe de processo especial (arts.931º e 932º do CPC); nem com os regimes especiais de separação no processo executivo (arts.740º ss CPC) e no processo de insolvência (art.141º e 146º do CIRE), conforme também referem Rute Teixeira Pedro e Estrela Chaby («não se confunde com outras situações em que, apesar de se dar a produção de idêntico efeito de separação de bens, não pressupõe a reunião dos requisitos do art.1767º e a sua demonstração numa ação especialmente dirigida a esse fim. É o que poderá ocorrer no âmbito de outras ações propostas com outras finalidades- v., p. ex., o caso do pedido de separação de bens formulado em ação executiva, nos termos dos arts. 740.º ss do CPC, ou em ação de insolvência (art.141º, nº1-c), CIRE).»[ii]. Apenas depois de ter sido extinta esta ação declarativa comum de separação de bens, com a prolação de sentença declarativa e o seu trânsito em julgado, podem os interessados vir a proceder à partilha de bens comuns, por acordo ou por via litigiosa em processo de inventário, conforme prescreve o art.1770º do CC: «1. Após o trânsito em julgado da sentença que decretar a separação judicial de bens, o regime matrimonial, sem prejuízo do disposto em matéria de registo, passa a ser o da separação, procedendo-se à partilha do património comum como se o casamento tivesse sido dissolvido. 2. Havendo acordo dos interessados, a partilha prevista no número anterior pode logo ser feita nos cartórios notariais, e, em qualquer outro caso, por meio de inventário, nos termos previstos em lei especial.». 2.1.2. Competência dos Juízos de Família e Menores e dos Juízos Locais Cíveis: 2.1.2.1. As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e secções dotados de competência especializada (art.65º do CPC). A Lei da Organização e Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº62/2013, de 26 de agosto, e devidamente atualizada com os diplomas subsequentes, prevê, nomeadamente: a) Que os Tribunais de comarca desdobram-se em Juízos «a criar por decreto-lei, que podem ser de competência especializada, de competência genérica e de proximidade, nos termos do presente artigo e do artigo 130.º», que se designam «pela competência e pelo nome do município em que estão instalados.», podendo ser criados juízos de competência especializada, entre os quais se contam o «Central Cível» e o «Local Cível», tal como o Juízo de «Família e Menores» (art.81º/1, 2 e 3-a), b) e g) da LOSJ). b) Que, no âmbito cível: b1) «1 - Compete aos juízos centrais cíveis: a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000,00; b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal; c) Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência; d) Exercer as demais competências conferidas por lei. 2 - Nas comarcas onde não haja juízo de comércio, o disposto no número anterior é extensivo às ações que caibam a esses juízos. 3 - São remetidos aos juízos centrais cíveis os processos pendentes em que se verifique alteração do valor suscetível de determinar a sua competência.» (art.117º da LOSJ, com a atualização da Lei nº40-A/2016, de 22.12.). b2) «1 - Os juízos locais cíveis, (…)e de competência genérica possuem competência na respetiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada. 2 - Os juízos locais cíveis, (…)e de competência genérica possuem ainda competência para: (…) c) Exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil, onde não houver juízo de execução ou outro juízo ou tribunal de competência especializada competente; d) Julgar os recursos das decisões das autoridades administrativas em processos de contraordenação, salvo os recursos expressamente atribuídos a juízos de competência especializada ou a tribunal de competência territorial alargada; e) Cumprir os mandados, cartas, ofícios e comunicações que lhes sejam dirigidos pelos tribunais ou autoridades competentes; f) Exercer as demais competências conferidas por lei. » (art.130º/1, 2-c) a e) da LOSJ, com as atualizações da Lei nº40-A/2016, de 22.12. e da Lei nº19/2019, de 19.02). Nestes Juízos locais cíveis, conta-se o juízo local cível de Barcelos, com competência territorial para a área do município ..., com 3 juízes (mapa III do DL nº49/2014, de 27.03., devidamente atualizado). c) Que, no âmbito da jurisdição de família e menores, «1 - Compete aos juízos de família e menores preparar e julgar: a) Processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges; b) Processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum; c) Ações de separação de pessoas e bens e de divórcio; d) Ações de declaração de inexistência ou de anulação do casamento civil; e) Ações intentadas com base no artigo 1647.º e no n.º 2 do artigo 1648.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966; f) Ações e execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges; g) Outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família. 2 - Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.» (art.122º da LOSJ, com a atualização da Lei nº40-A/2016, de 22.12.). 2.1.2.2. Importa, apreciar com mais detalhe a previsão do nº2 do art.122º da LOSJ referida em c) de III- 2.1.2.1. supra, que prevê que «2 - Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.» (negrito e sublinhado aposto por esta Relação). Estas “competências que a lei confere aos tribunais” nos indicados processos de inventário e separações referem-se àquelas conferidas aos tribunais no Regime Jurídico do Processo de Inventário (RJPI), aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 05 de março (entretanto, revogado pela Lei n.º 117/2019, de 09.13.), no qual se previa: que a competência geral do inventário cabia aos cartórios notariais (arts.3º e 79º do referido RJPI); que competência em sede de impugnação de decisões do notário (arts.16º/4, 57º/4 da RJPI), de apreensões de bens (arts.26º-A, 27º do RJPI) e de decisão homologatória de partilha (arts.66º, 70º do RJPI) cabia aos tribunais. Estas “competências” foram referenciadas pela lei a processos concretos. Numa primeira parte da previsão legal, as competências dos tribunais foram referenciadas aos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil. Estes processos de inventário: a) Aquando da aprovação da LOSJ de 2013, correspondiam aos processos previstos no art.79º do RJPI, sob a epígrafe «Inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento». b) Antes e depois do RJPI: corresponderam ao processo do art.1404º do Código de Processo Civil de 1961, onde estavam previstos sob a epígrafe «Inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento»; correspondem atualmente ao processo do art.1133º do CPC de 2013, aditado pela Lei n.º 117/2019, de 09.13., onde estão previstos com a epígrafe «Separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação do casamento» (que prevê «1 - Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns. 2 - As funções de cabeça de casal incumbem ao cônjuge mais velho. 3 - Sempre que o entenda conveniente, o juiz pode determinar a remessa do processo para mediação, aplicando-se, quanto ao mais, o disposto no artigo 273.º »). Estes processos de inventário tem sido sempre da competência material dos tribunais de família e menores, de acordo com o legalmente previsto, nomeadamente nas anteriores versões das Leis da Organização Judiciária: no art.60º/c) da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (LOTJ), aprovado pela Lei nº38/87, de 23.12.; no art.81º/ d) da Lei da Organização e Funcionamento de Tribunais Judiciais de 1999 (LOFTJ), aprovada pela Lei nº3/99 de 13.01.; e no art.114º/d) da LOFTJ de 2008, aprovada pela Lei nº52/2008, de 28 de agosto (que previam a competência material destes Tribunais para os «d) Inventários requeridos na sequência de acções de separação de pessoas e bens, bem como os procedimentos cautelares com aqueles relacionados»). Numa segunda parte, as competências dos tribunais foram referenciadas aos casos das separações de bens que seguem o mesmo regime destes processos de inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento e que, nessa medida, correspondem a verdadeiros inventários com a realização das operações de partilha. Por um lado, estas separações, nos regimes jurídicos do processo de inventário, reportaram-se sempre àquelas pedidas pelo cônjuge do executado no processo executivo ou pelo cônjuge do insolvente em relação à apreensão de bens no processo de insolvência: a) Aquando da aprovação da LOSJ 2013, o então vigente RJPI (agora revogado), previa no seu art.81º, sob e epígrafe «Processo para a separação de bens em casos especiais», uma partilha por separação de bens comuns com referência ao regime dos inventários por separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação do casamento («1 - Requerendo-se a separação de bens nos casos de penhora de bens comuns do casal, nos termos do Código de Processo Civil, ou tendo de proceder-se a separação por virtude da insolvência de um dos cônjuges, aplica-se o disposto no regime do processo de inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação do casamento, com as seguintes especificidades: a) O exequente, nos casos de penhora de bens comuns do casal, ou qualquer credor, no caso de insolvência, tem o direito de promover o andamento do inventário; b) Não podem ser aprovadas dívidas que não estejam devidamente documentadas; c) O cônjuge do executado ou insolvente tem o direito de escolher os bens com que deve ser formada a sua meação e, se usar desse direito, são notificados da escolha os credores, que podem reclamar contra ela, fundamentando a sua reclamação. 2 - Se julgar atendível a reclamação, o notário ordena avaliação dos bens que lhe pareçam mal avaliados. 3 - Quando a avaliação modifique o valor dos bens escolhidos pelo cônjuge do executado ou insolvente, aquele pode declarar que desiste da escolha e, nesse caso, ou não tendo ele usado do direito de escolha, as meações são adjudicadas por meio de sorteio.»). Esta norma, por sua vez, estava referenciada, aos casos: de separação de bens penhorados na ação executiva (arts.740º e 741º/6 do CPC de 2013); de separação de bens apreendidos para a massa insolvente (arts.141º/1-b) e 146º do CIRE). b) Antes e após o RJPI: já esteve prevista no art.1406º do CPC de 1961 (nas versões do DL n.º 329-A/95, de 12.12. e da Lei n.º 29/2009, de 29.06.), sob a epígrafe «Processos para separação de bens em casos especiais», em referência ao art.825º do CPC de 1961 dos processos de execução e ao então regime das falências (e, após, das insolvências); encontra-se atualmente regulada no art.1135º do CPC de 2013, introduzido pela Lei n.º 117/2019, de 09.13., em referência aos mesmos casos dos processos executivos e de insolvência indicados na al. a) no parágrafo antecedente («1 - Se for requerida a separação de bens nos casos de penhora de bens comuns do casal ou se houver que proceder-se à separação por causa da insolvência de um dos cônjuges, aplica-se o disposto no regime do processo de inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação do casamento, com as especificidades previstas nos números seguintes. 2 - O exequente, nos casos de penhora de bens comuns do casal, ou qualquer credor, no caso de insolvência, podem promover o inventário e o seu andamento. 3 - Só podem ser aprovadas dívidas que estejam devidamente documentadas. 4 - O cônjuge do executado ou do insolvente pode escolher os bens com que deve ser formada a sua meação. 5 - Se usar a faculdade prevista no número anterior, são os credores notificados da escolha, podendo reclamar fundamentadamente contra ela. 6 - Se o juiz julgar atendível a reclamação prevista no número anterior, ordena a avaliação dos bens que lhe pareçam mal avaliados. 7 - Se a avaliação modificar o valor dos bens escolhidos pelo cônjuge do executado ou do insolvente, este cônjuge pode declarar que desiste da escolha, caso em que as meações são adjudicadas por meio de sorteio. 8 - As meações são igualmente adjudicadas por meio de sorteio se o cônjuge do executado ou do insolvente não tiver usado da faculdade de escolha dos bens que compõem a meação.»). É a estes casos do antigo art.81º do RJPI que Salvador da Costa referiu reportar-se o nº2 do art.122º da LOSJ, de uma forma nova (em relação ao regime anterior): «Prevê o nº 2 uma nova vertente da competência em razão da matéria dos juízos de família e menores, estatuindo abranger aquela que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, e de separação de bens a que se aplique especialmente o regime desses processos. Ao processo para a separação de bens no caso de penhora de bens comuns do casal ou de insolvência de um dos cônjuges reportam-se os artigos 81º do RJPI, aprovado pela Lei nº23/2013, de 5 de março, 740º do CPC e 141º, nº1, alínea b), do CIRE»[iii]. Apesar desta norma não ter sido expressamente revogada, Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, na anotação ao atual art.1135º do CPC (após a revogação do RJPI), afirmam (embora sem problematizar a questão e sem se conhecer se entendem que o art.122º/2 da LOSJ está tacitamente revogado com a revogação do RJPI), que a competência para estes inventários, apensos aos processos executivos e por insolvência a que se referem, são de competência destes Tribunais da execução ou da insolvência: «Nos termos do art.1083, nº1, al. b), o inventário deve ser requerido no tribunal judicial, dado que é dependente de um outro processo judicial. Em concreto, o tribunal competente é o tribunal da execução ou da insolvência (arts.740.º, nº2, e 741.º, nº6; art.141.º, n.º1, al. b), CIRE; art.2.º, al.e), CPPT»[iv]. Por outro lado, o regime civilista previa e prevê também a realização da partilha de bens comuns do casal, como se tivesse havido dissolução do casamento, no caso de ter sido proferida e transitada em julgado sentença de separação de bens por má administração do cônjuge (art.1770º do CC, atualmente ainda com a redação dada pela Lei nº23/2013, de 05.03., em referência aos arts.1767º ss do CC), através acordo ou recurso a inventário. Esta processo especial de inventário para partilha de bens comuns distingue-se da ação declarativa comum prévia, conforme já se referiu supra. 2.1.2.3. A jurisprudência tem-se pronunciado de forma consolidada, no sentido de caber aos Juízos Cíveis a competência material para julgar as ações que tenham como objeto simples separação de bens: quer antes da LOSJ de 2013, altura em que a discussão se fazia apenas em relação às previsões declarativas, em particular considerando que as ações de separação de bens se distinguiam das ações de separação de pessoas e bens previstas na norma (artigos 60º da LOTJ de 1987, 81º da LOFTJ de 1999, 114º da LOFTJ de 2008); quer depois da LOSJ de 2013, que introduziu a referida redação do nº2 do art.122º, não só pelas razões anteriores (agora respeitantes ao nº1 do art.122º da LOSJ), mas por se considerar o nº2 do art.122º apenas aplicável aos inventários e partilhas. Regista-se, neste campo assinalado, nomeadamente, a seguinte Jurisprudência, posterior à entrada em vigor da atual LOSJ de 2013 e que desconsiderou a relevância do nº2 do art.122º da LOSJ na redefinição da competência material para o julgamento das referidas ações de separação de bens: Ac. RL de 13.07.2016, proferido no processo nº28733/15.0T8LSB.L1, relatado por Maria José Mouro, no qual foi decidido que as ações comuns para simples separação de bens não integram o art.122º/1 da LOSJ, nem o nº2 do mesmo art.122º da LOSJ, explicando «As alterações constantes da lei 62/2013 (LOSJ) no que concerne aos processos de inventário (nº 2 do art. 122) ligam-se, designadamente, com a entrada em vigor da lei 23/2013, de 5 de Março, que aprovou o novo Regime Jurídico do Processo de Inventário. Neste, o legislador quis atribuir aos cartórios notariais a competência para a tramitação do inventário - sem prejuízo da competência exclusivamente atribuída ao juiz ali especificamente prevista, daí a referência às secções de família e menores exercerem “as competências que a lei confere aos tribunais” nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime destes processos. (…) Sendo que o nº 2 do art. 122 não desvirtua o afirmado, antes o confirma, nos termos supra aventados – aliás, referem-se ali, tão só, as competências conferidas aos tribunais nos processos de inventário ali mencionados e que possam vir a ter lugar; sabendo-se que, face ao nº 2 do art. 1770 (na redacção introduzida pela lei 23/2013), a partilha pode ser feita por acordo, nos cartórios notariais, ou em processo de inventário.»; Ac. RL de 07.03.2017, proferido no processo nº4226/16.7T8OER.L1-7, relatado por Cristina Coelho, e Ac. RP de 28.10.2021, proferido no processo nº2425/21.9T8PNF.P1, relatado por Ana Lucinda Cabral, acórdãos que também concluem que compete aos juízos cíveis a competência em razão da matéria para apreciar a separação de bens, por esta se distinguir da ação de separação de pessoas e bens prevista no art.122º/1 da LOSJ e não estar aí prevista, apesar de lhe ser feita referência no art.122º/2 da LOSJ. 2.2. Apreciação da situação em análise: Na análise de fundo da questão suscitada, face aos atos processuais relatados em I supra e ao direito aplicável em III-2.1. supra, verifica-se que, efetivamente, o despacho incorrido incorreu em erro de julgamento de direito. Por um lado, nenhuma das previsões de competência dos Juízos de Família e Menores previstas no nº1 do art.122º/1 da LOSJ integram a ação de simples separação de bens, em particular: a previsão da al. a) do nº1 do art.122º da LOSJ, uma vez que os «processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges» são aqueles que estão expressamente elencados pelo legislador no capítulo II do Título XV, em particular as respeitantes às despesas do cônjuge com filhos maiores, à atribuição de casa de morada de família, à contribuição de cônjuges para as despesas domésticas e conversão da separação em divórcio (arts. 989º/3 e 990º a 993º do CPC); a previsão da al. c) do nº1 do art.122º da LOSJ, por a ação se simples separação de bens dos arts.1767º ss do CC ser distinta da ação especial de pessoas e bens dos arts.1794º ss do CC, conforme se referiu em III- 1.1. supra. Por outro lado, nenhuma das previsões de competência dos Juízos de Família e Menores previstas no art.122º/2 da LOSJ integram a ação declarativa comum com vista a operar uma simples separação de bens (dos arts.1767º a 1769º do CC), uma vez que as ações declarativas sobre a forma comum com vista à separação de bens, nos termos dos arts.1767º ss do CC e arts. 546º e 548º/1 do CPC, distinguem-se: da ação especial de inventário que lhes possa ser subsequente, para partilha do património comum como se o casamento tivesse sido dissolvido, nos termos do art.1770º do CC e com o mesmo regime do atual art.1133º do CPC (antigo art.79º do RJPI); dos processos de inventários para separar património comum da ação executiva (arts.740º e 741º do CPC) e da insolvência (arts.141º e 146º do CIRE), com regime do art.1135º do CPC, em referência também ao art.1133º do CPC (antigo art. 81º, em referência também ao art.79º do RJPI, atualmente revogado). Desta forma, a competência em razão da matéria para preparar e julgar as ações declarativas de processo comum para decretar a separação de bens (arts.1767º ss do CC e arts.546º/1 e 548º do CPC) cabe aos Juízos Cíveis. Tendo a autora/aqui recorrente atribuído à ação o valor de € 30 000, 01 na sua petição inicial, ca competência cabe ao Juízo Local Cível onde foi instaurada (art.130º/1 da LOSJ, em contraposição com o art.117º da LOSJ). IV. Decisão: Pelo exposto, julgando-se procedente o recurso, revoga-se o despacho recorrido, devendo os autos da ação declarativa comum prosseguir os seus termos no Juízo Local Cível de Barcelos, competente em razão da matéria para o seu conhecimento. * Custas pela recorrente, por não haver parte vencida e ter obtido proveito com o recurso (art.527º/1 do CPC).* Guimarães, 22 de fevereiro de 2025 Elaborado, revisto e assinado eletronicamente pela Juiz Relatora * [i] Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Lda, 2ª Edição Revista e Atualizada, Vol. IV, anotação 3 ao art.1768º, pág.505. [ii] Rute Teixeira Pedro e Estrela Chaby, in Código Civil Anotado, com coordenação de Ana Prata, Vol. II, 2ª edição, 2020, Almedina e CEDIS, anotação 2 ao art.1768º, pág.670. [iii] Salvador da Costa e Luís Lameiras, in Lei da Organização do Sistema Judiciário, Anotada e Comentada, 2017, 3ª edição, Almedina, p. 199. [iv] Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, in O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Civil, Almedina, 2020, Reimpressão, anotação 4 ao art.1135º, pág.162. |