Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1397/18.1T8VCT.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: PROCURAÇÃO
FORMA
AUTENTICAÇÃO DO TERMO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A procuração deve, em princípio, revestir a forma exigida para o negócio a realizar, pelo que, para os casos em que se exija para o acto apenas a forma escrita, pode a mesma revestir apenas essa forma.
II- Não deixa de produzir os seus efeitos como documento particular não autenticado, o documento cujo termo de autenticação não foi regularmente efectuado.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

R. P., residente na Rua …, nº …, … Viana do Castelo, contribuinte fiscal nº ………, B. S., residente no Caminho …, nº …, contribuinte fiscal nº ………, S. S., residente no Caminho da ..., n.º 1, 4900-012 ..., contribuinte fiscal nº 291 986 960; M. P., residente na Rua … Cascais, contribuinte fiscal nº ………; C. P., residente no Caminho …, nº …, contribuinte fiscal nº ………, os dois primeiros herdeiros e os restantes legatários de M. A., propuseram a presente acção comum contra S. E., residente na Quelha …, n.º …, D. L., Pároco ... Paroquial de ..., sita na Estrada …, n.º …, Comissão Fabriqueira ... de ... – pessoa colectiva religiosa com NIF ………, sita na Estrada …, n.º …, M. R., Advogada, com domicílio profissional sito na Rua …, Viana do Castelo, e M. V., residente no Caminho … e formularam os seguintes pedidos:

-1- Seja declarada nula a procuração efectuada e melhor descrita nos autos (Documento nº 20);
-2- Sejam declaradas anuladas as liberalidades feitas por M. A. à primeira Ré S. E. (melhor descritas no artigo 146º do articulado inicial);
-3- Se condene a primeira Ré S. E. a restituir a quantia de € 17.196,04 (€ 8.132,45 + € 3.036,23 + € 6.027,36) – dezassete mil, cento e noventa e seis euros e quatro cêntimos);
-4- Se condene a terceira Ré Comissão a restituir a quantia de € 6.308,01 (seis mil, trezentos e oito euros e um cêntimo);
-5- Se condenem os Réus solidariamente a pagar aos Autores danos patrimoniais a apurar em execução de sentença;
-6- Se condenem os Réus solidariamente a pagar aos Autores a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais;
-7- Se condenem os Réus cumulativamente no pagamento dos juros que se vencerem desde a citação até efectivo e integral pagamento, custas e demais acréscimos legais.

Para tanto, no essencial, alegaram que a procuração passada por M. A. no dia de 13 de Março de 2017 é inválida, por falta de requisitos legais, concretamente, por falta de registo no sistema informático da Ordem dos Advogados, por parte da advogada que elaborou o reconhecimento da assinatura e o termo constante da procuração. Mais sustentam que M. A. actuou com a vontade viciada, não tendo a intenção de entregar os certificados de aforro mencionados na procuração à Fábrica ... Paroquial da ... e a S. E.. Sem o registo da procuração entendem que o aludido instrumento é nulo e, em consequência, são nulos os actos praticados através do seu uso, devendo a Ré S. E. restituir as quantias recebidas através da aludida procuração – € 8.132,45 + € 3.036,23 – num total de € 11.168,68 (onze mil, cento e sessenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos) e devendo a Ré Fábrica ... restituir a quantia de € 6.308,01 (seis mil, trezentos e oito euros e um cêntimo).
Mais alegaram que a assinatura aposta na procuração não foi feita pelo punho da falecida M. A. e que não mandatou a Ré M. V. para proceder ao seu levantamento, como também não teve a intenção de proceder à sua entrega às Rés S. E. e Comissão Fabriqueira, tendo havido uma situação de exploração por parte dos Réus do estado de inferioridade em que M. A. se encontrava, com um flagrante benefício, excessivo e injustificado, constituindo um negócio usurário.
Por último, alegaram encontrar-se profundamente chocados com a situação ocorrida, sentindo um enorme desgosto com o ocorrido com a sua familiar, pretendendo ser ressarcidos pelos danos não patrimoniais sofridos no montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).
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A Ré M. R. apresentou contestação, invocando ter elaborado a procuração de acordo com as informações que lhe foram transmitidas pelo Réu D. L., e ter também elaborado o termo de autenticação, dele fazendo constar o seu conteúdo, de acordo com a vontade da referida M. A., a qual se encontrava em pleno uso das suas faculdades mentais, sabendo o que queria fazer e manifestando a sua vontade sem qualquer equívoco.
Referiu que o registo serve apenas para dar publicidade à sua realização, devendo a procuração ser considerada válida e que não existe nexo de causalidade entre a falha da ré (realização de procuração com falta do seu registo) e o levantamento das quantias em causa.
Por fim, invocou a celebração de um contrato de seguro com a X, S.A., tendo sido transferida para esta entidade a sua responsabilidade civil profissional.
Termina, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição e requerendo a intervenção acessória da Companhia de Seguros X Seguros Gerais, S.A..
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Os Réus D. L. e Fábrica ... Paroquial de ... apresentaram contestação, alegando que a procuração foi outorgada de acordo com a vontade da mandante e esta sempre esteve consciente das suas decisões, em pleno uso das suas faculdades mentais, sabendo perfeitamente o que queria fazer e manifestando essa sua vontade sem qualquer equívoco, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.
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As Rés S. E. e M. V. apresentaram contestação, alegando que M. A., conforme a sua livre vontade, quis efectuar, como efectuou, as liberalidades que entendeu e que, os poderes de representação conferidos por procuração por M. A. encerram em si mesmos uma manifestação clara e inequívoca dessa sua vontade, sendo sua a assinatura e os dizeres estão conforme a vontade espontânea que expressou à ré M. R..
Apontam, no sentido que defendem, que a falta de conclusão do registo do termo de autenticação no portal da Ordem dos Advogados constitui uma mera irregularidade, não afectando a validade do instrumento de representação e o seu conteúdo, pois os poderes de representação conferidos são aqueles que constam do documento subscrito pela procuradora, feito perante quem goza de poderes de autenticação, suficiente para transmitir os bens doados, sem necessidade de outra formalização para além da ordem da doadora (dada por escrito) e a entrega (tradição) do bem doado aos beneficiários.
Terminam pedindo a improcedência da acção, com as legais consequências.
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Os Autores requereram a intervenção principal provocada de Y – Correios de Portugal, S.A., tendo o Tribunal admitido o chamamento de X Seguros Gerais, S.A., mas não a intervenção provocada requerida de Y – Correios, S.A.
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A interveniente X Seguros Gerais, S.A. apresentou o seu articulado, seguindo-se o despacho saneador, com a selecção do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
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Realizada uma perícia à letra de M. A., com os subsequentes esclarecimentos à perícia, procedeu-se à realização da audiência, após o que foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os Réus e a Interveniente dos pedidos.
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II-Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, vieram os AA. interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

A) Os AA não se conformam com a Douta sentença proferida nos autos, nomeadamente no que diz respeito à procuração – Doc. 20 junto com a pi - considerando que falta de registo do termo de autenticação não tem como consequência a nulidade da mesma e dos seus efeitos, uma vez que está em causa a entrega de valores monetários sem contrapartida, não depende de formalidade alguma externa;
B) Para os AA, a procuração através da qual as 1ª e 3ª Ré obtiveram os valores de certificados de aforro (n.º 202037756-1 no valor de € 6.308,01; n.º 35659300-5 no valor de € 8.132,45 e n.º 202060713-3 no valor de € 3.036,23), é inválida por falta de requisitos legais - falta de registo em sistema informático da Ordem dos advogados, por parte da advogada (4ª Ré) que elaborou o reconhecimento da assinatura e termo constante da procuração;
C) O primeiro certificado foi transferido para o IBAN PT50 ............77 titulada pela 3ª Ré Fábrica ... Paroquial ... de ... – Doc. 21 da pi;
D) Os dois últimos foram transferidos para o IBAN PT50 ............86, cujo titular é a 1ª Ré S. E. – Doc 22 da pi;
E) De acordo com o n.º 3 do artigo 363.º do Código Civil, Os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais;
F) O procedimento de autenticação do documento particular consiste, na confirmação do seu teor perante entidade dotada de fé pública – aqui no caso em, apreço Advogada – e a parte (neste caso a mandante da procuração) declarar estar inteirada do seu conteúdo e que este traduz a sua vontade, sendo ainda elaborado pela entidade um termo de autenticação, que deve ser lavrado em conformidade com os requisitos previstos nos artigos 150.º e 151.º do Código de Notariado (conter a declaração da parte de que leu o documento e está inteirada do seu conteúdo e que o mesmo exprime a sua vontade;
G) Finalmente exige-se ainda o registo informático a que se reporta a Portaria n.º 657-B/2006, de 29-06;
H) Se, quando à vontade da mandante da procuração e a sua consequente assinatura nos documentos em causa (procuração e termo) não foram retiradas todas as dúvidas e explicado o motivo pelo qual a mandante (pessoa de idade e nos últimos dias de vida) assinou dois documentos exactamente de forma igual ao seu bilhete de identidade – documento e assinatura de há 17 anos atrás, pois o relatório pericial de fls.. foi inconclusivo – não é possível formular qualquer conclusão relativamente à hipótese das assinaturas dos documentos referidos terem sido feitas pelo punho de M. A.,
I) Verifica-se claramente que a autenticação do documento/procuração padece de um vício que afecta a sua validade – não existe registo informático nos termos da Portaria n.º 657- B/2006, de 29-06.
J) No seguimento do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março – estabelece que (no caso concreto) os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março.
K) Pelo que tais autenticações feitas conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial - (devendo o artigo 363.º do CC este considerar-se tacitamente atualizado).
L) No entanto, por força do artigo 38º n.º 3, os referidos atos apenas podem ser validamente praticados mediante registo em sistema informático, devendo este gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o acto – ou seja – no termo, prevendo a lei até a hipótese de tal sistema informático não estar disponível para efectivação do registo e nessa situação, dentro do prazo máximo de 48 horas pode o advogado efectivá-lo - artigos 1.º e 4.° da Portaria 657-B/2006, de 29 de junho, devendo tal indisponibilidade ser expressamente referida no documento que o formaliza.
M) Ou seja, sem esse registo, ou menção de impossibilidade, a falta afecta a validade do acto de autenticação. deverá concluir-se que o documento não reúne os requisitos legalmente exigidos para que possa ser considerado valido, implicando que o documento particular não chega sequer a adquirir a natureza de documento particular autenticado!
N) Efectivamente, o nº 3 do artigo 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março expressamente condiciona a validade do acto de autenticação de documento particular ao registo em sistema informático nos termos definidos na citada Portaria nº 657-B/2006.
O) Segundo o respectivo artigo 3.º devem ser registados no sistema informático os seguintes elementos: Identificação da natureza e espécie dos actos; Identificação dos interessados, com menção do nome completo e do número do documento de identificação; Identificação da pessoa que pratica o acto; Data e hora de execução do acto; Número de identificação do acto.
P) Sem esse registo – como ´o caso da procuração dos autos, o documento enferma de um vício que não pode, de modo algum ser considerado de mera irregularidade, já que a falta assume natureza de formalidade essencial!
Q) Registo este cuja exigência legal se ancora em razões de segurança e certeza jurídicas sobre a exacta definição da data em que o documento particular adquiriu a natureza de documento particular autenticado,
R) Salvaguardando-se a fé pública associada a este tipo de documento que passa a ter a força probatória do documento autêntico.
S) Considerar, como considerou o Tribunal a quo, a procuração válida sem esse registo, contraria inadmissivelmente os artigos 377º e 371º do CC que estipulam e definem escrupulosamente a forma como documentos particulares adquirem força probatória dos documentos autênticos, e bem assim o enunciado no artigo 150º do Código do Notariado.
T) Por estes motivos não podem os AA aceitar que a entrega dos valores melhor identificados nos autos, possa ser validada com a justificação dada pelo Tribunal a quo de que a lei não exige qualquer formalidade externa – artigo 947º n.º 2 CPC.
U) A forma escolhida para a entrega dessa alegada liberalidade, foi através do instrumento de procuração, tendo sido contratada uma advogada para o fazer – uma das poucas entidades com poderes para fazer o documento pretendido mediante as exigências legais, exigências estas que não foram seguidas.
V) Para além disso, os valores entregues, apesar de estarem na disponibilidade de M. A., não estavam na sua posse, mas sim de uma entidade Y, que, se tivesse procedido como mandam as regras legais NUNCA teriam entregue os valores à procuradora - 5ª Ré.
W) Nunca colhendo os argumentos do Tribunal a quo de que não era exigível qualquer formalidade para esta entrega.
X) Aliás, aceitar esse argumento, põe em causa os mais básicos princípios de segurança e da ordem jurídica – artigo 2º CRP, deitando por terra todas as regras e cautelas na elaboração e registo desses documentos particulares que adquirem força de documento autêntico, considerando a decisão proferida que o acto de autenticação em causa é inútil, sem nenhuma relevância para segurança da ordem jurídica, e a sua falta inócua para os documentos a autenticar!
Y) Não tendo o documento as mínimas exigências legais para o efeito, deveria o Tribunal a quo ter considerado que a procuração padecia de vício de forma, por falta de cumprimento dos requisitos legais do termo de autenticação que a compõe e, em consequência, ser aquela considerada inválida e sem qualquer efeito, e a 1ª e 3ª Rés condenadas a restituir aos AA. os valores recebidos – 1ª Ré os valores de € 8.132,45 e € 3.036,23 e 3ª Ré a quantia de € 6.308,01.
Z) A sentença recorrida violou o disposto no artigo 2° da Constituição da República Portuguesa, o disposto nos artigos 377°, 371°, 362º, 363.º n.º 3, todos do Código Civil, os artigos 35º, nº 3, 150º e 151º do Código do Notariado, os artigos 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Maio e artigos 1.º e 3.º, n.º 1, al.ª a), 4.º da Portaria 657-B/2006 de 29 de Junho.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente Recurso, por provado, e em consequência, ser reconhecido que o documento particular – procuração dos autos, padece de vício de forma, por falta de cumprimento dos requisitos legais do termo de autenticação que o compõe, atendendo ao vício de nulidade de que padece, e em consequência condenar-se a 1ª e 3ª Rés a restituir os valores recebido melhor acima descritos, assim se fazendo, aliás com sempre, inteira e sã JUSTIÇA!!!
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Os RR. e a interveniente vieram apresentar as suas alegações, pugnando pela improcedência do recurso e a confirmação da decisão proferida.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir sobre a validade/invalidade das doações efectuadas através da intitulada procuração autenticada por não ter sido alvo de registo.
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Fundamentação de facto

Factos provados

1- Os Autores são os únicos herdeiros e legatários de M. A., contribuinte fiscal número ……… e com o bilhete de identidade ……… emitido pelo SIC de Viana do Castelo em 26 de Junho de 2003, com residência no Caminho da ..., n.º .., em Viana do Castelo (documentos juntos a fls. 18-20 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
2- M. A. nasceu no dia - de Outubro de 1935 (fls. 41 dos autos);
3- M. A. faleceu no dia - de Março de 2017 (documento junto a fls. 16 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
4- Os dois primeiros Autores são irmãos da falecida M. A. e os três restantes Autores são sobrinhos desta;
5- A referida M. A. sofreu de cancro da mama no ano de 2005;
6- Foi operada e tratada, ficando em remissão controlada até ao mês de Março de 2014, altura em que teve uma recaída com metástases nos pulmões, fígado e ossos;
7- M. A. inscreveu-se como sócia no Centro de Dia de ... no ano de 2004, sito na Rua ..., em ..., Viana do Castelo;
8- A ré S. E. é a Directora do Centro de Dia;
9- O Centro de Dia tinha, entre outras valências, entrega domiciliária de almoço, ajudava com deslocações ao médico, exames, hospitais, ATL, tendo carrinhas próprias para o efeito;
10- M. A. foi sempre uma pessoa muito activa mental e fisicamente e tinha um caderno onde apontava acontecimentos sobre si e sobre os seus familiares e amigos e onde apontava despesas/gastos;
11- A Directora do Centro de Dia, a Ré S. E., acompanhava pessoalmente M. A. nas consultas ao IPO, no Porto, explicando aos sobrinhos que se encontravam fora de ... os tratamentos a fazer, transportando-a no seu carro particular;
12- Ambas desenvolveram uma amizade, e M. A. começou também a dar prendas em aniversários, Páscoa e Natal, tanto à Ré S. E., como à filha desta, tendo oferecido um cordão de ouro à Ré S. E. e uns brincos em ouro à filha desta;
13- Quando a Ré S. E. teve problemas conjugais, M. A. deu-lhe grande apoio;
14- M. A., católica praticante, começou também a contribuir para a Igreja ..., igreja de sua paróquia e onde assistia às missas, tendo inclusive uma placa na igreja em seu nome: a) Microfone; b) Sino; c) Restauração de um Santo; d) Obras na capela; e) Tapete para a igreja;
15- No dia 27 de Fevereiro de 2008 foi outorgada uma escritura de doação no Cartório Notarial em …, na qual intervieram como outorgantes M. A. e D. L., na qualidade de pároco e em representação da Fábrica ... Paroquial de ..., tendo declarado a primeira outorgante “Que doa à representada do segundo outorgante o seguinte imóvel: Prédio rústico, composto de leira de cultivo, situado no lugar ..., freguesia de ... (..) inscrito na respectiva matriz sob o artigo (..) descrito na Conservatória do Registo Predial de sob o número …/..., registado a favor da doadora pela inscrição G apresentação vinte e um, de mil novecentos e noventa e um, dez dezassete a que atribui o valor de mil euros. (…) Declarou o segundo outorgante que para a Fábrica ... Paroquial de ..., que representa, aceita a presente doação, a que atribuem o valor de mil euros. (…)” – fls. 25 e 26 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
16- No dia 30 de Maio de 2007, foi outorgado testamento por M. A., na qualidade de testadora, nos seguintes termos: “Declarou a testadora que faz os seguintes legados: a) à sobrinha S. S., lega a casa de habitação com coberto e logradouro, onde ela testadora reside, no Caminho da ..., .., freguesia de ..., deste concelho, as duas leiras de monte, ambas na freguesia de ..., e uma bouça de mato no lugar , citada freguesia de ..., inscrita na matriz rústica sob o artigo …; b) aos sobrinhos M. P.. e C. P., lega em comum e parte iguais, a casa de habitação de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, situada em Bouça , mencionada freguesia de ..., todas as leiras de emparcelamento, em , referida freguesia de ..., e a leira de cultivo, situada em ..., aludida freguesia de .... Que revoga qualquer testamento anterior, nomeadamente o que celebrou no dia doze de Maio de dois mil e cinco, no Primeiro Cartório Notarial deste concelho, lavrado no Livro T, de folhas 91 e seguintes, cujo acervo documental está a meu cargo. (…)” – fls. 19 e 20 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
17- Em Setembro de 2014 foi efectuado o levantamento de um certificado de aforro da M. A. no valor de € 999,36 que foi transferido para a conta PT50 ............86, cuja titular é a Ré S. E.;
18- Em Novembro de 2015 foi efectuado o levantamento de um certificado de aforro de M. A. no valor de € 2.021,66 que foi transferido para a conta PT50 ............86 cuja titular é a Ré S. E.;
19- Em Abril de 2016 foi efectuado o levantamento de um certificado de aforro da M. A. no valor de € 1.005,56 que foi transferido para a conta PT50 ............86, cuja titular é a Ré S. E.;
20- Em Setembro de 2016, M. A. sofreu uma fractura no fémur originada pelas metástases do cancro, tendo sido hospitalizada e operada no Porto, ficando em cadeira de rodas;
21- Em meados de Outubro de 2016, M. A. foi transferida para o Lar …sito na Rua … nº …, em Viana do Castelo, para que efectuasse fisioterapia;
22- Em Dezembro de 2016, foi efectuado o levantamento de um certificado de aforro da M. A. no valor de € 2.000,78, valor transferido para a conta PT50 ............86, cuja titular é a Ré S. E.;
23- Em Janeiro 2017, M. A. tem líquido nos pulmões e teve novamente que ser hospitalizada, regressando ao lar com a necessidade de oxigénio de forma permanente (entre 20h/24h);
24- Em Fevereiro de 2017 M. A. foi seguida pelos cuidados paliativos do Hospital de Viana do Castelo, pelo médico Dr. J. M.;
25- No dia 9 de Março de 2017 teve uma crise com vómitos e diarreia;
26- No dia 13 de Março de 2017, pelas 10 horas M. A. foi consultada pelo médico Dr. J. M. do Hospital de …;
27- No dia 13 de Março de 2017, pelas 13 horas, foi elaborada uma procuração nos termos constantes do documento junto de fls. 36v a 38 dos autos e cujo o teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
28- M. A. faleceu no dia - de Março de 2017;
29- O Réu D. L. compareceu no escritório da Ré M. R. com os certificados de aforro por volta das 12 horas do dia 13 de Março de 2017;
30- Após ter sido operada em 2016, M. A. passou a deslocar-se em cadeira de rodas e, posteriormente, já no ano de 2017, com a ajuda de um andarilho;
31- O segundo Réu solicitou a elaboração da procuração à Ré M. R. e, posteriormente, os dois Réus (D. L. e M. R.) seguiram para o lar para efectivar a procuração;
32- O primeiro certificado referido em a) do artigo 72º da petição inicial (2020377756-1, no valor de € 6.308,01) foi transferido para o IBAN PT50 ............77 titulada pela terceira Ré Fábrica ... Paroquial ... de ... (fls. 38v dos autos);
33- Os dois últimos (b) e c) do artigo 72º da petição inicial – 35659300-5 no valor de € 8.132,45 e 202060713-3 no valor de 3.036,23) foram transferidos para o IBAN PT50 ............86, cujo titular é a primeira Ré S. E. (fls. 39 dos autos);
34- M. A. tinha os seus irmãos, sobrinha e amigas em ..., a 10 quilómetros do local onde se encontrava;
35- O termo de autenticação da procuração não foi registado no sistema informático da Ordem dos Advogados;
36- A Ré M. V. fez o levantamento dos certificados de aforro no dia 13 de Março de 2017;
37- No dia 13 de Março de 2017 foi formulado pedido a solicitar a alteração dos beneficiários, nas apólices de seguro ……… (beneficiário M. P.), ……… (beneficiária S. S.) e ……… (beneficiário M. P.) da Companhia de Seguros W S.A.;
38- Na sequência do pedido formulado, foram alterados os beneficiários, passando a figurar como beneficiária a Ré S. E., desde o dia 14 de Março de 2017;
39- A Ré M. R. foi contactada no seu escritório no dia 13 de Março, pelas 12h, pelo segundo Réu D. L.;
40- O segundo Réu explicou à Ré M. R. que tinha sido incumbido pela Sra. M. A., pessoa com cerca de 80 anos, que se encontrava na Residência ..., num estado de acamada, de encontrar uma pessoa que lhe pudesse efectuar uma procuração;
41- Mais transmitiu o segundo Réu que a referida M. A. pretendia nomear M. V. para em seu nome poder proceder ao levantamento de dinheiro depositado em certificados de aforro;
42- O segundo Réu já ia munido dos documentos de identificação da mandante e da mandatária e dos certificados de aforro;
43- Perante as informações do Réu, a Ré M. R. fez constar da procuração que elaborou o que lhe havia sido transmitido como sendo a vontade da mandante;
44- A ré elaborou a procuração e o termo de autenticação;
45- Imprimiu no seu escritório os aludidos documentos;
46- Saindo, na companhia do segundo réu, o qual a conduziu ao local onde se encontrava a referida M. A.;
47- A Ré, na altura, encontrava-se grávida de 31 semanas e já tinha tido complicações na gravidez, tendo estado internada na Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE, entre os dias 8 de Março de 2017 a 10 de Março de 2017;
48- Tendo-lhe sido determinado descanso absoluto;
49- A Ré M. R. conversou com M. A. para perceber o que esta pretendia e qual a sua vontade;
50- E leu-lhe a procuração e o termo de autenticação por si elaborados;
51- Após, M. A. assinou a procuração e o termo de autenticação que lhe foram apresentados pela Ré M. R.;
52- A Ré M. R. saiu do local, sendo aguardada pelo seu companheiro;
53- E não mais regressou ao escritório, por determinação da sua médica obstetra;
54- A Ré M. R. foi internada de urgência no dia 20 de Março de 2017, pelas 11h e 55m onde permaneceu até ao dia 25 de Março de 2017;
55- O nascimento ocorreu no dia - de Março de 2017, às 33 semanas e 5 dias de gestação;
56- A Ré transferiu a sua responsabilidade civil profissional para a X Seguros Gerais, S.A. através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ............37/0 – documento junto a fls. 66 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
57- O Réu D. L. conheceu M. A. em Outubro de 2005, no Centro de Dia de ..., ingressando, nessa data, como Pároco daquela freguesia;
58- M. A. foi uma pessoa de personalidade forte e independente;
59- Sempre foi uma pessoa activa mental e fisicamente;
60- Quando a Ré S. E. se começou a relacionar com M. A. esta vivia sozinha e passou a contar com o apoio daquela, auxiliando-a na doença, nos afazeres domésticos, partilhando confidências e levando-a a passear;
61- M. A. convivia com a Ré S. E. e a sua família, passando a partilhar as festividades de Natal, Páscoa, aniversários e festas familiares;
62- A relação entre M. A. e a Ré S. E. era similar à relação de mãe e filha, convivendo diariamente;
63- Quando o estado de saúde de M. A. se agravou, a Ré S. E. continuou a acompanhá-la e a apoiá-la, marcando as consultas médicas e os exames, transportando-a no seu carro e acompanhando-a nos actos médicos, ao médico de família, aos médicos especialistas, ao Hospital da …, no Porto, na realização de análises, TAC´s, RX’s e no IPO, no Porto;
64- Após o diagnóstico de carcinoma metastásico, atingindo vários órgãos, M. A. passou a ser assistida no IPO, no Porto, onde iniciou tratamento;
65- Era acompanhada e transportada pela Ré S. E., no veículo desta, em todas as sessões, consultas, exames e tratamentos;
66- M. A. viveu um período de tempo em casa da Ré S. E., onde pernoitou, consumiu as refeições preparadas pela Ré e de quem recebeu cuidados e tratamentos na higiene;
67- Após melhoras, M. A. regressou a sua casa, local onde a Ré S. E. se deslocava diariamente, ajudando-a com a medicação, preparação de refeições e lides domésticas, auxiliando-a na higiene ou assegurando-se que alguém prestaria auxílio à referida senhora;
68- No momento da entrada de M. A. na Residência ..., a Ré S. E. providenciou pelo seu ingresso e pela celebração do contrato;
69- Na celebração do contrato de ingresso de M. A. na Residência ..., a Ré S. E. assinou o termo de representante e ficou responsável pela residente;
70- Desde que M. A. ingressou na residência acima referida, a Ré S. E. visitou-a diariamente até ao último dia da sua vida;
71- M. A. era uma pessoa determinada e permaneceu lúcida até à data da morte;
72- A Ré M. V. tomou conhecimento do teor da procuração através do Réu D. L. e deu-lhe execução, celebrando aqueles actos em nome de M. A.;
73- No dia 31 de Março de 1992, E. P. outorgou testamento no Cartório Notarial de …, nos termos constantes do documento junto a fls. 113 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
74- Foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional celebrado entre a X Seguros S.A. e a Ordem dos Advogados de Portugal titulado pela apólice de seguro ............58/6 – documento junto a fls. 153v e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
75- Com início em 1 de Janeiro de 2014;
76- A interveniente assumiu, até ao dia 31 de Dezembro de 2017, perante o tomador de seguro (Ordem dos Advogados), nos termos definidos nas condições particulares do contrato, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da actividade de advocacia, conforme regulado no estatuto da Ordem dos Advogados, desenvolvida pelos seus segurados (advogados com a inscrição em vigor);
77- Garantindo, até ao limite do capital seguro e nos termos expressamente previstos nas condições particulares da apólice de seguro, o pagamento de indemnizações “pelos prejuízos patrimoniais e/ou não patrimoniais causados a terceiros, por dolo, erro, omissão ou negligência, cometido pelo segurado ou por pessoal pelo qual deva legalmente responder no desempenho da actividade profissional ou no exercício de funções nos órgãos da Ordem dos Advogados” – artigo 2º, nº 1 das condições especiais do contrato;
78- Até 31 de Dezembro de 2017 esteve em vigor a apólice de seguro ............58/6, sendo o limite indemnizatório máximo contratado para o seu período de vigência fixado em € 150.000,00;
79- Estabelecendo o contrato uma franquia a cargo do segurado no valor de € 5.000,00, por sinistro;
80- A Ré M. R. subscreveu, em 4 de Setembro de 2017, uma proposta de seguro de reforço de capital, manifestando a sua intenção de aumentar em € 150.000,00 o capital seguro, previsto no âmbito da apólice de RC profissional base da Ordem dos Advogados (apólice n.º ............58);
81- Pretendendo a Ré, igualmente, eliminar o valor devido pelos segurados a título de franquia contratual por qualquer eventual sinistro coberto/indemnizável nos termos previstos no contrato de seguro titulado pela apólice ............58 – documento junto a fls. 166 e seguintes e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
82- A partir de 1 de Janeiro de 2018 a apólice deixou de garantir a eliminação de franquia;
83- Entre 4 de Setembro de 2017 e 31 de Dezembro de 2017 o seguro funcionou em excesso da apólice ............58 e com eliminação de franquia;
84- E, de 1 de Janeiro de 2018 a 4 de Setembro de 2018 apenas em excesso de capital -documentos juntos aos autos a fls. 153v-187 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
85- Com início em 4 de Setembro de 2017, a interveniente emitiu a apólice de seguro de reforço n.º ............37, regendo-se pelas condições contratuais previstas nas cláusulas anexas das condições particulares juntas a fls. 166 e seguintes dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
86- Nos termos previstos na cláusula 4.ª das Condições Especiais da apólice ............58/6 e ............37 (sob epígrafe “DELIMITAÇÃO TEMPORAL”) “É expressamente aceite pelo tomador do seguro e pelos segurados que a presente apólice será competente exclusivamente para as reclamações que sejam apresentadas pela primeira vez no âmbito da presente apólice: a) Contra o segurado e notificadas ao segurador; b) Contra o segurador em exercício de acção direta; c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto (…)”;
87- Nos termos previstos na cláusula 7.ª das condições especiais da apólice ............58 e ............37 (sob a epígrafe “ÂMBITO TEMPORAL”), “O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal da retroatividade”;
88- Prevendo ainda que “Pelo contrário, uma vez rescindida ou vencida e não renovada a presente apólice, o segurador não será obrigado a assumir qualquer sinistro cuja reclamação seja apresentada após a data da rescisão ou término do contrato, sem prejuízo sempre de norma ou princípio mais favoráveis da legislação portuguesa reguladora do contrato de seguro e da atividade seguradora”;
89- Nos termos da cláusula 10.ª das Condições Particulares do contrato (“CX310 -CONDIÇÕES PARTICULARES DO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL”), que o “PERÍODO DE COBERTURA” da apólice será: “Temporário por 12 meses, com data de início às 0,00 horas do dia 01 de janeiro de 2016 e termo às 0,00 horas do dia 01 de janeiro de 2017” – fls. 156v dos autos;
90- Nos termos previstos no artigo 1.º, n.º 6 das Condições Especiais (“CX315 -CONDIÇÃO ESPECIAL DE RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL”), entende-se por “Período de Seguro”, “o período compreendido entre a data de início e a de vencimento da presente apólice especificadas nas Condições Particulares, ou entre a data de início e a de rescisão, resolução ou extinção efetiva do contrato de seguro, se forem anteriores à de vencimento” – fls. 158 dos autos;
91- A reclamação da situação em apreço nos autos foi pela primeira vez apresentada à Seguradora Interveniente, com a citação para a presente acção, em 4 de Outubro de 2018;
92- Data em que já haviam cessado os efeitos e/ou coberturas previstas na apólice n.º ............58 e na apólice n.º ............37 contratadas com a interveniente X, S.A.;
93- Não tendo a interveniente, por nenhum outro meio, tido conhecimento da ocorrência em causa nos autos, nomeadamente até ao termo da vigência do contrato de seguro celebrado com a Ordem dos Advogados, e, bem assim, até ao termo da vigência do contrato de seguro celebrado com a Ré M. R.;
94- Nos termos previstos na alínea a) do artigo 3.º das Condições Particulares da apólice ............58 e ............37,Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do segurado, à data de início do período de seguro, e que tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação” – fls. 159 dos autos;
95- Encontrando-se o âmbito de cobertura temporal da referida apólice delimitado nos termos previstos no ponto 4., e bem assim nos artigos 3.º, alínea a) e 4.º das cláusulas anexas das condições particulares, será a referida apólice de seguro “exclusivamente competente para garantir as reclamações que sejam pela primeira vez apresentadas: a) Contra o segurado e notificadas ao segurador, ou b) Contra o segurador em exercício de ação direta; c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto, com fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado, após a data retroativa”;
96- Em Setembro de 2017 a Ré M. R. tem conhecimento dos factos e/ou circunstâncias passíveis de gerar uma reclamação com base na sua responsabilização civil perante os Autores.
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Factos não provados

-Por essa ajuda, e segundo a própria M. A. indicou aos seus familiares, a Directora - Ré S. E. - era compensada já que aquela pagava a gasolina, almoço, parking;
-As despesas pessoais de M. A., medicamentos, água, luz, telefone, alimentação e algum extra necessário eram sempre pagos pela própria;
-O campo foi vendido pela Paróquia um ano depois pelo valor de € 42.0000,00.
-Foram os Autores quem tomaram a decisão da transferência de M. A. para o Lar Areosa ....
-As ideias da família de a transferir do lar para a sua própria casa são adiadas devido ao frio e ao estado de evolução da doença.
-No dia 10 de Março de 2017, com o completo desconhecimento da família, foi dada a Extrema-Unção à tia dos Autores pelo segundo Réu D. L..
-Nos dias seguintes ao falecimento, os familiares de M. A., aqui Autores, recepcionaram em casa da falecida uma carta da Companhia de Seguros W com três apólices onde a beneficiaria era a Ré S. E., totalizando a quantia de quase € 18.000,00.
-Confrontada a Ré S. E. com esse facto a mesma indicou surpresa e disse que nada sabia sobre essas apólices a seu favor.
-Confrontada telefonicamente pela Autora S. S. do resgate de € 17.476,69 no dia 13 de Março de 2017 em certificados de aforro, a ré S. E. negou o conhecimento de tal facto.
-Os certificados de aforro sempre estiverem e deveriam estar em casa de M. A..
-A única pessoa que tinha a chave de casa de M. A., para além da família, era a primeira Ré S. E.;
-Os Autores confrontaram a Ré M. V. que os informou que desconhecia o motivo da procuração, não falou com a mandante sobre a procuração ou para verificar se essa era a sua vontade; não conhecia ou sequer viu a advogada que fez a procuração.
-A procuração não foi assinada pelo próprio punho de M. A.;
-A procuração não corresponde à vontade de M. A.;
-Os réus S. E. e D. L. exerciam influência sobre M. A. e levaram-na a efectuar liberalidades que de uma livre vontade e consciência não faria.
-A primeira Ré S. E. durante os anos de convívio com a M. A., para além de ser directora do centro de dia que a auxiliava, sempre escondeu dos seus familiares que recebeu € 17.196,04 sem qualquer motivo ou causa, só em certificados de aforro;
-Sempre apregoou que auxiliava por mera gratidão e amizade;
-Nunca solicitou à família ou mencionou quaisquer gastos ou sequer M. A. necessitava deles – era ela própria que os adquiria e depois de ficar limitada, o lar fornecia todo e qualquer bem que necessitasse incluídos por isso na factura mensal paga pela família – aqui Autores;
-Desde a chegada à paróquia que o Réu D. L. exerceu influência sobre M. A.;
-O Réu D. L. era Assistente Espiritual de M. A.;
-Foi o segundo Réu D. L. quem deu ordem à procuradora para ir proceder ao levantamento dos certificados de aforro, de modo a que a comissão que o próprio administra beneficiasse do sobredito valor.
-Não era intenção da M. A. entregar os aludidos valores.
-Havendo por isso um claro aproveitamento, nos últimos dias da sua doença (terminal por sinal) por parte dos 1ª e 2º Réus com o auxílio da 4ª e 5ª Rés;
-Os Autores encontram-se profundamente chocados com o ocorrido.
-Pessoas que se fizeram suas amigas e de M. A. e que ofereciam ajuda “apregoadamente” desinteressada.
-Sentem enorme desgosto do ocorrido com a sua familiar, vivendo os últimos meses em stress tentando descobrir e deslindar toda esta história.
-A falecida M. A. não mandatou a Ré M. V. para proceder ao levantamento dos certificados de aforro.
-E não tinha a intenção de os entregar aos Réus S. E. e Comissão Fabriqueira.
-A Ré S. E. tinha a chave de M. A. e acesso a todos os documentos desta.
-O terreno em causa foi vendido pelo preço de € 46.250,00, tendo sido adquirido outro pelo preço de € 87.250,00.
*
Fundamentação jurídica

Os Autores peticionaram na acção, entre o mais, a declaração de nulidade da procuração a que se reporta o Documento n.º 20/fls. 38, do p.p., e a consequente anulação das liberalidades efectuadas, com restituição das respectivas quantias.
Fundamentaram esse pedido na falta de registo da referida procuração nos termos do artigo 38.º do Decreto Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março e Portaria 657-B/2006, de 29 de Junho.
Posição essa não seguida pelo tribunal a quo e que constitui, no essencial, o cerne do presente recurso.
A definição do que são documentos autênticos ou particulares autenticados encontra-se no artigo 363.°, do Cód. Civil, ao estipular-se no seu n.º 2, que apenas são autênticos os que forem exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública, e que todos os outros documentos são particulares. Por sua vez, nos termos do seu n.º 3, os documentos particulares são havidos por autenticados, se forem confirmados pelas partes perante o notário, nos termos prescritos nas leis notariais.
No que respeita aos documentos particulares e à possibilidade da sua certificação/autenticação, veio estabelecer-se no artigo 38.º, n. ° 1, do Decreto-Lei n. ° 76-A/2006, de 29 de Março, que sem prejuízo da competência atribuída a outras entidades, as câmaras de comércio e indústria, reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.º 244/92, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial, prescrevendo-se no seu n. ° 2 que os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial.
No entanto, por força do seu n.º 3, os referidos actos apenas podem ser validamente praticados pelas aludidas entidades mediante registo em sistema informático, cujo funcionamento, respectivos termos e custos associados são definidos por portaria do Ministro da Justiça.
Assim, para além da observância dos requisitos comuns formais previstos no artigo 151.º do mesmo diploma, necessário se torna, ainda, proceder ao imediato registo do acto, como se referiu, no respetivo sistema informático ou, em caso de indisponibilidade, dentro do prazo máximo de 48 horas (cfr. artigos 1.º e 4.° da Portaria 657-B/2006, de 29 de Junho), sob pena de se considerar que o documento não reúne os requisitos legalmente exigidos.

No caso dos autos, está em causa uma procuração elaborada pela Ré M. R. nos termos constantes do documento nº 20 junto com a petição inicial (fls. 38 dos autos), através da qual M. A. declarou constituir sua procuradora M. V. para, junto dos Y, requerer o resgate, movimentação e transferência dos certificados de aforro de que era única titular para as contas bancárias dos titulares por si identificados.
Constata-se, assim, que M. A. mandatou, como sua procuradora, M. V., para em seu nome praticar os actos definidos no documento intitulado de procuração, nos termos dos arts. 1157.º, n.º 1, 1178.º, n.º 1 e 262.º, todos do Cód. Civil.
Trata-se, pois, da exteriorização expressa, em documento designado de procuração, da vontade da referida M. A. que, por via de tal acto, não mais pretendeu do que efectuar as liberalidades aí consignadas.
Já quanto aos poderes em si outorgados, a procuração pode ser geral, se abrange os actos de natureza patrimonial, ditos de administração ordinária, ou especial, quando ao representante é permitida a prática dos actos especificamente previstos bem como dos actos necessários à sua execução.
Como refere Maria Helena Brito, in ‘A Representação nos contratos internacionais – Um contributo para o estudo do princípio da coerência do direito internacional privado’, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 124, “o[O] acto de atribuição de poderes é também funcional e estruturalmente independente em relação ao negócio jurídico representativo”, isto é, há autonomia do poder de representação face ao negócio jurídico celebrado pelo representante e terceiro, apontando-se como símbolo desta autonomia o regime vertido no artigo 259.° do Cód. Civil.
Tendo em conta a independência da procuração relativamente ao negócio representativo, seria de esperar que, no domínio da forma, a regra para aquela fosse a não exigência da solenidade requerida para este.
Contudo, o nosso legislador consagrou, como regra geral, a sujeição da procuração à forma exigida para o negócio principal, nos termos preceituados no artigo 262.°, n.° 2, ao referir que “Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.”
Assim, a ratio subjacente à exigência de forma legal para a conclusão de certos negócios jurídicos (v.g. artigos 875.° e 947, n.° 1, do CC, no tocante a bens imóveis, e artigo 80.° do Código do Notariado) obriga à adopção de formalismo idêntico pela procuração atributiva de poderes representativos para a celebração destes negócios. De outro modo, as razões de garantia de ponderação das partes, de publicidade e de segurança jurídica que estão na base da necessidade da observância das solenidades para alguns negócios representativos (ditos formais) não seriam salvaguardadas.
Como tal, é de fazer depender a forma da procuração da finalidade das formalidades exigidas para o negócio principal.
Nos casos em que essa finalidade consista apenas em obter prova segura acerca do acto (formalidades ad probationem), tem-se entendido que a outorga de poderes de representação não carece da forma prescrita para aquele negócio – neste sentido Oliveira de Ascensão, Direito Civil-Teoria Geral, vol. II, 2.ª ed., pg. 69.
Para esse fim, ter-se-ia de olhar às finalidades do formalismo requerido para o negócio representativo para decidir da aplicabilidade ou inaplicabilidade de tal formalismo ao negócio de concessão de poderes – vide Rui de Alarcão, “Breve Motivação do Anteprojecto sobre o Negócio Jurídico na Parte Relativa ao Erro, Dolo, Coacção, Representação, Condição e Objecto Negocial”, in Boletim do Ministério da Justiça, n.° 138, 1964, pág. 106.
Sendo já a forma legal estabelecida ad substantiam, a regra vertida no citado artigo 262.°, n.° 2, do CC, deverá ser a aplicável – cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, pg. 434.
Daqui decorre que a procuração pode ser verbal ou escrita, consoante os negócios a concluir sejam consensuais ou requeiram forma escrita, pelo que, para os casos em que se exija para o acto apenas a forma escrita, a procuração pode igualmente ser passada por escrito.
Nessa medida, se é certo que as procurações que devam ser lavradas nos termos do art. 116.º, do Cód. Notariado, o devam ser por instrumento público, por documento escrito e assinado pelo representado com reconhecimento presencial da letra e assinatura ou por documento autenticado ou, ainda, por outro instrumento público, tendo em consideração que a legalização do documento por um qualquer desses meios contempla o seu valor formal e não substancial, importa, caso a caso, verificar a suficiência do documento para o fim a que se destina.

Ora, no presente caso, embora se reconheça que, não tendo o respectivo termo de autenticação elaborado pela advogada (Ré M. R.) sido registado (ponto 35- dos factos provados), tal implica, face aos preceitos citados (art. 38.º. n.º 3, do DL n.º 76-A/2006, de 29.3, e arts. 1.º e 4.º, da Portaria 657-B/2006, de 29.6), com base nos quais os AA./Recorrentes fundamentam a sua discordância, que o mesmo não possa valer como tal, conforme se defendeu já no acórdão proferido no proc. 2580/20.5T8GMR-B.G1, a 17.12.2020, o facto é que não deixa de produzir os seus efeitos como documento particular não autenticado.
Poo outro lado, na verdade, também não se pode confundir a invalidade do termo de autenticação, com base no facto de não se ter procedido ao registo, com a validade do acto corporizado no documento para os efeitos visados, de doar, na medida em que, como se preceitua no artigo 947.º, n.º 2, do C.C., a doação de bem móvel não depende de formalidade alguma, quando acompanhada de tradição da coisa, podendo ser feita por mero escrito, quando não é acompanhada dessa tradição.

Face ao exposto é, pois, de considerar válida a doação corporizada no documento escrito posto em causa por via do presente recurso, sendo, assim, de manter o decidido, com a consequente improcedência do recurso.
*
III- Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso improcedente, devendo, em consequência, ser mantida a decisão em conformidade com o exposto.
Custas pelos recorrentes.
Registe e notifique.
*
Guimarães, 28.1.2021
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária e é por todos assinado electronicamente)

Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida