Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1540/19.3T8VCT-A.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
INTERESSE LITISCONSORCIAL
SEGURO FACULTATIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- É pressuposto da intervenção principal passiva que a relação material substantiva respeite não apenas ao réu, mas também a outra pessoa não demandada pelo autor, isto é, que se esteja perante uma situação de litisconsórcio necessário ou voluntário. Se o terceiro é titular duma relação jurídica conexa, então só pode intervir acessoriamente ao lado do réu.

II- Tratando-se de seguro facultativo, só nas situações configuradas nos nºs 2 e 3 do art.º 140º do RJCS pode o autor (lesado) demandar a seguradora do lesante ou chamá-la a intervir como parte principal nos termos do nº 2 do art.º 316º do CPC. Já no que tange à intervenção provocada a requerimento do réu, a alínea a) do nº 3 desse normativo é mais exigente, só a consentindo quando este “mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida”.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

C. M. e esposa, M. B., instauraram acção declarativa com processo comum contra Bank ... - Sucursal em Portugal, A. L., A. M. e R. P., formulando os seguintes pedidos:

«a) Condenar-se solidariamente os réus a pagarem aos autores a quantia de €26.875,14, relativa à subscrição de “... Ago. 2017”, acrescida dos juros legais vencidos e vincendos desde 9 de agosto de 2017;
b) Declarar-se a resolução do contrato de subscrição das “...” e, em consequência:
c) Condenar-se solidariamente os réus a restituírem ou pagarem aos autores a quantia de €216.000,00, acrescida dos juros legais vencidos e vincendos desde 11 de maio de 2015.»

Para tanto e no essencial, alegaram:

– Em 2005, o autor viu na montra da agência do “Bank ...”, sita na Avenida da …, em Braga, uma inscrição que anunciava uma aplicação financeira de cinco anos, com juros de 6% ao ano, capital garantido na maturidade e pagamento dos juros de seis em seis meses.
Interessado, o autor entrou nessa agência do “Bank ...”, onde lhe confirmaram as referidas condições da aplicação. Em consequência, os autores subscreveram a aplicação anunciada, cuja designação ignoram.
Por razões de comodidade, em 2006, os autores transferiram da agência de Braga para a agência de Ponte de Lima os assuntos que tinham com o “Bank ...” e nesta agência conheceram os réus A. L., R. P. e A. M., com quem estabeleceram uma relação de amizade.
Por via da referida “amizade”, os réus A. L., R. P. e A. M. convenceram os autores a subscreverem uma aplicação financeira. Assim, no dia 30 de julho de 2013, o autor assinou um “Boletim de Subscrição” de “... Ago. 2017”, de que foi promotor o “Bank ...”, no montante de € 190.000,00, constituído por €95.000,00 de capital próprio dos autores e por € 95.000,00 de alavancado, com prazo de vencimento de 4 anos (09-08-2013 a 09-08-2017).
Sucede que, cerca de um mês antes do seu vencimento em 9 de agosto de 2017, foram resgatadas as “... Ago. 2017”, em operação promovida e patrocinada pelos réus A. L., R. P. e A. M., agindo como funcionários ou promotores do “Bank ...”, sendo que o valor do resgatado foi inferior em €26.875,14 ao da subscrição.
Os autores questionaram os réus A. L., R. P. e A. M., que sempre lhes asseguraram que a operação em causa não tinha quaisquer riscos e que o capital seria recebido integralmente na maturidade.
Cientes disso, no dia 24 de agosto de 2017, os referidos réus comprometeram-se a recuperar €25.000,00, no espaço de 4 anos a contar dessa data, através de aplicações junto do “Bank ...”, sugeridas ao autor, sendo que anualmente deveria ser amortizado o valor de € 6.250,00 até 30 de agosto.
O autor comprometeu-se a dar ordem de execução nos impressos próprios, como subscrição ou resgate de alguma aplicação sugerida pelos ditos réus.
Sucede que os referidos réus nada promoveram com vista à recuperação dos mencionados € 25.000,00. Por isso, em agosto de 2018, o autor instou esses réus para lhe pagarem a 1.ª prestação de €6.250,00.
Para pagamento dessa prestação, os mencionados réus entregaram ao autor o cheque n.º4203482842, do Bank ..., no valor de € 6.250,00, datado de 15-09-2018, sacado sobre a conta n.º 04001000018, de que é titular “... – ... Financial Agency, Lda.”, de que, nessa altura, eram sócios e gerentes os réus A. L. e A. M..
Apresentado a pagamento no Banco ... no dia 18-09-2018, o dito cheque foi devolvido na Compensação do Banco de Portugal em 19-09-2018, por falta de provisão.
No dia 11 de maio de 2015, o autor assinou um “Boletim de Subscrição” de “...”, em que foi promotor o réu “Bank ... AG”, com prazo de vencimento em 22 de maio de 2020, no montante global de €400.000,00, constituído por: - Capital próprio: € 216.000,00; Antecipação de juros: € 24.000,00; Alavancagem: €160.000,00.
A alavancagem foi feita através de contrato de mútuo, preparado pelo réu “Bank ...” e assinado pelos autores, com o prazo de cinco anos, início em 26 de maio de 2015 e termo em 26 de maio de 2020.
A referida subscrição foi feita no balcão, agora extinto, do “Bank ...”, sito na Rua …, em Ponte de Lima, intervindo nessa operação, como mediadores ou funcionários do “Bank ...”, os réus A. L., R. P. e A. M..
Os ditos réus garantiram aos autores que o produto subscrito era seguro, sem quaisquer riscos, idêntico a um depósito a prazo e que a alavancagem, era uma imposição do “Bank ...”, que não aceitaria a operação sem ela.
Mais foi garantido aos autores que, nos dois primeiros anos do contrato o “Bank ...” não pagava juros e nos 3.º, 4.º e 5.º anos do contrato, receberiam o pagamento de 5% de juros ao ano.
A compensação pelo não pagamento desses juros foi a entrega de €24.000,00.
Os réus A. L., R. P. e A. M. assumiram o pagamento das prestações do contrato de mútuo acima referido. E pagaram essas prestações nos anos de 2016 e 2017. A partir de 2018, o “Bank ...” passou a debitar as prestações na conta de depósitos à ordem dos autores com o n.º ….
Desde então, em vez de pagarem directamente as prestações, os réus A. L., R. P. e A. M. obrigaram-se a restituir aos autores o dinheiro das prestações através de cheque.
Para reembolso da prestação de 2018, os ditos réus entregaram ao autor o cheque n.º 5103482841, do Bank ..., no valor de € 1.465,98, datado de 30-07-2018, sacado sobre a conta n.º 04001000018, de que é titular a referida “... – ... Financial Agency, Lda.”, o qual, apresentado a pagamento no Banco ... no dia 02-08-2018, foi devolvido na Compensação do Banco de Portugal em 03-08-2018, por falta de provisão.
Em meados de 2017 tornou-se público que o “Bank ...” atravessava uma grave crise financeira. Preocupados, os autores contactaram os réus A. L., R. P. e A. M.. E os referidos réus responderam aos autores que não se preocupassem, que era estratégia do “Bank ...” e que o capital estava garantido.
Não obstante, os autores solicitaram a esses réus cópias dos documentos que haviam assinado no balcão do “Bank ...” de Ponte de Lima. Os ditos réus diziam ao autor que os documentos iam para Lisboa e que depois o “Bank ...” lhos enviaria; o que nunca aconteceu. Apenas depois de serem advertidos de que a entrega seria requerida judicialmente é que os mesmos réus entregaram aos autores, em agosto de 2017, cópias dos documentos de subscrição das “...”.
Com a leitura desses documentos, os autores constataram que as “...” são um produto complexo, de risco 4 (alerta), isto é, risco de perder a totalidade do capital investido.
Nunca os réus alertaram os autores para esse risco.
Se tivessem sido informados desse risco, os autores nunca teriam subscrito as “...”.
Entretanto, os autores não receberam os juros do 3.º ano vencidos em maio de 2018.
Os autores foram emigrantes na Suíça, trabalhando o autor na construção civil e a autora como operária têxtil, são pessoas simples, sendo o grau académico de ambos o quarto ano de escolaridade, não possuindo qualificação ou formação técnica que lhes permitissem saber os vários tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles.
Os autores apenas queriam colocar as suas poupanças em dinheiro em aplicações seguras e confiáveis, como os depósitos a prazo. O que lhes foi assegurado pelos réus.
Os autores apenas se aperceberam que os produtos financeiros vendidos pelos réus não garantiam o capital investido aquando do resgate das “... Ago. 2017”.
O réu “Bank ...” não informou os autores das caraterísticas e riscos das “... Ago. 2017” e das “...”.
O réu “Bank ...” não explicou aos autores as diferenças entre o investimento nas “... Ago. 2017” e nas “...” e a constituição de um depósito a prazo.
Aquando da subscrição das “... Ago. 2017” e das “...”, o “Bank ...” não entregou aos autores quaisquer documentos dos contratos.
O “Bank ...” colheu a assinatura do autor nos boletins de subscrição, num “papel” preenchido pelo réu A. M. ou pelo réu R. P., mas nunca foi entregue aos autores cópia de qualquer documento que contivesse cláusulas respeitantes às “... Ago. 2017” e às “...”.
Os autores desconheciam que tinham feito aplicações financeiras com características diferentes de um depósito a prazo. Caso soubessem que se tratavam de produtos de risco, os autores nunca as teriam autorizado.
Os réus A. L., R. P. e A. M. intervieram nas operações de subscrição das “... Ago. 2017” e das “...”, como mediadores ou funcionários do “Bank ...”, garantindo aos autores que os produtos subscritos eram seguros, sem quaisquer riscos, idênticos a um depósito a prazo.
Os réus não informaram os autores das características e riscos das “... Ago. 2017” e das “...”, nem explicaram aos autores as diferenças entre o investimento nas “... Ago. 2017” e nas “...” e a constituição de um depósito a prazo.
Aquando da subscrição das “... Ago. 2017” e das “...” estes réus não entregaram aos autores quaisquer documentos dos contratos.

No dia 27 de dezembro de 2018 os autores requereram a notificação judicial avulsa da ré “Bank ...”, com os seguintes fins:

a) Resolução do contrato de subscrição referido no artigo 34.º deste articulado;
b) Para, no prazo de 30 dias a contar da sua notificação, restituir aos autores o dinheiro por eles investido na mencionada subscrição.
A ré foi notificada judicialmente no dia 10 de Janeiro de 2019.
Até à presente data, a ré “Bank ...” não se pronunciou sobre a notificação judicial avulsa nem restituiu aos autores qualquer quantia.
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Os réus contestaram, sendo que a ré Bank ... – Sucursal em Portugal, no final de tal articulado, requereu, ao abrigo do artigo 316.º do CPC, a intervenção principal provocada da Seguradora ... - Sucursal em Portugal, alegando:
– “Por contrato de seguro titulado pela apólice numero PA17FI0044, transferiu a sua responsabilidade civil emergente da prestação de serviços financeiros ou profissionais pelos promotores por si designados, para tal Seguradora e o sinistro sub judice, encontra-se abrangido pelo objecto dessa apólice, a qual, sendo de base de reclamação (“claims made”), cobre temporalmente os factos em discussão nos presentes autos”.
– Por contrato de seguro titulado pela apólice número C03140004, transferiu a sua responsabilidade civil emergente da actividade por si exercida, de novo, para a Seguradora ... – Sucursal em Portugal.
– O sinistro sub judice, encontra-se abrangido pelo objecto da apólice C03140004, a qual, encontrando-se vigente à data dos actos e omissões imputadas aos promotores externos que colaboravam com a ré, cobre temporalmente os factos em discussão nos presentes autos.
– Por força de tais contratos de seguro a Seguradora ... – Sucursal em Portugal, responde, solidariamente com a ré, pelos danos que na presente acção lhe são imputados pelos autores, constituindo-se na obrigação de ressarcir os autores, nos mesmos termos em que a ré o tenha de fazer.
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Na sequência o Mmº Juiz “a quo” determinou a notificação dos réus contestantes para virem aos autos esclarecer, no âmbito e para efeitos do incidente de intervenção deduzido, se o contrato de seguro em causa tinha natureza facultativa ou obrigatória, ou se se verifica no caso em apreço qualquer das situações previstas no artigo 140º, nº2 e nº3 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
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Os réus informaram que se trata de um seguro facultativo e não se verifica qualquer das situações previstas no referido normativo.
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Foi então proferida a seguinte decisão:

Do incidente de intervenção principal provocada passiva da seguradora deduzido pelos Réus na sua contestação, com os esclarecimentos e exercício do contraditório constantes dos requerimentos de 7/10 e 9/10 :
Considerando tratar-se de seguros de carácter facultativo, e bem assim que nos mesmos não está previsto o direito de demandar directamente o segurador, e considerando que não se verifica a situação do segurado ter informado o lesado Autor com o consequente início de negociações directas entre este último e o segurador, é de admitir a intervenção da seguradora, mas não como parte principal ao lado do Réu, mas como parte acessória.
Na verdade, nos contratos de seguro de carácter facultativo só se verifica direito de demandar directamente o segurador nas concretas situações, excepcionais, consagradas no nº2 e 3, do art. 140º, do DL nº 72/2008, de 16/4 (LCS) - respectivamente, o contrato de seguro prever tal direito e o segurado ter informado o lesado da existência de contrato de seguro com o consequente início de negociações directas entre o lesado e o segurador -, ocorrendo ilegitimidade passiva do segurador nas restantes situações em que este seja demandado, pois que não é parte na relação material controvertida (mas apenas numa conexa).
O direito de acção directa está consagrado no referido diploma apenas para os seguros de carácter obrigatório (cfr. art 146º, do referido diploma, na “Subsecção II – Disposições especiais de seguro obrigatório” -, da “Secção I - Seguros de responsabilidade Civil”- (tratando a Subsecção I o Regime Comum), tudo do Título II -“Seguros de danos”).
Seguindo-se assim na esteira da jurisprudência consagrada nos ACs RP de 12/7/2017 e da RG de 19/10/207 (ambos in www.dgsi.pt)., é de admitir a intervenção da citada seguradora, não como interveniente principal do lado passivo, mas como parte acessória dos Réus, convolação a que se procede, relativamente à qual os Réus já exerceram o seu contraditório.
Pelo exposto, decide-se deferir parcialmente o incidente, admitindo-se a intervir nos autos ... – Sucursal em Portugal, mas como parte acessória dos Réus – artigo 321º CPC.
Custas a cargo dos Réus.
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Inconformada com tal decisão, que não admitiu a intervenção principal provocada da respectiva seguradora, a ré interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações em que formula as seguintes conclusões:

a) O recurso do douto despacho que não admite a intervenção principal provocada passiva da seguradora ... – Sucursal em Portugal admitindo-a a título de intervenção acessória é recorrível, uma vez que, nos termos do artigo 322.º, n.º 2 do CPC, apenas a parte do despacho que admite a intervenção acessória da seguradora é irrecorrível.
b) O incidente de intervenção de terceiros é um incidente processado autonomamente, pelo que, há a possibilidade de recurso de apelação autónoma, nos termos da última parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do CPC.
c) O douto despacho recorrido pôs termo ao incidente de intervenção de terceiros, e fê-lo não admitindo a intervenção principal da seguradora, tal como tinha sido deduzido pelo ora Apelante na sua contestação, apenas admitindo a intervenção acessória da seguradora (através de convolação), sendo assim recorrível, nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º 1 e h) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC, na parte não deferida.
d) Com o devido respeito que o Tribunal a quo merece, salvo melhor opinião, o douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 316.º e 317.º do CPC, designadamente no que respeita à não admissão da intervenção principal provocada da seguradora, devendo, consequentemente, ser substituído por outro que admita o incidente de intervenção principal provocada da seguradora.
e) Nos artigos 420.º e seguintes da sua contestação o Recorrente alegou ter celebrado contratos de seguro, nos termos dos quais transferiu para a seguradora a responsabilidade civil em que possa incorrer em consequência de atos, omissões e erros imputados aos promotores por si designados, sendo que, por efeito dos aludidos contratos de seguro, a seguradora responde pelos valores que o Autor reclama na presente ação, por estes se incluírem no âmbito da respectiva cobertura dos seguros.
f) A seguradora com a qual o Réu celebrou contratos de seguro de responsabilidade civil facultativos deverá ser considerada titular da mesma relação jurídica invocada pelo Autor, devendo ser aceite que a seguradora seja admitida a intervir como parte principal, defendendo um interesse igual a do Réu e parte na relação material controvertida.
g) Resulta da vasta maioria da doutrina e jurisprudência (no qual se inclui a Veneranda Relação de Guimarães) tratar-se o contrato de seguro de responsabilidade civil (incluindo o facultativo) dum contrato a favor de terceiro, nos termos dos artigos 443.º e 444.º do CC, podendo, por essa razão, o lesado demandar diretamente a seguradora ou o segurado, ou ambos em litisconsórcio voluntário, nos termos do artigo 32.º do CPC.
h) Atenta a faculdade de que goza o lesado de demandar diretamente a Seguradora, a intervenção desta deverá ser admitida a título principal, seja em virtude da natureza do contrato de seguro de responsabilidade civil facultativo como contrato a favor de terceiro (artigo 444.º do CC), seja devido ao facto de, perante o lesado, segurado e seguradora, serem solidariamente responsáveis (artigo 497.º do CC).
i) A intervenção principal provocada (artigo 316º do CPC), em litisconsórcio passivo, da seguradora e do segurado, assegurará uma defesa conjunta contra o credor, bem como, acautelará um eventual direito de regresso (n.º 1, do artigo 317º do CPC), já que, o contrato de seguro de responsabilidade civil transforma a seguradora, enquanto obrigada ao pagamento do quantum indemnizatório, em titular da relação material controvertida, com um interesse principal.
j) Em face do exposto, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo ao decidir do modo como decidiu, violou as normas legais previstas nos artigos 32.º, 316º e 317º do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho proferido, e determinando-se a sua substituição por outro que admita a intervenção principal provocada da seguradora ... – Sucursal em Portugal, só assim se fazendo JUSTIÇA!.
*
Os réus R. P. e A. L. declararam aderir integralmente ao recurso interposto pelo Bank ... Ag, Sucursal em Portugal.
*
Os apelados não apresentaram contra-alegações.
*
O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos com interesse para a decisão do presente recurso constam do relatório supra.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

No caso em apreço cumpre decidir se deveria ter sido admitida a intervenção como parte (intervenção principal) da seguradora para quem a ré transferiu a responsabilidade civil por danos causados a terceiros em resultado da actividade por si exercida e pelos actos e omissões praticados pelos seus colaboradores.
Tal intervenção principal provocada foi requerida pela ré, aqui apelante.
Está assente, que os contratos de seguro celebrados pela ré com a seguradora, cuja intervenção principal provoca, são de natureza facultativa.

Nos termos do disposto nos artigos 316º e 317º do CPC a intervenção principal pode ser provocada pelo réu nos seguintes casos:

Quando ocorra preterição de litisconsórcio necessário, para chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa (preterido), isto é, para assegurar a legitimidade activa ou passiva.
Quando demonstre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
– Quando pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.
– Quando a prestação for exigida a algum dos condevedores solidários, e este pretenda o reconhecimento e a condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir, se tiver de realizar a totalidade da prestação.
Dos referidos normativos extrai-se ser pressuposto da intervenção principal passiva que a relação material substantiva respeite não apenas ao réu, mas também a outra pessoa não demandada pelo autor, isto é, que se esteja perante uma situação de litisconsórcio necessário ou voluntário.
Se o terceiro é titular duma relação jurídica conexa, então só pode intervir acessoriamente ao lado do réu.
Sobre esta questão refere Salvador da Costa [incidentes da instância –pág. 117-118], que “o que verdadeiramente parece distinguir a intervenção principal provocada da intervenção acessória provocada é a real posição do interveniente relativamente à relação jurídica invocada pelo autor na petição inicial, pois se o chamamento daquele se basear na relação jurídica invocada pelo autor na p.i. estaremos perante o incidente de intervenção principal provocada, ao passo que se o chamamento se estribar numa relação jurídica conexa com aquela já se tratará do incidente de intervenção acessória provocada”. (sublinhado e realce nossos)
Ora, a obrigação de indemnizar – a relação jurídica invocada pelos autores na P.I. – vincula a aqui ré apelante (e demais co-réus) perante os autores – estabelece-se entre lesante e lesado.
Já, os contratos de seguro em causa vinculam a seguradora perante a aqui ré, tomadora do seguro.
Trata-se de uma relação jurídica conexa com a invocada na P.I. e não a mesma, contrariamente ao sustentado pela apelante na al. f) das suas doutas conclusões.
No contrato de seguro de responsabilidade civil, facultativo, «ao contrário do que sucede no contrato a favor de terceiro, o direito do lesado não nasce voluntária e directamente do contrato de seguro mas da consumação do evento lesivo cujo risco de ocorrência naquele se preveniu.
Por isso, no contrato de seguro não se estipula a atribuição de um direito (de crédito ou real), uma prestação certa ou uma atribuição patrimonial imediata ao beneficiário.
Aliás, dado o carácter tipicamente aleatório da obrigação assumida pela seguradora, não se sabe se ela chegará a nascer, qual a sua extensão ou medida (o que depende da posterior e eventual ocorrência do facto danoso cujo risco se cobriu) nem – em casos como o dos autos – se conhece quem será a pessoa do possível lesado e, portanto, seu beneficiário, crendo-se que nem sequer ao caso se ajusta a hipótese do artigo 446º, CC, de a prestação ser estipulada em benefício de um “conjunto indeterminado de pessoas” porque, mesmo aí, especifica-se esse “conjunto” e, portanto, limita-se o círculo das pessoas dele componentes, como se atribui às “entidades competentes para defender os interesses em causa” o direito de reclamar a prestação.» [1]
Discordamos assim do defendido pela apelante na conclusão constante da al. g).
Historicamente, a questão da intervenção a título principal ou acessório da seguradora do lesante nunca foi pacífica a nível jurisprudencial, salvo no que respeita ao seguro obrigatório de responsabilidade civil por acidentes de viação, em que há muito existe um regime jurídico especial que prevê a demanda directa da seguradora (e apenas desta até ao montante do capital obrigatório).
O Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16 de Abril, veio resolver a questão, no que tange ao seguro obrigatório de responsabilidade civil, estabelecendo no seu art.º 146º nº 1 que o lesado tem o direito de exigir o pagamento da indemnização directamente ao segurador.
Assim, no caso de se tratar de um seguro obrigatório de responsabilidade civil (excepto “seguro automóvel” que tem regras especiais), o lesado pode escolher demandar o lesante, a seguradora ou os dois, isto é, estamos perante um caso de litisconsórcio voluntário, que permitiria provocar a intervenção principal da seguradora.
Tratando-se de seguro facultativo, o RJCS só admite tal possibilidade quando o contrato de seguro preveja o direito de o lesado demandar directamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado, ou quando o segurado o tenha informado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações directas entre o lesado e o segurador – nºs 2 e 3 do art.º 140º do RJCS.
Assim, tratando-se de seguro facultativo, só nas situações configuradas nos nºs 2 e 3 do art.º 140º do RJCS, existe uma situação de litisconsórcio voluntário resultante do contrato e da Lei, que permitiria provocar a intervenção principal da seguradora [2].
É isso que se refere na fundamentação dos acórdãos desta Relação de Guimarães de 9.7.2015 (proc. 4077/14.3TBBRG-A.G1) e da Relação de Évora de 11.01.2018 (2812/16.4T8PTM-A.E1) [3], que a apelante invoca em apoio da sua pretensão, mas sem sucesso, até porque neles se decidiu que os seguros, aí em apreciação, tinham natureza obrigatória e não facultativa.
O que não sucede no presente caso, aceitando a apelante a natureza facultativa do contrato e não alegando a existência de qualquer cláusula que preveja o direito de o lesado demandar directamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado, sendo que nem sequer juntou tradução dos contratos de seguro, que apresentou redigidos em Inglês.
Registe-se ainda, que, se o nº 2 do art.º 316º do CPC permite sempre ao autor provocar a intervenção principal no caso de litisconsórcio voluntário – isto é, no caso de seguro obrigatório, ou nas situações previstas nos nºs 2 e 3 do art.º 140º do RJCS, o autor poderia sempre fazer intervir a seguradora – já o nº 3 al. a) desse normativo é mais exigente no que tange à intervenção provocada a requerimento do réu, só a consentindo quando este “mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida”. Ora, é inequívoco que a seguradora não é sujeito passivo da relação material controvertida.
Por tudo o que se expôs entendemos que a ré apelante não pode provocar a intervenção principal da sua seguradora e bem andou o Tribunal “ a quo” ao convolar tal incidente admitindo a intervenção da seguradora como parte acessória.

V – DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 13-02-2020

Eva Almeida
Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas


1. Ac. do TRP de 31.1.2013 (proc. 2499/10.8TBVCD-A.P1)
2. Ver Ac. do TRP de 24.9.2018 (15764/17.4T8PRT-A.P1)
3. Pode ler-se na fundamentação dos mencionados acórdãos: “A considerar-se facultativo o seguro, o artigo 140º, nºs 2 e 3, da LCS, prevê o direito do lesado demandar directamente o segurador, isoladamente ou em conjunto com o segurado, caso essa possibilidade esteja prevista no contrato de seguro ou se no decurso das iniciais negociações, o segurado seja informado da existência do contrato de seguro.” (sublinhado nosso)