Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | ||||||||||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ ALBERTO MARTINS MOREIRA DIAS | |||||||||
Descritores: | LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PROVA PROIBIDA INDEMINIZAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | |||||||||
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Nº do Documento: | RG | |||||||||
Data do Acordão: | 12/19/2023 | |||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | |||||||||
Texto Integral: | S | |||||||||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | |||||||||
Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | |||||||||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | |||||||||
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Sumário: | 1- Sempre que a condenação como litigante de má fé esteja contida numa das decisões previstas no n.º 1 do art. 644º do CPC, o prazo para interposição de recurso é de trinta dias, a que acresce o prazo de dez dias quando o recurso tiver por objeto a impugnação do julgamento da matéria de facto com fundamento em prova gravada. 2- Para que o recorrente beneficie do prazo adicional de dez dias basta que demonstre nas alegações de recurso ser sua vontade impugnar o julgamento da matéria de facto com fundamento em prova gravada (v.g. nas alegações de recurso procede à transcrição de excertos de prova pessoal produzida em audiência final gravada e extrai desses excertos determinadas ilações fácticas que pretende serem contrárias à facticidade julgada provada e não provada na sentença, sem que proceda a qualquer especificação sobre os concretos pontos desta em relação aos quais se verifica essa pretensa contrariedade), independentemente de cumprir (ou não) com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º do CPC. 3- A valoração em sede de julgamento de matéria de facto de prova proibida, nomeadamente, de depoimento prestado por testemunha que é advogado e que depôs quanto a factos de que tomou conhecimento no exercício dessa atividade, sem prévia dispensa do sigilo profissional a que legalmente se encontra adstrita, não determina a nulidade da sentença, mas trata-se de vício que se projeta no julgamento da matéria de facto e que terá de ser superado pela Relação fazendo uso dos seus poderes de substituição ou de cassação do julgamento da matéria de facto, nos termos dos arts. 662º, n.ºs 1 e 2 e 665º, n.º 1 do CPC. 4- Na litigância de má fé condena-se o litigante pelo seu comportamento processual malicioso e desleal, em virtude daquele, com dolo ou negligência grosseira, ter abusado do direito de ação (a propositura da ação ou a dedução da defesa encontram-se ab initio viciadas) ou ter feito uma utilização maliciosa e desleal dos meios processuais colocados ao seu dispor (a propositura da ação ou a dedução da defesa eram fundadas, havendo realmente um conflito de interesses a ser solucionado, mas os pleiteantes, no decurso do processo, fazem um uso reprovável dos mecanismos processuais, nomeadamente, com vista a dificultar a descoberta da verdade material ou para protelar o processo), desviando-os das finalidades e interesses para os quais foram concebidos e concedidos pelo legislador, que é a justa resolução de um litígio em tempo útil. 5- A concessão de indemnização ao lesado por litigância de má fé está dependente daquele formular pedido indemnizatório contra o litigante de má fé. 6- Nos casos em que o lesado tenha pedido a condenação do litigante de má fé a pagar-lhe indemnização por via dos prejuízos que sofreu em consequência desse seu comportamento processual desleal e malicioso, sem que tenha alegado os concretos prejuízos que sofreu em consequência dessa conduta do litigante de má fé, cumpre ao tribunal, nos termos do n.º 3 do art. 543º do CPC, notificá-lo para que alegue esses concretos prejuízos e carreie os respetivos elementos de prova, para após contraditório e produção da prova que venha a ser indicadas pelas partes, se profira decisão fixando o quantum indemnizatório ao lesado. | |||||||||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: I- RELATÓRIO AA, residente na Avenida ... ..., ..., instaurou ação declarativa, com processo comum, contra BB e marido CC, residentes na Rua ..., ..., ... ..., e DD e marido EE, residentes na Rua ..., ..., ... ..., pedindo que fossem condenados a reconhecerem a propriedade da Autora sobre o bem identificado no ponto 4º da petição inicial e a entregá-lo à Autora ou, caso tal não fosse possível, a indemnizar esta no valor de 29.000,00 euros, sendo 24.000,00 euros atinente ao valor de mercado da peça e 5.000,00 euros relativos aos danos morais sofridos com a sua perda, bem como nos juro de mora, à taxa legal, desde a citação até integral cumprimento. Para tanto alegou, em síntese, que a Autora e as Rés são filhas de FF e de GG, falecidos, respetivamente, em .../.../2008 e .../.../2009, no estado de casados no regime da comunhão geral de bens e por cujo óbito correram termos autos de inventário sob o n.º ...2..., da Instância Local Cível ..., onde foi efetuada a partilha das respetivas heranças, homologada por sentença transitada em julgado, onde foi adjudicado à Autora um fio em ouro com cerca de 50 centímetros de comprimento e com cerca de 70 gramas de peso, com um medalhão, tudo em ouro maciço, com um valor comercial de 24.000,00 euros. Acontece que a 1ª Ré, que exerceu funções de cabeça de casal no âmbito do identificado processo de inventário, não entregou o referido fio à Autora, apesar deste lhe ter sido adjudicado, pelo que se impõe a condenação dos Réus a entregá-lo e, caso tal não seja possível, a condenação destes a pagarem-lhe o respetivo valor de mercado, no montante de 24.000,00 euros, bem como a compensá-la pelos danos não patrimoniais que sofreu decorrentes da perda desse bem de família, em quantia nunca inferior a 5.000,00 euros. Apenas os Réus DD e EE contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação e suscitaram o incidente de valor. Em sede de incidente de valor alegaram que o fio em ouro reivindicado pela Autora foi por esta licitado no âmbito do identificado processo de inventário por 201,00 euros; acresce que o valor desse fio foi fixado em mais de três processos, em que a Autora foi parte, por decisão neles proferidas, transitadas em julgado, em 201,00 euros, pelo que o valor da presente causa deve ser fixado em 201,00 euros. Suscitaram a exceção dilatória de incompetência, em razão do território, do Juízo Local Cível ... para conhecer da relação jurídica material controvertida delineada pela Autora na petição inicial, alegando que esta usa o presente processo para reclamar um bem objeto de partilha realizada no processo de inventário que identifica, para o que foi territorialmente competente o tribunal da Comarca ... – ..., pelo que o tribunal territorialmente competente para conhecer da relação jurídica material controvertida delineada pela Autora na petição inicial é o tribunal de ..., mais concretamente, os Juízos Cíveis de ..., dado que o valor da presente causa não excede os 50.000,00 euros. Suscitaram a exceção dilatória do caso julgado, alegando terem corrido termos os processos n.ºs 630/16.... e 610/16...., no Juízo ..., do Juízo de Execução ..., cujo apenso A teve por objeto ação declarativa em tudo idêntica à do presente processo. Também correram termos os processos n.ºs 2862/18.... e 2862/18...., no Juiz ..., do Juízo de Execução ..., cujo apenso A teve igualmente por objeto ação declarativa em tudo idêntica à dos presentes autos. E correu termos o processo n.º 5046/15...., do Juízo Local Cível ..., Juiz ..., em que por sentença transitada em julgado, confirmada por acórdão proferido pela Relação de Guimarães, se julgou provado que o fio em ouro reivindicado pela Autora foi efetivamente doado à Ré DD, a esta pertencendo definitivamente. Suscitarem a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, alegando que o Réu EE nada tem a ver com a herança e bens do acervo hereditário da Ré DD, pelo não faz parte da relação jurídica material controvertida sobre que versam os autos. Quanto à Ré DD, esta também não faz parte dessa relação jurídica material controvertida porque, por acórdão proferido pelo Tribunal de Relação de Guimarães no âmbito do processo n.º 5046/15...., transitado em julgado, ficou definido e julgado que o identificado fio em ouro foi efetivamente doado à Ré DD, sendo propriedade desta. Impugnaram parte da facticidade alegada pela Autora e sustentaram que o fio em ouro que foi adjudicado àquela no âmbito dos autos de inventário que correram termos por óbito dos pais daquela e das Rés mulheres não é o fio que por ela vem reivindicado, mas antes um fio em ouro com 50 centímetros de comprimento, cujo peso ninguém sabe ao certo e que os Réus já tentaram entregar à Autora por diversas vezes, mas que esta se recusa a receber com a alegação de que o fio que lhe foi adjudicado naquele processo de inventário não é aquele. Concluíram pedindo que se julgasse procedente o incidente de valor e se fixasse o valor da causa em 201,00 euros; se julgasse procedentes as exceções que suscitaram com as consequências legais; e, subsidiariamente, se julgasse improcedente a ação e se condenasse a Autora como litigante de má fé em indemnização no montante de 2.000,00 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais e 5.000,00 euros, a título de compensação por danos não patrimoniais. A Autora respondeu concluindo pela improcedência do incidente de valor e das exceções suscitadas pelos Réus e, bem assim, do pedido de condenação como litigante de má fé, alegando que “litiga em plena consciência da veracidade, legitimidade e licitude da sua pretensão. Ao longo de muitos anos tem-se visto ludibriada por sucessivas questões processuais que vêm impedindo que seja reconhecido o mérito da referida sua pretensão. Pelo que nada há de censurável em este seu procedimento judicial, como se demonstrará em sede probatória”. Por despacho proferido em 02/12/2019, transitado em julgado, conheceu-se da exceção dilatória de incompetência, em razão do território, do Juízo Local Cível ... para conhecer da relação jurídica material controvertida delineada pela Autora na petição inicial, julgando essa exceção procedente e declarando-se territorialmente competente para dela conhecer o Juízo Local Cível ..., para onde os autos foram remetidos. Em 08/09/2020, proferiu-se despacho, transitado em julgado, em que se conheceu do incidente de valor suscitado pelos Réus, julgando-o procedente e fixando à presente causa o valor de 201,00 euros. Proferiu-se despacho saneador, em que se conheceu da exceção dilatória de ilegitimidade passiva suscitada pelos Réus, julgando-a improcedente; conheceu-se da exceção dilatória do caso julgado, também suscitada pelos Réus, que igualmente foi julgada improcedente, conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e designou-se data para a realização de audiência final. Por requerimento entrado em juízo em 07/11/2020, os Réus DD e EE requereram a junção aos autos de um documento e solicitaram a condenação da Autora como litigante de má fé em multa e em compensação não inferior a 1.500,00 euros, alegando terem realizado várias diligências para lhe entregarem o fio de ouro reivindicado e que esta sempre se recusou a recebê-lo. A Autora respondeu em 09/11/2020 negando que litigue de má fé e pedindo a condenação dos Réus como litigantes de má fé em multa e em indemnização. Por requerimento de 04/10/2021, a Ré BB pediu a condenação da Autora como litigante de má fé, em multa e em indemnização a favor dela e do marido em montante não inferior a 2.500,00 euros, de forma a custear as despesas do pleito, nos termos do art. 543º do CPC, alegando que com os documentos que juntou aos autos a Autora pretende deturpar a realidade dos factos, não ignorando que os mesmos não se referem ao objeto dos autos. Realizada a audiência final, proferiu-se sentença, em 03/06/2023, em que se julgou parcialmente procedente a ação e se condenou a Autora como litigante de má fé, a qual consta da seguinte parte dispositiva: “Face ao supra exposto, julga-se a presente Ação parcialmente Improcedente, por parcialmente Não provada, e, por conseguinte, decide-se: 1.- A) Reconhecer a posse e a propriedade da Autora, AA, como dona e legítima proprietária de um “fio de ouro que mede (e media) cerca de 50 centímetros de comprimento e tem (e tinha) um peso não concretamente apurado, mas seguramente não superior a 70 gramas”; 1.- B) Condenar os Réus BB e marido CC, e DD e marido EE, a reconhecerem a posse e a propriedade da Autora, AA, como dona e legítima proprietária de um “fio de ouro que mede (e media) cerca de 50 centímetros de comprimento e tem (e tinha) um peso não concretamente apurado, mas seguramente não superior a 70 gramas”; 1.- C) Condenar os Réus BB e marido CC, e DD e marido EE a entregar o fio de ouro, com as características ora descritas, à Autora, cabendo, conforme matéria de facto provada e constante do ponto 15 da petição inicial, a responsabilidade da entrega desse fio de ouro, à Autora, em primeira linha à cabeça-de-casal da herança (a 1ª Ré) e em segunda linha à pessoa que tem na sua posse tal fio de ouro, ou seja, a 2ª Ré; 1.- D) Quanto aos demais pedidos, se tal facto não se dever a qualquer motivo ou facto imputável a dolo dos devedores ora Réus, tal entrega não for possível, Condenar os Réus, solidariamente, a indemnizar/pagar a/à Autora no/o valor de 201,00 (duzentos e um) euros atinentes ao valor de mercado da peça, bem como no pagamento dos juros moratórios contados sobre este capital, à taxa legal, desde a citação dos Réus até integral cumprimento, tudo isto ao abrigo do disposto nos artigos 813º a 816º do Código Civil; 1.- E) No mais, por manifesta ausência de prova, Absolver os Réus BB e marido CC, e DD e marido EE, do pedido de condenação dos mesmos a indemnizar a Autora no valor de 5.000,00 euros a título de danos morais alegadamente sofridos com a, por ora, não entrega do fio de ouro (note-se que, nessa parte, ficou provada a MORA do CREDOR (AUTORA) ), bem como absolver os citados Réus do pagamento de juros moratórios contados sobre este capital, à taxa legal, desde a citação dos Réus até integral cumprimento; 2.- A) Absolver os Réus do pedido da Autora de condenação dos mesmos como litigantes de má-fé, em multa e indemnização a fixar oportunamente; 2.- B) Condenar a Autora AA, como litigante de má-fé, pelos danos materiais e morais causados aos Réus DD e marido EE, no pagamento a estes, a título de compensação dos respetivos danos patrimoniais, pelos valores gastos, da quantia pecuniária a apresentar pelo I. Mandatário desses Réus na respetiva “Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte” a dar entrada após o trânsito em julgado da presente Sentença, bem como no pagamento aos mesmos Réus do valor, a título de compensação dos respetivos danos morais ou não patrimoniais, de 5.000,00 € (cinco mil euros), por razoável e adequado a toda a vivência “stressante” que este e outro(s) processo(s) conexo(s) lhes vêm suscitando “sem fim à vista”; 2.- C) Condenar a Autora AA, como litigante de má-fé, pelos danos patrimoniais causados aos Réus BB e marido CC, em Multa processual civil, a pagar ao Tribunal, no valor de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros) e em indemnização à Ré BB e seu marido, a título de compensação dos respetivos danos patrimoniais pelos valores gastos, a liquidar através do pagamento aos mesmos da quantia pecuniária a apresentar pela I. Mandatária desses Réus na respetiva “Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte” a dar entrada após o trânsito em julgado da presente Sentença; * 3.- Fixar Custas a cargo da Autora, AA, no que concerne aos pedidos principais e aos pedidos de condenação como litigantes de má-fé, sendo que se fixa, na globalidade, a taxa de justiça em 10 UC (dez unidades de conta processual), tudo sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido à Autora (artigos 527º/1, 1ª parte, 2, 529º/2 e 607º/6 todos do Código de Processo Civil – CPC)”. Inconformada com a sentença a Autora AA interpôs recurso, em que formulou as conclusões que se seguem:
3.º- Das transcrições feitas no anterior capítulo de alegações decorre uma conclusão perentória e pacífica: a Recorrente pretendia o reconhecimento da sua propriedade de um fio de ouro do seu pai e, consequentemente, a sua entrega. 4.º - Não podem restar, porém, dúvidas quanto a isso, seja pelos articulados destes autos de processo, seja por esse facto ter sido tido como assente pelo tribunal a quo na sentença (cfr. 7.º parágrafo da página 24 da sentença a quo). 5.º- Daí que esta ação judicial seja de reivindicação, precisamente para compreender o pedido da autora. 6.º - Das transcrições presentes no capítulo anterior, resulta também pacificamente que a Recorrente estaria convicta de ter licitado aquele objeto: um fio do seu pai. 7.º - Quanto ao fio de ouro, é pacífico para o tribunal a quo que este é propriedade da Recorrente. 8.º - O cerne da questão prende-se com as características objetivas e físicas desse fio, bem assim de que seria realmente do pai da Recorrente. 9.º- O tribunal a quo faz “tábua rasa” de toda a versão dos factos trazida pela Recorrente, desconsiderando inclusivamente as declarações prestadas por aquela, sem ordenar qualquer diligência de prova justificativa desse sentido decisório, nomeadamente através dos princípios dos artigos 6.º e/ou 411.º, ambos do Código de Processo Civil. 10.º- De forma que não se compreende, o tribunal a quo contradiz-se dando parcial provimento aos pedidos feitos pela autora e, de forma incompreensível e contraditória, condena-a em litigante de má-fé, afirmando que todo este processo foi um “uso abusivo do apoio judiciário, por parte da ora Autora, a qual litiga contra os Réus de modo e frequência crónicos”, cfr. página 15 da sentença. 11.º - Tanto que no último parágrafo da página 25 da sentença em crise, diz o tribunal de primeira instância corrobora e concretiza precisamente essa contradição. 12.º - Atente-se que não ficou provada a inexistência do fio de ouro que a Recorrente reclamava (aquele que era do seu pai), mas sim não ficou provada a sua existência. 13.º - Repare-se que conforme resulta dos autos e está retratado na página 21 da sentença a quo, a Recorrente tinha a convicção de que, no processo de inventário, estaria a licitar o fio de ouro do seu pai e não o da sua mãe, retratado também na fotografia referida naquela página da sentença. 14.º - O que levou o tribunal a quo a concluir que desde sempre só houvera um único fio de ouro. 15.º - Admitir este entendimento do tribunal a quo, é o mesmo que estabelecer, admitir e implementar a regra de que todas as ações judiciais declarativas que tramitem nos tribunais portugueses, cujos pedidos sejam improcedentes, a priori, deem lugar ao provimento de um pedido de litigância de má-fé. 16.º - O que não se concebe, por ofender os mais basilares princípios de um Estado de Direito Democrático. 17.º - E não pode, de forma alguma, igualmente proceder o fundamento do uso abusivo do apoio judiciário por parte da aqui Recorrente se, nos presentes autos, é representada por advogado constituído. 18.º- Conforme resulta dos autos e está retratado na página 21 da sentença a quo, a Recorrente tinha a convicção de que, no processo conseguiria pugnar pelo reconhecimento da propriedade do fio de ouro do seu pai e, consequentemente, pela sua entrega. 19.º - Para o tribunal a quo não foi feita prova suficiente para sequer admitir a existência do fio de ouro do pai da Recorrente. 20.º - E para o tribunal a quo o fio em questão seria o fio de ouro, da mãe da Recorrente e que constaria de um anterior processo de inventário, inventariado com uma descrição genérica. 21.º - Importa por isso, analisar à luz do legislador nacional bem assim da doutrina e jurisprudência se o caso sub judice haverá eventual lugar a uma situação de litigância de má-fé. 22.º - A este propósito, vejamos o artigo 542.º do Código de Processo Civil, nomeadamente o número 2, de onde se extrai, de imediato, um requisito essencial: dolo ou negligência grave.
29.º - E os demais, como se dissera, foram improcedentes por não provados (e não por serem falsos)! 30.º - Se é certo que a Recorrente não conseguiu na primeira instância provar a existência de um fio de ouro do seu pai, “de 50 centímetros e 70 gramas”, também não ficou provado o contrário. 31.º- E por isso, é pacífico para a Recorrente que, à luz da legislação portuguesa bem assim da doutrina e da jurisprudência dominante, não atuou de má-fé e não há litigância de má-fé, pedido cuja absolvição aqui expressamente se sindica e se peticiona. Sem prescindir e mesmo que assim não seja, sempre se dirá, 32.º - O tribunal a quo fez a sua motivação jurídica e subsunção ao presente caso, socorrendo-se do regime da litigância de má-fé e do regime da mora do credor, presente no Código Civil. 33.º- O tribunal a quo não fundamentou a sua decisão referindo o preenchimento cumulativo dos dois requisitos: a mora do credor e a ausência de motivo justificativo. 34.º - A este respeito, se por um lado é pacífica a recusa da Recorrente em receber um aludido fio de ouro, por outro lado não se lhe pode conceder a ausência de justificação para tal quando aquela estava convicta de que não era aquele o objeto a entregar. 35.º - E, mesmo que assim fosse, o alcance do artigo 816.º dificilmente será de se lhe aplicar à legitimidade indemnizatória do regime da litigância de má-fé. 36.º - A indemnização resultante da condenação por litigância de má-fé deve estar vinculada por uma relação causal apropriada com os prejuízos que não teriam ocorrido caso a conduta desonesta no litígio não tivesse ocorrido. 37.º - A punição por litigância de má-fé prevê duas sanções: uma de natureza criminal e outra de natureza civil. Quanto à última, esta é fixada segundo o prudente arbítrio do tribunal e um juízo de razoabilidade. 38.º - Os meros transtornos incómodos, desgostos e preocupações cuja gravidade e consequências se desconhecem não podem constituir danos não patrimoniais ressarcíveis.
40.º - Em abono da verdade processual e rigor jurídico, nunca nenhum dos recorridos alegou os danos morais ou não patrimoniais sofridos, tendo apenas os recorridos DD e EE pedido a condenação da Recorrente nos danos patrimoniais no valor de 2.000,00 € (dois mil euros) e numa compensação pelos danos morais ou não patrimoniais nunca inferiores a 5.000,00 € (cinco mil euros). 41.º - Sem nunca aqueles terem feito qualquer prova dos danos sofridos, seja na fase de articulados, seja nas fases processuais posteriores. 42.º - Sonegando-se o tribunal a quo à imprescindibilidade deste ónus de alegação e prova dos recorridos, justificando a compensação dos danos morais e não patrimoniais, “… por razoável e adequada a toda a vivência “stressante” que este e outro(s) processo(s) conexo(s) lhes vêm suscitando “sem fim à vista”, cfr. página 29 da sentença a quo. 43.º - Portanto e pugnando pela correta aplicação do Direito bem assim do princípio do peticionado (artigo 3.º do CPC) e do ónus de prova, indiscutivelmente este douto tribunal ad quem tem de revogar a sentença recorrida no que tange aos valores de 5.000,00€ a que a Recorrente foi condenada a pagar à recorrida DD e EE, por não haverem sido peticionados. 44.º - Fora os valores referidos no ponto imediatamente anterior, restaria ao tribunal a quo duas soluções: uma eventual multa entre 2 UC´s e 100 UC´s, cfr. artigo 27.º n.º 3 do Regulamento de Custas Processuais; O reembolso dos honorários dos mandatários. 45.º - Porém, nenhuma indemnização deverá ser aplicada à Recorrente uma vez que, como se já discorrera, não estamos perante um caso de litigância de má-fé. Também impõe-se ainda dizer: 46.º - O tribunal a quo fundou a sua convicção de atuação de má-fé também pelo que foi referido por esta testemunha (fazendo acentuar a tese da mora do credor), nomeadamente a páginas 20 e 21 da sentença recorrida. 47.º - Daquilo que resulta da sentença bem assim dos áudios da gravação da audiência de discussão e julgamento, aquela testemunha, Advogado de profissão e outrora patrono oficioso da aqui Recorrente, prestou testemunho sobre aquilo que foi a sua intervenção enquanto patrono oficioso.
51.º - A testemunha depôs sobre matérias sobre as quais estava obrigado a segredo, sem que estivesse autorizado. 52.º - O nosso legislador prevê a consequência para esta quebra não autorizada do segredo profissional, no artigo 92.º n.º 5 do EOA, preceituando que “os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo”. 53.º - Solução jurídica essa que se impõe nos presentes autos, por violação do expressamente preceituado no EOA, mas também por ser um meio de prova absolutamente proibido.
NESTES TERMOS, NOS DAS DISPOSIÇÕES LEGAIS MENCIONADAS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V.ªS EX.ªS DOUTA E SABIAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÃO SER ACEITES, POR TEMPESTIVAS E LEGAIS, AS PRESENTES ALEGAÇÕES E CONCLUSÕES DE RECURSO, SENDO EM CONSEQUÊNCIA E APÓS OS ULTERIORES TERMOS, SER PROFERIDO ACÓRDÃO NO SENTIDO DE: Declarar a sentença nula por valoração de prova proibida, revogando a valoração daquela prova e qualquer motivação que dela tenha sido originária; Revogar a sentença recorrida no que tange à condenação da Recorrente em litigante de má-fé; Absolver a Recorrente das condenações em indemnizar e ressarcir os recorridos por conta da litigância de má-fé; Absolver a Recorrente da multa aplicada pelo tribunal a quo. Caso assim não se entenda, Ser reconhecida a inobservância do ónus de alegação e prova dos prejuízos causados aos recorridos por conta da litigância de má-fé e, em consequência, absolver a Recorrente da condenação em indemnizar os recorridos. Tudo isto em nome da DOUTA, SÁBIA E ESCLARECIDA JUSTIÇA QUE V.ªS EX.ªS FARÃO. Os Réus DD e EE contra-alegaram pugnando pela intempestividade do recurso interposto pela recorrente e, subsidiariamente, pela improcedência deste, concluindo as contra-alegações nos seguintes termos: 1. Salvo o devido respeito por douta opinião, as alegações de recurso não podem ser admitidas desde logo por extemporaneidade, e muito menos julgado procedente e admissível o presente recurso por extemporâneo, pois a recorrente delimita o recurso à matéria de Direito nas suas alegações e conclusões 1 e 2 na parte em que a douta sentença condena a mesma como litigante de má-fé processual com condenação em multa e no pagamento em indemnização aos réus pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, afirmando mesmo a autora recorrente logo na conclusão 1º “A sentença recorrida padece de fortes e fatais patologias, nomeadamente errado enquadramento e aplicação do Direito que culmina em condenação por litigância de má-fé por parte da recorrente.”. 2. Ora, nesse contexto, por conseguinte, tratando-se, pois, de recurso sobre a matéria de Direito, tal como a própria recorrente o delimitou nas suas alegações e conclusões suprarreferidas, o prazo de 30 dias terminou em 10 de julho de 2023, já contados os três dias da presunção da notificação eletrónica via Citius mais três dias de multa, tratando-se sem dúvida de recurso extemporâneo. 3. De todo o modo, à cautela sempre se defenderá que as alegações de recurso da autora recorrente não podem também ser admitidas e muito menos julgado procedente e admissível o presente recurso por assentarem apenas numa manifestação de mera discordância da recorrente em relação ao resultado decorrente da douta decisão, cujo conteúdo e fundamentação não padece de nenhuma contradição entre si ou com a própria decisão, nem se afigura a verificação de qualquer erro notório de apreciação da prova. 4. E quanto à questão relativa à prova e matéria de facto também se defende a rejeição do presente recurso por desrespeito do estipulado no artigo 640º nº 1 alíneas a), b) e c) do Código do Processo Civil, tal como defendem a Jurisprudência e Doutrina dominantes, e conforme o supra indicado, em 12 destas alegações, douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães nº 5397/18.3T8BRG.G1 de 22.10.2020. 5. Quanto ao pedido efeito suspensivo, com base na Lei Processual não tem cabimento nenhuma exceção à regra de efeito devolutivo da Apelação. 6. E quanto à questão da litigância de má-fé processual nada adianta a autora nem esclarece neste recurso porque não se colocou numa posição de má-fé processual e porque não deveria ser condenada nessa parte da douta sentença, referindo-se a factos não essenciais à causa como tratar-se de objeto do pai ou da mãe, embora se provou o contrário do alegado pela autora, ou seja, que se tratava de um fio da mãe falecida. 7. A autora também na petição inicial alegou que o fio estaria na posse da ré BB ou na posse da ré DD, ambas irmãs da autora e rés, e nesse sentido propôs esta ação contra as referidas irmãs, mas no seu depoimento na sessão de julgamento de 17.11.2022., não conseguiu explicar a existência de um manuscrito assinado pela autora, junto com a contestação das rés, em que referia que “…o Tribunal ... já sabia há muito que o fio estava na posse do Dr. HH…” mas intentou este processo contra as rés já referidas e depois até referiu que ouviu falar que o fio ficou adjudicado a outra irmã II, gravação da 1ª parte do depoimento da autora pelas 10.59 horas, 44,30 m. a 45,50m.. Por outro lado, nunca antes, e ao longo de vários anos com inúmeros processos contra as rés, apresentou fotografias do fio em causa, apresentando apenas agora neste processo já com a audiência de julgamento em curso, não sabendo explicar tal situação do aparecimento tardio e repentino de tais fotografias apenas neste processo. Tudo isto em permanentes contradições da autora ora imputando a posse do fio a uns ora a outros, alegações que não efetuou no inventário e licitou o fio por 201,00€, agora alegando nestes autos um valor de 24.000,00€. 8. Tudo o que denotou uma postura no mínimo de muito pouca transparência por parte da autora e que conduziu à sua condenação de má fé processual, até porque em tudo o que foi referido a autora tinha e tem direto e todo o conhecimento porque participou nos factos e com tantas contradições com a realidade e consigo mesma, não considerou o Tribunal tal posição como postura assente em simples esquecimentos ou negligência, antes pelo contrário. 9. O Tribunal “a quo” e a douta sentença não violou, pois, nenhuma norma jurídica nem nenhum princípio do Direito substantivo ou processual. Pelo que, por todas as alegações, razões e conclusões apresentadas e outras que, Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores deste Tribunal da Relação, superior e doutamente suprirão e aplicarão, peticionam os recorridos a inadmissibilidade liminar do presente recurso ou sua total improcedência, por inadmissibilidade legal, conforme alegações 1, 2, 3, 4, 12 e 13 e as conclusões, supra expostas, tendo por base a matéria e fundamentos do presente recurso. Assim de novo se pugnando como sempre pela mais elementar e fundamentada e costumada JUSTIÇA. * No despacho de admissão do recurso a 1ª Instância pronunciou-se quanto à nulidade da sentença suscitada pela recorrente, concluindo pela sua improcedência.Acresce que a 1ª Instância admitiu o recurso interposto como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, o que não foi objeto de alteração no tribunal ad quem. * Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- DO OBJETO DO RECURSOO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido nelas apreciadas, visando obter a anulação das mesmas quando padeçam de vício determinativo da sua nulidade, ou a sua revogação ou alteração quando padeçam de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito, nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1]. No seguimento desta orientação, cumpre ao tribunal ad quem apreciar as seguintes questões: a- Questão prévia suscitada pelos apelados: da (in)tempestividade da interposição do presente recurso; b- a improceder a questão prévia antes referida, se a sentença recorrida é nula por nela ter sido valorada prova proibida, mais concretamente, o depoimento prestado pela testemunha JJ, advogado, quando esse depoimento teve por objeto factos de que essa testemunha tomou conhecimento enquanto patrono e sem que tivesse sido obtida prévia dispensa do sigilo profissional a que legalmente se encontra vinculada; c- se a dita sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto, uma vez que das transcrições dos depoimentos pessoais prestados em audiência final operada pela apelante resulta que “estava convicta de ter licitado aquele objeto: um fio do seu pai”, a propósito do que se suscita a questão prévia invocada pelos apelados e que é do conhecimento oficioso do tribunal ad quem, sem o que este não pode entrar na apreciação da impugnação do julgamento da matéria de facto operada pela apelante, que consiste em saber se a apelante cumpriu com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC. d- se a sentença sob sindicância, ao condenar a apelante como litigante de má fé a: a) pagar aos Réus DD e KK os danos patrimoniais a apresentar na nota discriminativa e justificativa de custas de parte e, bem assim, 5.000,00 euros a título de danos morais; e b) a pagar aos Réus BB e CC os danos patrimoniais a apresentar na nota discriminativa e justificativa de custas de parte; e c) pagar ao tribunal uma multa processual, no valor de 2.500,00 euros, padece de erro de direito, dado que não se encontram preenchidos os pressupostos fácticos e jurídicos que permitem concluir que a apelante tivesse litigado de má fé e se, em consequência, se impõe revogar a sentença recorrida no segmento em que condenou a apelante como litigante de má fé; em todo o caso, ainda que se conclua que a apelante litigou de má fé, não existe fundamento fáctico nem jurídico para se condenar aquela, por via da litigância de má fé, a pagar aos Réus DD e EE os danos patrimoniais a apresentar na nota discriminativa e justificativa de custas de parte, bem como a quantia de 5.000,00 euros a título de compensação por danos patrimoniais sofridos e, bem assim a pagar aos Réus BB e CC indemnização por danos patrimoniais a apresentar na nota discriminativa e justificativa, dado que aqueles Réus não alegaram e, portanto, não provaram que tivessem sofridos danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, pelo que se impõe revogar a sentença recorrida no segmento em que condenou a apelante a satisfazer as mencionadas indemnizações. * III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA 1ª Instância julgou provada a facticidade que se segue com relevância para a decisão a proferir nos autos (quanto aos pontos 1º a 14º procedemos à respetiva remuneração e seguimos, no que respeita aos pontos seguintes (pontos 19º a 50º), a numeração da 1ª Instância constante da sentença recorrida, desde logo, atenta a facticidade julgada provada no ponto 32º): 1. A Autora e as duas Rés são todas filhas de FF e de GG, casados que foram no regime de comunhão geral e residentes que foram na Rua ..., ..., ..., sendo que ela faleceu em .../.../2008 e ele faleceu em .../.../2009. 2. Após a morte dos seus pais foi aberto inventário por óbito de ambos, efetuada a partilha dos bens da herança respetiva e lavrada a sentença homologatória, já transitada em julgado, no âmbito do Processo nº 2199/12...., Juízo Local Cível ..., J.... 3. Nesses autos de inventário e partilha foi nomeada cabeça-de-casal a 1ª Ré, BB. 4. Nesses mesmos autos foi licitado e adjudicado à Autora, entre outras peças de ouro, um fio de ouro. 5. Todavia, logo na relação de bens esse fio não foi mencionado, o que levou a aqui Autora a apresentar reclamação da mesma, tendo sido decidido e determinado, por despacho aí proferido, o aditamento à relação de bens de «um fio de ouro». 6. O fio de ouro em causa mede (e media) cerca de 50 centímetros de comprimento e tem (e tinha) um peso não concretamente apurado, mas seguramente não superior a 70 gramas. 7. Os Réus tentaram entregar à Autora esse fio de ouro, mas a Autora recusou tal entrega por considerar que o fio entregue tinha dimensões e peso muitíssimo inferiores ao fio em causa. 8. Os mesmos Réus, pese embora essa tentativa de entrega, alegavam que o dito fio de ouro tinha sido doado pelos inventariados à 2ª Ré, DD. 9. A Autora, na reclamação à relação de bens no inventário acima identificado, relacionou um cordão de ouro alegadamente pertença da inventariada (a mãe da Autora e das Rés) e que mediria cerca de um metro de comprimento e pesaria cerca de 125 gramas, mas não se provou, nesse inventário, que tal alegado cordão pertencesse à respetiva herança. 10. A não entrega do cordão chegou a ser discutida em Tribunal, uma vez que a Autora deu entrada em juízo de execuções para entrega de coisa. 11. A Autora ainda não tem na sua posse o fio de ouro que lhe foi adjudicado em partilhas e é sua propriedade. 12. No Processo nº 2862/18...., JI Execução, o Ilustre Mandatário da 2ª Ré veio invocar a falsidade dum requerimento alegadamente assinado pelo punho da 2ª Ré, de acordo com o qual esta reconheceria que tinha o fio na sua posse, estando disposta a entregá-lo à Autora. 13. A responsabilidade da entrega desse fio de ouro à Autora cabe, em primeira linha, à cabeça-de-casal da herança (a 1ª Ré) e, em segunda linha, à pessoa que tem na sua posse tal fio de ouro, ou seja, a 2ª Ré. 14. Trata-se de uma peça de família que a Autora quis, licitou e conseguiu a sua adjudicação naquele inventário. 19. O fio em ouro relacionado no inventário é um fio com 50 centímetros de comprimento. 21. Houve três tentativas de entrega do mesmo fio à Autora, a qual a recusou em todas essas ocasiões, uma com a cabeça-de-casal e outras irmãs presentes, outra por intermédio de mandatários cuja entrega a Autora recusou nem sequer comparecendo, e uma terceira vez dentro do próprio Tribunal Judicial .... 22. O fio nunca foi objeto de pesagem. 23. O cordão nem sequer foi relacionado no inventário que originou estes autos, e foi objeto de uma outra ação no Processo nº 5046/15.... que correu termos no Juiz ... deste Juízo Local Cível .... 24. A Autora intentou mais este processo judicial baseando-se e alegando factos totalmente contrários à realidade, factos esses que a Autora conhece bem porque neles participou direta e pessoalmente. 25. A Autora, no inventário que originou estes autos, participou em licitações na sequência das quais lhe foi adjudicado um fio em ouro no valor de 201,00 € (duzentos e um euros). 26. Nos pontos 10, 11 e 12 da petição inicial a Autora aludiu a um documento para sustentar este processo, mas sabia que tal documento foi “plantado”, no processo referido em 10 da petição inicial, por desconhecidos e apareceu nesse processo seis dias depois de todas as partes terem sido notificadas da sentença que, mais uma vez, não deu razão alguma à Autora. 27. O conteúdo desse documento foi de imediato impugnado, bem como impugnada foi a sua assinatura que não corresponde totalmente à assinatura da pessoa (ora 2ª Ré, DD) cujo nome foi aposto no requerimento que deu entrada nesse outro processo. 28. Tal requerimento foi logo impugnado pela ora 2ª Ré, DD, nesse processo embargante, e até se alertou o Tribunal de que não sendo da sua autoria, o mesmo só se compreendia para servir de base a aproveitamento indecoroso ou para efeitos de qualquer impugnação dessa sentença aí proferida, ou para ser usado noutro processo. 30. Também logo se alertou que tal requerimento só interessaria à Autora, embargada nesse processo, sendo que a Autora se aproveita do mesmo nos presentes autos, sabendo da alegação da sua falsidade. 31. Depois de tal documento ter sido impugnado, veio a Autora com um manuscrito seu e assinado por si própria responder e até insultar o mandatário da parte contrária realçando que era “verdade” o teor de tal documento, repetindo-o na íntegra e acusando o mandatário com alegações falsas e com palavras inadmissíveis para um processo judicial. 32. A Autora tem conhecimento de todos estes factos aqui relatados sob os pontos 26, 27, 28, 30 e 31. 33. Tal documento também não teve sequer cabimento naquele outro processo, sendo que depois de ter sido proferida sentença, a ora 2ª Ré, DD, embargante nesse processo com ganho de causa, logo a seguir à sua apresentação negou o conhecimento e a autoria do mesmo. 34. É notório o uso abusivo do apoio judiciário, por parte da ora Autora, a qual litiga contra os Réus de modo e frequência crónicos. 43. A Autora, com mais uma ação judicial, faltou à verdade em virtude de conhecer tudo o que se verificou realmente e até interveio em tudo. 50. A Autora provoca com mais este processo danos materiais e morais aos Réus, contestantes e não contestantes. * Do Requerimento sob a Refª ...87 A 1ª Ré BB, enquanto cabeça-de-casal no processo de inventário que originou os presentes autos, enviou à Autora uma carta em resposta a outra carta que lhe fora remetida pela Autora na mesma altura; naquela carta, enviada pela 1ª Ré, foram descritas tentativas de entrega à ora Autora do fio em causa, bem como a recusa da própria Autora de receber o mesmo em qualquer uma dessas tentativas. * Do Requerimento sob a Refª ...85 3º- Com os documentos juntos a Autora pretende deturpar a verdade dos factos, além de que não ignora que os mesmos não se referem ao objeto dos presentes autos. 4º- A Autora deturpa a verdade dos factos, nomeadamente quanto ao objeto em discussão nos presentes autos. * Por sua vez, a 1ª Instância julgou não provado o seguinte (procedemos à renumeração):1- O dito fio de ouro continuou a não ser entregue à Autora, sob o pretexto ou a justificação, alegada pelos Réus (para a não entrega), de que tinha sido doado pelos inventariados à 2ª Ré. 2- O fio de ouro em causa incluía um medalhão também em ouro. 3- Os Réus quiseram entregar à Autora um outro fio de dimensões e peso muitíssimo inferiores, enquanto iam alimentando a ideia da já mencionada doação à 2ª Ré. 4- A factualidade relacionada com a não entrega do cordão nunca chegou a ser discutida em Tribunal. 5- As assinaturas da 2ª Ré constantes quer do aludido papel, quer da procuração que subscreveu a favor do seu Ilustre Mandatário, em tudo são idênticas. 6- O fio de ouro em causa é uma peça com um medalhão, tudo em ouro maciço. 7- Um fio com as expostas características tem um valor comercial nunca inferior a 24.000 euros. 8- Esse fio constitui bem da herança do pai da Autora. 9- A Autora sofreu desgosto pela não entrega desse fio e suportou desgaste para judicialmente reaver o bem que lhe foi adjudicado. 10- A Autora litiga com plena consciência da veracidade, da legitimidade e da licitude da sua pretensão. Ao longo de muitos anos tem-se visto ludibriada por sucessivas questões processuais que vêm impedindo seja conhecido o mérito da referida sua pretensão. Nada há de censurável neste seu procedimento judicial. Do Requerimento sob a Refª ...13 11- Os Réus contestantes, ao juntarem o documento (carta) e ao atribuírem-lhe valor probatório de recusa, por parte da Autora, de entrega do fio de ouro peticionados nos presentes autos, manifestam malévolas intenções de deturpar a verdade dos factos que constituem objeto da presente ação. * IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICAA- Da (in)tempestividade da interposição do recurso. A sentença sob sindicância foi proferida em 03/06/2023 e foi notificada aos mandatários das partes via Citius, em 05/06/2023, tendo a apelante interposto recurso dessa sentença por requerimento entrado em juízo em 04/09/2023 – cfr. processo eletrónico. Os apelados DD e EE suscitam a questão prévia da intempestividade do recurso interposto pela apelante alegando que tendo esta restringido o objeto do recurso à sua condenação como litigante de má fé, “tratando-se pois de recurso sobre matéria de direito, o prazo de 30 dias” para aquela interpor o presente recurso “terminou em 10 de julho de 2023, já contados os três dias da presunção da notificação eletrónica via Citius mais três dias de multa”, pelo que o presente recurso é extemporâneo, impondo-se a sua imediata rejeição. Vejamos se assiste razão aos recorrentes. Lidas as alegações de recurso é incontroverso que a apelante restringiu o objeto do presente recurso à condenação daquela como litigante de má fé, o que, todavia, não significa que a mesma tenha restringido o objeto desse recurso a uma mera questão de direito. Nos termos do disposto no n.º 3, do art. 542º do CPC, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé, estando-se aqui perante uma clara exceção ao princípio regra fixado no art. 541º do mesmo Código segundo o qual, salvo as exceções previstas nos seus n.ºs 2 e 3, o recurso ordinário está dependente da verificação de dois pressupostos legais cumulativos, a saber: a) o valor da causa, que tem de ser superior à alçada do tribunal de que se recorre; e o b) da sucumbência, por via do qual a decisão impugnada tem de ser desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal. Essa exceção ao princípio regra radica na dignidade da pessoa humana proclamado pelo art. 1º da Constituição da República Portuguesa como princípio angular do ordenamento jurídico nacional, tendo presente que a condenação como litigante de má fé, para além das implicações económicas para a parte que dela seja objeto, tem uma significado fortemente estigmatizante na medida em que tem subjacente que o condenado como litigante de má fé, com dolo ou negligência grosseira, violou o dever de boa fé processual que lhe é imposto pelo art. 8º do CPC, ao fazer uma utilização abusiva e maliciosa do processo e/ou dos meios processuais que são colocados pelo ordenamento jurídico processual ao seu dispor para exercer os seus direitos e legítimos interesses e, nessa medida, a condenação injusta da parte como litigante de má fé fere necessariamente a sua dignidade enquanto pessoa humana, compreendendo-se, por isso, que pelas consequências gravosas imanentes a semelhante condenação seja sempre admissível recurso da decisão condenatória como litigante de má fé. Note-se, porém, que conforme decorre do n.º 1 do referido art. 542º, o recurso da decisão condenatória como litigante de má fé apenas é admissível em um grau, o que significa, por um lado, que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, a parte condenada como litigante de má fé pode sempre interpor recurso dessa decisão que a condenou como litigante de má fé para o tribunal da Relação, e caso seja o tribunal da Relação a condenar, pela primeira vez, uma ou ambas as partes como litigantes de má fé, essa decisão condenatória admite sempre recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, mas, por outro lado, sendo interposto recurso para a Relação da decisão da 1ª Instância de condenação como litigante de má fé, o acórdão da Relação que venha a recair sobre esse recurso, ainda que o valor da ação supere a alçada da Relação não pode ser objeto de recurso de revista para o STJ[2]. Acresce precisar que, sendo a decisão de condenação como litigante de má fé uma condenação estritamente processual em que apenas se pune a ilicitude da violação de deveres processuais decorrente do litigante ter abusado do processo ou dos mecanismos processuais que a lei coloca ao seu dispor com determinada finalidade, desviando-os dessas finalidades para a prossecução de interesses diversos daqueles que lhes estão imanentes, violando com essa sua conduta processual deveres de lealdade, colaboração e probidade para com a parte contrária e o tribunal, quando a condenação como litigante de má fé estiver contida numa decisão proferida em 1ª Instância, que tenha posto termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente (cfr. al. a), o n.º 1, do art. 644º do CPC), nomeadamente, como acontece no caso sobre que versam os autos, numa sentença, ou em despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos (cfr. al. b), do n.º 1, do mesmo art. 644º), porque destas decisões cabe recurso de apelação e a condenação como litigante de má fé está nelas integrada, o prazo de interposição de recurso da decisão condenatória como litigante de má fé não é o de quinze dias previsto para as decisões interlocutórias nos arts. 644º, n.º 2, al. e) e 638º, n.º 1, parte final, do CPC, mas sim o de 30 dias, previsto na primeira parte do n.º 1 do referido art. 638º. É que, nesses casos, a decisão condenatória como litigante de má fé não configura nem se integra numa decisão interlocutória, mas antes numa das decisões previstas no n.º 1 do art. 644º, das quais cabe recurso de apelação[3]. No caso dos autos, a condenação da apelante como litigante de má fé integra-se na sentença proferida no âmbito dos presentes autos, pelo que o prazo para a interposição de recurso da decisão que a condena como litigante de má fé é de trinta dias, o que é, de resto, aceite pelos apelados. A esse prazo de 30 dias acresce, nos termos do n.º 7, do art. 638º do CPC, o prazo de dez dias sempre que “o recurso tiver por objeto a reapreciação de prova gravada”. Note-se que o único requisito para a aplicação deste prazo adicional de dez dias é que o recurso tenha por objeto a impugnação da decisão da matéria de facto tendo por base depoimentos gravados, independentemente de o recorrente ter cumprido (ou não) com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC. Com efeito, o alargamento do prazo de recurso nessa específica situação tem subjacente que, tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto em que essa impugnação assenta em prova gravada, o recorrente enfrenta dificuldades acrescidas em cumprir com o ónus de apresentação de alegação, uma vez que para que cumpra com esse ónus tem de ter acesso, desde logo, ao conteúdo da gravação, o que naturalmente implica um maior dispêndio de tempo. Ou seja, o aproveitamento da extensão do prazo de recurso de dez dias não depende do mérito da impugnação da decisão da matéria de facto com base em prova que tenha sido gravada, mas basta-se com o facto de o recorrente demonstrar nas alegações de recurso a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, procedendo nas alegações de recurso a essa impugnação com base na prova pessoal que tenha sido produzida e que se encontre gravada, independentemente de cumprir (ou não) com os ónus formais previsto nos art. 640º para que seja consentido ao tribunal da Relação entrar na apreciação dessa impugnação do julgamento da matéria de facto que opera. Dito por outras palavras, para que o recorrente beneficie do prazo adicional de dez dias para a interposição do recurso é suficiente que “a peça que define o objeto do recurso, contenha alguma impugnação da decisão proferida acerca da matéria de facto a partir da reponderação de meios de prova que, tendo sido prestados oralmente, tenham ficado registados, independentemente do juízo que ulteriormente seja feito acerca do cumprimento do ónus de indicação das passagens da gravação ou de qualquer outro requisito previsto no art. 640º. A apreciação do modo como foram preenchidos os ónus de alegação contidos neste preceito poderão naturalmente condicionar o conhecimento de tal impugnação, mas não colocam em crise a tempestividade do recurso de apelação que, naquelas condições, tenha sido apresentado dentro do prazo alargado”[4]. Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, conforme antedito, a sentença recorrida que condenou a apelante como litigante de má fé foi proferida em 03/06/2023 e foi notificada ao mandatário daquela via Citius, em 05/06/2023 (vide processo eletrónico), pelo que, nos termos do disposto nos arts. 247º, n.º 1 e 248º do CPC, presume-se que a apelante foi notificada da sentença recorrida em 09/06/2023 (08/06 foi feriado). Compulsadas as alegações de recurso apresentadas pela recorrente verifica-se que esta, na motivação, começou por transcrever um excerto das declarações de parte que prestou em audiência final e concluiu que: “Das transcrições imediatamente supra decorre uma conclusão perentória: a recorrente pretendia o reconhecimento da sua propriedade de um fio de ouro do seu pai e, consequentemente, a sua entrega” e estava “convicta de ter licitado e comprado aquele objeto: um fio do seu pai”. Aduz que o “cerne da questão” a decidir no âmbito dos presentes autos “prende-se com as características objetivas e físicas desse fio e, bem assim do que seria realmente do pai da recorrente” (cfr. pontos III, IV, VII e IX da motivação do recurso). Após a apelante transcreveu um outro excerto das declarações de parte que prestou e concluiu que: “incompreensivelmente, o tribunal a quo faz tábua rasa de toda a versão dos factos trazida pela Recorrente, desconsiderando inclusivamente as declarações imediatamente prestadas, sem ordenar qualquer diligência de prova justificativa desse sentido decisório, nomeadamente através do princípio do art. 6º do CPC” (cfr. pontos X e XI da motivação do recurso). No ponto XII da mesma motivação do recurso que apresentou, a apelante insurge-se contra o facto da 1ª Instância ter dado como provado que aquela faz um “uso abusivo do apoio judiciário” – cfr. ponto 34º da facticidade julgada provada na sentença sob sindicância -, sustentando que a 1ª Instância “contradiz-se”, na medida em que deu “parcialmente provimento aos pedidos feitos pela autora”, pelo que, na sua perspetiva, aquele facto julgado provado se revela “incompreensível e contraditório” com a dita decisão em que julgou parcialmente procedente a presente ação. Sendo as conclusões de recurso que, por via do disposto no n.º 4 do art. 635º do CPC, delimitam o âmbito de cognição do tribunal ad quem[5], nelas a apelante escreveu o seguinte: “3.º- Das transcrições feitas no anterior capítulo de alegações decorre uma conclusão perentória e pacífica: a Recorrente pretendia o reconhecimento da sua propriedade de um fio de ouro do seu pai e, consequentemente, a sua entrega. 6.º - Das transcrições presentes no capítulo anterior, resulta também pacificamente que a Recorrente estaria convicta de ter licitado aquele objeto: um fio do seu pai. 7.º - Quanto ao fio de ouro, é pacífico para o tribunal a quo que este é propriedade da Recorrente. 8.º - O cerne da questão prende-se com as características objetivas e físicas desse fio, bem assim de que seria realmente do pai da Recorrente. 9.º- O tribunal a quo faz “tábua rasa” de toda a versão dos factos trazida pela Recorrente, desconsiderando inclusivamente as declarações prestadas por aquela, sem ordenar qualquer diligência de prova justificativa desse sentido decisório, nomeadamente através dos princípios dos artigos 6.º e/ou 411.º, ambos do Código de Processo Civil. 10.º- De forma que não se compreende, o tribunal a quo contradiz-se dando parcial provimento aos pedidos feitos pela autora e, de forma incompreensível e contraditória, condena-a em litigante de má-fé, afirmando que todo este processo foi um “uso abusivo do apoio judiciário, por parte da ora Autora, a qual litiga contra os Réus de modo e frequência crónicos”, cfr. página 15 da sentença. 11.º - Tanto que no último parágrafo da página 25 da sentença em crise, diz o tribunal de primeira instância corrobora e concretiza precisamente essa contradição. 12.º - Atente-se que não ficou provada a inexistência do fio de ouro que a Recorrente reclamava (aquele que era do seu pai), mas sim não ficou provada a sua existência. 13.º - Repare-se que conforme resulta dos autos e está retratado na página 21 da sentença a quo, a Recorrente tinha a convicção de que, no processo de inventário, estaria a licitar o fio de ouro do seu pai e não o da sua mãe, retratado também na fotografia referida naquela página da sentença. 14.º - O que levou o tribunal a quo a concluir que desde sempre só houvera um único fio de ouro. De onde resulta, salvo melhor opinião, que a apelante pretende impugnar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância no sentido de que se julgue provado que instaurou a presente ação reivindicando aquele que fora o fio em ouro de seu pai, sua propriedade, em virtude de o ter licitado no âmbito do processo de inventário que correu termos por óbito de seu pai, onde esse fio lhe foi adjudicado, por sentença homologatória de partilha transitada em julgado, convicta de que esse fio não era aquele que os apelados quiseram entregar-lhe e que esta se recusou a receber, alicerçando essa impugnação do julgamento da matéria de facto em prova gravada, mais concretamente, nos excertos das declarações de parte que prestou em audiência final e que transcreveu, assim se compreendendo, aliás, a transcrição desses excertos que outra valia não teriam que não fosse a de servirem de fundamento à impugnação do julgamento da matéria de facto que opera. De resto, ao impugnar com os enunciados fundamentos – os excertos das declarações de parte que transcreveu – a pretensa facticidade julgada provada pela 1ª Instância no ponto 34º da sentença sob sindicância (em que se julgou como provado que: “34. É notório o uso abusivo do apoio judiciário, por parte da ora Autora, a qual litiga contra os Réus de modo e frequência crónicos”), é indiscutível que, independentemente de cumprir (ou não) com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC (o que não releva nesta sede), a apelante pretende realmente impugnar o julgamento da matéria de facto com fundamento em prova gravada, a saber: os excertos das declarações de parte que prestou e que transcreve. Por conseguinte, salvo melhor opinião, ao prazo de trinta dias que o n.º 1 do art. 638º do CPC lhe reconhece para que recorra da sentença sob sindicância, onde, além do mais, se condenou aquela como litigante de má fé, acresce, nos termos do n.º 7 desse mesmo preceito, o prazo adicional de dez dias. Daí que, presumindo-se a apelante notificada da sentença sob sindicância em 09/06/2023, o prazo de 30 dias, acrescido do prazo adicional de 10 dias, para a mesma interpor recurso daquela terminou em 05/09/2023. Ora, tendo a apelante interposto recurso da sentença sob sindicância em 04/09/2023 – vide processo eletrónico -, contrariamente ao entendimento sufragada pelos apelados, o recurso interposto pela apelante revela-se tempestivo. Termos em que, sem mais, por desnecessárias, considerações, improcede a questão prévia suscitada pelos apelados. B- Da nulidade da sentença recorrida decorrente de no julgamento da matéria de facto nela realizado ter sido valorada prova proibida. Advoga a apelante que a sentença recorrida é nula por nela ter sido valorada, em sede de julgamento da matéria de facto, prova proibida, mais concretamente, o depoimento prestado pela testemunha JJ, advogado, quando esse depoimento teve por objeto factos de que essa testemunha tomou conhecimento enquanto patrono e sem que tivesse sido obtida prévia dispensa do sigilo profissional a que legalmente se encontra adstrita, mas, antecipe-se desde já, sem arrimo jurídico, confundindo a apelante aquilo que sejam causas determinativas de nulidade da sentença, com erros de julgamento que a possam afetar, mais concretamente, erros de julgamento da matéria de facto. Com efeito, como temos reiteradamente escrito nos acórdãos que vimos relatando, as decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade: a) por se ter errado no julgamento dos factos e/ou do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se terem violado as regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou as que balizam o conteúdo e/ou os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC[6]. As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente enunciadas no n.º 1 do art. 615º do CPC, e conforme decorre das diversas alíneas desse preceito, reportam-se a vícios formais da sentença, acórdão (art. 666º, n.º 1) ou despacho (art. 613º, n.º 3) em si mesmos considerados, decorrentes de na sua elaboração e/ou estruturação o tribunal não ter respeitado as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão neles proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao tribunal conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição, em termos de fundamentos - causa de pedir -, o que se reconduz à nulidade por omissão e excesso de pronúncia, respetivamente, e/ou de pretensão - pedido - o que se traduz na nulidade por condenação ultra petitum), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados, ou seja, reafirma-se, vícios formais ou de conteúdo que afetam essas decisões de per se e/ou os limites à sombra dos quais são proferidas. Neste sentido pondera Abílio Neto que os vícios determinativos de nulidade da decisão judicial “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)”[7]. Diferentes desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com erros em que incorre o tribunal em sede de julgamento da matéria de facto e/ou em sede de julgamento da matéria de direito, decorrentes de, respetivamente, o julgador ter incorrido numa distorção da realidade factual que julgou provada e/ou não provada, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do que realizou (error facti) e/ou ter incorrido em erro na identificação das normas aplicáveis ao caso em análise, na interpretação que fez dessas normas jurídicas e/ou na aplicação que delas fez à facticidade que se quedou como provada e não provada no caso concreto (error juris). Nos erros de julgamento assiste-se assim, ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação, interpretação e/ou aplicação das normas jurídicas aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por já não respeitarem a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença, acórdão ou despacho em si mesmos considerados (vícios formais, de conteúdo) ou aos limites à sombra dos quais são proferidos, não os inquinam de invalidade, mas sim de error in judicando[8]. A nulidade que a apelante imputa à sentença decorra de circunstância do tribunal nela ter alegadamente valorado, em sede de julgamento da matéria de facto, prova proibida, mais especificamente o depoimento da testemunha JJ, que é advogado e que depôs quanto a factos de que terá tomado conhecimento no exercício dessa sua atividade profissional e que, portanto, se encontravam cobertos pelo segredo profissional a que se encontra legalmente adstrito, sem que previamente tivesse sido dispensado desse sigilo profissional, tratando-se, portanto, não de um causa de nulidade prevista no art. 615º, n.º 1, mas antes de vício que se projeta no julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância na sentença sob sindicância. Por conseguinte, a ser certa a alegação da apelante, ou seja, a ter sido valorado em sede de julgamento da matéria de facto o depoimento da identificada testemunha e a encontrar-se os factos sobre que depôs cobertos pelo segredo profissional a que se encontra legalmente vinculada, sem que aquela tivesse sido dispensada desse sigilo, esse vício projetou-se no julgamento da matéria de facto realizado. Acontece que, pese embora atualmente, na sequência da revisão ao CPC operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, o julgamento da matéria de facto se contenha na sentença, os erros de julgamento da matéria de facto não constituem, em regra, causa de nulidade da sentença, uma vez que o julgamento da matéria de facto encontra-se submetido a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição da decisão ou a falta da sua motivação/fundamentação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, em princípio, causa de nulidade da sentença, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pela Relação dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto nos arts. 662º, n.ºs 1 e 2 e 665º, n.º 1 do CPC. De resto, não falta quem advogue que os erros de julgamento da matéria de facto nunca por nunca constituem causa de nulidade da sentença, continuando válida a distinção que na versão anterior à revisão do CPC se impunha operar entre erros de julgamento da matéria de facto e sentença propriamente dita, a qual versava apenas quanto ao julgamento da matéria de direito (mérito)[9]. No entanto, perante as alterações introduzidas ao CPC pela Lei n.º 41/2003, em que a decisão sobre a matéria de facto passou a integrar a própria sentença, na senda da doutrina sufragada por Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, entendemos que se é certo que a deslocação da decisão da matéria de facto e da sua fundamentação/motivação para a própria sentença não afasta a distinção que se impõe operar entre decisão sobre a matéria de facto e decisão sobre a matéria de direito, nem o regime específico do art. 662º, n.ºs 1 e 2 do CPC a que se encontram subordinados os vícios que afetam o julgamento da matéria de facto, não se pode afirmar que esses erros, em caso algum, constituam causa de nulidade da sentença, nos termos do art. 615º, uma vez que os mesmos poderão ser de tal modo graves que acabem por se reconduzir a um dos tipos de nulidade da própria sentença enunciados no n.º 1 do art. 615º do CPC, que levem à invalidação desta, como é o caso de uma sentença em que o juiz omite totalmente a declaração e a discriminação dos factos que julgou provados e/ou omite totalmente a discriminação dos factos que julgou não provados e/ou omite totalmente a motivação/fundamentação do julgamento de facto que realizou[10]. Deste modo, a ter realmente a 1ª Instância valorado em sede de julgamento da matéria de facto o depoimento da testemunha JJ e a ter o depoimento desta recaído sobre factos de que tomou conhecimento no exercício da sua atividade profissional de advogado e, portanto, cobertos pelo segredo profissional a que se encontra legalmente adstrita, sem que tivesse sido dispensada desse segredo, terá o tribunal ad quem, fazendo uso dos poderes de substituição que lhe assistem, nos termos do disposto nos arts. 662º, n.ºs 1 e 2, al. c), a contrario, e 665º, desconsiderando o depoimento da testemunha JJ, responder à facticidade julgada provada e não provada pela 1ª Instância em relação à qual esta valorou indevidamente (por se tratar de prova proibida) esse depoimento, sempre que os meios de prova constantes do processo e a gravação nele realizada permitam, com a necessária segurança, realizar esse julgamento de facto; de contrário, terá de, nos termos da al. c), do n.º 2, do art. 662º do CPC, anular a sentença e determinar a baixa do autos para que a 1ª Instância realize novo julgamento limitado a essa facticidade, sem levar em consideração o depoimento do identificado JJ, seguindo-se após a prolação de nova sentença[11]. Decorre do exposto, improceder a pretensa nulidade que a apelante imputa à sentença recorrida decorrente de nela ter sido alegadamente valorada prova proibida. C- Da impugnação do julgamento da matéria de facto C.1- Do (in)cumprimento dos ónus impugnatórios pela apelante. Conforme antedito, ao transcrever os excertos do depoimento de parte que a própria prestou em audiência final, a apelante pretende impugnar o julgamento da matéria de facto realizado pelo tribunal a quo no sentido de que se julgue provado que a mesma instaurou a presente ação reivindicando aquele que fora o fio em ouro de seu pai e que lhe fora adjudicado no âmbito do processo de inventário que correu termos por óbito deste, por sentença homologatória da partilha aí proferida, transitada em julgado, convicta de que esse fio não era o que os apelados lhe quiseram entregar e que se recusou a receber e, bem assim, a pretensa facticidade que a 1ª Instância julgou provada no ponto 34º da sentença sob sindicância. Acresce que, a apelante assacou à sentença recorrida o vício da nulidade decorrente de nela a 1ª Instância ter alegadamente valorado, em sede de julgamento da matéria de facto, prova proibida, mais concretamente o depoimento prestado pela testemunha JJ, quando esta é advogado e o seu depoimento terá versado sobre factos de que teve conhecimento no exercício da sua atividade profissional de advogado e sem que tivesse previamente sido dispensada do segredo profissional a que se encontra legalmente vinculada, vício esse que, conforme antedito, a verificar-se, não se reconduz a qualquer causa determinativa de nulidade da sentença sob sindicância, posto que não se reconduz a nenhum dos vícios formais ou de conteúdo da sentença, acórdão ou despacho que se encontram taxativamente elencados no n.º 1, do art. 615º, mas antes a uma situação de erro de julgamento da matéria de facto, que terá de ser superado oficiosamente pelo tribunal ad quem, fazendo uso dos seus poderes de substituição ou de cassação nos termos que acima já se deixaram enunciados. Acontece que os apelados alegam que a apelante não cumpriu com nenhum dos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, pugnando no sentido de que se rejeite imediatamente o recurso por ela interposto quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto. Independentemente dessa questão ter sido expressamente suscitada pelos apelados, trata-se de questão que é do conhecimento oficioso, uma vez que, salvo as exceções previstas no n.º 2, do art. 662º, o incumprimento desses ónus impugnatórios impossibilita que o tribunal da Relação possa entrar na sindicância da impugnação do julgamento da matéria de facto operado pela apelante. Acresce dizer que, a verificar-se que a 1ª Instância valorou efetivamente, em sede de julgamento da matéria de facto, prova proibida ao ter valorado o depoimento da testemunha JJ em violação do segredo profissional a que se encontra legalmente adstrita, apesar de se tratar de questão que é do conhecimento oficioso do tribunal ad quem, impondo que este faça atuar os seus poderes de substituição ou de cassação nos termos já acima referidos sempre que constate que para prova ou não prova de determinado(s) facto(s) foi efetivamente valorada pelo tribunal a quo, lida a motivação do julgamento da matéria de facto explanado na sentença sob sindicância, o incumprimento daqueles ónus impugnatórios pelo apelante impede que esta Relação possa fazer uso desses seus poderes oficiosos. Com efeito, compulsada a fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto, verifica-se que a 1ª Instância valorou os seguintes meios de prova: “No que concerne às declarações de parte e depoimento de parte da 1ª ré BB, irmã da Autora, aquela afirmou, com especial relevância, que o fio de ouro que a Autora licitou (e lhe foi adjudicado no processo de inventário) era pertença de sua mãe e esta tê-lo-á doado a sua filha e ora 2ª Ré, DD, frisando, no entanto, que esta sua irmã disse que não queria problemas, nessa parte da herança, com as demais irmãs e herdeiras, e, por isso, aceitou que o fio de ouro fosse incluído nos bens a licitar no inventário. A 1ª Ré acrescentou que a sua irmã DD está na posse do dito fio de ouro, o qual foi mostrado em audiência pela 2ª Ré a BB e esta, de modo perentório, convicto, seguro e espontâneo, afirmou tratar-se do “fio da nossa mãezinha” e que esse fio não é qualquer um dos fios e/ou cordões que aparecem nas diversas fotografias juntas aos presentes autos! Esclareceu também que houve tentativas de entrega do fio à Autora, a qual lhe enviou uma carta para ir ao escritório do advogado. Por outro lado, afirmou, sem qualquer hesitação, que seu pai nunca teve tal fio, o qual pertenceu sempre a sua mãe!!! A propósito da determinação das características do fio, este Tribunal reitera o pelo próprio já expendido em audiência, em sede de despacho, na sessão ocorrida em ...22 (Ata sob a Refª ...86), i.e., este Tribunal, embora desconhecendo todos os contornos que rodearam a tramitação do aludido processo de inventário, manifesta a sua estranheza quanto à não identificação concreta das características do fio em ouro em discussão, uma vez que este objeto foi licitado em sede de Conferência de Interessados, foi-lhe atribuído um valor e foi licitado pelo concreto preço ou valor de € 201,00 (duzentos e um euros), ou seja e em suma, ninguém licita um objeto em ouro cujas caraterísticas desconhece em absoluto. Por outro lado, no que respeita às declarações de parte e depoimento de parte da 2ª ré DD, também irmã da Autora, aquela também afirmou, com especial relevância, que o fio de ouro que a Autora licitou (e lhe foi adjudicado no processo de inventário) era pertença de sua mãe (identificou-o como o “fiinho da minha mãe”). A 2ª Ré acrescentou que ela própria, DD, está na posse do dito fio de ouro, o qual foi mostrado em audiência pela própria 2ª Ré a BB e esta, repete-se, de modo perentório, convicto, seguro e espontâneo, afirmou tratar-se do “fio da nossa mãezinha”. A ora 2ª Ré também declarou que esse fio não é qualquer um dos fios e/ou cordões que aparecem nas diversas fotografias juntas aos presentes autos! Explicou que interveio na licitação do fio no processo de inventário e que fez lanços até € 200,00 porque era esse o valor real do mesmo, face às suas características e qualidade!!! Concretizou que seu pai nunca teve nem usou o fio licitado e em discussão nos presentes autos!!! Confirmou também que houve tentativas de entrega do fio à Autora, mas este recusou tal entrega em todas essas ocasiões!!! Por último e ainda com relevo, declarou que as fotos antigas apresentadas pela Autora, neste processo, não foram apresentadas noutros processos nomeadamente de execução para entrega de coisa certa, instaurados antes dos presentes autos!...??? Tal é revelador ou altamente indiciador de que a alegada existência dum fio de ouro maciço (não constava da reclamação à relação de bens a expressão “maciço”) com o alegado valor de mercado de € 24.000,00 é um facto “novo” ou argumento “encontrado” pela Autora para inflacionar o valor reduzido pelo qual licitou “um fio de ouro” na conferência de interessados do processo de inventário!; 2) A) As testemunhas arroladas pela Autora, LL, marido da Autora, e JJ, advogado nomeado oficiosamente à Autora num processo de execução para entrega de coisa certa que correu termos no Tribunal ..., não conseguiram explicar minimamente a razão de ser da alegação de tão elevado valor (€ 24.000,00) do fio de ouro relacionado e licitado pela própria Autora naquele processo de inventário. O marido da Autora expôs a versão desta de modo a sufragar a tese, inverosímil, de que o fio licitado e adjudicado à mesma Autora teria o valor de € 24.000,00 e seria o fio com que seu filho, nas fotografias apresentadas pela Autora após os articulados, aparece a usar ao pescoço, na cerimónia da sua 1ª comunhão!...??? Por sua vez, o Sr. Advogado, JJ, referiu, com especial relevo, a existência duma tentativa de entrega do fio de ouro à ora Autora, fora das instalações do Tribunal, no decurso da qual foi mostrada à mesma Autora uma fotografia ou imagem do fio, perante a qual a ora Autora afirmou que não era aquele o fio que pretendia!!! Frisou que a fotografia que foi apresentada reproduzia uma pessoa do sexo feminino (admitiu que fosse a mãe da ora Autora) a usar um fio de ouro (pelo menos, tinha cor dourada), mas esclareceu que não foi feita qualquer análise ou exame pericial ao dito fio, sendo certo que as dúvidas suscitadas pela ora Autora estavam relacionadas com os respetivos comprimento e peso! Com especial relevo, esta testemunha declarou que “tentámos várias vezes pesar e medir o fio numa ourivesaria para resolver o assunto, mas não se conseguiu chegar a um acordo, renunciei aos meus poderes e saí”. Esclareceu que a ora Autora insistia sempre na alegação de que “não era aquele o fio” que pretendia!...??? Mais admitiu que as partes afirmavam que se tratava dum “fio usado pela falecida mãe” da ora Autora e de suas irmãs! B) As testemunhas arroladas pelos Réus, MM, cunhado da Autora e de suas irmãs (casado com a irmã II que não é parte nestes autos) e II (casada com a testemunha MM) afirmaram desde logo que o fio de ouro em causa era pertença e usado por sua sogra e mãe, respetivamente, e tinha cerca de 50 (cinquenta) centímetros, confirmaram o respetivo valor de licitação de € 201,00 no processo de inventário, e confirmaram tentativas de entrega do fio à Autora, a qual sempre a recusou por alegadamente o fio apresentado não ser o por si pretendido!!! No que concerne às declarações de parte da Autora, AA, a mesma limitou-se a reproduzir, por palavras próprias, a versão por si apresentada nos seus articulados e requerimentos. Não conseguiu explicar minimamente a razão de ser da alegação de tão elevado valor do fio de ouro (€ 24.000,00) relacionado e licitado pela própria Autora naquele processo de inventário, por um preço ou valor de apenas € 201,00. Em suma, expôs a sua versão de modo a sufragar a tese, inverosímil, de que o fio licitado e adjudicado à mesma Autora teria o valor de € 24.000,00 e seria o fio com que seu filho, nas fotografias apresentadas pela Autora após os articulados, aparece a usar ao pescoço, na cerimónia da sua 1ª comunhão!...??? Embora inicialmente com alguma hesitação, acabou por confirmar a existência de tentativas de entrega do fio de ouro à ora Autora, a qual acabou sempre por a recusar, porque entendia que aquele não era o fio que pretendia!!! * Resumindo e concluindo, as declarações de parte das Rés e as declarações da testemunha arrolada pela Autora, JJ, e das testemunhas arroladas pelos Réus, permitiram a este Tribunal, tomando em consideração a credibilidade, a verosimilhança, a espontaneidade, a segurança, o rigor e a adequação à realidade material e factual e às regras da experiência, da lógica e do normal acontecer, que caracterizaram as declarações de parte das Rés e as declarações das testemunhas ora aludidas e nos termos acima expendidos, devidamente conjugadas com o teor dos meios de prova documentais juntos aos presentes autos, com especial ênfase para os também já supra aludidos, concluir pela veracidade, fora de quaisquer dúvidas razoáveis, da versão dos Réus e pela não veracidade da versão da Autora, e, consequentemente, considerar provados os factos relevantes para a decisão da causa e acima elencados, e considerar não provados os que sustentavam a versão e os pedidos da Autora. * 4) Reitera-se, assim, que mais se apoiou, este Tribunal, para dar como provados, e não provados, os factos acima vertidos, no teor dos meios de prova documentais juntos aos presentes autos, com especial ênfase para os também já supra aludidos e nos termos aí expendidos, nomeada e concretamente no teor dos documentos juntos com os respetivos articulados e requerimentos das partes. Tais documentos foram sujeitos à estrita observância do princípio do contraditório (artigo 3º/3 do Código de Processo Civil) e, consequentemente, a diferentes interpretações no que concerne aos respetivos conteúdos e às consequências jurídicas que dos mesmos podem ser retiradas e que este Tribunal terá de apreciar em sede de decisão e que desde já apreciou para elencar a matéria de facto supra dada como provada e não provada”. Ora, embora da leitura da fundamentação que se acaba de transcrever decorra que nela o tribunal a quo é expresso em afirmar ter valorado o depoimento da testemunha JJ em sede de julgamento de facto que realizou, não concretiza qual(ais) o(s) concreto(s) ponto(s) da facticidade que julgou provada e não provada em que procedeu a essa valoração, o que tudo impede que o tribunal ad quem possa fazer atuar oficiosamente os seus poderes de substituição ou de cassação desse julgamento da matéria de facto, sem que a apelante tenha dado cumprimento aos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto, posto que, desconhecendo-se em que medida aquele depoimento foi valorado pela 1ª Instância para que tivesse julgado provada determinada facticidade ou não provada outra, o exercício desses poderes oficiosos reclamava que esta Relação tivesse de proceder à audição de toda a prova pessoal produzida em audiência final e procedesse à análise e valoração de toda a restante prova que foi produzida nos autos, como se tratasse de um novo julgamento, em clara violação dos princípios de autorresponsabilização, da cooperação, da lealdade e da boa fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório, o que não lhe é legalmente consentido. Daí que se imponha enunciar quais são os concretos ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto que impendem sobre a apelante, verificar se esta cumpriu (ou não) com esses ónus impugnatórios e quais as consequências que decorrem de um eventual incumprimento dos mesmos. Assim procedendo, urge precisar que, sequência das revisões operadas ao CPC pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02, e 329-A/95, de 12/12, o legislador introduziu o registo da audiência final, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de julgamento da matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da Relação. Com a introdução desse novo regime foi propósito do legislador que o Tribunal da Relação realizasse um novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada pelo recorrente submetida ao princípio da livre apreciação da prova, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição[12], devendo, nessa operação, proceder à efetiva reapreciação da prova produzida, considerando os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como faz o juiz da primeira instância, embora, nessa tarefa, esteja naturalmente limitado pelos princípios da imediação e da oralidade. Nesse novo julgamento, como verdadeiro tribunal de substituição que é, a Relação aprecia livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeite a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil) e que, por isso, estejam submetidos a prova tarifada, que não deixa qualquer margem de subjetivismo ao julgador quanto ao sentido da decisão a proferir em relação a esses factos. Quanto a factos controvertidos submetidos ao princípio da livre apreciação da prova, cujo julgamento de facto venha impugnado pelo recorrente, que é o princípio regra vigente no âmbito do processo civil pátrio, a Relação está, assim, obrigada a realizar um novo julgamento, em que não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido, uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que esta fez dessa mesma prova, podendo, na formação dessa sua convicção autónoma recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da 1ª instância[13]. Acontece que não tendo sido propósito do legislador que o julgamento da matéria de facto a realizar pela Relação se transformasse na repetição do antes efetuado pela 1ª Instância, uma vez que conforme se escreve no Preâmbulo do D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência”, mas apenas “detetar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento”, e com vista a evitar a interposição de recursos de pendor genérico, aquele rodeou a impugnação do julgamento da matéria de facto de uma série de ónus que terão de ser cumpridos pelo recorrente, sob pena de se impor a rejeição do recurso quanto ao julgamento da matéria de facto, estando vedado ao tribunal ad quem entrar no conhecimento do julgamento da matéria de facto impugnada pelo recorrente. É assim que o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª Instância, a Relação deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto[14], estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação, sem prejuízo do disposto no n.º 2, do art. 662º do CPC. Depois, tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões quanto ao julgamento da matéria de facto que realizou, também ao recorrente é imposto, como correlativo dos princípios autorresponsabilidade, da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais e do contraditório, a obrigação de fundamentar o recurso, demonstrando, isto é, justificando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo ao decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando, perante a prova produzida, se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus indicar não só a matéria de facto que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, se impunha tivesse sido tomada pelo julgador quanto a essa concreta facticidade, bem como os concretos meios de prova que ancoram esse julgamento diverso que postula, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova por si indicada impor decisão diversa da que foi julgada provada e não provada pelo tribunal a quo. Dito por outras palavras, “nos termos do n.º 1, da al. b), recai sobre o apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente”[15]. Com efeito, “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objeto do recurso”, conforme o determina o princípio do dispositivo[16], e como decorrência deste, mas também do contraditório, terá de indicar qual a concreta decisão fáctica que se impõe extrair da prova produzida em relação à matéria de facto que impugna, as concretas provas que alicerçam o julgamento diverso que propugna e as concretas razões pelas quais essa prova em que funda a impugnação afasta os fundamentos probatórios invocados pelo tribunal a quo para motivar o julgamento de facto que realizou, mas antes impõe o julgamento de facto que propugna. Deste modo é que se compreende que, no art. 640º, n.º 1 do CPC, se estabeleça que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2, do art. 640º). Note-se que, cumprindo a exigência de conclusões nas alegações de recurso a missão essencial de delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem (cfr. n.º 4 do art. 635º), é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que impugna. E era, até à prolação do acórdão uniformizador de jurisprudência infra identificado, entendimento de uma parte da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que, nas conclusões, o recorrente tinha também de indicar a concreta resposta que, na sua perspetiva, devia ser dada à matéria de facto que impugna[17]. Já quanto aos demais ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto, estes, porque não têm uma função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações. Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes[18], sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; (…); e) o recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente. O cumprimento dos referidos ónus, conforme adverte o mesmo autor, tem a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão; e, finalmente, o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar, em sede de contra-alegações, a sua defesa. A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos já enunciados princípios de autorresponsabilização, da cooperação, da lealdade e da boa fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório. Como consequência, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (arts. 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, al. b) do CPC); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC); c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação”[19]. Esta tem sido a posição seguida, de forma praticamente uniforme, pela jurisprudência do STJ que, como referido, de acordo com uma corrente minoritária, sustentava que a decisão que, na perspetiva do recorrente, deve ser proferida quanto à concreta matéria de facto impugnada, devia igualmente constar das conclusões, enquanto a maioria sustentava que essa resposta tinha (e tem) de constar da motivação de recurso[20]. Acontece que o identificado diferendo jurisprudencial verificado ao nível do STJ sobre se a resposta que, na perspetiva do recorrente, deve ser dada à matéria de facto que impugna tem de constar das conclusões ou se basta que conste da motivação do recurso, foi solucionado pelo recentíssimo acórdão proferido em 17/10/2023, no âmbito do Proc. n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 (AUJ n.º 12/2023, publicado no Diário da República, 1ª Série, n.º 220, de 14 de novembro de 2023 e objeto de Declaração de retificação n.º 25/2023, publicado no Diário da república, 1ª série, n.º 230, de 28 de novembro de 2023), em que aquela instância superior uniformizou a seguinte jurisprudência: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”. Acresce precisar que a jurisprudência do STJ tem operado a distinção entre: a) ónus impugnatórios primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, onde os requisitos impostos ao recorrente se encontram ligados ao mérito ou demérito do recurso; e b) ónus impugnatórios secundários, que se prendem com os requisitos formais. Quanto aos requisitos primários ou fundamentais de delimitação do objeto do recurso, onde se inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que, por isso, impugna e, bem assim, de indicar, na motivação do recurso, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, bem como a de indicar, na motivação do recurso, os concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados que, na sua perspetiva, sustentam esse julgamento diverso da matéria de facto que impugna, requisitos esses sobre que versa o n.º 1 do art. 640º do CPC, a jurisprudência, sem prejuízo do que infra se dirá, tem considerado que o mencionado critério de rigor se aplica de forma estrita, não admitindo quaisquer entorses, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de qualquer um desses ónus se impõe rejeitar o recurso da matéria de facto na parte em relação à qual se verifique a omissão, sem que seja admitido despacho de convite ao aperfeiçoamento. Já no que respeita aos ónus da impugnação secundários, que são os que se encontram enunciados no n.º 2 do art. 640º, em que se consagra a obrigação do recorrente, quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação de provas que tenham sido gravadas, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, considera-se que, embora a observância desse ónus deva ser apreciado à luz do enunciado critério de rigor, não convém exponenciar esse critério ao ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador”[21]. Argumenta-se que se está perante mero requisito de forma, destinado a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, pelo que o cumprimento desse ónus tem de ser “interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não se justificando a imediata e liminar rejeição do recurso quando, apesar da indicação do recorrente não for totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento”[22]. Acresce precisar que mesmo em relação aos ónus de impugnação primários tem-se assistido ao nível da jurisprudência do STJ a um aliviar do enunciado critério de rigor, admitindo a apreciação do recurso ainda que as conclusões sejam omissas quanto à referência expressa dos concretos pontos da matéria de facto que o apelante impugna, desde que os factos impugnados resultem claramente identificados nas antecedentes alegações[23]. Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, analisadas as alegações de recurso apresentadas pela apelante, verifica-se que, com exceção da pretensa facticidade julgada provada no ponto 34º da sentença recorrida, a apelante não cumpriu com nenhum dos ónus impugnatórios, posto que não indica, nas conclusões (nem na antecedente motivação do recurso) os concretos pontos da matéria de facto julgada provada e não provada pela 1ª Instância que pretende impugnar, qual a concreta resposta que, na sua perspetiva, deveria recair sobre essa facticidade que pretende impugnar (mas que se desconhece qual seja) e quais os concretos meios de prova em que funda a impugnação de cada um desses pontos que visa impugnar, incumprindo totalmente os ónus impugnatórios primários previstos no n.º 1, do art. 640º do CPC. Mais uma vez, reafirma-se, a circunstância da apelante não ter cumprido com esses ónus impugnatórios e o modo como o tribunal a quo motivou o julgamento da matéria de facto, sem que tivesse concretizado em que medida valorou o depoimento da testemunha JJ, que alegadamente depôs quanto a factos de que teve conhecimento no exercício da sua atividade profissional de advogado e sem que tivesse sido dispensada do sigilo profissional a que legalmente se encontra adstrita, impede que o tribunal ad quem possa fazer atuar oficiosamente os poderes de substituição ou de cassação do julgamento de facto que lhe assistem, sob pena de ter de realizar um novo julgamento, em infração dos princípios de autorresponsabilização, da cooperação, da lealdade e da boa fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório que assiste aos apelados, o que não lhe é legalmente consentido. Deste modo, em face do que se vem dizendo, sem prejuízo do que de seguida se dirá, nos termos do disposto no art. 640º, n.º 1 do CPC rejeita-se o recurso da apelante quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância. C.2- Do caráter conclusivo da facticidade julgada provada – conhecimento oficioso. A 1ª Instância julgou provado o seguinte: “13. A responsabilidade da entrega desse fio de ouro à Autora cabe, em primeira linha, à cabeça-de-casal da herança (a 1ª Ré) e, em segunda linha, à pessoa que tem na sua posse tal fio de ouro, ou seja, a 2ª Ré. 34. É notório o uso abusivo do apoio judiciário, por parte da ora Autora, a qual litiga contra os Réus de modo e frequência crónicos. 50. A Autora provoca com mais este processo danos materiais e morais aos Réus, contestantes e não contestantes”. Acontece que a pretensa facticidade assim julgada provada não integra qualquer materialidade fáctica, mas apenas meros juízos conclusivos e de direito. Com efeito, saber sobre quem impende a responsabilidade de entrega do fio em ouro à Autora é uma questão jurídica, que está dependente da facticidade julgada provada e sua subsunção jurídica às normas legais que lhe sejam aplicáveis. Também saber se a apelante faz ou não um “uso abusivo do apoio judiciário” no âmbito da presente ação depende da facticidade concreta que nela se tenha apurado, tratando-se de ilação a extrair a partir dessa facticidade em sede de subsunção jurídica dessa facticidade, o mesmo se dizendo quanto ao segmento em que se julgou como provado que a apelante “litiga contra os Réus de modo e frequência crónicos”, o que depende naturalmente do apuramento do número de processos intentados pela apelante contra os Réus, do apuramento do objeto discutido em cada um desses processos e, bem assim, do respetivo resultado – decisão neles proferidas, transitadas em julgado -, posto que só assim se poderá determinar se a apelante vem demandando (ou não) judicialmente os Réus de forma reiterada e, fazendo-o, se essas ações são ou não juridicamente infundadas. Acresce que as expressões “danos materiais e morais” são conceitos jurídicos, reclamando que se julgue como provados os concretos prejuízos (patrimoniais e não patrimoniais) que cada um dos Réus sofreu em consequência da instauração da presente ação pela Autora, para que depois, em sede de direito, se proceda à sua qualificação jurídica como “danos patrimoniais” ou “não patrimoniais”, e quanto a estes últimos apurar se a respetiva gravidade assume (ou não) foros tais que mereçam a tutela do direito, demandando (ou não) a respetiva compensação (art. 496º, n.º 1 do CC). Ora, já Alberto dos Reis expendia que “é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior”[24], e já defendia que a atividade do juiz se circunscreve ao apuramento dos factos materiais, devendo evitar que no questionário entrem noções, fórmulas, categorias ou conceitos jurídicos, inserindo apenas, nos quesitos e na matéria de facto assente, factos materiais e concretos”[25]. Na linha de que ao elenco dos factos apurados e não apurados na sentença o juiz apenas deve levar factos materiais, aqui se incluindo as ocorrências concretas da vida real e o estado, a qualidade ou situação real das pessoas e das coisas; neles se compreendendo não só os acontecimentos do mundo exterior diretamente captáveis pelas perceções (pelos sentidos) do homem, mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo[26], se tem pronunciado a jurisprudência maioritária nacional, inclusivamente, após a entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26/06, que reviu o CPC, na sequência do que a sentença passou a incluir o julgamento da matéria de facto e da matéria de direito e que não contém um dispositivo legal equivalente ao disposto no anterior art. 646º, n.º 4 do CPC. Na verdade, tem-se continuado maioritariamente a considerar como não escritas as respostas do julgador sobre matéria qualificada como de direito e a equiparar às conclusões de direito, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados, sem prejuízo de se dever equiparar a factos as expressões verbais, com um sentido técnico-jurídico determinado, que são utilizadas comummente pelas pessoas, sem qualquer preparação jurídica, na sua linguagem do dia a dia, falada ou escrita, com um sentido idêntico, contanto que tais expressões não integrem o próprio objeto do processo, ou seja, que não invadam o domínio de uma questão de direito essencial, traduzindo uma resposta antecipada à questão de direito decidenda[27]. Destarte, perante o caráter conclusivo e de direito da pretensa facticidade julgada provada pela 1ª Instância nos pontos 13º, 34º e 50º na sentença recorrida, que não se compadece com a possibilidade dessas conclusões serem levadas ao elenco dos factos julgados provados (nem ao elenco dos factos julgados não provados) na sentença, ordena-se a eliminação do elenco dos factos provados na sentença da totalidade do teor dos identificados pontos 13º, 34ºe 50º. D- Mérito. D.1- Da condenação da apelante como litigante de má fé. A 1ª Instância condenou a apelante como litigante de má fé, decisão essa com a qual a mesma não se conforma, imputando-lhe erro de direito, advogando não se encontrarem preenchidos os requisitos fácticos e jurídicos que permitam essa sua condenação, pelo que urge verificar se lhe assiste razão. O art. 20º da Constituição da República Portuguesa (CRP) assegura a todos os cidadãos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, dele resultando o direito de ação judicial. Acontece que o direito de ação, como qualquer outro direito subjetivo, não tem natureza absoluta, mas antes acarreta para o respetivo titular um conjunto de deveres de conduta, entre os quais se destacam o dever de boa fé processual e o princípio da cooperação. Com efeito, destinando-se o processo civil à realização efetiva do direito material ou substantivo, facilmente se compreende que o direito da ação e o uso dos meios processuais que a lei adjetiva coloca à disposição das partes se encontrem funcionalizados e instrumentalizados à realização do direito material, isto é, à obtenção, com brevidade e eficácia, de uma decisão materialmente justa, em que os princípios da boa fé e da cooperação processuais delimitam positiva e negativamente a atividade processual a que os beligerantes se encontram legalmente vinculados, que lhes impõe deveres de atuação e de abstenção (obrigações de non facere) com vista a que se atinja aquele desiderato e que os impede de funcionalizarem o direito de ação e de utilizarem os meios processuais que a ordem jurídica coloca ao seu dispor para a prossecução de interesses ardilosos, contrários aos fins para os quais foram concebidos pelo legislador e que obstem a que as finalidades do processo sejam alcançadas em prazo razoável. O princípio da cooperação encontra-se consagrado no art. 7º do CPC e impõe às partes, magistrados e mandatários judiciais que tanto na condução como na intervenção do processo cooperam entre si, de modo a concorrerem para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. Ao assim estatuir o legislador introduziu no ordenamento adjetivo civil nacional uma nova cultura judiciária tendo em vista transformar o processo civil numa “comunidade de trabalho e a responsabilizar as partes e o tribunal pelos seus resultados”[28]. Essa nova cultura judiciária tem em vista potenciar “o diálogo franco entre todos os sujeitos processuais, com vista a alcançar a solução mais ajustada aos casos concretos submetidos à apreciação jurisdicional, sem perder de vista que a natureza publicista do processo implica que a sua direção pertence ao juiz, sem prejuízo de leal colaboração entre todos os sujeitos da relação”[29]. Sendo o processo civil nacional essencialmente um processo cooperativo no qual todos os intervenientes devem funcionar como comunidade de trabalho, em prol da descoberta da verdade material e da justa composição do litígio, o dever de cooperação impõe, por isso, às partes e seus mandatários a obrigação de encararem o processo como um simples instrumento necessário à busca da solução justa, de modo mais célere e eficiente possível, tornando ilegítima a formulação de pretensões e argumentos inconsistentes, a dedução de incidentes ou oposição sem fundamento razoável ou iniciativas tomadas com o mero objetivo de dilatar a conclusão do processo[30]. O princípio da cooperação é reflexo ou expressão do princípio da boa fé processual, princípio esse que se encontra consagrado no art. 8º do CPC, o qual, por sua vez, é uma das vertentes em que se desdobra o princípio geral da boa fé. Com efeito, sendo a boa fé uma norma geral a que as partes se encontram vinculadas no cumprimento das obrigações, assim como no exercício do direito correspondente (art. 762º, n.º 2 do CC) e que é extensiva a todos os outros domínios em que exista uma relação de vinculação entre duas ou mais pessoas, obrigando-as à consideração razoável e equilibrada dos interesses dos outros, à honestidade e à lealdade nos comportamentos que adotem, naturalmente que essa norma de conduta tem de incidir também sobre a relação jurídico-processual, onde estabelece as balizas de atuação de todos os que participem nessa relação processual, impondo-lhes uma conduta processual proba e leal. Neste sentido lê-se no identificado art. 8º do CPC, que: “As partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultante do preceituado no artigo anterior”. A boa fé consubstancia uma “norma cogente, de ordem pública no sentido de que atua independentemente da vontade dos interessados e mesmo contra a vontade destes, que não podem impedir a sua aplicação (…) e que atua como norma delimitadora do exercício doutros princípios processuais como o do contraditório e o da igualdade das partes”[31]. Cumpre, porém, realçar que a boa fé em sentido jurídico se assume em duas aceções: um sentido subjetivo ou psicológico, que se reporta à intenção do sujeito, traduzindo-se num estado ou situação de espírito que envolve o convencimento ou consciência de se ter um comportamento em conformidade com o direito, ou num sentido objetivo, entendido como regra de conduta. Ora, a violação do dever de cooperação a que se encontram legalmente adstritas as partes, quando essa infração decorra de uma quebra da boa fé processual tanto em sentido objetivo (ético) como em sentido subjetivo (psicológico) é suscetível de as fazer incorrer em litigância de má fé, posto que, conforme expende Teixeira de Sousa, “o dever de cooperação assenta, quanto às partes, no dever de litigância de boa fé. A infração do dever de honeste procedere pode resultar de uma má fé subjetiva, se ela é aferida pelo conhecimento ou não ignorância da parte, ou objetiva, se resulta da violação dos padrões de comportamento exigíveis”[32]. Neste sentido, lê-se no art. 542º, n.º 2 do CPC, que: “Diz-se litigante de má fé quem, como dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o transito em julgado da decisão”. Na verdade, se atentarmos ao teor literal das diversas alíneas do preceito que se acaba de transcrever verifica-se que traduzem verdadeiras concretizações processuais do princípio da boa fé processual, elencando as condutas que as partes se devem abster de praticar de modo a não prejudicarem o decurso da relação jurídica processual, que deve ser pautada por um espírito de cooperação intersubjetiva e consentâneo com o dever de verdade, tendo em vista a justa composição do litígio, em que na al. a) se impõe às partes um dever de cuidado aquando da propositura da ação ou da dedução da oposição para que não coloquem em funcionamento a máquina judiciária nos casos em que a falta de fundamento das suas pretensões podia por elas ser conhecida em termos apriorísticos caso tivessem agido com o grau de diligência que lhes era exigível; em que na al. b) se procede à concretização do dever de verdade a que as partes se encontram adstritas nas suas alegações fácticas, impondo-lhes que se abstenham de emitir falsas declarações ou de omitirem factos relevantes para a decisão da causa; e em que nas als. c) e d) se obriga as partes ao dever de cooperação intersubjetiva, impedindo-as ao longo de todo o processo de quaisquer condutas processuais, ativas ou passivas, que desviem o processo do interesse e da função a que se encontra destinado pelo legislador, que é a justa resolução do litígio em tempo útil. Destarte, sempre que as partes adotem uma das condutas que se encontram tipificadas numa das alíneas do n.º 2, do art. 542º do CPC, as mesmas incorrem num ilícito-processual, na medida em que abusam do direito de ação ou fazem uma utilização dos meios processuais que a lei adjetiva coloca ao seu dispor para a realização de finalidades e interesses para que não os que foram concebidos e concedidos pelo legislador. Contudo, para que esses comportamentos abusivos sejam considerados como integrando litigância de má fé é necessário que sejam imputáveis aos litigantes em termos subjetivos, a título de dolo ou de negligência grave. Saliente-se que, de acordo com a enumeração efetuada pelo n.º 2 do art. 542º, a doutrina e a jurisprudência agrupam a litigância de má fé em duas modalidades distintas: a substantiva ou material, a que se reportam as alíneas a) e b); e a má fé instrumental, a que aludem as alíneas c) e d), consoante respeite ao próprio fundo da causa ou apenas ao comportamento processual especificamente assumido pelos pleiteantes. Assim, estaremos perante má fé substantiva ou material sempre que a parte formule pedido ou oposição manifestamente infundadas, ou quando infrinja o dever de verdade, isto é, a parte, não tendo razão, conhecendo essa sua falta de razão ou tendo obrigação de dela ter conhecimento, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual, infringindo o dever de não formular pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, ou que não devia ignorar, ou altera a verdade dos factos ou omite factos relevantes para a decisão. Por sua vez, na má fé instrumental abstrai-se da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa e qualifica-se o comportamento processual que assumiu ao longo do processo como litigância de má fé, por essa sua conduta processual consubstanciar uma violação grave ao dever de cooperação (al. c), do n.º 2, do art. 542º), ou traduzir a utilização dos meios processuais para os fins ilegítimos que constam da al. d), do n.º 2, do art. 542º. Daí que, embora a parte vencedora não possa incorrer em má fé substantiva ou material, já pode incorrer em má fé instrumental[33]. Decorre do que se vem dizendo que a condenação como litigante de má fé é estritamente processual, uma vez que nela sanciona-se o litigante por ter abusado do direito da ação, ou seja, do processo globalmente considerado, em que a própria propositura da ação ou da defesa se encontram ab initio viciadas, desviando os pleiteantes o direito subjetivo que lhes é concedido pelo ordenamento jurídico adjetivo para a prossecução de interesses distintos daqueles para que os quais o legislador lhos concedeu (v.g., instauração de uma ação com o único objetivo de perturbar ou prejudicar a parte demandada ou terceiro, ou quando o demandante tem plena consciência ou devia saber que o direito a que se arroga titular e que exerce na ação ou na defesa não lhe assiste), ou porque fizeram uma utilização abusiva dos meios processuais que o legislador colocou ao seu dispor para que exercessem os seus direitos e legítimos interesses (a utilização do processo visa realmente a resolução de um conflito entre as partes, nas no decurso daquele, os litigantes fazem um uso reprovável dos mecanismos processual, nomeadamente, para dificultar a descoberta da verdade material ou para protelar o mais possível o processo). Na base da condenação como litigante de má fé não está, portanto, a violação pelo litigante de posições de direito substantivo, mas o seu sancionamento por ofensas cometidas no exercício da atividade processual a posições também elas processuais ou ao processo em si mesmo considerado[34]. Em suma, condena-se a parte como litigante de má fé não porque ao demandante não assista o direito substantivo a que se arroga titular, ou por o demandado, com a oposição ter colocado em crise o direito substantivo que assiste efetivamente ao demandante, mas porque, ao exercer o direito de ação ou de defesa ou ao utilizar os meios processuais que a lei adjetiva coloca ao seu dispor para exercer os seus direitos ou legítimos interesses, incorreram no cometimento de um ilícito processual. Neste sentido já expendia Alberto dos Reis que na base da condenação como litigante de má fé, “(…) está o princípio da responsabilidade subjetiva: a culpa e o dolo do litigante. Se a parte procedeu de boa fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a sua conduta é perfeitamente lícita; por isso, em caso de insucesso, suporta unicamente o peso das custas, com o risco inerente à sua atuação. Mas se procedeu de má fé ou com culpa, se sabia que não tinha razão ou se não ponderou com prudência as pretensas razões, a sua conduta assume o aspeto de conduta ilícita. Demandando ou contestando em tais circunstâncias, pratica um facto ilícito, um facto contrário à ordem jurídica; daí a sua responsabilidade subjetiva, emerge precisamente do seu estado de consciência – do dolo ou da culpa. Quer dizer, o que inquina o facto da parte, o que lhe imprime a mancha ou o vício, o que transforma de facto lícito em facto ilícito, é justamente o dolo ou a culpa com que ela se conduziu em juízo. (…). A ordem jurídica põe a tutela jurisdicional à disposição de todos os titulares de direitos; que no caso concreto o litigante tenha ou não razão, é indiferente: num e noutro caso goza dos mesmos poderes processais. Mas ao princípio da licitude do exercício dos meios processuais a mesma ordem jurídica põe uma limitação: que o exercício seja sincero, que a parte esteja convencida da justiça da sua pretensão. Quando falta este requisito, o ato passa a ter o caráter de ilícito. Estamos perante um ilícito processual (…). Por outras palavras, uma coisa é o direito abstrato de ação ou de defesa, outra o direito concreto de exercer a atividade processual. O primeiro não tem limites; é um direito inerente à personalidade humana. O segundo sofre limitações, impostas pela ordem jurídica; e uma das limitações traduz-se nesta exigência de ordem moral: é necessário que o litigante esteja de boa fé ou suponha ter razão. Portanto, revelada a má fé, torna-se patente que ele exerceu atividade ilícita. Há, em tal caso, segundo alguns, abuso de direito; parece-nos mais rigoroso dizer que não há direito”[35]. Posto isto, cabe salientar que o elemento subjetivo da litigância de má fé sofreu uma ampliação com a reforma de 95/96. Se até então apenas se sancionava como litigância de má fé a lide dolosa, isto é, o dolo processual, ou seja, a utilização maliciosa e abusiva do processo, as quebras à boa fé processual em termos subjetivos, pelo que à condenação das partes como litigantes de má fé era necessário que tivessem conhecimento da sua falta de razão e, ainda assim, assumissem propositadamente, ou seja, dolosamente (nas suas várias vertentes – direto, em que o agente quer com a sua conduta realizar o facto ilícito; necessário, em que não quer com a sua conduta realizar o facto ilícito, mas aceita esse resultado como consequência necessária da sua conduta processual; e eventual, em que o agente prevê que a sua conduta poderá provocar o resultado ilícito e aceita-o como consequência eventual dessa sua conduta processual) em uma das condutas processuais tipificadas no n.º 2, do art. 542º do CPC, mas já não integrava litigância de má fé a lide temerária ou a litigância imprudente. Acontece que, na sequência da reforma introduzida pelo D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, ao CPC, com o objetivo de uma maior responsabilização das partes, o legislador ampliou a litigância de má fé à negligência grave, bastando-se agora que a parte desconheça da sua falta de razão por “negligência grave” para que incorra em litigância de má fé, passando-se, portanto, a sancionar as quebras à boa fé processual objetiva em determinados condicionalismos, ou seja, quando o litigante desconheça da sua falta de razão porque grosseiramente não observou os mais elementares deveres de cuidado a que se encontrava legalmente vinculado, atuando com culpa grave. O legislador processual passou, assim, a considerar litigância de má fé não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária. Enquanto até 1995, o legislador aproximava a má fé ao dolo, tomava-a em sentido subjetivo ou psicológico, após essa data o conceito de má fé processual sofreu uma relativa eticização, na medida em que passou a considerar como litigante de má fé não apenas aquele que conhece o erro em que incorre, mas também o que o desconhece por não ter cumprido com os deveres de cuidado que lhe eram impostos. Mas essa eticização não é total por não se compadecer com qualquer desrespeito por esses deveres de cuidado, pelo contrário, apenas ocorre má fé processual quando o litigante tenha desrespeitado os mais elementares deveres de cuidado e de prudência a que se encontrava legalmente adstrito, atuando de forma gravemente negligente, isto é, com culpa grave. Com efeito, por “negligência grave” entende-se o desconhecimento em que incorre a parte por falta de adoção de precauções mínimas exigidas pelas mais elementares regras da prudência ou da previsão, que deve ser observada nos usos correntes da vida[36]. Na litigância de má fé por negligência grave está, assim, em causa uma questão de exigibilidade, tornando-se, necessário determinar se, desconhecendo a parte que não lhe assistia razão, lhe era (ou não) exigível que tivesse conhecimento dessa sua falta de razão e, no caso positivo, se esse seu desconhecimento apenas se deve a uma situação de negligência (em que não incorre em condenação como litigante de má fé, mas poderá ser alvo de condenação de taxa sancionatória excecional – art. 531º do CPC) ou antes a uma situação de negligência grave, isto é, grosseira, por não ter cuidado em adotar regras de cuidado mínimas, da mais elementar prudência ou previsibilidade que devem ser observados nos usos correntes da vida. O parâmetro de aferição do dever de diligência que impende sobre a parte a ser considerado pelo julgador nessa aferição é o “da generalidade das pessoas ou de todas as pessoas, pertencentes à mesma categoria social e intelectual da parte real, colocada naquela situação em concreto”. Assim, apenas se poderá concluir pela existência de uma situação de negligência grosseira e, consequentemente, pela verificação de uma situação de litigância de má fé, quando, efetuado o referido juízo, se conclua que a generalidade das pessoas da categoria social e intelectual da parte real, quando colocadas na concreta situação em que esta assumiu a conduta processual, se teriam abstido de litigar, porquanto, cumprindo com os deveres de indagação a que se encontram legalmente adstritas, teriam concluído que a sua pretensão ou defesa não tinha fundamento[37]. Daí que se tem vindo a entender que a sustentação de teses controvertidas na doutrina e/ou na jurisprudência e a interpretação de regras de direito, ainda que especiosamente feitas, mesmo que integre litigância ousada, não integra litigância de má fé, porque não há um claro limite entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, no que concerne à interpretação da lei e à sua aplicação aos factos[38]. E se entenda que a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a juízo, assim como a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, não consubstancia litigância de má fé[39]. E se subscreva o expendido no acórdão do STJ, de 28/05/2009, em que se pondera que: “Para a condenação como litigante de má-fé, exige-se que o procedimento do litigante evidencie indícios suficientes de uma conduta dolosa ou gravemente negligente, o que requer grande cautela para evitar condenações injustas. (…). Tal é exigência legal que deflui imediatamente, como corolário, do axioma antropológico da dignidade da pessoa humana proclamado pelo art. 1º da nossa Lei Fundamental, pois ninguém porá em causa o caráter gravoso e estigmatizante de uma condenação injusta como litigante de má fé. É esta dignidade, proclamada legal, constitucional e supranacionalmente, impeditiva de que a simples impugnação per positionem da versão de uma das partes seja considerada como integrando a «mala fides» sempre que a versão aposta à alegada seja provada, antes se exigindo que ela seja imputável subjetivamente ao litigante a título de dolo ou de negligência grave, ou seja, que tenha havido uma alteração consciente e voluntária da verdade dos factos (dolo) ou uma culpa grave (culpa lata), que não se basta com qualquer espécie de negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira”[40] – destacado nosso. Assentes nas premissas que se acabam de enunciar, revertendo ao caso dos autos, a apelante instaurou a presente ação declarativa contra BB e marido e DD e marido pedindo a condenação destes a reconhecerem a sua propriedade sobre o bem identificado no item 14º da petição inicial, ou seja, sobre um fio em ouro, com cerca de 50 centímetros de comprimento e com cerca de 70 gramas de peso, com um medalhão, e que, consequentemente, fossem condenados a entregarem-lho ou, não sendo a entrega possível, fossem condenados a satisfazerem-lhe uma indemnização no montante global de 29.000,00 euros, sendo 24.000,00 euros correspondente ao valor de mercado daquele fio em ouro, e 5.000,00 euros, a título de compensação pelos danos morais sofridos com a perda da mencionada peça de família, tudo acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento. Como fundamento dessas pretensões a apelante alegou, em suma, ser filha, mais as Rés BB e DD, dos falecidos FF e GG, por cujo óbito correu termos processo de inventário sob o n.º ...2..., da Instância Local Cível ..., Juiz ..., onde licitou e lhe foi adjudicado, entre outras peças em ouro, “um fio em ouro que pertencia ao inventariado GG, com cerca de 50 centímetros de comprimento e com cerca de 70 gramas de peso e que incluía um medalhão, também em ouro”. Mais alegou que os Réus não lhe entregaram esse fio e a respetiva medalha, mas pretenderam “entregar-lhe um fio de dimensões e peso muitíssimo inferior, enquanto vão alimentando a ideia da já mencionada doação à 2ª Ré, assim se valendo da confusão que suscitaram com um cordão (não fio) de ouro, outrora pertença da inventariada (a mãe da Autora e Rés) a qual consta da reclamação apresentada pela Autora no inventário e que mediria cerca de um metro de comprimento, com cerca de 125 gramas, mas não se provou pertencer à herança” (cfr. ponto 8º da petição inicial). Também alegou que o fio que licitou e que lhe foi adjudicado no âmbito do identificado processo de inventário e que reivindica nos presentes autos foi reconhecido pela 2ª Ré (DD) estar na posse desta, uma vez que esta, no âmbito do processo n.º 2862/18...., J... Execução, “por requerimento assinado pelo seu punho, veio a reconhecer que tinha o fio na sua posse, estando disposta a entregá-lo à Autora, embora, logo após, por papel em que é signatário o seu mandatário, viesse a invocar a falsidade desse documento, muito embora as assinaturas da 2ª Ré constantes quer do aludido papel, quer da procuração que subscreveu a favor do seu ilustre mandatário, em tudo sejam idênticas” (cfr. pontos 10º, 11º e 12º da petição inicial). Finalmente alegou que o fio que licitou, lhe foi adjudicado e que reivindica tem um valor comercial nunca inferior a 24.000,00 euros (cfr. ponto 20º da facticidade apurada). Acontece que, compulsada a facticidade provada, apurou-se que o fio em ouro que a apelante licitou e lhe foi adjudicado no âmbito do processo de inventário por óbito de seus pais não tem as características que por ela foram alegadas na petição inicial, nem sequer incluía qualquer medalha ou medalhão, mas antes trata-se de um fio em ouro, com cerca de 50 centímetros de comprimento e com um peso não concretamente apurado, porque nunca chegou a ser pesado, mas seguramente não superior a 70 gramas (cfr. pontos 1º a 6º, 14º, 19º e 22º dos factos provados), que licitou pelo valor de 201,00 euros (cfr. ponto 25º dos factos provados), tratando-se do fio em ouro que os Réus por três vezes tentaram entregar-lhe e que esta se recusou a receber, por considerar que o fio que lhe era oferecido tinha dimensões e peso muitíssimo inferiores ao fio que lhe tinha sido adjudicado e que, por isso, era sua propriedade (cfr. pontos 7º e 21º dos factos apurados), o que tudo era do conhecimento da apelante, que intentou a presente ação alegando falsamente que o fio em ouro que licitou e lhe foi adjudicado não era o que os Réus lhe procuraram entregar, que conscientemente faltou à verdade (cfr. pontos 24 e 43º da petição inicial). Decorre do exposto, que ao instaurar a presente ação a apelante dolosamente, mais concretamente, com dolo direto, fez um uso abusivo do direito de ação, posto que, bem sabendo que o fio em ouro que licitou e lhe foi adjudicado nos autos de inventário que correram termos por óbito de seus pais e que veio reivindicar era o fio em ouro que os Réus lhe procuraram, por três vezes, entregar e que se recusou receber, não se absteve de intentar a presente ação, alegando factos que sabia serem falsos, em flagrante violação do dever da boa fé processual a que se encontra vinculada, assumindo uma conduta processual desleal para com os Réus e para com o tribunal, olvidando ou desconsiderando que a veracidade constitui a primeira e mais elementar forma de lealdade e que, portanto, do princípio da boa fé processual resulta um inevitável dever de verdade, estando, consequentemente, a presente ação ab initio viciada pela litigância de má fé da apelante. Logo, ao assim proceder, ou seja, ao intentar a presente ação de reivindicação, a apelante deduziu dolosamente pretensão contra os Réus cuja falta de fundamento não desconhecia, incorrendo na litigância de má fé prevista na al. a), do n.º 2, do art. 542º do CPC. Acresce que, quanto à facticidade alegada pela apelante nos itens 10º, 11º e 12º da petição inicial, em que alegou que a 2ª Ré DD teria reconhecido no âmbito do processo de execução n.º 2862/18...., do Juízo de Execução ..., Juiz ..., que tinha em seu poder o pretenso fio em ouro, com medalha, com as pretensas características alegadas pela apelante na petição inicial, onde apresentou um documento por aquela assinado em que teria reconhecido que tinha esse fio em ouro na sua posse e prontificando-se a entregá-lo à apelante, provou-se que o mencionado documento foi junto àquele processo executivo seis dias depois de nele ter sido proferida sentença, onde o conteúdo do mesmo e a assinatura nele aposta foram impugnados com sucesso, o que tudo era do conhecimento da apelante aquando da instauração da presente ação (cfr. pontos 26º a 32º dos factos apurados), a qual, consequentemente, não podia ignorar quando alegou aquela facticidade que o documento em causa não tinha qualquer valia probatória, nomeadamente, em relação à Ré DD. Daí que ao alegar a facticidade que verteu nos pontos 10º a 12º na petição inicial, a apelante não só dolosamente alterou a verdade dos factos de si bem conhecidos, como omitiu factos relevantes para a decisão da causa, ao omitir que o documento em causa tinha sido impugnando, com sucesso, naqueles autos de execução. Resulta do que se vem dizendo que, contrariamente ao sustentado pela apelante, ao concluir que esta litigou de má fé, a 1ª Instância não incorreu em nenhum dos erros de direito que esta imputada ao decidido. Note-se que ao que se acaba de concluir não obsta a circunstância da presente ação ter sido julgada parcialmente procedente, posto que, conforme decorre da mera leitura da sentença recorrida, a 1ª Instância (acertadamente ou erroneamente, o que não cumpre aqui apreciar, por se tratar de questão subtraída ao campo de cognição desta Relação, dado não se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso do tribunal e essa questão não faz parte do objeto do presente recurso), limitou-se a condenar os Réus a entregarem à apelante o fio em ouro que esta efetivamente licitou e que lhe foi realmente adjudicado nos autos de inventário que correram termos por óbito de seus pais, não obstante os Réus terem, por três vezes, oferecido esse fio à apelante e de ter sido esta que se recusou a recebê-lo. Ou seja, o fio em ouro sobre que incidiu aquela condenação não é o fio de ouro que a apelante reivindica no âmbito da presente ação, mas aquele que os Réus por três vezes lhe ofereceram e que a mesma se recusou a receber. Termos em que sem mais, por desnecessárias, considerações, improcede este fundamento de recurso. D.2- Das consequências da litigância de má fé Nos termos do n.º 1, do art. 542º do CPC: “Tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir”. Consubstanciando a má fé um desvio do processo da sua função, esgotando recursos que, de outro modo, seriam canalizados para o julgamento de ações judiciais fundadas, prejudicando não só a contraparte em juízo, mas toda a coletividade interessada na justa resolução das verdadeiras controvérsias e na pacificação social, contribuindo para o dispêndio inútil de meios e de recursos, para a conflituosidade social e para o entorpecimento e o descrédito da justiça, compreende-se que, para além do dano que a má fé causa à contraparte, esta causa um dano “indireto ao próprio sistema de justiça e a toda a coletividade. É esta pluriofensibilidade que justifica a dualidade de sanções previstas pelo sistema legal, como forma de reação ao comportamento processual malicioso ou temerário”, em que “ao lado da multa, que assume o papel de penalidade pelo dano causado à administração da justiça”, e que desempenha uma função simultaneamente repressiva (punindo o litigante pela falta processual cometida) e preventiva (evitando que o infrator, ou qualquer outro litigante, volte a desrespeitar a lealdade processual), cujo quantum concreto deverá ser determinado, dentro da moldura abstrata fixada no art. 27º, n.º 3 do RCP (2 UC a 100 UC), em função do grau de má fé do litigante e a situação económica deste, se preveja a obrigação daquele de indemnizar a contraparte pela sua conduta incorreta e desleal[41], conquanto este peça essa indemnização. Enquanto a multa é aplicada pelo juiz, não estando dependente de qualquer pedido e o seu valor reverte para o Estado, quanto à indemnização devida pelo litigante de má fé à contraparte pelos prejuízos que lhe causou em consequência da litigância de má fé, esta encontra-se dependente de pedido formulado por essa contraparte, conforme expressamente estipula a parte final do n.º 2, do art. 542º. Ou seja, a indemnização por litigância de má fé está sujeita ao princípio do pedido. Tendo sido pedida a indemnização pela contraparte pelos danos que sofreu em consequência da litigância de má fé, o art. 543º, n.º 1 do CPC, prevê duas modalidades de indemnização: a simples, a que alude a al. a) daquele preceito, que apenas abarca o reembolso das despesas a que a má fé do litigante tenha obrigado a parte contrária, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos e em que, portanto, a indemnização apenas abrange as despesas diretamente causadas à parte contrária pela conduta maliciosa do litigante; ou a indemnização agravada ou plena, prevista na al. b) do mesmo, em que a indemnização abrange para além das despesas diretamente causadas à parte contrária em consequência da litigância de má fé, todos os prejuízos que lhe sejam causados, direta ou indiretamente, por via do comportamento malicioso do litigante. A indemnização agravada abrange, assim, além das despesas, os danos emergentes e os lucros cessantes, sem exclusão dos danos não patrimoniais que tenham por fonte, direta ou indiretamente o comportamento processual desleal do litigante[42], visando-se, por isso, nesta modalidade de indemnização colocar a parte contrária na situação em que se encontraria não fora a litigância de má fé de que foi alvo, enquanto na indemnização simples se restringe a indemnização por litigância de má fé aos danos emergentes diretamente causados à parte contrária pela atuação de má fé. É ao juiz que, nos termos do n.º 2 do art. 543º, incumbe optar pela modalidade de indemnização mais adequada à conduta do litigante de má fé, fixando-a sempre em quantia certa, o que significa que nessa opção não releva a capacidade económica e financeira do condenado nem tão pouco o valor da ação, mas exclusivamente a gravidade da conduta daquele, pelo que, o julgador deverá optar pela indemnização agravada para os casos de litigância de má fé dolosa, reservando a indemnização simples para a litigância de má fé com negligência grosseira[43], o que é demonstrativo que a indemnização por litigância de má fé não é ressarcitória, mas antes sancionatória e compensatória. Finalmente, incumbe precisar que, para além do pedido, a parte lesada pela litigância de má fé terá de alegar quais os concretos danos que sofreu em consequência da litigância de má fé e terá de prová-los, pelo que quando aquela deduz o pedido de indemnização é conveniente que alegue esses concretos danos e carreie a prova respetiva, muito embora não o tenha necessariamente de fazer. É que, tendo em conta que o volume dos danos sofridos poderá ainda não ser conhecido no momento em que o pedido indemnizatório é deduzido, o legislador processual não impõe ao lesado a dedução de pedido em quantia certa. Acresce que, embora a questão não seja pacífica na jurisprudência e na doutrina, face ao regime do n.º 3, do art. 543º do CPC que determina que “se não houver elementos para se fixar logo na sentença a importância da indemnização, são ouvidas as partes e fixa-se depois, com prudente arbítrio, o que parecer razoável, podendo reduzir-se aos justos limites as verbas de despesas e de honorários apresentadas pela parte”, prefigura-se-nos que a solução jurídica mais consentânea com a norma em causa é a corrente que sustenta que, nos casos em que o lesado pela litigância de má fé deduza pedido indemnizatório, não alegando os concretos danos que sofreu em consequência daquela, nem por isso fica impedido de posteriormente o fazer, cumprindo então ao julgador notificá-lo, nos termos da referida disposição legal, para que alegue esses concretos danos que sofreu em consequência da litigância de má fé e para carrear para o processo a prova destinada à demonstração dessa facticidade, e uma vez observado o contraditório em relação ao litigante de má fé e para que este apresente a contraprova, uma vez produzida essa prova, segue-se a decisão do julgador fixando os factos e a indemnização devida ao lesado[44] . Revertendo ao caso dos autos, a 1ª Instância, por via da litigância de má fé da apelante, condenou-a no pagamento de uma multa de 2.500,00 euros, bem com a satisfazer as seguintes indemnizações: aos Réus DD e marido EE, uma indemnização pelos danos patrimoniais que sofreram em consequência da litigância de má fé, a serem discriminados na nota discriminativa e justificativa de custas de parte, acrescida da quantia de 5.000,00 euros, a título de compensação pelos danos morais sofridos; e aos Réus BB e marido CC uma quantia indemnizatória pelos danos patrimoniais sofridos por via da litigância de má fé da apelante, a serem concretizados na nota discriminativa e justificativa de custas de parte. Acontece que, quanto às indemnizações arbitradas aos Réus, a apelante imputa ao decidido erro de direito, alegando que nenhum deles “alegou os danos morais ou não patrimoniais sofridos, tendo apenas os recorridos DD e EE pedido a condenação daquela a pagar-lhes os danos patrimoniais, no valor de 2.000,00 euros, e numa compensação pelos danos não patrimoniais, em quantia nunca inferior a 5.000,00 euros, sem que nunca tivessem feito prova quanto aos concretos danos sofridos”, pelo que a 1ª Instância não a podia condenar naquelas indemnizações e, antecipe-se, desde já, com parcial razão. Com efeito, compulsada a contestação apresentada pelos apelados BB e marido CC, junta ao processo físico a fls. 23 a 33, verifica-se que se limitaram a pedir a condenação da apelante como litigante de má fé a pagar-lhe uma indemnização “pelos danos patrimoniais nos valores gastos”, bem como a pagar-lhes uma compensação “em valor nunca inferior a 5.000,00 euros”, sem que tivessem alegado quais os concretos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreram em consequência da litigância de má fé da apelante, pelo que naturalmente que não os puderam provar e, consequentemente, sem que o tribunal a quo dispusesse de quaisquer elementos que lhe permitissem arbitrar as indemnizações que lhes fixou. Assim, ao arbitrar a estes concretos apelados as indemnizações que lhes fixou incorreu a 1ª Instância em efetivo erro de julgamento, impondo-se revogar o decidido. Todavia, conforme antedito, contrariamente ao que parece ser o entendimento da apelante, nem por isso, ficam os apelados impedidos de alegar e provar os concretos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreram em consequência da litigância de má fé daquela, posto que, nos termos do art. 543º, n.º 3 do CPC, impõe-se que a 1ª Instância os notifique para, em prazo a fixar, alegarem os concretos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreram em consequência da litigância de má fé da apelante e apresentarem a respetiva prova para, uma vez decorrido o prazo do contraditório em relação à apelante (igual ao concedido aos apelados) e para que carreie para os autos a contraprova que entenda pertinente, uma vez produzida essa prova que venham a apresentar, se profira decisão, fixando-se o quantum indemnizatório devido aos apelados. Por sua vez, quanto à apelada BB, esta apresentou o requerimento constante de fls. 363 do processo físico em que pede a condenação da apelante como litigante de má fé e se proceda à sua condenação a pagar-lhe e ao marido CC uma “indemnização em montante não inferior a 2.500,00 euros, de forma a custear todas as despesas do pleito nos termos do art. 543º do CPC”. Sucede que a apelada BB não dispõe de legitimidade para deduzir pedido indemnizatório em nome do seu marido por via dos danos por este sofridos em consequência da litigância de má fé da apelante. Daí que, ao condenar a apelante a satisfazer ao apelado CC uma quantia indemnizatória pelos danos patrimoniais sofridos por via da litigância de má fé daquela, a serem concretizados na nota discriminativa e justificativa de custas de parte, a 1ª Instância incorreu em erro de direito, uma vez que não tendo esse apelado deduzido qualquer pedido indemnizatório, nos termos da parte final do n.º 1, do art. 542º do CPC, não lhe assiste o direito a receber qualquer indemnização da apelante por via da litigância de má fé desta, sob pena de se violar o princípio do dispositivo. Já a apelada BB limitou, por um lado, o pedido indemnizatório que deduziu contra a apelada por via da litigância de má fé desta à quantia de 2.500,00 euros e, por outro, limitou essa indemnização aos danos patrimoniais que sofreu em consequência dessa litigância de má fé. Daí que a indemnização que venha a ser arbitrada à apelada BB não pode exceder a quantia de 2.500,00 euros, nem englobar danos não patrimoniais. Acresce que a apelada BB, no requerimento de fls. 368, também não alegou os concretos danos patrimoniais que sofreu por via da litigância de má fé da apelante, pelo que se impõe seguir o mesmo procedimento quanto àquela antes apontado em relação aos apelados DD e marido. Resulta do que se vem dizendo, impor-se concluir pela parcial procedência da presente apelação e, em consequência, revogar o segmento da parte dispositiva da sentença recorrida em que se condenou a apelante a satisfazer aos Réus DD e marido EE, uma indemnização pelos danos patrimoniais que sofreram em consequência da litigância de má fé da apelante, a serem discriminados na nota discriminativa e justificativa de custas de parte, acrescida da quantia de 5.000,00 euros, a título de compensação pelos danos morais sofridos, e aos Réus BB e marido CC uma quantia indemnizatória pelos danos patrimoniais sofridos por via da litigância de má fé da apelante, a serem concretizados na nota discriminativa e justificativa de custas de parte, determinando-se que a 1ª Instância, em cumprimento do disposto no art. 543º, n.º 3 do CPC, notifique os apelados DD e EE para, em prazo a fixar, alegarem os concretos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreram por via da litigância de má fé da apelante e apresentarem a respetiva prova para, uma vez decorrido o prazo do contraditório que assiste à apelante (igual ao concedido aos apelados) e para que carreie a contraprova que entenda pertinente, uma vez produzida essa prova que venha a ser apresentada pelas partes, profira decisão, fixando o quantum indemnizatório que lhes é devido, adotando igual procedimento em relação à apelada BB quanto aos danos patrimoniais que sofreu por via da litigância da má fé da apelada, confirmando-se no mais a sentença recorrida. * Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).1- Sempre que a condenação como litigante de má fé esteja contida numa das decisões previstas no n.º 1 do art. 644º do CPC, o prazo para interposição de recurso é de trinta dias, a que acresce o prazo de dez dias quando o recurso tiver por objeto a impugnação do julgamento da matéria de facto com fundamento em prova gravada. 2- Para que o recorrente beneficie do prazo adicional de dez dias basta que demonstre nas alegações de recurso ser sua vontade impugnar o julgamento da matéria de facto com fundamento em prova gravada (v.g. nas alegações de recurso procede à transcrição de excertos de prova pessoal produzida em audiência final gravada e extrai desses excertos determinadas ilações fácticas que pretende serem contrárias à facticidade julgada provada e não provada na sentença, sem que proceda a qualquer especificação sobre os concretos pontos desta em relação aos quais se verifica essa pretensa contrariedade), independentemente de cumprir (ou não) com os ónus impugnatórios do julgamento da matéria de facto previstos no art. 640º do CPC. 3- A valoração em sede de julgamento de matéria de facto de prova proibida, nomeadamente, de depoimento prestado por testemunha que é advogado e que depôs quanto a factos de que tomou conhecimento no exercício dessa atividade, sem prévia dispensa do sigilo profissional a que legalmente se encontra adstrita, não determina a nulidade da sentença, mas trata-se de vício que se projeta no julgamento da matéria de facto e que terá de ser superado pela Relação fazendo uso dos seus poderes de substituição ou de cassação do julgamento da matéria de facto, nos termos dos arts. 662º, n.ºs 1 e 2 e 665º, n.º 1 do CPC. 4- Na litigância de má fé condena-se o litigante pelo seu comportamento processual malicioso e desleal, em virtude daquele, com dolo ou negligência grosseira, ter abusado do direito de ação (a propositura da ação ou a dedução da defesa encontram-se ab initio viciadas) ou ter feito uma utilização maliciosa e desleal dos meios processuais colocados ao seu dispor (a propositura da ação ou a dedução da defesa eram fundadas, havendo realmente um conflito de interesses a ser solucionado, mas os pleiteantes, no decurso do processo, fazem um uso reprovável dos mecanismos processuais, nomeadamente, com vista a dificultar a descoberta da verdade material ou para protelar o processo), desviando-os das finalidades e interesses para os quais foram concebidos e concedidos pelo legislador, que é a justa resolução de um litígio em tempo útil. 5- A concessão de indemnização ao lesado por litigância de má fé está dependente daquele formular pedido indemnizatório contra o litigante de má fé. 6- Nos casos em que o lesado tenha pedido a condenação do litigante de má fé a pagar-lhe indemnização por via dos prejuízos que sofreu em consequência desse seu comportamento processual desleal e malicioso, sem que tenha alegado os concretos prejuízos que sofreu em consequência dessa conduta do litigante de má fé, cumpre ao tribunal, nos termos do n.º 3 do art. 543º do CPC, notificá-lo para que alegue esses concretos prejuízos e carreie os respetivos elementos de prova, para após contraditório e produção da prova que venha a ser indicadas pelas partes, se profira decisão fixando o quantum indemnizatório ao lesado. * V- DecisãoNesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência: a- revogam a sentença recorrida, no segmento em que condenou a apelante a satisfazer aos Réus DD e marido EE, uma indemnização pelos danos patrimoniais que sofreram em consequência da litigância de má fé da apelante, a serem discriminados na nota discriminativa e justificativa de custas de parte, acrescida da quantia de 5.000,00 euros, a título de compensação pelos danos morais sofridos, e aos Réus BB e marido CC uma quantia indemnizatória pelos danos patrimoniais sofridos por via da litigância de má fé da apelante, a serem concretizados na nota discriminativa e justificativa de custas de parte; b- determinam que a 1ª Instância, em cumprimento do disposto no art. 543º, n.º 3 do CPC, notifique os apelados DD e EE para, em prazo a fixar, alegarem os concretos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreram em consequência da litigância de má fé da apelante e apresentarem a respetiva prova para, uma vez decorrido o prazo do contraditório que assiste à apelante (igual ao concedido aos apelados) e para que carreie a contraprova que entenda pertinente, uma vez produzida a prova que venha a ser apresentada, profira decisão, fixando o quantum indemnizatório que lhes é devido; c- determinam que a 1ª Instância, em cumprimento do disposto no art. 543º, n.º 3 do CPC, notifique os apelada BB para, em prazo a fixar, alegar os concretos danos patrimoniais que sofreu em consequência da litigância de má fé da apelante e apresentar a respetiva prova para, uma vez decorrido o prazo do contraditório que assiste à apelante (igual ao concedido aos apelados) e para que carreie a contraprova que entenda pertinente, uma vez produzida a prova que venha a ser apresentada, profira decisão, fixando o quantum indemnizatório que lhe é devido; d- no mais, confirmam a sentença recorrida. * Custas da apelação por apelada e por apelados DD e marido EE na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 80% para a apelante e em 20% para os apelados (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).* Notifique.* Guimarães, 19 de dezembro de 2023 José Alberto Moreira Dias – Relator Maria Gorete Morais – 1ª Adjunta Maria João Marques Pinto Matos – 2ª Adjunta [1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”. Vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396. [2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 617, onde expendem que: “Da decisão condenatória nesta sede é sempre admissível recurso em um grau, independentemente do valor da causa. Mas constitui jurisprudência corrente no Supremo que a recorribilidade apenas está assegurada num grau, independentemente do valor (STJ 16-1-14, 1279/08, STJ 27-7-10, 5387/05, STJ 19-02-08, 07A2669 e Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 5º ed., p. 65). Ou seja, a decisão proferida em 1ª instância admite sempre recurso de apelação relativamente à condenação em litigância de má fé, assim como ocorre se a condenação for decidida pela Relação. Ainda que o valor da ação supere alçada da Relação, a parte que tenha sido penalizada não pode interpor recurso de revista que abarque essa questão, regime que compatibiliza a tutela do visado (carecida, nesta parte, de um duplo grau de jurisdição), com a natureza marginal da questão”; Ac. STJ., de 23/11/2023, Proc. 2930/18.4T8BRG.G1.S2-1, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos a que se venha a fazer referência sem menção em contrário. [3] Acs. STJ., de 21/11/2019, Proc. 1986/06.TVLSB-C.L1.S2; RE., de 17/06/2021, Proc. 21792/15.7T8LSB-A.E1. [4] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, ob. cit., pág. 793. No mesmo sentido Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 138 a 141; Acs. STJ., de 28/04/2016, Proc. 10006/12.2TBPRD.P1.S1; de 22/10/2015, proc. 2394/11.3TBVCT.G1.S1;R.P., de 11/02/2021, Proc. 1924/18.4T8AMT.P1 [5] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 147, onde obtempera que: “as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial. (…). As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, n.º 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo”. [6] Ac. STA. de 09/07/2014, Proc.00858/14. [7] Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734. [8] Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277. [9] Ac. RC de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG.C1, onde se postula que: “Apesar de atualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão de matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerando além do mais o caráter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último ato decisório. Realmente a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos – deficiência, obscuridade ou contradição – a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é suscetível de dar lugar à atuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª Instância”. No mesmo sentido Acs. ST: de 23/03/2017, Proc. 7095/10; RL. de 29/10/2015, Proc. 161/09.3TCSNT.L1-2 Ainda Ac. STJ, de 24/02/2005, Proc. 04B4594: “A fundamentação a que alude o n.º 2 do art. 653º do CPC não se confunde com a fundamentação a que alude o art. 659º, n.ºs 2 e 3 do mesmo Código, sendo certo que as consequências para a sua omissão num caso e noutro são também diferentes : - no 1º caso, poderá a Relação ordenar a baixa do processo, (…), nos termos e para os fins do n.º 5 do art. 712º do CPC; - no 2º caso, se a falta de fundamentação for absoluta, ocorrerá a nulidade prevista na al. b) do art. 668º do CPC”. [10] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, págs. 707 a 708 e 733 a 734. [11] Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, págs. 291 a 295. [12] Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1 [13] Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1. [14] António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 153. [15] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 797. [16]António Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 228. [17] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 798, nota 8. [18] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155. [19] Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159. [20] Acs. do STJ de 26/09/2018, Proc. 141/17.5T8PTM.E1-S1; de 05/09/2018, Proc. 15787/15.8T8PRT.P1-S2; de 01/03/2018, Proc. 85/14.2TTMAI.P1.S1; de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1; de 06/06/2018, Proc. 1474/16.38CLD.C1.S1; de 06/06/2018, Proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1; e de 16/05/2018, Proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1. [21] Abrantes Geraldes, in ob. cit., págs. 160 e segs; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., págs. 797 e 798, nota 6. [22] Ac. STJ. 29/10/2015, Proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1 [23] Acs. do STJ, de 08/02/2018, Processo nº 765/13.0TBESP.L1.S1; de 08/02/2018, Processo nº 8440/14.1T8PRT.P1.S1; de 06/06/2018, Processo nº 552/13.5TTVIS.C1.S1, e de 13/11/2018, Processo nº 3396/14 [24] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, 4ª ed., Coimbra Editora, págs. 206 e 207. [25] Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 212. [26] Ac. STJ. de 09/03/2003, Proc. 03B1816. [27] Acs. STJ. de 01/10/2019, Proc. 109/17.1T8ACB.C1.S1; de 07/05/2014, Proc. 39/12.3T4AGD.C1.S1; de 11/07/2012, Proc. 3360/14.0TTLSB.L1.S1; e de 14/11/2006, Proc. 06A2992. [28] Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, pág. 62. [29] Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. I, 2ª ed., Almedina, pág. 88. [30] Abrantes Geraldes, Paulo Pimento e Luís Filipe Sousa, ob. cit., pág. 36. [31] Abrantes Geraldes, Paulo Pimento e Luís Filipe Sousa, ob. cit., pág. 38. [32] Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, Lisboa 1997, págs. 62 e 63. [33] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre”, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2ª, 3ª ed., Almedina, págs. 457 e 458, nota 4. [34]Ac. RP. de 13/02/2017, Proc. 3006/05.0TBGDM.P3. [35] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, págs. 260 e 261. No mesmo sentido Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª edª, Almedina, págs. 615 e 616, nota 2; Pais de Amaral, “Direito Processual Civil”, 2016, 12ª ed., Almedina, págs. 27 e 28. [36] Acs. STJ. de 28/05/2009, Proc. 09B681; de 03/02/2011, Rev. 351/2000, Sumários, 2011, pág. 77. [37] Paula Costa e Silva, “A Litigância de Má Fé”, Almedina, pág. 38; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 616. [38] Ac. STJ, de 23/04/208, Proc. 097S894; Ac. n.º 442/91, TC, de 20/11/1991, BMJ, 411º, pág. 611; Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 263. [39] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, ob. cit., pág. 616 [40] Ac. STJ. de 28/05/2009, Proc. 09B681. [41] Marta Alexandra Frias Borges, “Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má Fé” – Dissertação de Mestrado, Coimbra, 2014, pág. 66. [42] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, ob. cit., pág. 618; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 463; Acs. STJ., de 24/04/2002, Rev. N.º 694/02-2ª, Sumários, 4/2002; R.G., de 1609/2021, Proc. 26/20.8T8VNF-B.G1; R.P., de 13/02/2017, Proc. 3006/05.0TBGDM.P3; RC., de 09/10/2012, Proc. 374/10.5T2AND.C2 [43] Ac. STJ., de 04/04/2002, Agr. n.º 440/02- 2ª, Sumários, 4/2002. [44] Ac. R.G., de 11/05/2017, Proc. 1639/114.2TBVCT.G2 |