Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1025/19.8T8VRLR.1-G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
NULIDADES DE SENTENÇA
PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- O objeto do litígio corresponde ao thema decidendum que as partes submeteram à apreciação e decisão do tribunal, sendo, por isso, determinado pelos pedidos, causas de pedir e exceções invocados pelas partes, pelo que o objeto do litígio limita os temas da prova, que não o podem extravasar.
2- Os temas da prova correspondem à enunciação/identificação genérica pelo tribunal da facticidade essencial integrativa da causa de pedir e das exceções que foi alegada pelas partes e que permanece controvertida, com a finalidade de que as mesmas se orientem em sede de instrução da causa.
3- Sempre que o tribunal tenha indevidamente limitado o objeto do litígio e esse vício se projete nos temas da prova que formulou/enunciou (por estes não abrangerem a totalidade da facticidade essencial integrativa da causa de pedir e/ou das exceções que foi alegada pelas partes nos seus articulados e que permanece controvertida), esse vício, porque se projeta na instrução da causa e no subsequente julgamento da matéria de facto realizado na sentença, não consubstancia causa determinativa de nulidade desta, nomeadamente, por omissão de pronúncia, mas traduz erro de julgamento da matéria de facto, que terá de ser superado pelo tribunal da Relação, ainda que oficiosamente, fazendo uso dos seus poderes de cassação, anulando a sentença recorrida e determinando a ampliação do julgamento da matéria de facto quanto à facticidade não abrangida pelos temas da prova antes formulados/enunciados.
4- O incidente de liquidação de sentença é formulado na própria ação declarativa em que esta foi proferida, considerando-se a instância declarativa renovada (art. 358º, n.º 2 do CPC), e destina-se apenas a concretizar o objeto da condenação genérica proferida nessa sentença, transitada em julgado, com respeito pelo caso julgado que cobre o que nela se encontra decidido quanto a essa condenação genérica.
5- Por isso, o incidente de liquidação não pode extravasar, em termos qualitativos e/ou quantitativos, aquela condenação genérica a liquidar, ou seja, o pedido de liquidação tem de se conter dentro dos limites subjetivos (sujeitos) e objetivos (pedido e causa de pedir) da relação material controvertida alegada na ação declarativa e que serviu de fundamento à condenação genérica contida na sentença, transitada em julgado, não podendo aquele exceder o pedido formulado na ação declarativa, nem se alicerçar em fundamentos, de facto e/ou de direito (causa de pedir), distintos dos alegados na ação declarativa e que foram julgados provados e considerados (os fundamentos de direito) na sentença a liquidar para alicerçar a dita condenação genérica nela proferida.
6- O que caracteriza e individualiza a prova pericial quando confrontada com os restantes meios de prova legalmente admissíveis é a circunstância da prova a produzir ter por objeto a perceção (perceção direta, exame e investigação) e/ou a apreciação (valoração) de: a) factos presentes relativos a pessoa e por razões de decoro ou de respeito da legitima suscetibilidade desta, a mesma não dever ser submetida a inspeção judicial; ou b) a perceção e/ou a apreciação desses factos presentes (relativos a pessoa, animal, documento, coisa móvel ou imóvel, etc.) demandar conhecimentos especializados de ordem científica, técnica, artística, etc., que escapam à experiência ou à cultura geral da generalidade das pessoas instruídas e experimentadas e que, por isso, é de presumir não serem detidos pelo julgador, reclamando o recurso a perito (pessoa que possui esses conhecimentos especializados para que esta percecione, examine e investigue o facto e/ou para que os valore à luz desses seus conhecimentos especializados e depois narre essas suas perceções e/ou valorações ao juiz, para que este fique habilitado a decidir).
7- Apesar do perito ser um auxiliar do juiz, e como tal, a prova pericial fique submetida ao princípio geral da livre apreciação da prova, porque livre apreciação da prova não significa que o juiz possa decidir sem prova ou contra a prova produzida, sempre que aquele recorra a prova pericial, presume-se que o juízo técnico, científico, artístico, etc. emanado pelo perito está subtraído ao princípio da livre apreciação da prova, pelo que para divergir da prova pericial produzida o julgador terá: a) de afastar as premissas sobre que incidiu e se formou o juízo pericial; ou b) rebater o próprio juízo pericial, utilizando argumentos de equivalente valia e densidade técnica, científica, artística etc., dos que foram utilizados pelo perito.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

Por apenso aos autos de ação declarativa que AA e mulher, BB, residentes na ..., ...8, ...48 ..., ..., instauraram contra CC e mulher, DD, residentes na Rua ..., ... ..., e em que os últimos deduziram reconvenção, os identificados CC e DD instauraram incidente de liquidação contra AA e BB, pedindo que se liquidasse as condenações genéricas de que foram alvo (videoporteiro e “olho de boi”) e aquelas em que foram condenados os requeridos (aumento da área de construção) e que, uma vez feita a respetiva compensação, se condenasse os requeridos a pagar-lhes a quantia de 28.895,00 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da liquidação.
Para tanto alegaram, em suma, que: os requerentes foram condenados a eliminar as anomalias da vivenda que construíram para os requeridos, no prazo de três meses, ou, em alternativa, a pagarem a quantia de 5.632,50 euros, acrescida de IVA, num total de 6.927,97 euros, e optam pelo pagamento desta última quantia; acresce que os requerentes foram condenados a substituir o videoporteiro por outro de qualidade superior e, bem assim a colocar um “olho de boi” na porta de entrada principal da moradia, ou a entregarem aos requeridos o valor correspondente, a apurar em posterior liquidação; os requerentes aceitam pagar as quantias que os requeridos reclamam de 550,00 euros pelo fornecimento e colocação do videoporteiro, e de 75,00 euros pelo fornecimento e colocação do “olho de boi”; por sua vez, os requeridos foram condenados a pagar aos requerentes os custos decorrentes do aumento da área útil da vivenda que construíram para os mesmos, a determinar em incidente de liquidação, trabalhos esses que liquidam em 29.520,00 euros, tendo em conta que essa moradia foi projetada com 352 m2 de área de construção, com 10 metros de largura na fachada principal, por 12,50 metros de comprimento, o que representa a área de 121 m2 por piso, quando a moradia efetivamente construída, a pedido dos requeridos, tem a largura de 10,56 metros e de comprimento 13,30 metros, o que perfaz um aumento de área de construção de 19,5 m2 por piso (19,5 m2 de cave destinada a arrumos e 39 m2 de área destinada a habitação distribuída pelo ... e ... andar); feita a compensação entre os valores a receber pelos requerentes dos requeridos e que os últimos têm de lhes pagar alcança-se um valor positivo a receber pelos requerentes de 28.895,00 euros.
Os requeridos AA e BB deduziram oposição em que impugnaram parte da facticidade alegada pelos requerentes, alegando que estes não foram condenados a pagar-lhes a quantia de 6.927,97 euros, mas sim o valor necessário à reparação dos defeitos na obra que erigiram, que vier a ser apurado em liquidação de sentença, sem fixação de qualquer valor máximo; acresce que, contrariamente ao alegado pelos requerentes, os requeridos não foram condenados a pagar-lhes a quantia de 29.52,00 euros, mas sim o montante de 24.000,00 euros, acrescida de IVA; e que contrariamente ao que alegaram, os requeridos não foram condenados a pagar aos requerentes o valor do aumento da área de construção da vivenda que edificaram, a apurar em incidente de liquidação, mas sim o valor que se viesse a apurar em incidente de liquidação relativamente à construção de novas fundações, acrescido de IVA, tendo como limite o valor do pedido reconvencional que formularam.
Concluíram pedindo que se julgasse improcedente o incidente de liquidação nos termos peticionados pelos requerentes e se apurasse o valor a liquidar relativamente ao aumento das fundações.
Em 14/11/2022 proferiu-se despacho em que se: dispensou a realização de audiência prévia; fixou o valor do incidente de liquidação em 28.895,00 euros; fixou o objeto do litígio (“Apurar o valor/custo de novas fundações em pedra por fora das que já estavam construídas”) e os temas da prova (“Qual o custo da construção de novas fundações em pedra por fora das que já estavam construídas. A construção das novas fundações levou a um aumento da área do imóvel em 19,5 m2 por andar”); conheceu dos requerimentos de prova apresentados pelas partes; relegou a designação de data para a realização de audiência final para momento posterior, uma vez realizada a perícia colegial que foi requerida e deferida nos autos.
Em 02/03/2023, os peritos juntaram aos autos o relatório pericial, em relação ao qual os requerentes pediram esclarecimentos, o que foi deferido por despacho proferido em 23/03/2023, na sequência do que os peritos juntaram aos autos os esclarecimentos que lhes foram solicitados em 24/04/2024.
Realizada audiência final, a qual se prolongou ao longo de uma única sessão, em 14/04/2024, a 1ª Instância proferiu sentença, em que julgou procedente o incidente de liquidação e condenou os requeridos a pagar aos requerentes a quantia de 28.895,00 euros, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

Por tudo quanto se disse julgo o presente incidente de liquidação que CC e DD instauraram contra AA e BB procedente por provado e, em consequência:

a) Fixo em 24.000,00 € acrescido de IVA no total de 29.520,00 € (vinte e nove mil quinhentos e vinte e cinco euros), o valor que os requeridos têm de pagar aos requerentes relativo ao custo do aumento da área da sua moradia;
b) Fixo em 625,00 € (seiscentos e vinte e cinco euros) o valor que os requerentes têm de pagar aos requeridos referentes à substituição do vídeo porteiro por um de melhor qualidade e à colocação de um “olho de boi” por cima da porta de entrada da moradia dos requeridos.
c) Determino a compensação do crédito dos requerentes referido em a) com o dos requeridos referido em b) ficando estes obrigados a pagar àqueles o valor de 28.895,00 € (vinte e oito mil oitocentos e noventa e cinco euros).
d) Ao valor mencionado na al. c), acrescem juros desde a liquidação até efetivo e integral pagamento.
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Custas pelos requeridos – cfr. art. 527º, do Cód. Proc. Civil”.

Inconformados com o decidido, os requeridos AA e BB interpuseram recurso da sentença proferida, em que formularam as conclusões que se seguem:

I- O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito, pois entendem ainda os recorrentes que a sentença do Tribunal a quo violou normas jurídicas imperativas, mormente o artigo 615.º, n.º 1, als. c) e d) do Código de Processo Civil, e os artigos 17.º, 18.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa.
II- Pelo que vem da mesma interpor recurso, ao abrigo do disposto nos artigos 615.º, n.º 1, al. d), 627.º, n.º 2, 631.º, n.º 1, 637º, 638º, 645.º, n.º 1, al. a) e 647.º, n.º 3, al. b) e 662º do Código de Processo Civil.
III- O presente recurso de apelação vem interposto da sentença proferida a 15 de janeiro de 2024.
IV- Os recorrentes não se conformam com a douta decisão do Tribunal a quo, por considerarem, além do mais, que a mesma é nula nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. c) e d) do Código de Processo Civil.
V- Entendem os recorrentes que o tribunal a quo conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, revelando-se a sentença ambígua, o que torna a decisão ininteligível.
VI- Entendem ainda os recorrentes que o tribunal a quo cometeu um erro de julgamento ao apreciar a prova produzida, em concreto quanto ao ponto 5 da matéria de facto dada como provada.
VII- Na opinião dos recorrentes, o referido ponto n.º 5 da matéria de facto não pode considerar-se como assente e provado, uma vez que não existe no processo prova suficiente para poder dar como provado aquele facto.
VIII- Pelo que, não se conformando os Recorrentes com a douta sentença, vêm da mesma interpor Recurso, à luz do preceituado nos artigos 607.º, n.º 2, 615.º, n.º 1, als. c) e d), 627.º, n.º 2, 631º, n.º 1, 637º, 638.º, 645.º, n.º 1, al. a), 647.º, n.º 3, al. b) e 662º, n.º 1 e n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil.
IX- O tribunal a quo considerou como provado que o custo referente ao aumento da área do imóvel ascende a €45.718,83, no ponto n.º 5 da matéria de facto dada como provada.
X- Para decidir nesse sentido, o tribunal de que se recorre estribou-se na resposta a um quesito do relatório pericial que foi aditado em esclarecimento ao relatório pericial inicial e continha a seguinte questão: "Qual o custo do aumento da área do imóvel que a construção das novas fundações por fora das que já estavam construídas."
XI- Entendem os recorrentes que a prestação de esclarecimentos no âmbito do relatório pericial, quando entendem os senhores peritos que o m2 deverá ser valorado a 497,16€/m2 e que a área total construída a mais ascende ao valor de €45.718,83, não é prova bastante para dar como provado o ponto número 5 da matéria de facto, ou seja, que o custo referente ao aumento da área do imóvel ascende a 45.718,83€.
XII- Quando o Tribunal da Relação determinou a efetivação da liquidação, o que pretendia não era o valor do metro quadrado a mais, pois esses valores já os detinha, mas sim o valor do custo efetivo que o recorrido despendeu no aumento da área.
XIII- Na verdade, o que importava liquidar era efetivamente quais os custos relativos à ampliação, tendo em conta os materiais empregues e as horas a mais despendidas pelo recorrido nessa ampliação, o que não foi feito.
XIV- Na opinião dos recorrentes, para efetuar a liquidação pretendida, seria necessário não apurar o valor do m2 da construção atento uma regra de três simples, conforme foi feito no esclarecimento ao relatório pericial, mas sim provar através de um mapa de quantidade em que fosse refletido qual o valor exato dos trabalhos a mais efetuados pelo facto de ter ocorrido um aumento da área do prédio.
XV- O que não ocorreu, pelo que se tem de considerar que a pretendida liquidação não foi efetivamente efetuada.
XVI- Porque essa prova não foi realizada, não podia o tribunal de que se recorre ter respondido como respondeu e dar como assente como deu que o aumento da área do imóvel teve o custo de €45.718,83.
XVII- Na verdade, resulta claramente da prova pericial produzida e do depoimento de parte do recorrido que não foram feitas quaisquer alusões aos materiais e horas de trabalho a mais efetuadas no imóvel do recorrente que pudessem determinar qual o custo efetivo do aumento da área do imóvel.
XVIII- Pelo que, pelos motivos supra deverá alterar-se a decisão sobre a matéria de facto constante no ponto número 5 no sentido de não ficar provado qual o real e efetivo valor do aumento da área útil do imóvel dos recorrentes.
XIX- Atendendo a esses fatores e às regras de experiência comum, entendem os recorrentes que, socorrendo-se o tribunal da regra de três simples, o tribunal errou quanto ao valor do custo do aumento da área, porquanto entendem estes que não se pode chegar ao valor exato do aumento da área do imóvel sem ter em conta elementos essenciais, tais como o acréscimo de horas de trabalho e o acréscimo dos materiais de construção empregues, elementos esses que o tribunal a quo nunca teve conhecimento.
XX- Deste modo, ao considerar provados os factos constantes no ponto 5 da matéria de facto, o Tribunal cometeu um erro de julgamento, porquanto não existem no processo quaisquer elementos fácticos que permitam extrair essa conclusão, antes pelo contrário, com os elementos de prova que o tribunal dispunha deveria ter sido considerado como não provado quais os valores do custo do aumento da área do imóvel.
XXI- Por conseguinte, ao considerar provado aquele valor do custo da obra, a sentença de que se recorre é nula, porquanto os seus fundamentos se encontram em oposição com a decisão nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC.
XXII- Outrossim, entendem os recorrentes que a sua condenação extravasa o âmbito do objeto do litígio da forma em que foi delimitado no despacho saneador que era - repete-se - "apurar o valor/custo da construção de novas fundações em pedra por fora das que já estavam construídas".
XXIII- Como os recorrentes foram condenados por questões não enquadradas no objeto do litígio e constantes dos temas da prova, porque a decisão foi além do preço das novas fundações, entendem os recorrentes que a decisão violou claramente o artigo 615.º, n.º 1, na sua alínea d) do CPC, porquanto o juiz conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.
XXIV- Uma vez que a sentença de que se recorre tomou conhecimento de questões fora do objeto do litígio e dos temas da prova e, portanto, de que não podia tomar conhecimento, deve a sentença de que se recorre ser considerada nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
XXV- A sentença de que se recorre não cumpre os requisitos formais, conforme preceitua o art. 607.º, n.º 2 do CPC, o qual determina que "A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar."
XXVI. De facto, nunca a sentença de que se recorre identifica o objeto do litígio e as questões que cumpre ao tribunal decidir, apenas identificando as partes e o pedido, violando o preceituado no artigo 607º, nº 2 do CPC, o que determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

Termos em que deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, devendo este Tribunal para que se recorre alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, dando como não provado o ponto n.º 5 da matéria de facto, nos termos do art. 662.º, n.º 1 do CPC ou, em alternativa, ser a sentença de que se recorre considerada nula por excesso de pronúncia e oposição entre fundamentos e a decisão, nos termos do art. 615.º, n.º 1, als. c) e d) do CPC.
Assim se fazendo a costumada Justiça!

Os recorridos CC e DD contra-alegaram, pugnando no sentido de que o recurso interposto fosse julgado improcedente ......
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No despacho de admissão do recurso a 1ª Instância pronunciou-se quanto às nulidades que os recorrentes assacam à sentença recorrida, concluindo pela sua não verificação.
E admitiu o recurso interposto como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos do apenso de liquidação, e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões:
a- Se a sentença recorrida é nula por contradição entre os fundamentos, de facto e de direito, que nela foram avocados para suportarem a decisão nela proferida e a própria decisão que nela acabou por ser proferida e/ou por ambiguidade entre esses fundamentos que tornam a decisão proferida ininteligível e/ou por omissão ou excesso de pronúncia;
b- Se a dita sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto quanto à facticidade que nela foi julgada provada no ponto 5º e se, uma vez revisitada e reponderada a prova produzida, se impõe concluir pela não prova dessa facticidade;
c- Se na sequência da procedência da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos recorrentes, a sentença recorrida padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe a sua revogação.
Note-se que do objeto do presente recurso não faz parte a questão do efeito fixado ao presente recurso, uma vez que, nos termos do disposto no n.º 5 do art. 641º do CPC, é ao tribunal recorrido que cumpre, no despacho em que admita o recurso, fixar a sua espécie e determinar o seu efeito, muito embora essa decisão não vincule o tribunal superior, nem possa ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do art. 306º, na medida em que o relator poderá sempre corrigir o efeito atribuído ao recurso e o respetivo modo de subida (arts. 652º, n.º 1, al. a), 653º e 654º do CPC) ou não admitir o mesmo (arts. 652º, n.º 1, al. b) e 655º do CPC), podendo, por sua vez, nos termos do n.º 3 desse art. 652º, a parte que se considere prejudicada pelo despacho do relator requerer que sobre a questão por ele decidida recaia acórdão da conferência.
Ora, tendo a 1ª Instância, pelos fundamentos fáctico e jurídicos que explanou no despacho de admissão do recurso, atribuído ao mesmo efeito meramente devolutivo e não tendo essa decisão sido objeto de qualquer modificação por parte do aqui relator, que assim implicitamente a sufragou, não tendo os recorrentes feito uso da prerrogativa do n.º 3 do art. 652º, a questão do efeito do recurso encontra-se, em definitivo, decidida nos autos.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a facticidade que se segue, com relevância para a decisão a proferir no âmbito do presente incidente de liquidação:

1- Por decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães foram os requeridos condenados a pagar aos requerentes “o valor, acrescido do IVA respetivo, que se apurar em liquidação de sentença relativamente à construção de novas fundações em pedra, por fora das que já estavam construídas, tendo como limite o valor do pedido correspondente formulado na reconvenção”.
2- E os requerentes, além da correção das deficiências elencadas na sentença recorrida foram condenados a “substituir o vídeo porteiro por outro de qualidade superior e colocar um “olho de boi” na porta da entrada principal da moradia” dos requeridos, ou caso não o façam no prazo estipulado na sentença recorrida, entregar a estes o valor correspondente para que tais trabalhos sejam efetuados por outrem, mas, nesse caso, o valor desses trabalhos terá de ser apurado em liquidação de sentença.
3- O custo das novas fundações em pedra por fora das já construídas ascendeu a 2.000 €.
4- A construção das novas fundações levou ao seguinte aumento da área do imóvel:
- piso cave um aumento de 30,32 m2;
- piso rés do chão e andar um aumento de 30,32 m2 por piso.
5- O custo referente ao aumento da área do imóvel ascende a 45.718,83 €.
6- A substituição do vídeo porteiro por um de melhor qualidade ascende 550.00 €.
7- A colocação do “olho de boi” ascende a 75,00 €.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A- Da nulidade da sentença

Os recorrentes assacam à sentença recorrida o vício da nulidade, por excesso de pronúncia, da al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, com os seguintes argumentos: “Quando o Tribunal da Relação determinou a efetivação da liquidação o que pretendia não era o valor do metro quadrado a mais, pois esses valores já os detinha, mas sim o valor do custo efetivo que o recorrido despendeu no aumento da área. Na verdade, o que importava liquidar era efetivamente quais os custos relativos à ampliação, tendo em conta os materiais empregues e as horas a mais despendidas pelo recorrido nessa ampliação; o que não foi feito. Para efetuar a liquidação pretendida era necessário, não apurar o valor do m2 da construção atenta uma regra de três simples, conforme foi feito no esclarecimento ao relatório pericial, mas sim provar, através de um mapa de quantidade em que fosse refletido qual o valor exato dos trabalhos a mais efetuados pelo facto de ter ocorrido um aumento da área do prédio, o que não foi feito, pelo que se tem de considerar que a pretendida liquidação não foi efetivamente efetuada. Outrossim, entendem os recorrentes que a sua condenação extravasa o âmbito do objeto do litígio da forma como foi delimitado no despacho saneador – “apurar o valor/custo da construção de novas fundações em pedra por fora das que já estavam construídas” -, pelo que, “os recorrentes foram condenados por questões não enquadradas no objeto do litígio e constantes dos temas da prova, porque a decisão foi além do preço das novas fundações”, com o que “a decisão violou claramente o art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC, porquanto o juiz conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento”. Acresce que “a sentença de que se recorre não cumpre os requisitos formais, conforme preceitua o art. 607º, n.º 2 do CPC, o qual determina que “a sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar”, na medida em que “nunca a sentença de que se recorre identifica o objeto do litígio e as questões que cumpre ao tribunal decidir, apenas identificando as partes e o pedido, violando o preceituado no art. 607º, n.º 2 do CPC, o que determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d) do CPC”.
E também assacam à sentença sob sindicância o vício da nulidade por os fundamentos que nela se encontram explanados para ancorarem a decisão nela proferida estarem alegadamente em oposição com essa decisão, ou, ainda, por esses fundamentos padecerem do vício da ambiguidade que torna a decisão nela proferida ininteligível, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC, com os seguintes argumentos: “Socorrendo-se da regras de três simples, o tribunal errou quanto ao aumento do valor do custo do aumento da área, porquanto entendem estes que não se pode chegar ao valor exato do aumento da área do imóvel sem ter em conta elementos essenciais, tais como o acréscimo de horas de trabalho e o acréscimo dos materiais de construção empregues, elementos esses que o tribunal a quo nunca teve conhecimento. Deste modo, ao considerar provados os factos constantes no ponto 5º da matéria de facto o tribunal cometeu um erro de julgamento, porquanto não existem no processo quaisquer elementos fácticos que permitam extrair essa conclusão, antes pelo contrário, com os elementos de prova de que o tribunal dispunha deveria ter sido considerado como não provado quais os valores do custo do aumento da área do imóvel. Por conseguinte, ao considerar provado aquele valor do custo da obra, a sentença de que se recorre é nula, porquanto os seus fundamentos se encontram em oposição com a decisão, nos termos do art. 615º n.º 1, al. c) do CPC”.
Acontece que analisados os argumentos aduzidos pelos recorrentes que se acabam de transcrever, salvo melhor opinião, os mesmos confundem causas determinativas de nulidade da sentença com erros de julgamento da matéria de facto e, inclusivamente, ao sustentarem que nela o tribunal a quo extravasou o objeto por que foram condenados, por decisão transitada em julgado, porquanto na sentença recorrida o tribunal a quo foi além do preço das novas fundações, com o que suscitam uma pretensa desconformidade entre os fundamentos (causa de pedir) que foram alegados pelos recorridos na petição inicial para ancorarem o pedido de liquidação que contra os mesmos formularam e o título que serve de base/fundamento ao pedido de liquidação, ou seja, o acórdão proferido por esta Relação de Guimarães em 10/02/2022, transitado em julgado, que condenou os recorrentes a pagar aos recorridos “o valor referente aos trabalhos de construção de novas fundações em pedra, por fora das que já se encontravam construídas” a ser “apurado em liquidação de sentença, pois atualmente não tem o tribunal elementos para fixar o respetivo montante. A esse valor acrescerá o IVA e os juros legais, sendo estes calculados desde a data da liquidação até integral pagamento (v. art. 805º, n.º 3 do C.P.Civil), sob a capa da nulidade a sentença, por excesso de pronúncia, acabam por suscitar a questão da violação do caso julgado que cobre aquele acórdão que serve de base/fundamento ao presente incidente de liquidação, além de suscitarem outras questões que infra se irão enunciar, as quais não se reconduzem a qualquer vício determinativa de nulidade da sentença recorrida.
Deste modo, urge especificar e deslindar os vários equívocos em que, salvo melhor opinião, se mostram incursos os recorrentes.

A.1- Causas determinativas de nulidade da sentença versus erros de julgamento
Como temos reiteradamente escrito nos acórdãos que vimos relatando, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade, a saber: a) por se ter errado no julgamento dos factos e/ou de direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se terem violado as regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou as que balizam o conteúdo e/ou os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do disposto no art. 615.º do CPC[2].
As causas determinativas de nulidade das sentenças, acórdãos (art. 666º, n.º 1) e, por extensão, dos despachos (art. 613º, n.º 3) encontram-se taxativamente identificadas no n.º 1 do art. 615º do CPC e, conforme decorre das diversas alíneas desse preceito, reportam-se a vícios formais (de conteúdo) que possam afetar essas decisões decorrentes de, na sua elaboração e/ou estruturação, o tribunal não ter respeitado as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão nelas proferida. Precisando, o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição, em termos de fundamentos (causa de pedir), o que se reconduz à nulidade por omissão e excesso de pronúncia, respetivamente, e/ou de pretensão (pedido), o que se traduz na nulidade por condenação ultra petitum.
Trata-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados, ou seja, vícios formais ou de conteúdo que afetam essas decisões de per se e/ou os limites à sombra dos quais são proferidas.
Neste sentido escreve Abílio Neto que os vícios determinativos de nulidade da decisão judicial “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada”[3].
Diferentes desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com erros em que incorre o tribunal em sede de julgamento da matéria de facto e/ou em sede de julgamento da matéria de direito, decorrentes de, respetivamente: o julgador ter incorrido numa distorção da realidade factual que julgou provada e/ou não provada em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do que realizou (error facti); e/ou ter incorrido em erro na identificação das normas aplicáveis à relação jurídica material controvertida submetida pelas partes à apreciação e decisão do tribunal, na interpretação que fez dessas normas jurídicas que selecionou, e/ou na aplicação que delas fez à facticidade que se quedou como provada e não provada (error juris).
Nos erros de julgamento assiste-se, assim, ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação, interpretação e/ou aplicação das normas jurídicas aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados (vícios formais ou de conteúdo) ou aos limites à sombra dos quais são proferidos, não os inquinam de invalidade, mas sim de error in judicando[4].
Acresce precisar que, embora atualmente, na sequência da revisão ao CPC operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, o julgamento da matéria de facto se contenha na sentença, os erros de julgamento da matéria de facto não constituem, em princípio, causa de nulidade da sentença, acórdão ou despacho, nomeadamente, por omissão ou excesso de pronúncia, uma vez que o julgamento da matéria de facto está sujeito a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição da decisão ou a falta da sua motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação (cfr. arts. 640º e 662º do CPC), não constituindo, por isso, em regra, causa de nulidade da sentença, acórdão ou despacho, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pela Relação dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 662º do CPC.
Note-se, aliás, que não falta quem advogue que os erros de julgamento da matéria de facto nunca por nunca constituem causa determinativa de nulidade da sentença, acórdão ou despacho, continuando válida a distinção que na versão anterior à revisão do CPC se impunha operar entre erros de julgamento da matéria de facto e sentença propriamente dita, a qual versava apenas quanto ao julgamento da matéria de direito[5].
Contudo, perante as alterações introduzidas ao CPC pela Lei n.º 41/2013, em que a decisão sobre a matéria de facto passou a integrar a própria sentença, na senda da doutrina sufragada por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, entendemos que, se é certo que a deslocação da decisão da matéria de facto e da sua fundamentação/motivação desse julgamento da matéria de facto para a própria sentença (acórdão ou despacho) não afasta a distinção que se impõe operar entre decisão sobre a matéria de facto e decisão de direito,  nem o regime específico do art. 662º, n.ºs 1 e 2 do CPC a que se encontram subordinados os vícios que afetam o julgamento da matéria de facto, não se pode concluir que os erros de julgamento da matéria de facto, em caso algum, constituam causa de nulidade da sentença, acórdão ou despacho, nos termos do art. 615º, n.º 1, uma vez que esses erros poderão ser de tal modo graves que acabem por se reconduzir a um dos tipos de nulidade enunciados no n.º 1 do art. 615º do CPC, que levem à invalidação daquelas decisões, como será o caso de uma sentença, acórdão ou despacho em que o juiz omita totalmente a declaração e a discriminação dos factos que julgou provados, omita totalmente a discriminação dos factos que julgou não provados, e/ou omita totalmente a motivação/fundamentação do julgamento de facto que realizou[6].

A.2- Da nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia
Entre as causas de nulidade da sentença, acórdão ou despacho, contam-se o vício da nulidade por omissão ou excesso de pronúncia (cfr. al. d), do n.º 1 do art. 615º).
Trata-se de nulidades que se relacionam com o disposto no art. 608º, n.º 2 do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de resolver na sentença, acórdão ou despacho todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e que lhe veda a possibilidade de conhecer questões não suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Com efeito, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos formulados pelas partes, com fundamento em todas as causas de pedir por elas invocados para ancorar esses pedidos e de todas as exceções invocadas por aquelas com vista a impedir, modificar ou extinguir o direito invocado pela sua contraparte e, bem assim, de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade por omissão de pronúncia, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica diferentes na sentença, acórdão ou despacho que as partes hajam invocado, uma vez que o juiz não se encontra sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, n.º 3 do CPC)[7].
Inversamente o conhecimento de pedido, causa de pedir ou de exceção não formulados e suscitados pelas partes e de que não era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente, configura nulidade por excesso de pronúncia.
Precise-se que a nulidade da sentença, acórdão ou despacho por omissão ou excesso de pronúncia é uma decorrência do princípio do dispositivo, segundo o qual, na sua dimensão tradicional, “o processo é coisa ou negócio das partes”, é “uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, cumprindo ao juiz arbitrar “a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado”, princípio esse de que, entre outras consequências, decorre que cabe às partes instaurar a ação e, através do pedido, causa de pedir e da defesa, circunscreverem o thema decidendum[8] a que o julgador fica adstrito, mas também é uma decorrência do princípio do contraditório, o qual, na sua atual dimensão positiva, proíbe a prolação de decisões surpresa (art. 3º, n.º 3 do CPC), ao postergar a indefesa e, consequentemente, ao reconhecer às partes o direito de conduzirem ativamente o processo e de influírem para a decisão a ser nele proferida.
Acresce precisar que, como já alertava Alberto dos Reis[9], impõe-se distinguir entre “questões” e “razões ou argumentos”. “(…) uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção (…). São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.  Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe são submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões[10].
Do mesmo modo, apenas o conhecimento pelo tribunal de questões não suscitadas pelas partes e de que aquele não possa conhecer oficiosamente determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
 “Questões”, reafirma-se, não se confundem com os “argumentos” que as partes invocam em defesa dos seus pontos de vista ou para afastar o ponto de vista da parte contrária.
Na esteira da doutrina e da jurisprudência, dir-se-á que “questões” são os núcleo fáctico-jurídico essenciais, centrais, nucleares, relevantes ou importantes submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia entre elas existentes e cuja resolução lhe submetem, atentos os sujeitos, os pedidos, causas de pedir e exceções por elas deduzidas ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir das teses em confronto[11].
Revertendo aos ensinamentos de Alberto dos Reis, “…assim como a ação se identifica pelos seus elementos essenciais (sujeitos, pedido e causa de pedir (…), também as questões suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”[12].
Dito por outras palavras, como se expende no acórdão desta Relação de 07/12/2023:
“Questões, para este efeito, são «todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer ato (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes» (Antunes Varela, RLJ, Ano 122.º, pág. 112); e não podem confundir-se «as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 143).
Logo, questões são aqui os pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as exceções, e não também as razões ou os argumentos invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287…).
Compreende-se, por isso, que se afirme que «as questões suscitadas pelas partes e que justificam a pronúncia do tribunal terão de ser determinadas pelo binómio causa de pedir-pedido, e o tribunal não tem de se pronunciar sobre todas as considerações, razões ou argumentos apresentados pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa» (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1979, pág. 220)”[13].
Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, ao sustentarem que “Quando o Tribunal da Relação determinou a efetivação da liquidação o que pretendia não era o valor do metro quadrado a mais, pois esses valores já os detinha, mas sim o valor do custo efetivo que o recorrido despendeu no aumento de área (…). Para efetuar a liquidação era necessário, não apurar o valor do m2 da construção atenta uma regras de três simples (…), mas sim provar, através de um mapa de quantidade em que fosse refletido o valor exato dos trabalhos a mais efetuados pelo facto de ter ocorrido um aumento da área do prédio, o que não foi feito” e, bem assim quando alegam que a sua condenação na sentença sob sindicância “extravasa o âmbito do objeto do litígio da forma como foi delimitado no despacho saneador – “apurar o valor/custo da construção de novas fundações em pedra por fora das que já estavam construídas” –, pelo que os recorrentes foram condenados por questões que não constavam do objeto do litígio e dos temas da prova, porque a decisão foi além do preço das novas fundações”, os recorrentes suscitam (implicitamente) diversas questões, que se passam a enunciar.
Na verdade, os recorrentes suscitam uma alegada desconformidade entre os fundamentos (causa de pedir) que foram alegados pelos recorridos na petição inicial com que instauraram o presente incidente de liquidação (e em que sustentaram o pedido condenatório líquido que nele deduziram contra aqueles), com o acórdão transitado em julgado, que remeteu a condenação genérica dos recorrentes nele decidida para incidente de liquidação, o que, salvo melhor opinião, nada tem a ver com o vício da nulidade da sentença sob sindicância, nomeadamente, por excesso de pronúncia, mas antes com a eventual violação do caso julgado que cobre aquele acórdão condenatório dos recorrentes, transitado em julgado, decorrente de nele se ter condenado os últimos a pagar aos recorridos o valor dos custos que suportarem com a construção de novas fundações em pedra, por fora das que já se encontravam construídos, cujo montante relegou para incidente de liquidação, quando, na petição inicial em que deduziram o incidente de liquidação em causa os recorridos pretendem não só liquidar o valor do custo de construção dessas novas fundações, mas também o  custo que tiveram com o aumento da área de construção da vivenda que edificaram para aqueles.
Ora, consubstanciando a violação do caso julgado uma exceção dilatória, que é de conhecimento oficioso e que, a verificar-se, determina a absolvição dos requeridos da instância de liquidação (arts. 576º, n.º s 1 e 2, 577º, al. i), 578º e 278º do CPC), teremos naturalmente que apreciar essa concreta questão, o que faremos infra dado que, conforme antedito, não se está perante qualquer causa determinativa de nulidade da sentença.
Os recorrentes também suscitam (implicitamente) a pretensa ineptidão da petição inicial com que os recorridos intentaram o presente incidente de liquidação por alegada falta de causa de pedir (art. 186º, n.º 2, al. a) do CPC), decorrente de nela não terem sido pretensamente alegado os factos essenciais que, em função do acórdão condenatório dos recorrentes, transitado em julgado, eram necessários que tivessem sido por eles alegados naquele articulado inicial, com vista a viabilizarem a liquidação da condenação genérica determinado naquele acórdão transitado em julgado, vício este que, salvo o devido respeito por opinião contrária, nada também tem a ver com a questão da nulidade da sentença recorrida, designadamente, por excesso de pronúncia, por não se tratar de vício de conteúdo ou intrínseco daquela concreta e específica peça processual (a sentença), mas com a pretensa verificação de uma exceção dilatória (a de ineptidão da petição inicial, por falta de alegação da necessária causa de pedir, que a torna imprestável para suportar o pedido líquido que nela formularam contra os recorrentes) e que, por isso, impede que o juiz possa entrar no conhecimento do mérito do incidente de liquidação.
Acontece que essa exceção dilatória não foi suscitada, pelo menos, de modo expresso pelos recorrentes na oposição ao incidente de liquidação que deduziram, conforme lhes era imposto pelo n.º 1 do art. 198º do CPC, pelo que já não a podem agora suscitar (implicitamente) em sede do presente recurso.
Acresce dizer que, ainda que os recorrentes tivessem suscitado a referida exceção dilatória de modo tempestivo na oposição ao incidente de liquidação, verificando-se da mera leitura da petição inicial que nela os recorridos não só liquidam o custo que suportaram com a construção das novas fundações da moradia que edificaram para os recorrentes, como também o custo que suportarem com o aumento da área de construção dessa moradia, e verificando-se da leitura da oposição ao incidente de liquidação apresentada pelos recorrentes (requeridos) que estes interpretaram convenientemente a petição inicial, nomeadamente, a causa de pedir que nela foi alegada pelos recorridos para suportarem o pedido líquido que contra os mesmos formularam, tanto assim que se insurgem contra o facto dos recorridos pretenderem que se liquide o custo que suportaram com o aumento da área de construção da moradia que edificaram a pedido daqueles (alegando que este custo não faz parte da condenação genérica de que foram objeto no acórdão, transitado em julgado, que serve de base ao incidente em causa), sempre se impunha, nos termos do n.º 2 daquele art. 198º, julgar improcedente essa exceção dilatória de ineptidão da petição inicial por pretensa falta de alegação de causa de pedir.
Finalmente, a dita exceção dilatória apenas podia ser conhecida oficiosamente pelo tribunal no despacho saneador, caso dela não tivesse conhecido anteriormente em despacho autónomo, ou não havendo lugar a despacho saneador até à sentença final (art. 200º, n.º 2 do CPC).
Ora, não tendo a 1ª Instância conhecido da identificada exceção de ineptidão da petição inicial até à sentença final não pode agora o tribunal ad quem conhecer da mesma em sede de recurso[14].
Os recorrentes alegam que, na sentença recorrida a 1ª Instância pretensamente conheceu de fundamento (causa de pedir) – conhecendo do custo do aumento da área de construção do imóvel -, quando os recorridos, na petição inicial, se terão limitado a alegar os factos essenciais constitutivos da causa de pedir destinados à liquidação do custo de construção das novas fundações daquele imóvel, único vício entre os vários que foram (implicitamente) suscitados pelos recorrentes nas suas alegações de recurso que, caso se verifique, consubstanciará efetivamente causa determinativa de nulidade da sentença por excesso de pronúncia, pelo que iremos infra apreciar esta pretensa causa determinativa de nulidade da sentença.
Os recorrentes invocam a nulidade da sentença, por pretensa omissão de pronúncia, decorrente de, no objeto do litígio e nos temas da prova fixados pelo tribunal no despacho que proferiu em 14/11/2022, se ter omitido qualquer referência ao apuramento do valor/custo do aumento da área de construção e com base neste argumento concluem que a sentença sob sindicância é nula por omissão de pronúncia, a propósito do que infra também nos iremos pronunciar.
Os recorrentes alegam que a 1ª Instância incorreu em incumprimento do comando legal constante da parte final do n.º 2 do art.  607º do CPC, que lhe impõe a obrigação de enunciar na sentença “as questões que lhe cabe solucionar”, e concluem que a sentença é, por isso, nula por omissão de pronúncia, a propósito do que se dirá que, se é certo que o tribunal a quo não deu cumprimento na sentença ao enunciado comando legal, na medida em que basta a sua leitura para se constatar que nela não consta qualquer referência quanto às questões que nela teriam de ser solucionadas pelo tribunal, nem por isso o incumprimento dessa formalidade legal, que rege quanto ao modo como a sentença deve ser estruturada, determina a nulidade desta, nomeadamente, por omissão de pronúncia, dado que o incumprimento daquele comando legal não integra nenhuma causa determinativa de nulidade taxativamente enunciadas no n.º 1 do art. 615º, conquanto que naquela a 1ª Instância tenha naturalmente acabado por pronunciar-se sobre todas as questões de que lhe incumbia conhecer, ou seja, a questão que agora é suscitada (implicitamente) pelos recorrentes reconduz-se à questão enunciado supra de se saber se na sentença o tribunal a quo conheceu de todos os pedidos de liquidação deduzidos pelos recorridos na petição inicial, com base em todas as causas de pedir que nela suscitaram, e de todas as exceções invocadas pelos recorrentes na oposição que deduziram ao incidente de liquidação.
Finalmente, a alegação dos recorrentes de que face à prova produzida não era permitido ao tribunal a quo que tivesse concluído pela prova da facticidade constante do ponto 5º dos factos julgados provados na sentença, mas antes se impunha que tivesse julgado não provada essa concreta matéria de facto, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não consubstancia qualquer causa determinativa de nulidade da sentença, nomeadamente, por excesso de pronúncia, dado que não se está perante uma daquelas situações em que o tribunal não tivesse julgado como provada, nem como não provada toda a facticidade essencial integrativa da causa de pedir ou das exceções que foi alegadas pelas partes nos respetivos articulados, situação essa que determina que o erro de julgamento da matéria de facto em que incorreu o tribunal assuma foros de gravidade tais que se reconduzam a um dos vícios determinativos da nulidade da própria sentença que proferiu, taxativamente enunciados no n.º 1 do art. 615º do CPC, designadamente, na  sua al. d)  - omissão de pronúncia -, reconduzindo-se, consequentemente, a questão suscitada pelos recorrentes a um puro pretenso erro de julgamento da matéria de facto que afetará o decidido na sentença sob sindicância ao nela julgar-se provada a facticidade do ponto 5º, onde esse pretenso erro de julgamento da matéria de facto será infra apreciado em sede própria.
Apreciando agora, entre as várias questões que se acabam de enunciar, que foram implicitamente suscitadas pelos recorrentes nas alegações de recurso, a única que efetivamente, caso realmente se verifique, se reconduz a vício determinativo de nulidade da sentença, por excesso de pronúncia – apreciação na sentença recorrida do custo do aumento da área de construção do imóvel, quando os recorridos pretensamente, na petição inicial, se terão limitado a alegar os factos essenciais constitutivos da causa de pedir destinada à liquidação do custo de construção das novas fundações daquele imóvel –, cumpre, desde já  salientar não assistir razão aos recorrentes.
Com efeito, na petição inicial com que intentaram o presente incidente de liquidação, os recorridos alegaram, além do mais, o seguinte:
«4- Nos presentes autos, os autores/reconvindos, aqui requeridos, foram condenados em 1ª Instância a pagar aos réus/reconvintes, aqui requerentes, a quantia de 24.000,00 euros + IVA, num total de 29.520,00 euros, por conta do “aumento da casa”.
5- Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães decidiu-se relegar para execução de sentença o apuramento daquele valor, tendo como limite o pedido correspondente formulado na reconvenção, ou seja, os indicados 24.000,00 euros + IVA.
(…).
11- A obra foi projetada com 352 m2 de construção, com 10 metros de largura na fachada principal, por 12,50 m. de comprimento, o que representa a área de 121 m2 por piso, sendo o total de 352 m2; a vivenda tem a largura de 10,56 metros e de comprimento 13,30 m, o que perfaz a área de 140 m2 por piso, pelo que sofreu um aumento de área de 19,5 m2 por piso; e os requerentes efetuaram na obra a título de trabalhos a mais (extra), por encomenda dos requeridos uma parede em pedra desde a fundação, por fora do lintel que já estava executado e teve de construir novas fundações, em todo o perímetro da obra, para satisfazer a exigência dos reconvindos.
(…).
16 – Deverá apurar-se, portanto, o valor do aumento de área (19,5 m2 de cave destinados a arrumos) e 39 m2 de área destinada a habitação distribuídos pelo ... (19,5 m2) e ... andar (19,5 m2), o que perfaz um total de 29.520,00 euros com IVA.
(…)
18- A págs. 43 e 44 do relatório pericial constante dos autos o Sr. Perito entendeu ser de aplicar por m2 a Portaria 353/2013, de 04 de dezembro, do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e Energia, atualizado de acordos com os coeficientes divulgados pelo INE, ou seja, 719,01 euros/m2 para o ... e ... andar e 287,60 euros/m2 para a cave, num total de 33.649,50 euros.
19- Não obstante, o valor por metro quadrado da moradia que o requerente construiu para os requeridos não é inferior a 900,00 euros/m2 para a habitação e 350,00 euros/m2 para a cave destinada a arrumos, IVA não incluído.
20- Com efeito, os materiais incorporados na moradia dos requerentes, do segmento médio/alto, ao nível dos pavimentos, paredes de elevação, infraestruturas elétricas e de telecomunicações, canalizações, revestimentos e pinturas, desde as fundações até à cobertura, incluindo impermeabilizações e isolamentos e, bem assim, a mão de obra que se tornou necessária empregar, das diversas especialidades, como sejam trolhas carpinteiros, picheleiros, pedreiros, eletricista, ladrilhadores, etc., implica valores por m2 não inferiores aos indicados e superiores aos da Portaria indicada, a qual reporta-se a área habitacional de categoria padronizada, inferior à moradia aqui em causa.
21- Valor por m2 que, também em termos de mercado, a dita moradia vale de forma absolutamente.
(…).
24- Porém, tendo a decisão judicial objeto desta liquidação imposta aos aqui requerentes o limite de 29.520,00 euros (24 mil euros + IVA) é esse valor que se peticiona, muito embora o mesmo se afigure claramente exíguo».

Como se alcança da mera leitura dos excertos da petição inicial com que os recorridos instauraram o presente incidente de liquidação e que se acabam de transcrever, os mesmos alegam que, por acórdão proferido por esta Relação de Guimarães, transitado em julgado, os recorrentes (requeridos) foram condenados a pagar-lhes o custo que tiveram com a construção de novas fundações em pedra, por fora das que já estavam construídas, da moradia que erigiram para aqueles e, bem assim a pagar-lhes o custo que tiveram com o aumento da área de construção da moradia (cfr. ponto 11º da petição inicial), cujo quantum foi relegado para incidente de liquidação, com o limite do pedido reconvencional, e são expressos em alegar pretenderem que se liquide, no âmbito do presente incidente, aqueles custos acrescidos que suportaram com a construção das ditas fundações e com o aumento da área de construção da moradia dos recorridos.
 Em termos de causa de pedir para suportar o pedido líquido que formularam quanto aos custos das fundações e o aumento da área de construção da moradia, no dito articulado inicial, os recorridos (nele requerentes) alegaram: a área de construção da moradia que se encontrava projetada (e que, portanto, se obrigaram a construir nos termos do contrato de empreitada que celebraram com os ora recorrentes); a área de construção da moradia que acabaram efetivamente por construir a pedido dos recorrentes; a área de construção a mais da moradia que acabaram por construir; os custos de construção previstos na Portaria que identificam; os fundamentos fácticos que, a seu ver, levam a que se conclua que os custos de construção da moradia que erigiram são superiores ao preço m2 de construção previstos nessa Portaria; que atento o preço m2 de construção nela previsto e atenta a área de construção a mais da moradia que edificaram, o custo que suportaram ascenderia a 33.649,50 euros, mas restringiram esse seu pedido líquido ao montante do pedido do pedido reconvencional que deduziram.
Ora, basta a leitura da sentença recorrida para se constatar que nela, a 1ª Instância, ao liquidar os custos suportados pelos recorridos com a construção das novas fundações da moradia e o aumento da área de construção desta, se limitou estritamente à causa de pedir (fundamentos fácticos essenciais integrativos da causa de pedir alegados pelos ora recorridos na petição inicial) por estes invocados nesse articulado inicial, conforme, aliás, se extrai da leitura da seguinte passagem dessa sentença:
“Ao serem executadas as fundações em pedra por fora das que já se encontravam edificadas tal implicou um aumento da área da moradia dos autores que se veio a refletir nos pisos acima da cota do solo, e necessariamente um aumento do custo da construção.
E é esse aumento que compete aos requeridos liquidar.
E o valor apurado, foi de 45.718,88 €.
Sempre se dirá que, verificando-se a impossibilidade de apurar em concreto tais valores, perante a impossibilidade de um non liquet sob pena de negação de um direito anteriormente fixado por sentença devidamente transitada, recai sobre o juiz, como última ratio o dever de recorrer a juízos de equidade nos termos do art. 566º, n.º3, do Cód. Civil.
Sucede que, a decisão que agora se liquida impôs como teto máximo do valor indemnizatório o peticionado pelos requerentes em sede de petição inicial, ou seja, 24.000 € acrescido de IVA que ascende a 29.520,00 €”.
Decorre do excurso antecedente que, na sentença recorrida não ocorre qualquer excesso de pronúncia, improcedendo o fundamento de recurso em que os recorrentes assacam àquela o vício da nulidade por pretenso excesso de pronúncia.
Passando à questão da omissão do objeto do litígio e dos temas da prova fixados no despacho de 14/11/2022 de qualquer referência ao custo suportado pelos recorridos com o aumento da área de construção da moradia, cumpre referir que essas omissões, a verificarem-se, não se reconduzem a qualquer causa determinativa de nulidade de sentença, designadamente, por omissão ou excesso de pronúncia, mas antes a uma situação de erro de julgamento da matéria de facto, que terá de ser superado pelo tribunal ad quem fazendo uso dos seus poderes de cassação.
Na verdade, o “objeto do litígio” corresponde ao thema decidendum que as partes submeteram à apreciação e decisão do tribunal, atento os pedidos, causas de pedir e exceções. Por isso, o objeto do litígio é definido em face dos pedidos deduzidos (das pretensões formuladas) pelo autor na petição inicial e das causas pedir nela invocada para ancorar aqueles, bem como pelas exceções opostas pelo réu na contestação e pelas contra-exceções que o autor opôs a essas exceções.
Nos termos do art. 596º, n.º 1 do CPC, proferido despacho saneador, quando a causa houver de prosseguir, o juiz profere despacho destinado a fixar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
Por conseguinte, sempre que o processo deva prosseguir na sequência de prolação de despacho saneador, por existir facticidade que foi alegada pelas partes e que é essencial da causa de pedir e/ou das exceções por aquelas invocadas e que, por isso, é impeditiva de prolação de decisão final de mérito logo em sede de despacho saneador, impõe-se que o juiz profira despacho identificando o objeto do litígio, “através de uma formulação genérica, de pendor jurídico, que serve de baliza aos temas da prova, levando a que se exclua toda a matéria que não revele interesse para a decisão do caso”[15] e enunciando os temas da prova.
Quanto aos temas da prova, os mesmos traduzem-se na enunciação/identificação pelo tribunal, em traços gerais, da facticidade essencial integrativa da causa de pedir e das exceções que foi alegada pelas partes nos seus articulados e que permanece controvertida, sem que o tribunal a tenha de descrever.
Com efeito, contrariamente ao que acontecia antes da revisão operada ao CPC pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, na enunciação dos temas da prova não se trata de uma quesitação atomística e sincopada da matéria de facto essencial que permanece controvertida, mas de uma enunciação genérica (em traços gerais) da mesma, balizada somente pelos limites que decorrem da causa de pedir e das exceções que tenham sido invocadas, de modo a assegurar, sem barreiras artificiais e sem quaisquer constrangimentos, a livre investigação de toda a facticidade com atinência para a decisão a proferir, em que o juiz se limita a verificar a existência da controvérsia entre as partes sobre a verificação de determinados factos principais e a dar conta dos mesmos às partes, sem necessidade de os descrever [16].
A enunciação dos temas da prova poderá, e deverá, assim, fazer-se “em diversos graus de abstração ou concretização, ora mais vaga, ora mais precisa, tudo dependendo daquilo que seja realmente adequado às necessidades de uma instrução da causa e que seja apto a propiciar a justa composição do litígio, tendo em conta circunstâncias variadas, desde o modo como as partes articularam os fundamentos da ação e da defesa, até ao tipo de prova (v.g., perícia) a utilizar para determinados segmentos da matéria de facto”[17].  
As finalidades da enunciação/identificação dos temas da prova é o de informar as partes quanto à facticidade essencial que, na perspetiva do julgador, permanece controvertida e que assume relevância para as questões decidendas no processo, atento o pedido, causa de pedir e as exceções nelas invocadas, para que se orientem em sede de instrução da causa.
Posto isto, revertendo ao caso dos autos, no despacho proferido em 14/11/2022, a 1ª Instância fixou como objeto do litígio o seguinte:
Apurar o valor/custo de novas fundações em pedra por fora das que já estavam construídas”.
E enunciou os seguintes temas da prova:
“Qual o custo da construção de novas fundações em pedra por fora das que já estavam construídas”.
“A construção das novas fundações levou a um aumento da área do imóvel em 19,5 m2 por andar”.
Analisado o objeto do litígio fixado pelo tribunal naquele despacho verifica-se que aparentemente assiste razão aos recorrentes quando pretendem que “a sua condenação extravasa o âmbito do objeto do litígio” atenta a forma como este “foi delimitado no despacho saneador”.
Contudo, essa alegação dos recorrentes é apenas aparentemente válida, posto que a forma como a 1ª Instância redigiu o objeto do litígio naquele despacho corresponde à redação que foi utilizada no acórdão desta Relação em 10/02/2022, transitado em julgado, que  serve de fundamento ao presente incidente de liquidação e que condenou os recorridos a: “pagar ao réu (ora recorrido-marido) o valor, acrescido do IVA respetivo, que se apurar e liquidação de sentença relativamente à construção de novas fundações em pedra, por fora das que já se estavam construídas, tendo como limite o valor do pedido correspondente formulado na reconvenção” (destacado nosso).
Ora, conforme se salientou no acórdão do STJ., de 14/07/2022, que recaiu sobre o recurso de revista interposto pelos aí réus/reconvintes (ora recorridos) do acórdão proferido por esta Relação em 10/02/2022, a interpretação a dar a esse segmento decisório não é no sentido de que nele se “absolveu os autores (aqui recorrentes) dos custos do aumento da área de construção, mas apenas (que o tribunal da Relação nele) entendeu que devia esclarecer em que consistiu o aumento dessa área (aumento que resultou de terem sido feitas novas fundações em pedra, por fora das fundações que já se encontravam construídas, sendo que as paredes exteriores da casa ficaram aprumadas com o exterior das fundações em pedra, o que provoca aumento da área) e que, por falta de elementos (factos) determinou a fixação da indemnização, por tal aumento, em liquidação da sentença” (destacado e sublinhado nosso) e que, por isso, negou revista ao recurso interposto pelos aqui recorridos do acórdão proferido por esta Relação quanto a esse segmento decisório, quando o interpretaram no sentido de que nele se teria absolvido os aí autores/reconvindos (ora recorrentes) a pagar-lhes a quantia de 24.000,00 euros, acrescido de IVA, relativamente ao aumento da área de construção da moradia, conforme tinham sido condenados em 1ª Instância (cfr. alegações do recurso de revista interposto pelos aqui recorridos nos autos principais).
Ora, tendo os recorrentes sido notificados do acórdão proferido pelo STJ acabado de referir, e lendo-se, inclusivamente, no sumário desse aresto que: “Estando demonstrado que foi aumentada a área útil da casa, a solicitação dos autores (dono da obra), estes devem suportar os respetivos custos e, não se tendo apurado qual os custos relativos à ampliação, esses custos devem ser apurados em execução de sentença, tendo em conta o disposto no art. 609º, n.º 2 do CPC”, e não podendo, por isso, aqueles ignorar o sentido interpretativo a dar ao mencionado segmento decisório que consta do acórdão proferida por esta Relação de Guimarães, transitado em julgado, que serve de fundamento/título ao incidente de liquidação deduzido contra os mesmos pelos ora recorridos no presente incidente, verificando-se que a redação constante do despacho de 11/04/2022 quanto ao objeto do litígio corresponde à redação constante daquele segmento decisório do dito acórdão desta Relação, naturalmente que os recorrentes não podiam ignorar que a interpretação a dar a esse despacho que fixou o objeto do litígio no âmbito do presente incidente de liquidação, teria de ser a interpretação que lhe foi dada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Acresce que, em sede de petição inicial com que instauraram o presente incidente de liquidação, os recorridos foram  expressos em alegar estarem a liquidar a condenação genérica de que os recorrentes foram alvo no acórdão proferido por esta Relação, transitada em julgado, e nos arts. 4º e 5º desse articulado inicial procederam à interpretação do segmento decisório desse acórdão (que estavam a liquidar) em conformidade com a interpretação que lhe foi dada pelo STJ (“4- Nos presentes autos, os autores/reconvindos, aqui requeridos, foram condenados em 1ª Instância a pagar aos réus/reconvintes, aqui requerentes, a quantia de 24.000,00 euros + IVA, num total de 29520,00 euros, por conta do “aumento da casa”. 5- Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães decidiu-se relegar para execução de sentença o apuramento daquele valor, tendo como limite o pedido correspondente formulado na reconvenção, ou seja, os indicados 24.000,00 euros + IVA.), alegando, inclusivamente, os factos essenciais necessários à liquidação do custo que despenderam com o aumento da área de construção da moradia que construíram para os recorrentes, requerendo, aliás, logo na petição inicial, em sede de requerimentos de prova, que fosse realizada perícia com vista a determinar o custo que despenderam com esse aumento da área construtiva daquela vivenda que erigiram para os recorrentes.
Ademais, tendo sido deferida a perícia que foi requerida pelos recorridos na petição inicial com o enunciado desiderato, e tendo sido determinado que essa perícia fosse colegial, verifica-se que o objeto daquela é tendente ao apuramento do custo despendido pelos recorridos com o aumento da área de construção da moradia que erigiram para os recorrentes.
Daí que, salvo melhor opinião, face ao teor do acórdão proferido pelo S.T.J. acima enunciado, não só os recorrentes sempre tiverem perfeito conhecimento do sentido interpretativo a dar ao objeto do litígio fixado pela 1ª Instância por despacho de 11/04/2022, como quaisquer dúvidas que infundadamente pudessem ter quanto ao sentido interpretativo a dar àquele ficaram necessariamente afastadas pelo teor da petição inicial e pelo objeto da perícia que foi fixado pelo tribunal.
Acresce enfatizar que servindo o objeto do litígio de baliza aos temas da prova a serem enunciados pelo tribunal às partes e consubstanciando os temas da prova na identificação  genérica (em traços gerais) àquelas da facticidade essencial alegadas pelas partes, atentos os pedidos, causa de pedir e exceções por elas invocados, que permanece controvertida a fim de  que se orientem em sede de instrução da causa, verificando-se que, a 11/04/202, a 1ª Instância fixou como tema da prova, além do mais, o apuramento se “a construção das novas fundações levou a um aumento da área do imóvel em 19,5 m2 por andar”, o teor deste tema de prova de per se inviabiliza a interpretação que os recorrentes pretendem assacar ao objeto do litígio fixado nesse mesmo despacho pelo tribunal a quo  no sentido de que mediante aquele a 1ª Instância teria limitado o objeto do litígio no âmbito do presente incidente de liquidação (o thema nele decidendum) estritamente ao custo despendido pelos recorridos com a construções das novas fundações.
Em todo o caso, sempre se dirá que, ainda que assistisse razão aos recorrentes para a sua alegação (o que não é o caso), quer as questões que suscitam a propósito do objeto do litígio, quer a propósito dos temas da prova não consubstanciam qualquer causa determinativa de nulidade de sentença, por omissão ou por excesso de pronúncia, mas sim erro de julgamento da matéria de facto.
Com efeito, conforme antedito, tendo os recorridos, em sede de petição inicial, sido expressos em referirem pretenderem liquidar o custo que despenderam com a ampliação da vivenda que edificaram para os recorrentes (cfr. arts. 4º e 5º desse articulado inicial) e tendo os mesmos aí alegado os factos essenciais integrativos da causa de pedir necessários a viabilizarem essa liquidação, caso se verificasse que, no despacho proferido em 14/11/2022, no objeto do litígio que aí fixou a 1ª Instância restringira indevidamente o thema decidendum no presente de liquidação à  determinação do montante do custo das novas fundações e com isso omitira nos temas da prova fixados factos essenciais alegados pelos recorridos na petição inicial integrativos da causa de pedir por eles aí invocada a fim de suportarem o pedido de liquidação que deduziram contra os recorrentes (o que, reafirma-se, não é o caso dos autos), essa restrição e omissão indevida não se reconduziria a qualquer um dos vícios taxativamente previstos no n.º 1 do art. 615º do CPC, mas traduzir-se-ia num vício ocorrido em momento anterior à prolação da sentença recorrida, que acabou por influir no julgamento da matéria de facto nela realizado pelo tribunal a quo.
Na verdade, aquela restrição do  objeto do litigio e omissão ao nível dos temas da prova, a verificarem-se, levariam a que se tivesse de considerar que as partes não foram, devida e convenientemente, orientadas pelo juiz quanto à matéria de facto essencial que permanecia controvertida e sobre a qual teria de incidir a instrução da causa, com o que se frustraram as finalidades prosseguidas pelo legislador ao impor que o tribunal fixasse o objeto do litígio e enunciasse os temas da prova com vista a orientá-las em sede de instrução da causa, acabando, assim, essa restrição ocorrida ao nível do objeto do litígio e a omissão ao nível dos temas da prova por influir no julgamento da matéria de facto que acabou por ser realizado na sentença, determinando que esse julgamento se encontrasse viciado.
Logo, aqueles vícios, caso se verificassem (o que não é o caso), colocar-se-iam exclusivamente ao nível do julgamento da matéria de facto.
Ora, conforme antedito, porque os erros de julgamento da matéria de facto, salvo casos muito excecionais, não consubstanciam causa determinativa de nulidade da sentença recorrida, designadamente, por omissão de pronúncia, mas erro de julgamento da matéria de facto, este teria de ser superado pelo tribunal ad quem, fazendo uso dos poderes de cassação que lhe são conferidos pela al. c), do n.º 2 do art. 662º do CPC, determinando que se tivesse de anular o julgamento da matéria de facto quanto à facticidade julgada provada ou não provada pela 1ª Instância não abrangida pelo objeto do litígio e pelos temas da prova que antes fixara (se esse fosse o caso), bem como a sentença recorrida e ordenando a ampliação do julgamento da matéria de facto à facticidade não abrangida pelo objeto do litígio e os temas da prova antes formulados[18].
Decorre do excurso antecedente, improceder a nulidade que os recorrentes assacam à sentença recorrida, por pretenso excesso e/ou omissão de pronúncia, bem como todas as questões que por eles foram implicitamente suscitadas nas suas alegações de recurso como consubstanciando (erroneamente) nulidade da sentença recorrida, por pretensa omissão e/ou excesso de pronúncia que acima se analisaram e apreciaram.

A.3- Da nulidade da sentença por os fundamentos nela convocados estarem em oposição com a decisão nela proferida e/ou por esses fundamentos padecerem do vício de ambiguidade, determinando a ininteligibilidade da decisão nela proferida.
Lê-se no art. 615º, n.º 1, al. c) do CPC que: “É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
 Ocorre o vício da nulidade previsto na disposição legal que se acaba de transcrever quando ocorra uma construção viciosa da sentença, acórdão ou despacho decorrente dos fundamentos, de facto e/ou de direito, que neles foram aportados pelo julgador para suportar a decisão que proferiu (na sua parte dispositiva) estarem em contradição com essa decisão, isto é, existe uma contradição lógica interna entre a decisão proferida (na sua parte dispositiva) e os fundamentos que foram convocados pelo julgador para suportar essa decisão.
Dito por outras palavras, na sentença, acórdão ou despacho o julgador seguiu uma determinada linha de raciocínio fáctico-jurídica argumentativa que apontava logicamente para uma determinada conclusão/decisão, mas, em vez de tirar essa conclusão, decidiu noutro sentido, oposto ou divergente.
Trata-se, portanto, de um vício interno da própria decisão judicial que decorre das premissas que nela foram convocadas pelo julgador para ancorar a decisão estarem em contradição com a decisão que acabou por proferir, verificando-se, por isso, um vício real no raciocínio seguido pelo julgador na sentença, acórdão ou despacho.
Ora, impendendo sobre o juiz, nos termos dos arts. 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC e 205º, nº 1 da C.R.P., o dever de fundamentar as decisões que profere e devendo a parte decisória da sentença, acórdão ou despacho reconduzir-se, no seu traçado essencial, a um verdadeiro silogismo judiciário em que aquelas decisões judiciais têm como premissa maior a norma jurídica aplicável ao caso, como premissa menor a situação de facto respigada dos autos e, como conclusão, a decisão proferida pelo juiz à luz das premissas por ele aceites e que exarou na sentença, acórdão ou despacho[19],  constitui “violação das regras necessárias à construção lógica da sentença (acórdão ou despacho) que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que nela resulta enunciada”[20].
Porque assim é, sempre que a sentença, acórdão ou despacho apresentem o enunciado vício interno de ilogicidade decorrente dos fundamentos, de facto e de direito, que nela foram convocados pelo julgador, em sede de subsunção dos factos ao direito, para suportar a decisão estarem em contradição com a decisão que acabou por proferir (na sua parte dispositiva), aqueles padecem do vício da nulidade da al. e) do n.º 1 do art. 615º, por não ser possível alcançar da sua leitura a lógica racional que presidiu ao que neles foi decidido pelo julgador.
Acresce que a sentença, acórdão ou despacho serão igualmente nulos quando neles “ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Note-se que os enunciados vícios da ambiguidade, obscuridade ou da ininteligibilidade tanto podem afetar a parte dispositiva da sentença, acórdão ou despacho, isto é, o seu decisório final, como podem afetar alguma ou algumas das passagens em que o julgador procede à subsunção jurídica da facticidade julgada provada e não provada.
Ocorre o vício da “obscuridade” quando não é possível extrair o sentido interpretativo a dar à parte dispositiva da sentença, acórdão ou despacho (no seu decisório final), ou quando não é possível extrair esse sentido interpretativo em relação a alguma ou algumas das passagens neles exaradas pelo julgador em sede de subsunção jurídica da facticidade apurada, de modo que se desconhece o que este quis neles dizer.
E ocorre o vício da “ambiguidade” quando a parte dispositiva da sentença, acórdão ou despacho ou, em sede de subsunção jurídica da facticidade apurada, aqueles contenham algum passo que comporte razoavelmente mais do que um sentido interpretativo, tornando-se, assim, incerto, indefinido ou duvidoso o respetivo comando.
Enfatize-se, porém, que quando os vícios de obscuridade e/ou de ambiguidade afetam uma ou várias passagens da parte da sentença, acórdão ou despacho em que o julgador aplicou o direito aos factos, esses vícios apenas determinarão a nulidade da sentença, acórdão ou despacho quando os mesmos se projetem na sua parte dispositiva (decisório final), tornando-o “ininteligível”, ou seja, impossibilitando a determinação da forma como o julgador quis resolver o litígio[21].
Acresce precisar que, reconduzindo-se a nulidade da al. e) do n.º 1 do art. 615º do CPC, a vícios internos ou de conteúdo que se situam no âmbito restrito da elaboração da sentença, acórdão ou despacho, decorrente de padecerem de uma construção viciosa ou padecerem dos enunciados vícios de ambiguidade, obscuridade ou ininteligibilidade ao nível da sua parte dispositiva ou ao nível de uma ou várias passagens em que o julgador procedeu à aplicação do direito aos factos que se quedaram provados e não provados torando impercetível a decisão que proferiu no seu decisório final, essa causa de nulidade não se confunde naturalmente com o erro de julgamento na vertente de “error iuris” (isto é, com o erro em que incorra o julgador na sentença em sede de seleção, interpretação e aplicação das normas que aplicou aos factos que julgou provados e não provados), uma vez que, embora mal, se o juiz entendeu que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e esse seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o mesmo incorre em erro de julgamento de direito, e não na oposição geradora de nulidade. Mas já se o raciocínio expresso na fundamentação pelo julgador apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir[22].
Acresce que a causa determinativa de nulidade da al. e), do n.º 1 do art. 615º do CPC também não se confunde com o erro de julgamento da matéria de facto, uma vez que, conforme já se deixou antedito, os erros de julgamento da matéria de facto encontram-se submetidos a um regime diferente de controlo e de impugnação (arts. 627º, 640º e 662º), não constituindo, por isso, em regra, causa de nulidade da sentença, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pela Relação dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto no art. 662º, n.ºs 1 e 2, al. c) do CPC[23].
Posto isto, a pretensa nulidade da al. e), do n.º 1 do art. 615º que os recorrentes assacam à sentença recorrida decorre da circunstância de, na sua perspetiva, a 1ª Instância se ter socorrido “da regras de três simples” para determinar o valor do custo suportado pelos recorridos com o aumento da área de construção da vivenda que edificaram para os mesmos, quando, a seu ver, para se apurar esse valor seria necessário que se tivesse em conta “elementos essenciais, tais como o acréscimo de horas de trabalho e o acréscimo dos materiais de construção empregues, elementos esses que o tribunal a quo nunca teve conhecimento”. Assim, concluem os recorrentes que, “ao considerar provados os factos constantes no ponto 5º da matéria de facto, o tribunal cometeu um erro de julgamento, porquanto não existem no processo quaisquer elementos fácticos que permitam extrair essa conclusão, antes pelo contrário, com os elementos de prova de que o tribunal dispunha deveria ter sido considerado como não provado quais os valores do custo do aumento da área do imóvel”, elementos esses de “que o tribunal a quo nunca teve conhecimento”.
 Ora, conforme decorre da alegação apresentada pelos recorrentes que se acaba de transcrever e como é reconhecido expressamente pelos próprios (vide parte que acima destacamos), os argumentos em que os mesmos filiam a pretensa nulidade da sentença da al. e) do n.º 1 do art. 615º não consubstanciam na imputação àquela de qualquer vício interno que a afete, decorrente do raciocínio fáctico-jurídico que nela se encontra expresso pelo julgador que a proferiu conduzir logicamente a um resultado distinto daquele que se encontra exarado na sua parte dispositiva, nem na imputação dos vícios de ambiguidade e/ou de obscuridade a qualquer das passagens nela exaradas em sede de subsunção jurídica da facticidade apurada e não apurada, que tornem a decisão nela proferida ininteligível.
Antes o argumentário que é aduzido pelos recorrentes destina-se apenas a demonstrar que o julgador a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto ao julgar como provada a facticidade do ponto 5º, quando em função dos seus argumentos, a prova produzida impunha que tivesse concluído pela não prova dessa concreta facticidade, o que se reconduz a erro de julgamento (e não a causa determinativa de nulidade da sentença sob sindicância).
Aliás, lida e relida a sentença recorrida nela não descortinamos qualquer vício de raciocínio em que tivesse incorrido o julgador a quo, nem qualquer obscuridade ou ambiguidade que vicie a subsunção jurídica da facticidade apurada que nela operou, nem que a decisão que expressou no dispositivo final padeça do vício da ininteligibilidade.
Pelo contrário, a decisão proferida na parte dispositiva da sentença está em perfeita coerência lógica com o discurso fáctico-jurídico que nela exarou e essa decisão final não deixa quaisquer dúvidas quanto ao sentido interpretativo a dela extrair.
Destarte, sem mais considerações, por desnecessárias, improcede o enunciado fundamento de recurso, não padecendo a sentença sob sindicância do vício da nulidade da al. e), do n.º 1 do art. 615º.

B- Da exceção dilatória de violação do caso julgado que cobre o acórdão proferido por esta Relação, transitado em julgado, que serve de fundamento ao presente incidente de liquidação.
O presente incidente de liquidação foi instaurado pelos recorridos, nos termos do disposto no art. 358º, n.º 2 do CPC, com vista a liquidarem a condenação genérica de que foram alvo no âmbito do acórdão proferido por esta Relação em 10/02/2022, transitado em julgado, que os condenou a substituir o videoporteiro por outro de qualidade superior e a colocar um “olho de boi” na porta de entrada principal da moradia dos recorrentes, “ou, caso não o façam no prazo estipulado na sentença recorrida, entregar a estes o valor correspondente para que tais trabalhos sejam efetuados por terceiro”, a ser apurado em liquidação de sentença, bem como a liquidarem a condenação genérica dos ora recorrentes, que nesse mesmo acórdão foram condenados a pagar-lhes o valor do custo que suportaram com o aumento da área de construção da moradia que para eles edificaram, acrescido de IVA, valor esse também a ser apurado em incidente de liquidação.
Daí que o incidente de liquidação em causa destina-se apenas, e tão só, a concretizar o objeto das condenações genéricas de recorrentes e recorridos contidas naquele acórdão, transitado em julgado, com respeito pelo respetivo caso julgado[24], não podendo, por isso, o pedido de liquidação a formular no âmbito do presente incidente extravasar as condenações genéricas constantes daquele em termos qualitativos ou quantitativos.
Dito por outras palavras, o pedido a ser liquidado no âmbito do presente incidente tem de se conter dentro dos limites subjetivos (quanto aos sujeitos) e objetivos (pedido e causa de pedir) da relação jurídica material controvertida que foi submetida à apreciação e decisão do tribunal na ação declarativa em que foi proferido aquele acórdão, transitado em julgado, e em que se ancoraram as condenações genéricas de recorrentes e recorridos expressas na sua parte dispositiva, isto é, o pedido de liquidação não pode extravasar essas condenações genéricas, não podendo aquele derivar de diversa especificação ou de diversos elementos de dano[25].
Daí que tendo naquele acórdão condenatório, transitado em julgado, os recorrentes sido condenados, nos termos do disposto no art. 609º, n.º 2 do CPC, a pagar aos ora recorridos o  valor correspondente ao custo que despenderam com a área de construção ampliada da moradia que para eles construíram, acrescido de IVA, sob pena de se incorrer em violação do caso julgado que cobre aquele acórdão condenatório, o pedido a formular no incidente de liquidação em causa tem necessariamente de se comportar dentro dessa condenação genérica, ou seja, nele apenas se pode liquidar o custo que decorreu para os recorridos (requerentes do incidente) com o aumento da área da vivenda que edificaram para os recorrentes e a facticidade a alegar pelos mesmos na petição inicial com que instauraram o presente incidente e que, assim, nele pode ser conhecida, é tão-só a atinente à concretização do montante correspondente àquele custo que tiveram com o aumento dessa área construtiva daquela concreta e específica moradia.
Finalmente, o montante do crédito pecuniário a liquidar aos recorridos não pode exceder o valor do pedido reconvencional que formularam em sede de ação declarativa contra os ora recorrentes (aí autores/reconvindos).
Posto isto, em sede de oposição ao incidente de liquidação, os recorrentes alegaram que, no âmbito do acórdão proferido por esta Relação, transitado em julgado, que serve de fundamento ao presente incidente de liquidação, apenas foram condenados a pagar aos recorridos os custos que tiveram com a construção das novas fundações (e não a satisfazer-lhes o custo do aumento da área construtiva da moradia que para eles foi construída), com o que, conforme antedito, suscitaram a exceção dilatória de violação do caso julgado que cobre aquele acórdão que serve de base ao presente incidente de liquidação.
A 1ª Instância conheceu dessa questão em sede de fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto, quando, salvo melhor entendimento, o devia ter feito no saneador, nos termos que se seguem:
“Começa, no entanto, por se referir que a oposição deduzida pelos requeridos estribou-se numa interpretação da decisão proferida pelo Tribunal de Relação de Guimarães, a qual já se veio a demonstrar ser infundada, por decisão proferida no apeno A destes autos, pelo Tribunal da Relação de Guimarães e que já transitou em julgado”.
No âmbito do presente recurso os recorrentes insistem ocorrer uma desconformidade entre o incidente de liquidação deduzido pelos requeridos e o acórdão transitado em julgado, que serve de base ao presente incidente, sustentando que os recorridos pretendem no incidente em causa não só liquidar o valor da construção das novas fundações, mas também o custo que tiveram com o aumento da área de construção da vivenda, quando aquele acórdão apenas os condenou a pagar o custo dessas novas fundações, mas, antecipe-se desde já, manifestamente sem razão.
Na verdade, por sentença proferida no âmbito da ação declarativa, em 01/07/2021, a 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade:
“49- Relativamente aos trabalhos a mais efetuados na obra (extras) pelo reconvinte, a expensas suas e por encomenda e a pedidos dos Autores, foi executado o seguinte:
g) Aumento da área da casa e, pelo menos, 15 m2 em cada um dos três pisos, em valor de, pelo menos, 24.000.00 euros, IVA não incluído.
53- A ampliação da área da moradia foi imposta pelos reconvintes numa fase em que as fundações, respeitando o projeto aprovado, já se encontravam efetuadas.
54- O reconvinte teve necessidade de construir novas fundações, em todo o perímetro da obra, para satisfazer a exigência dos reconvindos”.
E condenou os aí autores/reconvindos (ora recorrentes) a pagar aos aí réus/reconvintes (ora recorridos) a quantia de 24.000,00 euros, acrescida de IVA, correspondente aos custos decorrentes do aumento da área de construção da dita moradia.
Acontece que dessa sentença foi interposto recurso, tendo, por acórdão desta Relação, proferido em 10/02/2022, sido alterada a facticidade julgada provada pela 1ª Instância no ponto 49.g) com os seguintes fundamentos:
“No que concerne à al. g), não se provou que os Autores tivessem pedido ao Réu que aumentasse a área da casa. Provou-se sim, o que terá implicado o aumento dessa área terá sido a alteração do pedido do A. relativamente às paredes de pedra. Sobre este assunto referiu a testemunha EE (…). Também FF (…). A testemunha GG, que trabalhou para o Réu (…). Assim, o trabalho extra não foi o aumento da área da moradia, mas sim a construção de parede em pedra desde a fundação, por fora do lintel já executado e será o valor correspondente a esse trabalho e não o valor da área de construção excedente. Com efeito, o que tem de ser apurado é quanto custou ao Réu executar essas paredes em pedra desde o subsolo, sendo certo que nos autos não se encontram elementos para o efeito.
Em face do que acima se expôs, a alínea g) do art. 49º passará a ter a seguinte redação:
49º
(…)
g) Construção de parede em pedra desde a fundação, por fora do lintel que já estava executado”.
Naquele acórdão também se procedeu à alteração da facticidade julgada provada pela 1ª Instância no ponto 53º, com os argumentos que se seguem:
“Como se explicou na análise efetuada à matéria da alínea g) do ponto 49, o que os Autores quiseram não foi a ampliação da moradia, mas sim que a parede de pedra viesse desde a fundação, sendo que o aumento da área foi uma consequência dessa alteração.
Assim este ponto será alterado em conformidade:
“53- A construção de parede em pedra desde a fundação foi pedida pelos Autores numa altura em que as fundações já se encontravam executadas”.
E em sede de subsunção jurídica da facticidade provada e não provada, decidiu-se naquele acórdão que:
“No que respeita ao preço da obra, incluído os trabalhos extra, devidos pelos Autores ao Réu, em face da alteração efetuada na matéria de facto provada, há que retirar de tal valor (o constante da parte dispositiva da sentença proferida pela 1ª Instancia, que julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional aí formulado pelos ora recorridos) a quantia de (…) e ainda a quantia de 24.000,00 euros + IVA (num total de 34.250,00 euros), relativa ao aumento da área de construção da causa dos Autores.
Contudo, o valor referente aos trabalhos de construção de novas fundações em pedra, por fora das que já se encontravam construídas, tem que ser apurado em liquidação de sentença, pois atualmente não tem o tribunal elementos para fixar o respetivo montante. A esse valor acrescerão o IVA e juros legais, sendo estes calculados desde a data da liquidação até integral pagamento (v. art. 805º, n.º 3 do CPCivil)”.
A parte dispositiva desse acórdão, no que aqui interessa, consta do seguinte:
“Pelo exposto, acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação, condenando-se o Réu a (…) substituir o videoporteiro por outro de qualidade superior e colocar um “olho de boi” na porta de entrada principal da moradia dos Autores, ou, caso não o faça no prazo estipulado na sentença recorrida, entregar a estes o valor correspondente para que tais trabalhos sejam efetuados por outrem, mas, neste caso, o valor desses trabalhos terá que ser apurado em liquidação de sentença.
Determina-se ainda que, ao valor que a decisão recorrida entende estar em dívida pelos Autor ao Réu, relativamente a trabalhos extra, se retire o valor total de 37.550.00 euros + IVA.
Os Autores deverão ainda pagar ao Réu o valor, acrescido do IVA respetivo, que se apurar em liquidação de sentença relativamente à construção de novas fundações em pedra, por fora das que já estavam construídas, tendo como limite o valor do pedido correspondente formulado na reconvenção.
Os juros, relativamente às quantias a apurar em liquidação de sentença, serão contabilizados desde a data da liquidação até integral pagamento”.
Sucede que, os aí réus/reconvintes (aqui recorridos) interpuseram recurso de revista desse acórdão alegando, além do mais, discordarem da absolvição dos autores/reconvindos (aqui recorrentes) quanto à “quantia de 24.000,00 euros + IVA relativamente ao aumento da área da construção (conforme para tanto haviam sido condenados em primeira instância)”.
Por acórdão de 14/07/2022, o STJ negou revista quanto a este fundamento de recurso, com os seguintes argumentos:
“- Aumento da área de construção e respetivo valor de 24.000,00 euros + IVA.
Refere o acórdão recorrido que “há que retirar de tal valor a quantia (…) 24.000,00 euros + IVA (um total de 34.250,00 euros), relativo ao aumento da área de construção da casa dos AA. Contudo, o valor referente aos trabalhos de novas fundações em pedra, por fora das que já se encontravam construídas, tem que ser apurado em liquidação de sentença, pois atualmente não tem o tribunal elementos para fixar o respetivo montante. A esse valor acrescerão o IVA e os juros legais, sendo estes calculados desde a data da liquidação até integral pagamento (v. art. 805º, n.º 3 do C.P.Civil)”.
Donde resulta que o acórdão recorrido não absolveu os autores do pagamento dos custos do “aumento da área de construção”, mas apenas entendeu que devia esclarecer em que consistiu o aumento dessa área (aumento que resultou de terem sido  feitas novas fundações em pedra, por fora das fundações que já se encontrava, construídas, sendo que as paredes exteriores da casa ficaram aprumadas com o exterior das fundações em pedra, o que provoca aumento da área) e que, por falta de elementos (factos) determinou a fixação da indemnização, por tal aumento, em liquidação da sentença.
(…)
 Sobre esta questão está provado:
53º- A construção de parede em pedra desde a fundação foi pedida pelos AA. numa altura em que as fundações já se encontravam executadas.
54º- O reconvinte teve necessidade de construir novas fundações, em todo o perímetro da obra, para satisfazer a exigência dos reconvindos.
60º- A obra está projetada com 352 m2 de construção.
61- A vivenda foi projetada com 10 metros de largura na fachada principal por 12,10 metros de comprimento, o que representa a área de 121 m2 por piso, sendo o total de 352 m2.
62- A vivenda tem de largura 10,56 metros de comprimento 13,30 metros, o que perfaz a área de 140 m2 por piso, pelo que sofreu um aumento de área de 19,5 m2 por piso.
Na sentença, o facto n.º 58º referia - “os extras e ampliação da vivenda ascenderam a 34.250,00 euros mais IVA”, no entanto o mesmo foi eliminado pelo acórdão recorrido.
Estando demonstrado que foi aumentada a área útil da casa, a solicitação dos Autores (donos da obra), estes devem suportar os respetivos custos e, não se tendo apurado qual os custos relativos à ampliação, esses custos devem ser apurados em execução de sentença, tendo em conta o disposto no art. 609º, n.º 2 do CPC.
(…).
E foi isso que decidiu o tribunal recorrido, como consta do dispositivo do acórdão: “Os Autores deverão ainda pagar ao Réu o valor, acrescido do IVA respetivo, que se apurar em liquidação de sentença relativamente à construção de novas fundações em pedra, por fora das que já estavam construídas, tendo como limite o valor do pedido correspondente formulado na reconvenção. Os juros, relativamente às quantias a apurar em liquidação de sentença, será contabilizado desde a data da liquidação até integral pagamento”.
Assim que se julga improcedente o recurso dos réus, neste segmento” (destacado nosso).
Decorre do exposto, que o recurso de revista interposto pelos aí réus/reconvintes (aqui recorridos), quanto ao segmento em que esta Relação mandou descontar aos valores que a 1ª Instância tinha condenado os aí autores/reconvindos (aqui recorrentes) a pagar-lhes a quantia de 24.000,00 euros, acrescida de IVA, decorrente do custo do aumento da área de construção da vivenda,  mas que os condenou a pagar ao aí réu/reconvinte o valor, acrescido do IVA respetivo, que se apurar em liquidação de sentença relativamente à construção de novas fundações, foi julgado improcedente, única e exclusivamente, porque, contrariamente à interpretação que os recorrentes fizeram desse segmento decisório (de que os aqui recorrentes tinham sido absolvidos por esta Relação do pedido de condenação a pagar-lhes os custos decorrente do aumento da área de construção da moradia), o STJ entendeu que essa interpretação não era a correta, mas que a interpretação correta a dar ao mesmo era no sentido de que nele não se absolveu os aí autores/reconvindos “do pagamento dos custos do “aumento da área de construção”, mas apenas entendeu que devia esclarecer em que consistiu o aumento dessa área”.  
Ora, independentemente da bondade da interpretação feita pelo STJ quanto ao decidido por esta Relação, no acórdão de 10/02/2022, que serve de ponto de partida ou de fundamento ao presente incidente de liquidação (interpretação essa que se encontra subtraída ao conhecimento desta Relação e de qualquer outro tribunal, mas também das partes e, inclusivamente, de terceiros, dado que esse acórdão daquela Instância Superior transitou em julgado), o certo é que foi essa interpretação que levou a que o recurso de revista interposto pelos ora recorridos tivesse sido julgado improcedente, posto que, caso vingasse a tese agora sufragada pelos aqui recorrentes, de que esta Relação de Guimarães apenas os teria condenado a pagar aos aqui recorridos os custos decorrentes da construção das novas fundações, e não também o custo decorrente do aumento da área de construção da moradia, esse recurso de revista teria sido julgado procedente, tanto assim que, conforme já antes enunciado, lê-se no sumário desse acórdão proferido pelo Supremo que: “Estando demonstrado que foi aumentada a área útil a casa, a solicitação dos autores (donos da obra), estes devem suportar os respetivos custos e, não se tendo apurado qual os custos relativos à ampliação, esses custos devem ser apurados em execução de sentença tendo em conta o disposto no art. 609º, n.º 2 do CPC”.
Destarte, tendo por acórdão proferido pelo STJ, transitado em julgado, sido determinado que se interpretasse o segmento decisório do acórdão proferido por esta Relação em 10/02/2022, que agora está aqui a ser analisado e que serve de base ao presente incidente de liquidação, pela forma supra já enunciada, sob pena de se violar o caso julgado material que cobre o mesmo, impõe-se essa interpretação, a qual se tornou incontestável e vinculativa intra e extra processualmente.
  Decorre do que se vem dizendo que, ao liquidarem no presente incidente os custos que suportaram com o “aumento da área construtiva da casa”, os recorridos não incorreram em qualquer violação do caso julgado que cobre o acórdão proferido por esta Relação em 10/02/2022, que serve de fundamento ao presente incidente de liquidação, improcedendo a exceção dilatória de violação do caso julgado suscitada pelos recorrentes.

C- Do erro de julgamento da matéria de facto
Os recorrentes impugnam o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância quanto à facticidade que julgou provada no ponto 5º, em que concluiu que o custo suportado pelos recorridos com o aumento da área de construção da vivenda que edificaram para os recorrentes ascendeu a 45.718,83 euros, com os seguintes fundamentos:
“Realizada uma perícia nestes autos, perícia essa colegial, afirmaram os senhores peritos de modo unânime que esse aumento implicou o custo de 45.718,83 €.
Não foi produzida qualquer outra prova, em sede de audiência de julgamento capaz de afastar o julgamento pericial.
Em declarações de parte CC referiu que no tempo em que a obra foi executada – 20/11/2012 - o valor do m2 da construção oscilava entre 550 € e 650 €.
A testemunha HH, empreiteiro em ..., confirmou o valor do m2 ao tempo da obra.
Por sua vez, em sede de declarações de parte o requerido AA, demonstrou um comportamento acintoso, refutando a decisão já transitada em julgado proferida pelo tribunal da relação de Guimarães que o condenou no pagamento do custo correspondente ao aumento da área da construção.
Pela forma como depôs, pondo em causa, o que já se encontra decidido de forma definitiva, as suas declarações em nada contribuíram para o apuramento dos factos.
As testemunhas II (irmão do requerido), JJ e KK, também nada contribuíram para o apuramento dos factos, pois que, o seu único conhecimento direto era de terem ido à casa dos requeridos.
Apenas a testemunha JJ andou a pintar a cave no ano de 2020”.
Advogam os recorrentes que a prova produzida não permite que se possa julgar como provada aquela facticidade, mas antes impõe que se conclua pela sua não prova, isto porque, para julgar provada a mesma  a 1ª Instância estribou-se num “quesito do relatório pericial” que “foi aditado em esclarecimento ao relatório pericial inicial”, em que se perguntava qual “o custo do aumento da área do imóvel que a construção das novas fundações por fora das que já estavam construídas” e à qual os peritos se limitaram a responder a essa questão, tendo por referência o preço acordado, de 175.000,00 euros, entre recorrentes e recorridos para a construção da moradia projetada, a considerar os m2 desta e os da moradia que acabou por ser efetivamente construída, quando, de acordo com o decidido no acórdão proferido, o que se pretendeu não foi a determinação do “valor do m2 a mais, pois esses valores já os detinha, mas sim o valor do custo efetivo que o recorrido despendeu no aumento da área, tendo em conta os materiais empregues e as horas a mais despendidas pelo recorrido nessa ampliação, o que não foi feito”. Ou seja, o que se pretendeu não foi “apurar o valor do m2 da construção atenta uma regras de três simples, conforme foi feito no esclarecimento ao relatório, mas sim provar através de um mapa de quantidade em que fosse refletido qual o valor exato dos trabalhos a mais efetuados, pelo facto de ter ocorrido um aumento da área do prédio, o que não ocorreu, pelo que se tem de considerar que a pretendida liquidação não foi feita. Na verdade, existem custos que são fixos independentemente do aumento da área, nomeadamente os alicerces, que são os mesmos, a terraplanagem que é a mesma, as caixilharias que se mantiveram as mesmas, a cozinha, que se manteve inalterada, o número de interruptores e lâmpadas, o aquecimento e ar condicionado, as loiças das casas de banho, os ladrilhos que se mantiveram os mesmos. Pelo que, atendendo a esses fatores e ás regras da experiência comum, segundo o padrão médio, entendem os recorrentes que, socorrendo-se o tribunal apenas da regra de três simples do valor do m2 da área, não pode chegar nem responder afirmativamente à resposta ao ponto número 5º da matéria de facto”, tanto assim que, “resulta claramente da prova pericial produzida e do depoimento de parte do recorrido, que não foram feitas quaisquer alusões aos materiais e horas de trabalho a mais efetuadas no imóvel do recorrente que pudessem determinar o custo efetivo do aumento da área do imóvel”. Para além disso, “o relatório pericial também não concretiza o custo do aumento da área do imóvel, nunca tendo este fornecido aos autos quaisquer elementos que pudessem permitir ao julgador chegar ao custo efetivo do aumento da área do imóvel”.
Analisados os fundamentos impugnatórios do julgamento da matéria de facto que se acabam de transcrever mediante os quais os recorrentes pretendem infirmar o raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo que o levou a concluir pela prova da facticidade que julgou provada no ponto 5º, cumpre referir que, nuns casos, os mesmos ignoram ou desconsideram determinados factos que já se encontram, em definitivo, assentes no acórdão proferido por esta Relação, transitado em julgado, que serve de fundamento ao presente incidente de liquidação, e  noutros casos, alegam factos que, na sua perspetiva, são realidades que resultarão demonstradas pelas regras do normal acontecer quando essas regras apontam precisamente em sentido contrário ao por eles indicado.
Vejamos:
Ao alegarem que quando no acórdão proferido por esta Relação, em 10/02/2022, transitado em julgado, se decidiu relegar para incidente de liquidação, “o valor, acrescido do IVA respetivo, relativamente à construção de novas fundações em pedra, por fora das que já estavam construídas”, o que se pretendeu não foi que fosse determinado “o valor do metro quadrado a mais, pois esses valores já os detinha, mas sim o valor do custo efetivo que o recorrido despendeu no aumento da área”, é manifesto que os recorrentes ignoram ou desconsideram os fundamentos (que acima já se transcreveram) que levaram a que nele se tivesse alterado a facticidade julgada provada pela 1ª Instância quanto aos pontos 52.g) e 53) na sentença que proferiu em 01/07/2021, bem como a eliminar a facticidade julgada provada no ponto 58º, em que a 1ª Instância tinha julgado provado que: “Os extras e ampliação ascenderam a 34.250,00 euros mais IVA”.
E também desconsideram totalmente que, conforme se ponderou no acórdão proferido pelo STJ de 14/07/2022, a eliminação operada por esta Relação do elenco dos factos provados daquele ponto 58º impediu que se pudesse concluir pela determinação do montante concreto do custo suportado pelos ora recorridos com o aumento da área construtiva da vivenda que edificaram para os ora recorrentes, demandando que se relegasse a determinação do montante desse custo para incidente de liquidação.
Daí que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, a alegação acima enunciada dos recorrentes não tem qualquer fundamento à luz do teor do acórdão proferido por esta Relação, posto que ignora absolutamente os motivos que a levaram a ordenar a alteração da facticidade julgada provada pela 1ª Instância nos pontos 52.g) e 53) e, bem assim que foi essa alteração que determinou que tivesse ordenado a eliminação do elenco dos factos provados pela 1ª Instância da facticidade do ponto 58º, bem como desconsidera que perante essa eliminação nada mais restava que relegar a determinação do custo emergente para os recorridos  com o aumento da área de construção da moradia para incidente de liquidação.    
Depois, ao pretenderem que, em caso de aumento da área construtiva de uma vivenda, é um dado demonstrado pelas regras da experiência comum que “existem custos que são fixos independentemente do aumento da área, nomeadamente, os alicerces, que são os mesmos, a terraplanagem, que é a mesma, as caixilharias que se mantiveram as mesmas, a cozinha, que se manteve inalterada, o número de interruptores e lâmpadas, o aquecimento e ar condicionado, as loiças das casas de banho, os ladrilhos que se mantiveram os mesmos”, os recorrentes ignoram ou desconsideram que, no caso dos autos, já se encontra, em definitivo, provado, no acórdão proferido por esta Relação que, por via do aumento da área construtiva da moradia, houve necessidade de construir novas fundações, em todo o perímetro da obra, para satisfazer as exigências” daqueles (ponto 53º dos factos provados no acórdão).
E também desconsideram que, independentemente da prova do facto acabado de referir, o que as regras da experiência comum demonstram é que sempre que ocorre um aumento da área construtiva de uma vivenda, os alicerces não são os mesmos (porquanto, tendo aqueles de acompanhar o perímetro da vivenda a construir, cuja área de construção foi aumentada, sofrem também eles, pelo menos, uma modificação para mais, sem prejuízo de, como aconteceu no caso dos autos, o aumento dessa área construtiva poder implicar a construção de novos alicerces); que as terraplanagens a serem realizadas em consequência do aumento da área da construção da vivenda a erigir são, em regra, também elas superiores; e que mesmo que, em consequência do aumento da área construtiva da vivenda a edificar não sejam construídas novas casas de banho, não exista necessidade de aplicar outras caixilharias para além das inicialmente previstas, que a área da cozinha não tenha sido aumentada, etc., que, em consequência de um aumento da área construtiva de uma moradia ocorrem necessariamente aumentos de outros espaços/cómodos, bem como das paredes exteriores daquela, das placas a serem nela aplicadas entre pisos, do seu telhado, etc., com os inerentes sobrecusto em termos de materiais e de mão de obra.
Finalmente, a ilação dos recorrentes de que para apurar os custos acrescidos que os recorridos tiveram com o aumento da área construtiva da vivenda era necessário que tivessem alegado e provado quais os concretos materiais e horas de trabalho a mais que foram despendidas em consequência daquela ampliação, para o que teriam de ter junto aos autos um mapa de quantidades em que refletissem esses materiais e horas de trabalho a mais e respetivos custos, não colhe à luz das regras do normal acontecer, na medida em que, caso assim fosse, naturalmente que não era possível às empresas de construção civil concorrem aos concursos para construção de empreitadas, nem celebrar contratos em que se obrigassem perante o dono da obra a executar determinada obra por determinado preço.
Com efeito, as empresas de construção civil, com base no projeto de construção de determinada obra e do caderno de encargos desta, ficam habilitadas a determinar o tipo de obra a executar, sua dimensão, qualidade dos materiais a aplicar, etc., e dispõem de técnico habilitados e especializados que, com base nesses elementos e dos conhecimentos técnicos que possuem lhes permite perfeitamente determinar o custo dessa concreta e específica obra a erigir, nomeadamente, quais os materiais que nele têm de ser aplicados, sua qualidade, quantidade e preço e quais as horas de trabalho que terão de ser despendidas na sua execução.
É, aliás, mediante esses conhecimentos técnicos especializados e a análise das peças do concurso (projeto e caderno de encargos) que as empresas da construção civil ficam habilitadas a concorrerem aos concursos abertos para a construção de obras, neles apresentando as suas propostas de preço, e que igualmente se habilitam a celebrar contratos de empreitada em que se vinculam perante o dono da obra a executar determinada obra por determinado preço “chave na mão”.
 É certo que esses conhecimentos técnicos e científicos especiais não são detidos pelo cidadão comum, nem pelos juristas, mas antes por técnicos especialmente habilitados na área da construção civil.
Porque assim é, compreende-se que no âmbito do presente incidente de liquidação tivesse sido requerida e deferida a realização de prova pericial destinada ao apuramento do custo resultante para os recorridos do aumento da área construtiva da vivenda.
Note-se que o deferimento dessa prova pericial, que foi requerida pelas partes, tem implícito o reconhecimento das partes e do tribunal que ao apuramento desse custo demandava conhecimentos técnicos especializados que não são detidos pelo julgador.
Na verdade, a prova pericial é destinada à perceção e/ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objeto de inspeção judicial (art. 388º do CC).
O que caracteriza e individualiza a prova pericial quando confrontada com os restantes meios de prova legalmente admitidos é, assim, a circunstância da sua produção ter como pressuposto a necessidade de serem percecionados (verificação material de factos concretos presentes – coisas, documentos, pessoas, etc.) e/ou de serem apreciados (sua valoração) determinados factos que, por necessitarem de conhecimentos científicos, técnicos, artísticos, etc., especializados, que escapam à  experiência comum das pessoas ou à cultura geral que deve presumir-se ser detida pelos juízes, como na generalidade das pessoas instruídas e experimentadas, ou que por motivos de decoro ou de respeito pela sensibilidade (legitima suscetibilidade) em que se verificam tais factos, não devam ser objeto de inspeção judicial[26], necessitam do recurso a perito.
A função do perito é, assim, a de informar o juiz sobre o que percecionou (ou seja, sobre o que viu) perante determinado facto que lhe foi presente para que o percecionasse, examinasse e investigasse à luz dos seus conhecimentos especializados e/ou para que o informasse sobre a valorização que fez desse facto à luz desses seus conhecimentos, a fim de o auxiliar, habilitando-o a julgar a causa.
Dito por outras palavras, “o perito refere as suas perceções ou apreciações, mas não julga”, pois que essa função compete ao juiz, de quem é auxiliar, assim se compreendendo, aliás, que, nos termos do disposto no arts. 390º do CC e 489º do CPC, a prova pericial se encontre submetida ao princípio geral da apreciação da prova e a máxima de que «o juiz é o perito dos peritos»[27].
Contudo, porque livre apreciação da prova não equivale a arbitrariedade, isto é, à possibilidade do juiz julgar sem prova ou contra a prova produzida, quando a perceção e/ou a valoração de determinado facto reclame conhecimentos especiais de natureza científica, artística, técnica, etc., e recorra a prova pericial, o juízo técnico, científico, artístico, etc. inerente à prova pericial realizada presume-se subtraído à sua livre apreciação, pelo que para dele possa divergir terá: ou de afastar as premissas sobre que incidiu e se formou o juízo pericial, ou rebater o próprio juízo pericial, utilizando argumentos de equivalente valia e densidade técnica, científica, etc. (a que teve acesso, nomeadamente, através do depoimento prestado por uma testemunha habilitada com os mesmos conhecimentos especializados detidos pelo perito, etc.), de modo a demonstrar a sua inconsistência e que a versão dos factos que julgou provada é aquela que atingiu o patamar da probabilidade prevalecente à luz dos enunciados conhecimentos especializados[28].
Dito isto, revertendo ao caso dos autos, no relatório pericial colegial junto aos autos em 02/03/2023, os peritos limitaram-se a responder aos quesitos que foram apresentados pelos recorrentes, os quais, relembra-se, pretendiam (infundadamente) que no acórdão proferido por esta Relação, transitado em julgado, apenas tinham sido condenados a pagar aos recorridos os custos que tiveram com a construção das novas fundações, para o que, os peritos fizeram sondagens às fundações, naturalmente para verificarem quais os materiais que foram aplicados na sua execução, a fim de determinar o respetivo custo.
 Ocorre que, na sequência da reclamação apresentada pelos recorridos, acusando justificadamente os peritos de não terem respondido aos quesitos que tinham apresentado e que tinham sido admitidos, fazendo, por isso, parte do objeto da perícia que tinham de realizar, deferida essa reclamação, aqueles juntaram, em 26/04/2023, o relatório pericial complementar em que se pronunciaram quanto ao custo que os recorridos suportaram com o aumento da área de construção da vivenda.
Analisado esse relatório complementar constata-se que nele, para calcularem esse custo, os peritos partiram do custo acordado para a construção da moradia no âmbito do contrato de empreitada celebrado entre recorrentes (donos da obra) e recorridos (empreiteiro) - 175.000,00 euros -, dividiram esse preço pelos m2 da vivenda projetada, com o que determinaram o preço por m2 acordado para a vivenda projetada (497,16 euros/m2). Após multiplicaram esse valor pelos m2 resultantes da ampliação da moradia e alcançaram o custo do preço suportado pelos recorridos em consequência dessa ampliação, cujo montante indicaram por unanimidade.
Note-se que o identificado método utlizado pelos peritos não mereceu qualquer crítica da parte dos recorrentes, que dele não reclamaram, nomeadamente, quanto ao método utilizado.
Esse método mostra-se, aliás, conforme ao método de cálculo utilizados pelos técnicos da construção civil a fim de determinarem o preço a propor aos donos de obras, onde partem do custo/m2 da obra a realizar (projetada), apurado em função das concretas características dessa obra que se encontram explanadas no respetivo projeto construtivo e no caderno de encargos e dos seus conhecimentos técnicos, e multiplicam o dito custo/m2 pelo número de metros quadrados da obra a executar.
A circunstância dos peritos terem partido do preço global acordado por recorrentes e recorridos para a execução da obra constante do contrato de empreitada a fim de determinarem o custo preço/m2 do custo suportado pelos recorridos com a ampliação da vivenda mostra-se conforme ao facto dessa concreta obra ter sido executado ao longo dos anos de 2011 e 2012, ou seja, em plena crise do setor da construção civil, em que, devido à falta de obras a generalidade das empresas desse setor, a fim de evitar a sua insolvência, entraram numa concorrência desenfreada, dispondo-se a executar obras pelo seu preço de custo, isto é, sem lucro ou por uma margem de lucro muito reduzida, a fim de garantirem os postos de trabalho dos seus trabalhadores (os quais, de contrário, teriam de despedir e de indemnizar),  aguardando pela reanimação do mercado da construção civil.
Acresce dizer que, tendo procedido à audição da prova pessoal produzida em audiência final, nela não foi produzida qualquer prova capaz de abalar minimamente o juízo técnico emanado (unanimemente) pelos peritos naquele relatório pericial complementar em que apuraram o custo de construção suportado pelos recorridos com o aumento da área de construção da moradia que edificaram para os recorrentes através do método acima descrito.
Com efeito, o recorrido CC, em sede de declarações de parte, referiu que, na altura da construção da moradia em discussão nos autos, o m2 de construção para as moradias variava entre 550,00 euros e 650,00 euros, referindo, por sua vez, a testemunha HH, empreiteiro, que esse preço ascendia a 650,00 euros o m2, ou seja, valores que são superiores aos considerados pelos peritos no relatório complementar acima indicado.
Por sua vez, o recorrente marido, AA, e as testemunhas arroladas pelos recorrentes nada de útil trouxeram para a questão decidenda no presente incidente, na medida em que ou nada sabiam ou foram questionados sobre questões já, em definitivo, decidas no acórdão proferido por esta Relação, transitado em julgado, como foi o caso do recorrente AA, que pretendeu que o aumento da área de construção da moradia se deveu à circunstância do recorrido marido (empreiteiro) não ter aplicado o revestimento exterior da moradia que fora acordado (revestiu a moradia a cimento em vez de em pedra azul, conforme fora acordado), resultando aquele aumento da área construtiva da moradia do cumprimento pelo recorrido da sua exigência (dono da obra) em que a revestisse a pedra azul, nisto se traduzindo as suas declarações ao longo de mais de meia hora.
Finalmente, cumpre referir que, nos termos do art. 662º, n.º 1 do CPC, para que seja consentido ao tribunal ad quem alterar o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância que venha impugnado pelos recorrentes quanto a facticidade submetida ao princípio da livre apreciação (como é o caso da facticidade do ponto 5º), não basta que a prova produzida por eles indicada, isolada ou conjuntamente, com a restante a que o tribunal de recurso, ao abrigo do princípio da oficiosidade, entenda dever socorrer-se, consinta ou permita o julgamento de facto que por eles venha propugnado, mas antes é necessário que o determine ou imponha.
Com efeito, tratando-se de facticidade submetida ao princípio da livre apreciação da prova, mantendo-se no atual CPC em vigor esse princípio, bem como os princípios da imediação, da oralidade e da concentração, tendo presente que o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta, não se pode aniquilar, em absoluto, a livre apreciação da prova que assiste ao julgador da 1ª Instância, nem desconsiderar totalmente os princípios da imediação, da oralidade e da concentração da prova, que tornam percetíveis a esse julgador, que intermediou a produção da prova, determinadas realidades relevantes para a formação da convicção, que fogem à perceção do julgador do tribunal ad quem através da mera audição da gravação dos depoimentos pessoais prestados em audiência final.
Por isso, mostra-se perfeitamente compreensível que, em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto, os recorrentes tenham de aduzir meios de prova e argumentos que infirmem o raciocínio probatório adotado  pelo tribunal a quo e que demonstrem que essa prova que indicam, quando submetida às regras da lógica, da ciência ou da técnica, inculcam a versão dos factos que propugnam, por atingir o patamar da probabilidade prevalecente[29].
Em consequência, o uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deva ocorrer quando, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada e à análise da restante prova que entenda pertinente, conjugada com as regras do normal acontecer, da lógica, da ciência ou da técnica, seja possível concluir que aquela aponta numa direção diversa e delimita uma conclusão diferente da que vingou na 1ª Instância. Devendo, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida fazer prevalecer-se a decisão proferida pela 1ª Instância, em observância aos já enunciados princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte[30].
 Ora, conforme decorre dos elementos de prova anteriormente sobejamente analisados e demonstrado, a prova produzida não impõe que se conclua pela não prova da facticidade julgada provada no ponto 5º pela 1ª Instância, mas antes impõe que se conclua pela sua prova.
Decorre do discurso antecedente, improceder a impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância e, em consequência, mantém-se inalterada a facticidade julgada provada no ponto 5º.

C- Mérito – prejudicado.

Tendo improcedido a impugnação do julgamento da matéria de facto operada pelos recorrentes, impõe-se concluir encontrar-se prejudicado o conhecimento dos erros de direito que assacam à decisão de mérito constante da sentença recorrida.
Com efeito, os recorrentes não assacam qualquer erro às normas jurídicas que foram selecionadas pela 1ª Instância, à interpretação que fez dessas normas jurídicas, nem à aplicação que delas fez à facticidade julgada provada que não seja dependente da procedência da impugnação do julgamento da matéria de facto que operaram.
Ora, tendo improcedido a impugnação do julgamento da matéria de facto, mantendo-se, assim, inalterado o julgamento de facto realizado pela 1ª Instância, encontra-se prejudicado o conhecimento dos erros de direito que os recorrentes assacam à sentença recorrida, o que aqui se declara.
Resulta do exposto, improcederem todos os fundamentos de recurso invocados pelos recorrentes, impondo-se, em consequência, julgar improcedente a presente apelação e confirmar a sentença recorrida.
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Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- O objeto do litígio corresponde ao thema decidendum que as partes submeteram à apreciação e decisão do tribunal, sendo, por isso, determinado pelos pedidos, causas de pedir e exceções invocados pelas partes, pelo que o objeto do litígio limita os temas da prova, que não o podem extravasar.
2- Os temas da prova correspondem à enunciação/identificação genérica pelo tribunal da facticidade essencial integrativa da causa de pedir e das exceções que foi alegada pelas partes e que permanece controvertida, com a finalidade de que as mesmas se orientem em sede de instrução da causa.
3- Sempre que o tribunal tenha indevidamente limitado o objeto do litígio e esse vício se projete nos temas da prova que formulou/enunciou (por estes não abrangerem a totalidade da facticidade essencial integrativa da causa de pedir e/ou das exceções que foi alegada pelas partes nos seus articulados e que permanece controvertida), esse vício, porque se projeta na instrução da causa e no subsequente julgamento da matéria de facto realizado na sentença, não consubstancia causa determinativa de nulidade desta, nomeadamente, por omissão de pronúncia, mas traduz erro de julgamento da matéria de facto, que terá de ser superado pelo tribunal da Relação, ainda que oficiosamente, fazendo uso dos seus poderes de cassação, anulando a sentença recorrida e determinando a ampliação do julgamento da matéria de facto quanto à facticidade não abrangida pelos temas da prova antes formulados/enunciados. 
4- O incidente de liquidação de sentença é formulado na própria ação declarativa em que esta foi proferida, considerando-se a instância declarativa renovada (art. 358º, n.º 2 do CPC), e destina-se apenas a concretizar o objeto da condenação genérica proferida nessa sentença, transitada em julgado, com respeito pelo caso julgado que cobre o que nela se encontra decidido quanto a essa condenação genérica.
5- Por isso, o incidente de liquidação não pode extravasar, em termos qualitativos e/ou quantitativos, aquela condenação genérica a liquidar, ou seja, o pedido de liquidação tem de se conter dentro dos limites subjetivos (sujeitos) e objetivos (pedido e causa de pedir) da relação material controvertida  alegada na ação declarativa e que serviu de fundamento à condenação genérica contida na sentença, transitada em julgado, não podendo aquele exceder o pedido formulado na ação declarativa, nem se alicerçar em fundamentos, de facto e/ou de direito (causa de pedir), distintos dos alegados na ação declarativa e que foram julgados provados e considerados (os fundamentos de direito) na sentença a liquidar para alicerçar a dita condenação genérica nela proferida.
6- O que caracteriza e individualiza a prova pericial quando confrontada com os restantes meios de prova legalmente admissíveis é a circunstância da prova a produzir ter por objeto a perceção (perceção direta, exame e investigação) e/ou a apreciação (valoração) de: a) factos presentes relativos a pessoa e por razões de decoro ou de respeito da legitima suscetibilidade desta, a mesma não dever ser submetida a inspeção judicial; ou b) a perceção e/ou a apreciação desses factos presentes (relativos a pessoa, animal, documento, coisa móvel ou imóvel, etc.) demandar conhecimentos especializados de ordem científica, técnica, artística, etc., que escapam à experiência ou à cultura geral da generalidade das pessoas instruídas e experimentadas e que, por isso, é de presumir não serem detidos pelo julgador, reclamando o recurso a perito (pessoa que possui esses conhecimentos especializados para que esta percecione, examine e investigue o facto e/ou para que os valore à luz desses seus conhecimentos especializados e depois narre essas suas perceções e/ou valorações ao juiz, para que este fique habilitado a decidir).
7- Apesar do perito ser um auxiliar do juiz, e como tal, a prova pericial fique submetida ao princípio geral da livre apreciação da prova, porque livre apreciação da prova não significa que o juiz possa decidir sem prova ou contra a prova produzida, sempre que aquele recorra a prova pericial, presume-se que o juízo técnico, científico, artístico, etc. emanado pelo perito está subtraído ao princípio da livre apreciação da prova, pelo que para divergir da prova pericial produzida o julgador terá: a) de afastar as premissas sobre que incidiu e se formou o juízo pericial; ou b) rebater o próprio juízo pericial, utilizando argumentos de equivalente valia e densidade técnica, científica, artística etc., dos que foram utilizados pelo perito. 
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
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Custas da apelação pelos recorrentes/apelantes dado que ficaram vencidos (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 16 de maio de 2024

José Alberto Moreira Dias – Relator
José Carlos Pereira Duarte – 1º Adjunto
Pedro Maurício – 2º Adjunto



[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Ac. STA. de 09/07/2014, Proc.00858/14, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos a que se venha a fazer referência sem menção em contrário.
[3] Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
[4] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277.
[5] Ac. RC de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG.C1, em que se expende que: “Apesar de atualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão de matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerando além do mais o caráter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último ato decisório. Realmente a decisão da matéria de facto está sujeito a um regime diferenciado de valores negativos – deficiência, obscuridade ou contradição – a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é suscetível de dar lugar à atuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª Instância”; R.L., de 29/10/2015, Proc. 161/09.3TCSNT.L1-2.
Admitindo que os vícios que afetam o julgamento da matéria de facto e/ou a respetiva fundamentação/motivação podem determinar excecionalmente a nulidade da sentença, veja-se, a título exemplificativo: Ac. do STJ, de 24/02/2005, Proc. 04B4594, em que se lê: “A fundamentação a que alude o n.º 2 do art. 653º do CPC não se confunde com a fundamentação a que alude o art. 659º, n.ºs 2 e 3 do mesmo Código, sendo certo que as consequências para a sua omissão num caso e noutro são também diferentes : - no 1º caso, poderá a Relação ordenar a baixa do processo, (…), nos termos e para os fins do n.º 5 do art. 712º do CPC; - no 2º caso, se a falta de fundamentação for absoluta, ocorrerá a nulidade prevista na al. b) do art. 668º do CPC”.
[6] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, págs. 707 a 708 e 733 a 734.
[7]Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 5º vol., págs. 142 e 143, onde pondera que: “Esta nulidade está em correspondência direta com o 1º período da 2ª alínea do art. 660º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e onde aponta como exemplo de nulidade por omissão de pronúncia, o seguinte caso retirado da prática judiciária: “Deduzidos embargos a posse judicial com o fundamente de posse baseada em usufruto, se o embargado alegar que este não podia produzir efeitos em relação a ele por não estar registado à data em que adquiriu o prédio e a sentença ou acórdão deixar de conhecer desta questão, verifica-se a nulidade (…). O embargado baseara a sua defesa na falta de registo do usufruto; pusera, portanto, ao tribunal esta questão de direito: se a falta de registo do usufruto tinha como consequência a ineficácia, quanto a ele, da posse do usufrutuário, o tribunal estava obrigado, pelo art. 660º, a apreciar e decidir esta questão; desde que a não decidiu, a sentença era nula”.
Ac. RC. de 22/07/2010, Proc. 202/08.1TBACN-B.C1, em que se expende: “…O juiz deve, antes de tudo, tomar em consideração as conclusões expressas nos articulados, já que a função específica destes é a de fornecer a delimitação nítida da controvérsia. Mas não só; é necessário atender, também aos fundamentos em que essas conclusões assentam, ou, dito de outro modo, às razões e causas de pedir invocadas (…). Em última análise, questão será, pois, tudo o que respeite ao litígio existente entre as partes, no quadro, tanto do pedido e da causa de pedir, como no da defesa por exceção”.
[8] Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, págs. 373 e 374.
[9] Alberto dos Reis, in ob. cit., 5º vol., págs. 55 e 143.
[10] No mesmo sentido Ferreira de Almeida, “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371, em que reafirma que “questões” são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas, integrando “esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes). Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vigar as suas posições (jurídico processuais); só a omissão da abordagem de um qualquer questão temática central integra vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de qualquer elemento de retórica argumentativa produzida pelas partes”. 
[11] Acs. STJ.  30/10/2003, Proc. 03B3024; 04/03/2004, Proc. 04B522; 31/05/2005, Proc. 05B1730; 11/10/2005, Proc. 05B2666; 15/12/2005, Proc. 05B3974.
[12] Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 54.
[13] Ac. R.G., de 7/12/2023, Proc. 5542/19.1T8VNF.G1
[14] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 254, notas 2 e 3.
[15] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 723, nota 1.
[16] Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª ed., Coimbra Editora, págs. 196 e 197, em que se lê: “Assim, por exemplo, alegado pelo autor os factos assentes que consubstanciam a celebração de determinado contrato, que o réu negue ter sido celebrado, o tribunal não os descreve como tema da prova, limitando-se a enunciar como tema controvertido saber se o contrato, só em traços gerais identificado, foi ou não entre as partes celebrado; e, sendo controvertido a quem é imputável o incumprimento do mesmo contrato, o tribunal não precisa de descrever os factos concretos que, praticados por uma ou por outra das partes, o terão consubstanciado, limitando-se a formular genericamente a questão de saber qual dos contraentes não cumpriu as obrigações dele decorrentes. As questões fundamentais (causa de pedir e exceções) controvertidas constituem os grandes quadros de referência desta enunciação. Com isto, a prova não deixa de incidir sobre os factos concretos que o autor alegou como constitutivos do seu direito, tal como plasmados nos articulados (petição, réplica, articulado superveniente), bem como sobre os factos principais e sobre os factos acessórios que permitem ou vedem esta dedução, uns e outros denominados no art. 5-2-b como factos instrumentais. (…). Os articulados continuam a realizar a sua função de meio de alegação dos factos da causa, essencial no que respeita aos factos principais e facultativo no que respeita aos factos instrumentais. Por sua vez, a decisão de facto continua a incluir todos os factos relevantes para a decisão da causa, quer sejam os principais (dados como provados ou não provados), quer sejam os instrumentais, trazidos pelas partes ou pelos meios de prova produzidos, cuja verificação, ou não verificação, leva o juiz a fazer a dedução quanto à existência dos factos principais”. 
[17] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, ob. cit., págs723 e 724.
Ac. RG., de 15/12/2022, Proc. 3372/18.7T8VNF.G2,  relatado pelo aqui 1º Ajunto, em que se lê: “Enunciar os temas da prova tem em vista orientar a produção da prova e significa, através de proposições mais ou menos genéricas /tudo depende a natureza e complexidade do caso concreto), mas suficientemente abrangentes da realidade fáctica a que se quer referir e independentemente de saber a quem cabe o ónus da prova, expor (de forma englobante) os pontos de facto essenciais que permanecem controvertidos e que, por isso, devem ser objeto de prova, tendo em consideração dois referenciais: i) os factos essenciais que integram a causa de pedir ou as exceções, e que se constituem como limite à referida enunciação; ii) os elementos integradores da ou da fattispecie normativas adequadas à solução do litígio, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito”.
[18] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 294: “Pode ainda revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio, na medida em que assegurem um enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo. Trata-se de uma faculdade que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objetiva de factos relevantes.
[19] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manuel de Processo Civil”, 2º ed., Coimbra Editora, pág. 671.
[20] Acs. STJ, de 13.02.1997, BMJ nº 464, pág. 524; de 22.06.1999, CJ, 1999, tomo II, pág. 160; RC, de 11.01.1994, BMJ nº 433, pág. 633; RG, de 14.05.2015, Proc. nº 414/13.6TBVVD.G1.
[21] Abílio Neto, ob. cit., pág. 739.
[22] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, págs. 736 e 737; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, págs. 763 e 764, notas 11 e 12; Ac. STJ., de 20/01/2004, Proc. 03S1697.
[23] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 293 a 295, em que pondera: “Outras decisões podem revelar-se total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso. Verificado algum dos referidos vícios, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da Relação, esta poderá supri-los a partir dos elementos que constem do processo ou da gravação”.
[24] Ac. R.L., 19/10/2010, Proc. 2019/09.7TMSNT.L1-7.
[25] Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, Almedina, pág. 299; Ac. R.L., de 24/06/2011, Proc. 2562/04.4TVLSB.L1-6, onde se lê que: “O instituto da liquidação de sentença visa quantificar uma condenação anterior, estribada, por um lado, nos pedidos e causa de pedir enunciados pelo Autor ou pelo Réu, e, por outro, pela factualidade dada como provada e não provada e pela aplicação à mesma do direito, sendo dentro dessas precisas e estritas fronteiras que a determinação quantitativa perseguida pelo incidente de liquidação se pode movimentar e emergir, não podendo tal figura ter uma abrangência tal que, apesar da sua índole declarativa, se permita discutir, de novo e com idêntica amplitude, matéria essencial e constitutiva de direitos, que deveria ter sido debatida e demonstrada na ação declarativa propriamente dita e não foi”.
[26] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manuel de Processo Civil”, ob. cit., pág. 576: “(…) a nota típica, mais destacada, da prova pericial consiste em o perito não trazer ao tribunal apenas a perspetiva de factos, mas pode trazer também a apreciação ou valoração dos factos, ou apenas esta”. A fls. 578 acrescentam: “O perito não é apenas utilizado para apreciar ou valor factos, mas também para narrar factos. Essencial, em princípio, para que haja perícia, é que a perceção desses factos assente sobre conhecimentos especiais que os julgadores não possuam, seja qual for a sua natureza (científica, técnica, artística, profissional ou de mera experiência) desses conhecimentos”.
[27] Manuel Andrade, “Noções…”, ob. cit. págs . 262, nota 2, e 263; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ob. cit., pág. 583, lendo-se neste que: “Apesar de a resposta do perito assentar, por via de regra, em conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, é ao tribunal, de harmonia com o prudente critério dos juízes, que se reconhece o poder de decidir sobre a realidade do facto a que a perícia se refere. Parte-se do princípio de que aos juízes não é inacessível o controlo do raciocínio que conduz o perito do seu laudo e de que lhes é de igual modo possível optar por um dos laudos ou por afastar-se mesmo de todos eles, no caso frequente de divergências entre os peritos. A liberdade de apreciação e de determinação dos factos sujeitos a perícia desdobra-se num duplo aspeto. Por um lado, reconhece-se a plena liberdade dos peritos na formulação dos seus laudos, rejeitando-se mesmo a figura do chamado árbitro de desempate. Por outro lado, reconhece-se abertamente a possibilidade de o tribunal, no julgamento da matéria de facto ou na aplicabilidade do direito aos factos, se afastar (ainda que unânime) dos peritos, por mais qualificado que seja”. 
[28] Acs. STJ., de 24/02/2021, Proc. 34/11.0TAAGH.L1.S1, em que se pondera: “Se o tribunal considerou indispensável recorrer ao juízo percetivo ou valorativo de cientistas de determinada área do saber, o relatório e as conclusões da perícia gozam de um presunção, solidamente fundada, de certeza científica. Por isso que o juízo técnico ou científico só pode ser desconsiderado pelo juiz: a) ou afastando a autenticidade das premissas sobre que incidiu e se formou o juízo pericial; b) ou rebatendo-o, com fundamentação de idêntica valia, assente em conhecimentos reconhecidamente semelhantes e argumentos de equivalente densidade técnica e científica”.
No mesmo sentido: Acs. RG., de 01/10/2015, Proc. 40/12.7TBSBR.G1; RP. de 15/12/2021, Proc. 193/18.0T8VGS.P2; RL., de 11/03/2010, Proc. 949/05.4TBOVR-A.L1-8. 
[29]Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, ob. cit., págs. 191 e 192, onde expende que a prova de determinado facto não equivale a certeza da sua verificação. “A prova não é a certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica).
[30]Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e Reapreciação Sobre a Matéria de Facto”, in “Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, vol. IV, pág. 609.