Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | PEDRO CUNHA LOPES | ||
Descritores: | INTERDITO POR ANOMALIA PSÍQUICA INCAPACIDADE PARA DEPOR INCONSTITUCIONALIDADE ARTºS 131º Nº 1 DO CPP E 18ºº Nº 2 20º Nº 4 DA CRP E 6º DA CEDH | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/25/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | TOTALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | 1 - É inconstitucional, a incapacidade taxativa para depor da pessoa interdita por anomalia psíquica. 2 - Isto acontece, mesmo que esta seja uma mera testemunha, não sendo assistente ou demandante/demandada cível. 3 - Com efeito, essa restrição poria em causa os princípios do direito a uma justiça equitativa, na vertente da procura da verdade material (arts.º 20º/4 C.R.P. e 6º C.E.D.H.) e da proibição do excesso, na restrição de Direitos, Liberdades e Garantias (art.º 18º/2 C.R.P.). | ||
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Decisão Texto Integral: | 1 – Decisão Sumária - Tribunal Recorrido – Juízo Central Criminal de Viana do Castelo – Juiz 1; - Proc.º 822/16.0JABRG-A; - Recorrente – A. P. (arguido); - Recorridos – M.P.; - M. S. (assistente); - Maria (assistente). Decisão Por decisão nestes autos proferida em 18/6/2 014, foi o filho do arguido, por si arrolado como testemunha e já declarado interdito por anomalia psíquica, declarado incapaz para depor como testemunha, nos termos do disposto no art.º 131º/1 C.P.P. Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, por entender que aquela incapacidade legal é inconstitucional, como já decidido em sede de fiscalização concreta pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 359/2 011, de 12/7. Assim e em seu entender, deve ser desaplicado aquele segmento do normativo e ser a referida testemunha admitida a depor. O M.P. propugna pela concessão de provimento, ao recurso do arguido. As assistentes referem porém que aquela Jurisprudência se refere aos casos em que a testemunha é ofendido e assistente, o que não sucede no caso dos autos. Considerando-a inaplicável, entendem que deve ser mantido, o despacho proferido. Entende-se que a Jurisprudência já firmada e também a sua evolução, permitem decidir desde já, por despacho do relator, a questão que se coloca – arts.º 417º/6, d), C.P.P. A questão colocada neste recurso será assim decidida, por decisão sumária. 2 – Fundamentação Dispõe o art.º 131º/1 C.P.P., que “qualquer pessoa que se não encontrar interdita por anomalia psíquica tem capacidade para ser testemunha e só pode recusar-se nos casos previstos na lei”. Ou seja: determina a lei em abstrato e independentemente do caso concreto, que os interditos por anomalia psíquica não têm capacidade para depor, em Processo Penal. É o que sucede no caso dos autos. Decorre com efeito, de fls. 88/90 (sentença em Ação de Interdição), que a testemunha sofre de Perturbação Global do Desenvolvimento, compatível com Síndrome de Asperger, pelo que foi declarada interdita por anomalia psíquica. Decorre ainda da fundamentação de facto da sentença, que a mesma tem um grau de incapacidade multiuso permanente global de 60% (sessenta por cento). Sabe-se que fundamento da interdição por anomalia psíquica é o facto de a pessoa se mostrar incapaz de se gerir a si própria e seus bens (art.º 138º/1 C.C.). Ora e logo à partida, esta incapacidade é diferente da capacidade para depor, isto é, para fazer um relato de algo que viu, com objetividade e segurança. Ou seja: alguém pode ser incapaz de se autorreger, mas capaz de referir de forma verdadeira algo a que assistiu. Simplesmente e por razões certamente de segurança jurídica, decidiu a lei que estas pessoas não podiam depor, por os seus depoimentos poderem, em abstrato, lançar mais confusão sobre os factos em apreciação, dado o seu handicap psicológico. Mas logo e em clara contradição, diz-nos a lei civil que a capacidade do interdito é equiparável à do menor, exceto quanto às especificidades do instituto (art.º 139º C.C.). Em termos antagónicos, os menores não são incapazes para depor em Processo Penal (cfr. art.º 131º C.P.P.), enquanto os interditos o são. Sobre a Constitucionalidade desta incapacidade se vêm debruçando os Tribunais, há mais de dez anos. E, surpreendentemente, não foi o Tribunal Constitucional, no Acórdão citado, o primeiro a suscitar a questão, mas o Tribunal da Relação de Lisboa, nos sues Acórdãos de 22/5/2 007, Nuno Gomes da Silva e de 23/11/2 010, Paulo Barreto, ambos em www.dgsi.pt. O Acórdão do Tribunal Constitucional citado pelo recorrente, n.º 359/2 011, de 12/7, publicado na 2ª Série do D.R. de 3/10/2 011, abordou também a questão. Todos se pronunciaram pela inconstitucionalidade daquela parte do art.º 131º/1 C.P.P., mas em casos em que a testemunha era o próprio ofendido e até se tinha constituído assistente. Lembre-se que à prestação de declarações pelo assistente são aplicáveis as normas referentes às testemunhas – art.º 145º/3 C.P.P – e logo, aquele art.º 131º/1 C.P.P. Estas decisões basearam-se em vários princípios Constitucionais, como o direito à prova e a uma justiça equitativa (arts.º 20º/4 C.R.P. e 6º C.E.D.H.), o acesso ao direito (art.º 20º/1 C.R.P.) ou o princípio da igualdade com outros portadores de anomalia psíquica grave, mas não declarados interditos e até com os menores (art.º 13º C.R.P.). Depois destes, sobre a mesma factualidade e no mesmo sentido, se pronunciou ainda o Acórdão da Relação de Coimbra de 9/3/2 016, Inácio Monteiro. Mas, depois de tudo isto uma outra evolução jurisprudencial houve, decorrente do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 396/17, de 12/7, publicado na 2ª Série do D.R. de 17/5/2 017. Aqui, a matéria de facto era já um pouco diferente, pois estava em causa um ofendido não constituído assistente e que era assim simplesmente testemunha e já não sujeito processual interessado. Aqui, a fundamentação do Acórdão já foi buscar um outro princípio Constitucional, além de se referir o direito a uma justiça equitativa. De novo se falou neste princípio Constitucional e de Direito Internacional Convencional, na sua versão relativa à obtenção de uma decisão justa e baseada na procura da verdade material e desta feita, também baseada no princípio Constitucional da proibição do excesso de restrições legais, aos direitos, liberdades e garantias (art.º 18º/2 C.R.P.). Aí se entendeu, com efeito, que esta restrição não era apta a satisfazer o que se queria fazer prevalecer ( a segurança e justiça das decisões), pelo que era excessiva, na própria terminologia do art.º 18º/2 C.R.P. Entendeu-se como mais adequado à realização da justiça, que caso a caso seja o Juíz a verificar da aptidão física e mental da testemunha, como aliás dispõe o art.º 131º/2 C.P.P. e que é aplicável aos menores. Aliás, o testemunho prestado deverá ser sempre livremente apreciado pelo Tribunal (art.º 127º C.P.P.). Aí se diz, nomeadamente que “A questão que aqui se coloca não diz apenas respeito ao depoimento das vítimas, mas ao de qualquer pessoa declarada interdita em razão de anomalia psíquica”. Ou seja: de toda e qualquer testemunha, nem se invocando sequer já, o princípio do acesso ao direito, em que se pressupunha que a vítima era assistente. Ao que acresce que, no caso dos autos, a incapacidade permanente global da testemunha não era de 100% (cem por cento) ou próxima, mas de 60% (sessenta por cento), do que decorre que a mesma teria aptidão psicológica para ainda alguns atos da vida diária. Podem e devem os Tribunais Comuns fazer a fiscalização em concreto da Constitucionalidade das leis, não podendo aplicar leis inconstitucionais (art.º 204º C.R.P.). Termos em que o recurso apresentado deve ser julgado totalmente procedente, declarando-se a inconstitucionalidade da 1ª parte do art.º 131º/1 C.P.P. – na parte em que se determina a incapacidade para depor dos interditos – e admitindo-se assim, a referida testemunha a depor. ** Razões por que,3 – Decisão a) se julga inconstitucional o primeiro segmento normativo do art.º 131º/1 C.P.P., na parte em que determina taxativamente a incapacidade dos interditos por anomalia psíquica para depor em Processo Penal, normativo que assim se desaplica, por contrário aos princípios do direito a uma justiça equitativa na vertente de procura da verdade material (arts.º 20º/4 C.R.P. e 6º C.E.D.H.) e da proibição do excesso, na restrição dos direitos, liberdades e garantias individuais (art.º 18º/2 C.R.P.); b) dando total provimento ao recurso do arguido, determina-se que o seu filho A. P., por si arrolado como testemunha nestes autos, preste nos mesmos depoimento, se necessário com reabertura da audiência e anulação dos atos posteriores. c) Custas pelas assistentes, com 3 (três) U.C.`s de taxa de justiça – art.º 515º/1, b), C.P.P. d) Notifique. e) Dê, de imediato, conhecimento ao Tribunal de 1ª instância. (Pedro Cunha Lopes) |