Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | RAQUEL BAPTISTA TAVARES | ||
Descritores: | CONTRATO DE SEGURO MULTIRRISCOS INDÚSTRIA INDEMNIZAÇÃO POR LUCROS CESSANTES DEVERES ACESSÓRIOS DE CONDUTA DEVER DE INFORMAÇÃO E CELERIDADE LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 05/11/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - As seguradoras devem garantir a gestão célere e eficiente dos processos de sinistro, procedendo com a adequada prontidão e diligência às averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos, estando sujeitas a deveres de averiguação, confirmação e resolução dum sinistro em prazo razoável, os quais configuram verdadeiros deveres acessórios de conduta decorrentes do dever geral de boa-fé (cfr. art. 762.º, n.º 2 do CC). II - A violação desses deveres acessórios de conduta constitui a seguradora na obrigação de indemnização pelos danos que dessa forma hajam sido causados ao segurado. III - Assim, não obstante a cobertura de lucros cessantes não se encontrar contemplada no contrato de seguro, assistirá ao tomador o direito de ser indemnizado pelos prejuízos que sofreu em consequência do sinistro ocorrido, por ter ficado sem poder utilizar o equipamento (máquina) na sua laboração diária, tendo a indemnização pelo dano/lucros cessantes origem na responsabilidade contratual, por violação dos deveres acessórios de conduta por parte da seguradora. IV - Porém, tal obrigação apenas decorre para os danos sofridos como consequência dessa violação de deveres acessórios. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório X MARMORISTA UNIPESSOAL, LDA., sociedade unipessoal por quotas de responsabilidade limitada, com sede em lugar da ..., ..., Vila Real, instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Y SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia global de €31. 599,00. Alegou, para tanto e em síntese, que no exercício da sua atividade comercial, celebrou um contrato de seguro do ramo «Multirriscos Indústria», titulado pela apólice n.º .........40, conforme condições particulares e especiais, sendo que, de acordo com as “Condições Particulares e Especiais” dessa apólice de seguro, a Ré, além de outros danos, responde civilmente pelos prejuízos decorrentes de danos em equipamento industrial e por riscos elétricos. Alega ainda que no dia 10/05/2020, a cidade de Vila Real foi atingida por um temporal, com trovoadas fortes e que em 11/05/2020, no início da sua laboração, ao ligar a máquina de corte de pedra, marca “W”, constatou que a mesma não funcionava, pelo que chamou um técnico que se deslocou ao local, em 11/05/2020. Mais alegou que depois de lhe ter sido entregue o “Relatório de Avaria” e a “Fatura Proforma”, em 18/05/2020, a Autora participou o sinistro à Ré com a anexação dos aludidos relatórios e fatura, e, por missiva datada de 24/07/2020, cerca de 2 meses depois da visita do perito da Ré, esta comunicou a recusa da responsabilidade, por entender que o sinistro em crise não se enquadra nas garantias da sua apólice, uma vez que do teor daquela missiva é lá descrito que a apólice não cobre o sinistro por a máquina em causa ter 19 anos e que de acordo com o clausulado na apólice, os danos em equipamentos com mais de 10 anos de fabrico estão excluídos. Que do teor das “Condições particulares e Especiais” não resulta qualquer exclusão por efeito da idade das máquinas que fazem parte do acervo industrial da Autora, pois se aquando da celebração do contrato de seguro tivesse sido esclarecido à Autora que se encontravam excluídas da responsabilidade da R. as máquinas com idade superior a 10 anos, jamais a Autora outorgaria tal contrato, uma vez que todas as máquinas que fazem parte do seu acervo industrial têm idade superior a 10 anos. Regularmente citada, a Ré defendeu-se por impugnação e por exceção, reconhecendo ter celebrado com a Autora o contrato de seguro do ramo “Multirriscos Indústria”, titulado pela Apólice n.º .........40, que inclui, entre o mais, a responsabilidade por danos ocorridos no conteúdo da Fábrica de artigos de granito e de rochas da Autora, no qual se encontram incluídas as garantias complementares de “Riscos Elétricos” e “Danos em Equipamento Industrial”, tendo cada uma das mencionadas coberturas o limite de €12.500,00 e tendo ficado convencionada, quanto à cobertura de “Riscos Elétricos” uma franquia de 10% do valor de sinistro, com o mínimo de €50,00 e o máximo de €500,00 e quanto à cobertura de “Danos em Equipamento Industrial” uma franquia de 10% do valor de sinistro, no mínimo de €250,00. Mais alega que relativamente à cobertura de Riscos Elétricos, dispõe a Apólice de Seguro em vigor, no ponto n.º 2 da CONDIÇÃO ESPECIAL 15 - RISCOS ELÉTRICOS, sob a epígrafe “Exclusões” que “Ficam excluídos do âmbito desta garantia complementar os danos: e) Que afetem equipamentos administrativos com mais de cinco anos de fabrico; f) Que afetem equipamentos da atividade com mais de dez anos de fabrico”. E, no que respeita à cobertura de Danos em Equipamentos da Atividade, dispõe, igualmente, a mesma Apólice de Seguro em vigor, no n.º 2 da CONDIÇÃO ESPECIAL 18 - DANOS EM EQUIPAMENTOS ADMINISTRATIVOS E EM EQUIPAMENTOS DA ATIVIDADE, sob a epígrafe “Exclusões” que “1. Para além das exclusões constantes do Artigo 4. das Condições Gerais, ficam igualmente excluídas do âmbito de cobertura desta garantia as perdas ou danos verificados: em equipamentos administrativos com mais de cinco anos de fabrico; em equipamentos da atividade com mais de dez anos de fabrico”. Entende a Ré que, como alega a Autora, o equipamento cujos danos são reclamados, tem mais de 10 anos de idade, está in casu afastada a responsabilidade da demandada e esta mostra-se exonerada da obrigação de indemnizar. A Autora veio a responder à matéria de exceção, alegando que nada do que a Ré alega no seu articulado está conforme o clausulado das “Condições Gerais”, ou seja, do teor das cláusulas não se encontra lá determinada a exclusão de responsabilidade em equipamentos da atividade com mais de 10 anos de fabrico, que a Ré alega em sua defesa e que, para além das “Condições Particulares”, a Ré nunca entregou à Autora as “Condições Gerais” aqui em crise e, não fazia qualquer sentido a um pater famílias medio celebrar com a Ré o contrato de seguro em mérito com as exclusões alegadas pela mesma, na medida em que todas as máquinas de laboração da Autora têm mais de 10 anos de idade. Mais alegou que a Ré em momento algum deu cumprimento às suas obrigações de informação e esclarecimento, designadamente, as previstas nos artigos 18º a 21º do DL 72/2008. Foi dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador e despacho destinado à identificação do objecto do litígio e a enunciar os temas da prova. Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Em face do exposto, nos presentes autos de ação declarativa, sob a forma de processo comum, julga-se parcialmente procedente por provada a presente ação e em consequência decide-se: 1- Condenar a Ré Y SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, a pagar à Autora X MARMORISTA UNIPESSOAL, LDA., a quantia de 7.749,00 euros, (sete mil setecentos e quarenta e nove euros) acrescida de juros legais, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento - deduzindo-se o montante atinente à franquia respetiva. 2- Absolver a Ré Y SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, do demais peticionado pela Autora. ***** Nos termos do artigo 527.º n.º 1, do CPC, “a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa, ou não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”No n.º 2, do mesmo artigo “entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.” Resulta do artigo 607.º n.º 6, do CPC que, no final da Sentença, o juiz deve condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade. Assim, nos termos conjugados, pelos artigos 607.º n.º 6, 527.º n.º 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, as custas da presente ação, serão suportadas na proporção de 80% para a Ré Seguradora Y SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, e 20% para a Autora. Registe e notifique.” Inconformada, apelou Autora da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1 – A Recorrente não se conforma com a d. sentença em reapreciação porquanto na mesma apresenta, com o devido respeito, inadequada aplicação das regras de direito na parte em que absolve a recorrida dos pedidos de indemnização pelas perdas e danos sofridos pela recorrente e de litigância de má-fé. 2 – A Apelante conforma-se com a decisão na parte em que imputa a responsabilidade de indemnização pela avaria da máquina industrial à recorrida, bem como a quantia de 7.749,00 euros, (sete mil setecentos e quarenta e nove euros) em que a mesma foi condenada a pagar. 3 - Todavia, e quanto ao demais, andou mal a Mma. Juiz a quo, quanto à obrigação da Seguradora indemnizar por perdas e danos, ao entender que não se encontra convencionado, no contrato de seguro de multirriscos indústria, que é composto pelas “CONDIÇÕES PARTICULARES” e pelas “CONDIÇÕES-GERAIS e ESPECIAIS”, a cobertura sobre os lucros cessantes resultantes do sinistro e de, por isso mesmo, tal indemnização estar excluída pelo nº 2, do art. 130º do D.L. 72/2008, de 16 de abril. 4 - Conforme resulta do teor do art. 20º, da cláusula 5ª, das “Condições Gerais e Especiais”, juntas pela recorrida com a sua contestação, encontra-se lá convencionado que a seguradora responde por perdas e danos quando as averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e a avaliação dos danos não são efetuados pela seguradora com prontidão e diligência. 5 - Ou seja, em face do convencionado, é à Seguradora quem compete agir de forma diligente e com prontidão, para que o dano seja reparado, sendo que as implicações danosas emergentes do decurso do tempo correm por conta do obrigado à reparação do dano, que é a Seguradora. 6 - Está assente na d. sentença em reapreciação – Vide pontos 20 a 23, 29, 30, 32 e 35 a 40 dos factos dados como provados - que a A/recorrente, depois de lhe ter sido entregue o “Relatório da Avaria”: - Em 18/05/2020, efetuou a participação do sinistro à R.; - Em 22/05/2020, deslocou-se à sede da A. um perito a mando da R.; - O gerente da A. comunicou ao perito que a máquina é o instrumento fundamental para o normal funcionamento da atividade da A. e que já se havia comprometido com o fornecimento de bens a clientes e que, por isso mesmo, fosse tomada uma decisão de reparação célere; - Em 24/07/2020, cerca de dois meses e cinco dias, a R/recorrida comunica a recusa de responsabilidade com o fundamento que o sinistro não se enquadra nas garantias da apólice. - Por efeito da máquina estar parada durante 47 dias consecutivos, a A/recorrente perdeu dois clientes, que lhe causaram um prejuízo de 23.850,00 € (vinte e três mil oitocentos e cinquenta euros) (18.450,00 € + 5.400,00 € = 23.850,00 €). 7 - As seguradoras estão obrigadas ao dever de: a) Atuar de forma diligente, equitativa e transparente no seu relacionamento com os tomadores de seguros, segurados, beneficiários e terceiros lesados - cfr. art. 153º, nº 1 da Lei 147/2015, de 9 de setembro; b) Averiguação, confirmação e resolução dum sinistro, em prazo razoável - art. 20º, da cláusula 5ª, das “Condições Gerais e Especiais”. 8 - Deveres estes que configuram verdadeiros deveres (legais) acessórios de conduta, pelo que, quando tais deveres não são cumpridos pela seguradora em prazo razoável, são violados tais deveres (legais) acessórios de conduta, obrigando tal violação à indemnização pelos danos que assim hajam sido causados ao segurado/beneficiário. 9 - Destarte, age em violação de deveres acessórios de conduta a seguradora que, depois de ter recebido a participação de sinistro, vem, cerca de 2 meses e cinco dias depois, sem justificação adequada e violando deveres de informação, comunicar à segurada a sua não assunção de responsabilidade pelo ressarcimento do sinistro participado e depois de saber que sem o funcionamento da máquina sinistrada a laboração da recorrente estava parada. 10 - De salientar que os prejuízos da recorrente só não foram superiores, uma vez que esta, face à omissão de resposta da recorrida em prazo razoável, consertou, a expensas suas, a máquina avariada. 11 - A recorrida ao demorar mais de dois meses na averiguação, confirmação e resolução do sinistro, demorou mais do que o razoável, violando, desta forma, o equilíbrio contratual e rompendo a colaboração intersubjetiva, o que causou os referidos danos na pessoa do beneficiário do seguro. 12 - Pelo que não restava outra alternativa à Mma. Juiz a quo que não fosse a de condenar a recorrida a indemnizar a recorrente por perdas e danos por manifesta falta de diligência e prontidão nos procedimentos de averiguação, confirmação e resolução do sinistro em mérito. 13 - Mas existem, ainda, outros factos que, apesar de se encontrarem provados na d. sentença e de capital importância para a defesa da recorrente, são ignorados na avaliação jurídica da d. sentença e que fazem com que a fundamentação de direito claudique por erro nos pressupostos. 14 - No caso sub judice e conforme alegado pela recorrente na sua p.i., a questão que se coloca e para a qual haverá que encontrar resposta nesta sede recursória, é, também, a de saber se o facto de a recorrida não ter entregue à recorrente as “Condições Gerais e Especiais”, a de não ter cumprido com os deveres de comunicação e de informação, impostos pelos arts. 5º e 6º do D.L. nº 446/85, das condições do alegado contrato de seguro, se estas omissões têm consequências nos termos de direito. 15 – A este respeito, encontra-se dado como provado os seguintes factos: 25 - Se aquando da celebração do contrato de seguro em mérito lhe tivesse sido esclarecido que se encontravam excluídas da responsabilidade da R. as máquinas com idade superior a 10 anos a A. jamais outorgaria tal contrato, uma vez que todas as máquinas que fazem parte do seu acervo industrial têm idade superior a 10 anos. 26 - Nunca a R., para além das “Condições Particulares e Especiais”, entregou à A. qualquer outro documento referente ao contrato de seguro. 27 - Não foi entregue à A. quaisquer exemplares, que não sejam as “Condições Particulares e Especiais”. 28 - Não foram cumpridos os deveres de comunicação e de informação, requisitos de validade do contrato de adesão. 16 - Como resulta do sumário do Ac. do STJ, de 29/04/2010, proc. nº 5477/06.8TVLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt: I – Ao proponente cabe propiciar à contraparte a possibilidade de conhecimento das cláusulas contratuais gerais de um contrato de seguro, em termos tais que este não tenha, para o efeito, que desenvolver mais que a comum diligência. II – Se o autor assinou a proposta de seguro de acordo com factualidade que não lhe foi devidamente explicada, devem ter-se por excluídas do contrato as cláusulas que não tenham sido comunicadas, nos termos do art. 5º do dec-lei 446/85. 17 – Ora a recorrente só podia tomar conhecimento de que não havia lugar, salvo em convenção das partes em contrário, ao pagamento pela seguradora dos danos causados com a privação do bem ou com os lucros cessantes decorrentes do sinistro – Cfr. Art. 130º, nº 1 do DL nº 72/2008, de 16 de abril-, se tal tivesse sido comunicado pela recorrida. 18 - Pelo que a consequência imediata pela falta de comunicação e de informação de que não havia lugar ao pagamento pela seguradora dos danos causados com a privação do bem ou com os lucros cessantes decorrentes do sinistro, salvo em convenção das partes em contrário, é ter-se por excluída tal cláusula, nos termos do preceituado no art. 8º do DL nº 446/85. 19 – É de ressalvar que tal exclusão da responsabilidade por tais danos nunca foi peticionada pela recorrida em nenhum dos seus articulados. 20 - Pelo que também e pelos apontados motivos deveria a d. sentença em reapreciação condenar a R/seguradora na indemnização devida pelas perdas e danos requeridos pela A/recorrente. 21 - Não pode ainda a recorrente aceitar a não condenação da recorrida como litigante de má-fé. 22 - Do acervo argumentativo na d. sentença em reapreciação infere-se que a Mma. Juiz a quo se detém em explanar conceitos jurídicos sobre a litigância de má-fé sem que se tenha detido sobre a análise dos pressupostos de facto que motivaram a recorrente a requerer a condenação da recorrida como litigante de má-fé. 23 – No item IV das presentes alegações e para onde se remete a sua leitura por uma questão de economia processual, encontram-se lá, cronologicamente, descritos os factos que consideramos constituírem manifesta litigância de má-fé perpetrada pela R/recorrida, quando, com a apresentação de novas “Condições Gerais e Especiais”, mas sobretudo pelos fundamentos invocados, se pretendia ludibriar o Tribunal, com o único propósito de tirar daí uma vantagem jurídica. 24 - Ressalvando sempre o devido respeito por melhor entendimento, se não fosse a experiência do mandatário da recorrente manifestada aquando do requerimento da junção da “Proposta de Seguro” e o consequente conhecimento da data em que a mesma foi subscrita, estaríamos, eventualmente, a recorrer mas por motivos diferentes daqueles de que se recorre. 25 – Como supra exposto, a R. nega factos pessoais, trazendo aos autos novas “Condições Gerais” que sabia não serem verdadeiras e que não se aplicam ao contrato de seguro objeto do presente pleito, o que tem de se entender como conduta grave e consciente, visando entorpecer a ação da justiça e obter um proveito injustificado, violando, assim, deveres de probidade, colaboração e o agir de boa-fé processual. 26 - Pelo que e pelos apontados motivos deve a R/recorrida ser condenada como litigante de má-fé em conformidade com o propugnado pela A/recorrente, o que se requer. 27 – Depois destas conclusões e de todo o seu alcance, é lícito afirmar que a Mma. Juiz a quo devia ter enquadrado juridicamente os factos como integrantes do direito que assiste à recorrente e, consequentemente, ter condenado a recorrida a pagar à A/recorrente a indemnização de 23.850,00 € (vinte e três mil oitocentos e cinquenta euros) por perdas e danos sofridos por manifesta violação de deveres legais que a seguradora não observou, bem como condenar a recorrida como litigante de má-fé nos ter-mos propugnados pela recorrente, em conformidade com o supra exposto. 28 – Assim não se tendo entendido e decidido, não se fez a melhor e mais correta interpretação e aplicação ao caso sub judice das pertinentes disposições legais, nomeadamente, o disposto nos art. 20º, da cláusula 5ª, das “Condições Gerais e Especiais”, art. 153º, nº 1 da Lei 147/2015, de 9 de setembro, art. 762º, nº 2 e 227º do C. Civil, arts. 5º, 6º e 8º do D.L. nº 446/85, de 25 de outubro e arts. 542º e 543º, nº 1, als. a) e b), ambos do CPC”. Pugna a Recorrente pela integral procedência do recurso e consequentemente pela revogação parcial da sentença recorrida. A Ré contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSOO objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC). As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, são as seguintes: 1 - Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos quanto à absolvição da Ré dos pedidos de indemnização pelas perdas e danos sofridos pela Autora e de litigância de má-fé. *** III. FUNDAMENTAÇÃO3.1. Os factos Factos considerados provados em Primeira Instância: 1- Entre a Ré e a Autora foi celebrado o contrato de seguro titulado pela Apólice n.º .........40. 2- Trata-se de um Contrato de Seguro do ramo "Multirriscos Indústria" que inclui, entre o mais, a responsabilidade por danos ocorridos no conteúdo da Fábrica de artigos de granito e de rochas da Autora, sita no Lugar da ... ... , em Vila Real. 3- O Contrato de Seguro, rege-se pelas Condições Gerais, Especiais e Particulares da respetiva Apólice. 4- Resulta do teor das «Condições Gerais e Especiais», juntas aos autos pela Ré com a sua contestação na “Cláusula 15.2. EXCLUSÕES - Artigo 2.º” - que “ficam excluídos do âmbito desta garantia complementar os danos: a) causados a fusíveis, resistências de aquecimento, lâmpadas de qualquer natureza, tubos catódicos dos componentes eletrónicos; b) devidos a desgaste pelo uso ou a qualquer deficiência de funcionamento mecânico; c) que estejam abrangidos por garantias do fornecedor, fabricante ou instalador; d) causados aos quadros e transformadores de mais de 500kva e aos motores de mais de 10 H.P. 5- Consta da página de Rosto das Condições Gerais e Especiais a seguinte referência: 1060340-06.2007. 6- Resulta do teor das «Condições Gerais e Especiais», juntas aos autos pela Ré em 12/11/2021 na “CONDIÇÃO ESPECIAL 15 - RISCOS ELÉTRICOS - 1. ÂMBITO DA COBERTURA que “A presente Condição Especial garante ao Segurado, em primeiro risco, até ao limite fixado nas Condições Particulares, uma indemnização pelos danos ou prejuízos causados a quaisquer máquinas elétricas, transformadores, aparelhos e instalações elétricas e aos seus acessórios, desde que incluídos no seguro, em consequência de efeitos diretos de corrente elétrica, nomeadamente sobretensão e sobreintensidade, incluindo os produzidos pela eletricidade atmosférica, curto-circuito, mesmo quando não resultem de incêndio” 7- Mais resulta do teor do seu n.º 2. EXCLUSÕES que “Ficam excluídos do âmbito desta garantia complementar os danos: a) Causados a fusíveis, resistências de aquecimento, lâmpadas de qualquer natureza, tubos catódicos dos componentes eletrónicos; b) Decorrentes do desgaste pelo normal funcionamento do equipamento ou de qualquer deficiência de funcionamento mecânico; c) Que estejam abrangidos por garantias do fornecedor, fabricante ou instalador; d) Causados aos quadros e transformadores de mais de 500 kVA e aos motores de mais de 10 HP. e) Que afetem equipamentos administrativos com mais de cinco anos de fabrico; f) Que afetem equipamentos da atividade com mais de dez anos de fabrico.” 8- Consta da página de Rosto das Condições Gerais e Especiais a seguinte referência: 1060304-05.2019. 9- Resulta do teor das condições gerais e especiais “Condição Especial 18” -“Danos em equipamentos Administrativos e em equipamentos da atividade 1. ÂMBITO DA COBERTURA que “A presente Condição Especial garante, em primeiro risco, os danos sofridos pelas máquinas ou equipamentos seguros, em consequência de avaria súbita e imprevista, que as impeçam de funcionar normalmente e exijam a sua reparação. 1. São considerados como máquinas e equipamentos seguros: a) As máquinas e os equipamentos da atividade; b) Os equipamentos informáticos e de escritório (equipamentos administrativos). 2. São considerados como avaria os danos causados por: a) Defeitos de projeto, de materiais, de fabrico ou montagem, que não possam ser detetados por exame exterior e que sejam desconhecidos à data da celebração do presente contrato de seguro; b) Queda, choque, colisão ou ocorrências similares, obstrução ou entrada de corpos estranhos; c) Erro de manobra, imperícia ou negligência; d) Efeitos diretos da corrente elétrica, nomeadamente sobretensão e sobreintensidade, incluindo os produzidos pela eletricidade atmosférica, curto circuitos, arcos voltaicos ou outros fenómenos semelhantes, mesmo que qualquer um destes dê origem a incêndio, considerando-se, no entanto, neste caso, apenas cobertos os prejuízos no próprio equipamento que deu origem ao sinistro; e) Vibração, maus ajustamentos ou desprendimentos de peças, cargas anormais, fadiga molecular, ação centrífuga, velocidade excessiva, lubrificação defeituosa, gripagem, choque hidráulico, aquecimento excessivo, falha ou defeito dos instrumentos de proteção, medida ou regulação; f) Explosão, entendendo-se como tal a rutura ou rebentamento de caldeiras e dispositivos similares, turbinas, compressores, cilindros de motores de explosão, cilindros hidráulicos, volantes ou outras peças sujeitas à ação da força centrífuga, transformadores, comutadores ou mecanismos de comutação imersos em óleo; g) Contacto fortuito com qualquer líquido.” 10-Entre as coberturas conferidas pelo contrato incluíram-se as garantias complementares de "Riscos Elétricos" e "Danos em Equipamento Industrial", tendo cada uma das mencionadas coberturas o limite de 12.500,00 euros. 11-Quanto à cobertura de "Riscos Elétricos", ficou convencionada uma franquia de 10% do valor de sinistro, com o mínimo de 50,00€ e o máximo de 500,00€. 12-Quanto à cobertura de "Danos em Equipamento Industrial" ficou convencionada uma franquia de 10% do valor de sinistro, no mínimo de 250,00€. 13-A A. é uma sociedade constituída sob a forma comercial que, no desenvolvimento do seu objeto social, dedica-se à transformação, corte e polimento de pedras. 14-No dia 10 de maio de 2020, a cidade de Vila Real foi atingida por um temporal, com trovoadas fortes. 15-Em 11/05/2020, no início da sua laboração, a A. ao ligar a máquina de corte de pedra, marca “W”, constatou que a mesma não funcionava. 16-Com a finalidade de apurar a causa dos danos e a necessidade urgente de reparação da máquina, uma vez que a mesma constitui o instrumento fundamental da qual depende o normal funcionamento da A., a mesma chamou um técnico que se deslocou ao local, em 11 de maio de 2020. 17-Após a verificação dos danos, o técnico emitiu o “Relatório de Avaria”. 18-Do teor do “Relatório de Avaria” é lá descrito que a máquina, marca “W” não estava a funcionar pelo facto de ter o sistema de programação avariado, motivado por alterações da corrente elétrica na sequência duma trovoada. 19-Por não ser possível a reparação do sistema de programação da máquina em mérito, o técnico emitiu, ainda, uma fatura proforma, com o preço de custo do “Kit de automação para máquina de ponte”, no valor de 7.749,00€. 20-Depois de lhe ter sido entregue o “Relatório de Avaria” e a “Fatura Proforma”, em 18/05/2020, a A. participou o sinistro à R., com a anexação dos aludidos relatório e fatura. 21-Em 22/05/2020, deslocou-se à sede da A. um perito da R. a fim de averiguar a avaria da máquina “W”. 22-A máquina em mérito é o instrumento fundamental para o normal funcionamento da atividade da A. e porque se havia comprometido no fornecimento de bens, o gerente desta comunicou ao perito da companhia de seguros para que fosse tomada uma decisão de reparação célere. 23-Apesar da R. estar devidamente advertida da necessidade da operacionalidade da máquina em mérito, a mesma, por missiva datada de 24/07/2020, cerca de 2 meses depois da visita do perito da R., comunica à A. a recusa da responsabilidade por entender que o sinistro em crise não se enquadra nas garantias da sua apólice. 24-Do teor daquela missiva é lá descrito que a apólice não cobre o sinistro por a máquina em causa ter 19 anos e que de acordo com o clausulado na apólice, os danos em equipamentos com mais de 10 anos de fabrico estão excluídos. 25-Se aquando da celebração do contrato de seguro em mérito lhe tivesse sido esclarecido que se encontravam excluídas da responsabilidade da R. as máquinas com idade superior a 10 anos a A. jamais outorgaria tal contrato, uma vez que todas as máquinas que fazem parte do seu acervo industrial têm idade superior a 10 anos. 26-Nunca a R., para além das “Condições Particulares e Especiais”, entregou à A. qualquer outro documento referente ao contrato de seguro. 27-Não foi entregue à A. quaisquer exemplares, que não sejam as “Condições Particulares e Especiais”. 28-Não foram cumpridos os deveres de comunicação e de informação, requisitos de validade do contrato de adesão. 29-A máquina em mérito é o instrumento fundamental de laboração da A. 30-Sem o funcionamento da máquina avariada, a empresa não funciona, uma vez que se trata do instrumento que faz o corte primário da matéria-prima. 31-Que depois vai ser transformada de acordo com os pedidos e encomendas dos clientes. 32-A A., com a finalidade de minorar os seus prejuízos, viu-se obrigada a reparar, a expensas suas, a avaria da máquina “W”. 33-Pela reparação da máquina pagou a quantia de 7.749,00 € (sete mil e setecentos quarenta e nove euros). 34-A máquina esteve imobilizada, por efeito da avaria em crise, desde 10/05/2020 até 20/06/2020, altura em que a A. procedeu à sua reparação. 35-A máquina “W” e consequentemente a laboração da A., esteve parada durante 47 dias consecutivos. 36-Por esse motivo a A. não conseguiu satisfazer as encomendas que lhe haviam feito, tendo perdido dois clientes por não lhe ser possível realizar a concretização daqueles pedidos dentro dos prazos a que se havia vinculado. 37-A A. havia-se obrigado com A. C. a entregar a encomenda duma capela em granito, modelo novo 4x4, com ossário, no valor de 18.450,00 € (dezoito mil e quatrocentos e cinquenta euros), até ao dia 01 de Junho de 2020. 38-Bem como a encomenda de guias muro granito pedras salgadas, com pingadeira, a Interior AM., no valor de 5.400,00 € (cinco mil e quatrocentos euros), até ao dia 10 de Junho de 2020. 39-Ambos os clientes desistiram das encomendas acima aludidas em virtude da A. não as poder executar dentro dos prazos acordados. 40-A não execução das encomendas acima aludidas, acarretou para a A. um prejuízo de 23 850,00 € (vinte e três mil oitocentos e cinquenta euros) (18.450,00 € + 5.400,00 € = 23.850,00 €). *** Factos considerados não provados em Primeira Instância: 1- O equipamento foi adquirido pela demandante, já no estado de usado, com cerca de 17 anos de uso, no ano de 2018 anos e o seu ano de fabrico é 2001 pelo preço de 13.000,00 euros. 2- A demandante teve conhecimento das cláusulas contratuais gerais do contrato de seguro em causa, designadamente, as Condições Especiais 15 e 18 da Apólice de Seguro, bem como das exclusões constantes das alíneas h) e f) dos respetivos nos 2. 3- A demandada disponibilizou à demandante toda a informação e documentação necessária que lhe competia (aquando a adesão da mesma, e com o envio e disponibilização para consulta de toda a documentação relativa ao seguro contratado), para que esta, usando de comum diligência, tomasse real e efetivo conhecimento do teor do contrato a que estava a aderir, e pudesse solicitar os esclarecimentos que tivesse por pertinentes. 4- A demandante teve sempre conhecimento das cláusulas do contrato de seguro, aquando a adesão ao contrato de seguro, e durante o tempo em que o contrato se manteve em vigor. 5- Trata-se de uma máquina fabricada em 2001, com um preço de aquisição, no estado de novo, de 40.000,00€. *** 3.2. Reapreciação da decisão de mérito da açãoVeio a Autora interpor o presente recurso da sentença proferida pelo tribunal a quo que, julgando a presente ação parcialmente procedente condenou a Ré Y SEGUROS - COMPANHIA DE SEGUROS Y REASEGUROS, S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, a pagar à Autora X MARMORISTA UNIPESSOAL, LDA., a quantia de €7.749,00 (acrescida de juros legais, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, deduzida do montante atinente à franquia respetiva) respeitante ao custo que a Autora teve com a reparação da aludida máquina. O tribunal a quo julgou improcedente o pedido formulado pela Autora de condenação da Ré no pagamento de uma indemnização a título de lucros cessantes e como litigante de má-fé. Não se mostrando impugnada a decisão da matéria de facto, mostra-se esta assente tal como fixado em 1ª Instância. Assim, tal como delimitado pela Autora/Recorrente, o presente recurso versa apenas sobre estas duas questões: indemnização por lucros cessantes e litigância de má-fé. * a) Da indemnização por lucros cessantesSustenta a Recorrente que no artigo 20º, da cláusula 5ª, das “Condições Gerais e Especiais” encontra-se convencionado que a seguradora responde por perdas e danos quando as averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e a avaliação dos danos não são efetuados pela seguradora com prontidão e diligência e que as seguradoras estão obrigadas ao dever de atuar de forma diligente, equitativa e transparente no seu relacionamento com os tomadores de seguros, segurados, beneficiários e terceiros lesados (cfr. artigo 153º, n.º 1 da Lei 147/2015, de 9 de setembro), estando em causa verdadeiros deveres legais acessórios de conduta, pelo que, quando não são cumpridos pela seguradora em prazo razoável obrigam à indemnização pelos danos que assim hajam sido causados ao segurado/beneficiário. Entende a Recorrente que a Ré agiu em violação de deveres acessórios de conduta uma vez que, depois de ter recebido a participação de sinistro, veio cerca de 2 meses e cinco dias depois, sem justificação adequada e violando deveres de informação, comunicar à segurada a sua não assunção de responsabilidade pelo ressarcimento do sinistro participado, depois de saber que sem o funcionamento da máquina sinistrada a laboração da Recorrente estava parada. Sustenta ainda que não tendo a Ré cumprido com os deveres de comunicação e de informação, impostos pelos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei nº 446/85, estas omissões têm a consequência imediata de se ter por excluída tal cláusula, nos termos do preceituado no artigo 8º. Vejamos se lhe assiste razão quando pretende ver atribuída uma indemnização a título de lucros cessantes. Não vem questionado no presente recurso ter sido celebrado entre a Autora e a Ré um contrato de seguro, titulado pela Apólice n.º .........40, do ramo “Multirriscos Indústria” que inclui, entre o mais, a responsabilidade por danos ocorridos no conteúdo da Fábrica de artigos de granito e de rochas da Autora, sita no Lugar da ... ... - 1, em Vila Real, o qual se rege pelas Condições Gerais, Especiais e Particulares da respetiva Apólice. Relativamente à indemnização por lucros cessantes, o legislador consagrou como regime supletivo o da sua não cobertura, estabelecendo no n.º 2 do artigo 130º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-lei n.º 72/2008, de 16 de abril (de ora em diante RJCS), que “[N]o seguro de coisas, o segurador apenas responde pelos lucros cessantes resultantes do sinistro se assim for convencionado.” E no n.º 3 do mesmo preceito prevê-se ainda que esse regime se aplica igualmente quanto ao valor de privação de uso do bem. Tal como se afirma na sentença recorrida o segurador, in casu a Ré, responderia por lucros cessantes se tal tivesse sido convencionado entre ela (seguradora) e a Autora, mostrando-se consagrado o regime supletivo da não responsabilidade das seguradoras pelos lucros cessantes, no seguro de coisas. Como se afirma no acórdão da Relação do Porto de 14/03/2016 (Processo n.º 4876/12.0TBSTS.P1, Relator Desembargador Carlos Querido, disponível em www.dsgi.pt) o n.º 2 deste preceito “estabelece que o segurador apenas responde pelos lucros cessantes resultantes do sinistro se assim for convencionado e o n.º 3 determina que se aplique o mesmo regime quanto ao valor de privação do uso do bem. Estabelece-se, pois, um regime específico para os contratos de seguro de danos, que se afasta do regime comum e do qual resulta que não havendo convenção das partes em contrário, a seguradora não suportará os danos causados com a privação do bem ou com os lucros cessantes decorrentes do sinistro”. Assim, quanto à cobertura de lucros cessantes a lei prevê que a sua aplicação só se dá quando as partes nisso convencionem, só respondendo o segurador, no seguro de coisas, pelos lucros cessantes decorrentes do sinistro quando tal resulte do contrato de seguro. Considerando que os chamados lucros cessantes são um tipo de danos cuja ressarcibilidade caberia no artigo 128º do RJCS e na noção de “dano decorrente do sinistro” aí referida, o princípio indemnizatório imporia, pelo menos, que a inclusão de tais danos fosse a solução supletiva, se a lei não dispusesse, como efetivamente dispõe, de forma diferente. No caso concreto, não decorre dos autos que tenha sido convencionada a responsabilidade da Ré/seguradora pelos lucros cessantes, o que determinou o entendimento do tribunal a quo da improcedência do peticionado pela Autora. É contra este entendimento que se insurge a Recorrente, sustentando que no artigo 20º, da cláusula 5ª, das “Condições Gerais e Especiais” encontra-se convencionado que a seguradora responde por perdas e danos quando as averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e a avaliação dos danos não são efetuados pela seguradora com prontidão e diligência e que as seguradoras estão obrigadas ao dever de atuar de forma diligente, equitativa e transparente no seu relacionamento com os tomadores de seguros, segurados, beneficiários e terceiros lesados (cfr. artigo 153º, n.º 1 da Lei 147/2015, de 9 de setembro), estando em causa verdadeiros deveres legais acessórios de conduta, pelo que, quando não são cumpridos pela seguradora em prazo razoável obrigam à indemnização pelos danos que assim hajam sido causados ao segurado/beneficiário. Entende a Recorrente que a Ré agiu em violação de deveres acessórios de conduta uma vez que, depois de ter recebido a participação de sinistro, veio cerca de 2 meses e cinco dias depois, sem justificação adequada e violando deveres de informação, comunicar à segurada a sua não assunção de responsabilidade pelo ressarcimento do sinistro participado, depois de saber que sem o funcionamento da máquina sinistrada a laboração da Recorrente estava parada. Sustenta ainda que não tendo a Ré cumprido com os deveres de comunicação e de informação, impostos pelos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei nº 446/85, estas omissões têm a consequência imediata de se ter por excluída tal cláusula, nos termos do preceituado no artigo 8º. Quanto a esta questão entendemos não assistir razão à Recorrente porquanto inexistindo qualquer cláusula relativa à cobertura dos designados lucros cessantes não faz sentido falar na sua exclusão. Vejamos. Não tendo o legislador consagrado uma noção de contrato de seguro, estabeleceu no artigo 1º do RJCS que “[P]or efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”. Segundo José Vasques (Contrato de Seguro, Coimbra Editora, p. 94) o contrato de seguro é aquele pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador de seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto. Sobre o tomador do seguro recai a obrigação de pagamento do prémio convencionado e sobre a seguradora a obrigação de, verificado o risco, proceder ao pagamento de uma indemnização ou de capital. O risco, sendo um elemento essencial do contrato de seguro, pode ser definido como o evento futuro e incerto cuja materialização constitui o sinistro (v. José Vasques (ob. cit., p. 127). O segurador é obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro, e a entregá-lo ao tomador do seguro (n.º 2 do artigo 32º do RJCS), devendo constar da apólice todo o conteúdo do acordado pelas partes, nomeadamente as condições gerais, especiais e particulares aplicáveis, e no mínimo os elementos elencados no n.º 2 do artigo 37º do RJCS, onde se encontram os riscos cobertos (alínea d), devendo ainda incluir, escritas em caracteres destacados e de maior dimensão do que os restantes: a) As cláusulas que estabeleçam causas de invalidade, de prorrogação, de suspensão ou de cessação do contrato por iniciativa de qualquer das partes; b) As cláusulas que estabeleçam o âmbito das coberturas, designadamente a sua exclusão ou limitação; c) As cláusulas que imponham ao tomador do seguro ou ao beneficiário deveres de aviso dependentes de prazo (n.º 3 do referido preceito). Para aferição do conteúdo do contrato importa atender ao objeto do seguro e aos riscos cobertos na apólice, mas também às estipulações negociais que visam delimitar ou excluir certo tipo de riscos, passando o âmbito deste tipo contratual pela definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos (v. Romano Martinez, Direito dos Seguros, páginas 91 e seguintes). Podemos, por isso, dizer que os concretos riscos cobertos serão os que constam indicados da apólice, integrada por condições gerais, especiais e particulares, atendendo-se ainda aos riscos que ali se mostrem excluídos. O contrato de seguro enquadra-se nos designados contratos de adesão, pois as cláusulas contratuais gerais que o regem não são sujeitas a negociação, e consequentemente, está sujeito ao regime das cláusulas contratuais gerais, devendo ser submetido à disciplina do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25/10. Estes contratos contêm, por via de regra, “Cláusulas preparadas genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados nos moldes próprios dos chamados contratos de adesão” (Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª Edição, p. 75). Não se questionando que o contrato de seguro reveste a natureza de contrato de adesão, pois as cláusulas contratuais gerais que o regem não são sujeitas a negociação, mas apresentadas como um formulário que o destinatário do seguro se limita a subscrever, entendemos ser de concluir que, quando em resultado de cláusulas, de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquilo que o tomador ou o segurado pudessem de boa-fé contar, as cláusulas devem ser consideradas nulas. Por outro lado, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las (n.º 1 do artigo 5º do referido Decreto-Lei n.º 446/85) e o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique (n.º 1 do artigo 6º do mesmo diploma), considerando-se excluídas dos contratos singulares: a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º e b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo (artigo 8º do mesmo diploma legal). Contudo, como já referimos, não se coloca a questão da exclusão em face da ausência de qualquer cláusula respeitante aos lucros cessantes; pelo contrário, o que está em causa é a ausência de convenção sobre o dano dos chamados lucros cessantes e a aplicação do regime supletivo consagrado no artigo 130º do RJCS. Questão distinta, e a que se refere também a Recorrente, é a da existência de deveres acessórios de conduta e a sua eventual violação pela Ré; isto é, a questão que se coloca é de ser devida indemnização pela violação culposa de deveres laterais e secundários do contrato de seguro (deveres acessórios fundados nas regras de conduta segundo os ditamos da boa-fé), por a Ré depois de ter recebido a participação de sinistro, ter vindo comunicar à Autora, apenas cerca de 2 meses e cinco dias depois, a sua não assunção de responsabilidade pelo ressarcimento do sinistro, depois de saber que sem o funcionamento da máquina sinistrada a laboração da Recorrente estava parada, e se o fez sem justificação adequada. Estes deveres laterais são normalmente denominados pela doutrina e pela jurisprudência como “deveres acessórios de conduta” e radicam no nosso ordenamento jurídico na existência de um “dever geral de boa-fé” decorrente do disposto no n.º 2 do artigo 762º do Código Civil onde se estabelece que no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé. Almeida Costa (Direito das Obrigações, 12.ª Edição, revista e atualizada, Almedina, 2011, p. 77 e 78) sistematiza, de forma exemplificativa, estes deveres: deveres de cuidado, previdência e segurança, deveres de aviso e de informação, deveres de notificação, deveres de cooperação, deveres de proteção e cuidado relativamente à pessoa e ao património da contraparte. Podemos afirmar que os deveres de averiguação, confirmação e resolução do sinistro, num prazo razoável, configuram também esses deveres acessórios de conduta decorrentes do referido dever geral de boa fé (v. neste sentido, e entre outros, os Acórdãos desta Relação de 09/03/2017, Processo n.º 4076/15.8T8BRG.G1, Relatora Desembargadora Anabela Miranda Tenreiro, da Relação de Coimbra de 28/05/2019, Processo n.º 1442/18.0T8CBR.C1, Relator Desembargador Barateiro Martins, e de 25/01/2022, Processo n.º 168/18.0T8FVN.C2, Relator Desembargador Arlindo Oliveira e do Supremo Tribunal de Justiça de 27/11/2018, Processo n.º 78/13.7PVPRT.P2.S1, Relator Conselheiro Cabral Tavares, todos disponíveis em www.dgsi.pt). Conforme estabelece o n.º 1 do artigo 102º do RJCS o segurador obriga-se a satisfazer a prestação contratual a quem for devida, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências, vencendo-se tal obrigação, nos termos previstos no artigo 104º decorridos 30 dias sobre o apuramento dos factos a que se refere o artigo 102º. Assim, de harmonia com o regime previsto nestes preceitos a obrigação do segurador vence-se trinta dias após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências, que, poderá variar em conformidade com a maior ou menor complexidade das averiguações necessárias para esse efeito, mas deverá ocorrer em prazo razoável. Tal significa que de acordo com o princípio da boa-fé as empresas de seguros devem assegurar uma gestão célere e eficiente dos processos de sinistro e proceder com adequada prontidão e diligência às averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos. Os deveres de informação e de celeridade podem, aliás, assumir particular relevo no âmbito de contratos de seguro facultativo, como ocorre no caso concreto, em que a máquina em causa era um instrumento fundamental para o normal funcionamento da atividade da Autora pois sem o funcionamento da máquina avariada, a empresa não funciona. Temos como certo que para um correto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra há efetivamente que considerar que os deveres acessórios de conduta impõem a cada um dos contraentes o dever de tomar todas as providências necessárias para que a obrigação a seu cargo satisfaça o interesse do credor na prestação. E, “se uma seguradora não é diligente no cumprimento da prestação devida/convencionada, não está a tomar (…) todas as providências necessárias (e razoavelmente exigíveis) para que a obrigação a seu cargo satisfaça o interesse do credor na sua (da seguradora) prestação” (v. o citado Acórdão da Relação de Coimbra de 28/5/2019). Assim, não obstante a cobertura de lucros cessantes não se encontrar contemplada no contrato de seguro, assistirá ao tomador o direito de ser indemnizado pelos prejuízos que sofreu em consequência do sinistro ocorrido, por ter ficado sem poder utilizar o equipamento (máquina) na sua laboração diária, tendo a indemnização pelo dano/lucros cessantes origem na responsabilidade contratual, por violação dos deveres acessórios de conduta por parte da seguradora. De facto, estando as seguradoras obrigadas a deveres de averiguação, confirmação e resolução dum sinistro, em prazo razoável, os quais devem ser configurados como verdadeiros deveres acessórios de conduta, ocorrendo violação desses deveres por parte da seguradora, tal obrigação obriga à indemnização ao segurado pelos danos que dessa forma hajam sido causados. Deve então concluir-se que o facto de a Ré, depois de ter recebido a participação de sinistro, ter vindo comunicar à Autora, cerca de 2 meses e cinco dias depois, a sua não assunção de responsabilidade pelo ressarcimento do sinistro, depois de saber que sem o funcionamento da máquina sinistrada a laboração da Recorrente estava parada, traduz a violação de um qualquer dever acessório de conduta, emergente do contrato celebrado, conforme pretende a Recorrente? Entendemos que a resposta se apresenta no caso concreto de forma afirmativa. A atuação da Ré, tendo em vista o cumprimento da prestação a que ficara vinculada, estava sujeita a deveres de diligência e de boa-fé, que in casu se revelam particularmente exigentes pois estamos perante um contrato de seguro que inclui, entre o mais, a responsabilidade por danos ocorridos no conteúdo da Fábrica de artigos de granito e de rochas da Autora, e a máquina em causa é o instrumento fundamental para o normal funcionamento da atividade da Autora/segurada, sem a qual a empresa não funciona, uma vez que se trata do instrumento que faz o corte primário da matéria-prima, que depois vai ser transformada de acordo com os pedidos e encomendas dos clientes (v. pontos 1, 16, 22, 29, 30 e 31 dos factos provados). De salientar que o gerente da Autora teve o cuidado, porque se havia comprometido no fornecimento de bens, de comunicar ao perito da companhia de seguros a necessidade que fosse tomada uma decisão de reparação célere (v. ponto 22 dos factos provados). Em face de tal circunstancialismo era de exigir da Ré que, com diligência, probidade, lealdade, consideração e respeito pelos interesses da Autora/segurada, procedesse à confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências e, num prazo razoável, comunicasse à Autora a sua posição. No caso concreto, não obstante a Ré estar devidamente advertida da necessidade da operacionalidade da máquina, e de ter a mesma ter feito deslocar à sede da Autora um perito em 22/05/2020 (sendo que a Autora participou o sinistro à Ré depois de lhe ter sido entregue o relatório da avaria e a fatura proforma em 18/05/2020), apenas por missiva datada de 24/07/2020, cerca de 2 meses depois da visita do perito, comunicou à Autora a recusa da responsabilidade por entender que o sinistro em crise não se enquadra nas garantias da sua apólice. Em face deste circunstancialismo, e com a finalidade de minorar os seus prejuízos, a Autora viu-se obrigada a reparar, a expensas suas, a avaria da máquina (pelo que pagou a quantia de €7.749,00, tendo a máquina estado imobilizada, por efeito da avaria, desde 10/05/2020 até 20/06/2020, altura em que a Autora procedeu à sua reparação. Assim, tendo a máquina estado parada durante aquele período, e por esse motivo, a Autora não conseguiu satisfazer encomendas que lhe haviam feito, tendo perdido dois clientes por não lhe ser possível realizar a concretização daqueles pedidos dentro dos prazos a que se havia vinculado. A Autora havia-se obrigado com A. C. a entregar a encomenda duma capela em granito, modelo novo 4x4, com ossário, no valor de €18.450,00 até ao dia 01 de Junho de 2020 e a entregar a encomenda de guias muro granito pedras salgadas, com pingadeira, a Interior AM., no valor de €5.400,00 até ao dia 10 de Junho de 2020, e ambos os clientes desistiram das encomendas em virtude da Autora não as poder executar dentro dos prazos acordados, o que acarretou para a Autora um prejuízo de €23.850,00 (€18.450,00 + €5.400,00 = €23.850,00). Em face deste quadro factual afigura-se-nos que à Ré era exigível, sob pena de violação do princípio da boa-fé, que, tendo enviado um perito no dia 22/05/2020, tomasse uma posição num prazo razoável. A violação dos deveres acessórios, que se impunham neste caso por aplicação do princípio da boa-fé, constituiria a Ré na obrigação de indemnizar pelos danos sofridos. Porém, tal obrigação apenas decorre para os danos sofridos como consequência dessa violação de deveres acessórios, isto é, pelos danos que dessa forma hajam sido causados. Ora, conforme referimos decorre do n.º 1 do artigo 102º do RJCS que o segurador se obriga a satisfazer a prestação contratual a quem for devida, após a confirmação da ocorrência do sinistro e das suas causas, circunstâncias e consequências, vencendo-se tal obrigação decorridos 30 dias sobre o apuramento dos factos (cfr. artigo 104º). In casu, os danos a que se refere a Autora e cujo ressarcimento peticiona ocorreram porque dois clientes desistiram das encomendas por não puderem ser executadas e entregues até aos dias 01 e 10 de junho de 2020; isto é, dentro do referido período de 30 dias, quer este se conte a partir de 18/05/2020, data em que a Autora participou o sinistro à Ré, quer de 22/05/2020, data em que o perito se deslocou à sede da Autora. Aliás, relativamente à encomenda que a Autora ficou de entregar em 01/06/2020 teriam apenas decorrido cerca de dez dias relativamente à ida do perito à sede da Autora. Do exposto decorre não se poder dizer, no caso concreto, que os danos (lucros cessantes) que a Autora peticiona sejam consequência da violação de deveres acessórios, ou tenham sido causados por força dessa violação. Assim, ainda que seja de concluir pela violação de deveres acessórios por parte da Ré ao comunicar a sua posição apenas no prazo de cerca de dois meses, entendemos que os prejuízos (lucros cessantes) que a Autora concretamente reclama nos presentes autos não decorrem dessa violação, pelo que não recai sobre a Ré a obrigação de indemnizar a Autora a esse título. Por conseguinte, não se mostrando a Ré constituída na obrigação de indemnizar a Autora por tais danos, com base na violação dos deveres acessórios de informação, diligência e prontidão, tais danos apenas seriam indemnizáveis se a cobertura de lucros cessantes tivesse sido contratada pela Autora no contrato de seguro que celebrou com a Ré, o que não ocorre no caso dos autos. Em face do exposto, improcede nesta parte o recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente. * b) Da litigância de má-féQuanto à condenação da Ré como litigante de má-fé sustenta a Recorrente que dos factos julgados provados resulta a manifesta litigância de má-fé perpetrada pela Ré quando, com a apresentação de novas “Condições Gerais e Especiais”, que sabia não serem verdadeiras e que não se aplicavam ao contrato de seguro objeto dos presentes autos, pretendia ludibriar o Tribunal, com o único propósito de tirar daí uma vantagem jurídica. Entende que tal atuação da Ré tem de se entender como conduta grave e consciente, visando entorpecer a ação da justiça e obter um proveito injustificado, violando, assim, deveres de probidade, colaboração e o agir de boa-fé processual, determinantes da sua condenação como litigante de má-fé. Vejamos. Conforme resulta do preceituado no artigo 8º do Código de Processo Civil impende sobre as partes o dever de agir de boa-fé, isto é, de pautar a sua atuação processual segundo regras de conduta conformes com a boa-fé, abstendo-se de formular pedidos injustos, de articular factos contrários à verdade e de requerer diligências meramente dilatórias. A preocupação no combate aos comportamentos processuais desvaliosos e entorpecedores da realização da justiça não é recente, consagrando já o direito romano institutos destinados a sancioná-los, sendo que igual preocupação se encontra também patente desde as Ordenações Afonsinas, visando-se com tais mecanismos “sancionar apenas a ilicitude decorrente da violação de posições e deveres processuais, o também chamado ilícito processual, gerador de uma “responsabilidade de cunho próprio”, assente em deveres de lealdade, colaboração e probidade das partes, distinta portanto da responsabilidade civil” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/06/2016, Processo n.º 1116/11.3TBVVD.G2.S1, Relator Conselheiro António Joaquim Piçarra, disponível em www.dgsi.pt). O instituto da má-fé processual visa exatamente sancionar a parte que não paute a sua atuação processual segundo regras de conduta conformes com a boa-fé. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 3ª edição, Coimbra Editora, p. 262) distinguia a este propósito quatro tipos de lide: a lide cautelosa (quando a parte esgota todos os meios para se assegurar de que tem razão e apesar disso vê inviabilizada a sua pretensão ou oposição), a lide imprudente (quando a parte comete imprudência leve ou levíssima), a lide temerária (quando a parte, embora convencida que tem razão, incorre em culpa grave ou erro grosseiro, indo a juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas que devia empregar para desfazer o seu erro, comprometendo a sua pretensão) e a lide dolosa (quando a parte, apesar de ciente de que não tem razão, litiga e deduz pretensão, ou oposição conscientemente infundada). A opção do legislador consagrada no artigo 465º do Código de Processo Civil de 1939 fora no sentido de sancionar apenas a lide dolosa e já não a lide temerária (v. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, p. 261 a 263, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 343, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 2001, p. 194). Com a revisão do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, o quadro normativo em matéria de litigância de má fé passou a ser mais exigente e o instituto passou a abranger, também, a negligência grave, consagrando-se expressamente “como reflexo e corolário do princípio da cooperação”, o “dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por ação ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjetivos” (Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro). Atualmente, ao sancionar-se a litigância com negligência grave proíbe-se assim, para além da lide dolosa, a lide temerária, a qual pressupõe culpa grave ou erro grosseiro; conforme refere Lebre de Freitas (ob. cit. p. 194) a lide diz-se temerária quando as regras de conduta conformes com a boa fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro e dolosa quando a violação é intencional ou consciente, sendo a “litigância temerária mais do que a litigância imprudente que se verifica quando a parte excede os limites da prudência normal, atuando culposamente, mas apenas com culpa leve”. E de acordo com o n.º 2 do atual artigo 542º do Código de Processo Civil tendo uma ou ambas as partes litigado de má-fé, será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária. Nos termos do nº 2 da referida disposição legal, “diz-se litigante de má-fé quem com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.” Constituem atuações ilícitas da parte, para efeitos da condenação como litigante de má fé, a “dedução de pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento, por inconcludência ou inadmissibilidade do pedido ou da exceção (alínea a)); a apresentação duma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade (alínea b)); a omissão do dever de cooperação (alínea c)); em geral, o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objetivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da ação da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão (alínea d). (…) “Visa entorpecer a ação da justiça a parte que atua usando meios dilatórios” e “Visa apenas protelar o trânsito em julgado da decisão a parte que recorre ou reclama sem fundamento sério, conseguindo assim atrasar o momento do trânsito em julgado e da exequibilidade da decisão” (Lebre de Freitas, ob. cit. p. 195 a 196). Cumpre ainda referir que é corrente distinguir a má-fé material ou substancial e a má-fé processual ou instrumental, tendo a primeira a ver com o mérito da causa (em que “a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual”) e a segunda com a conduta processual, “qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má-fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má-fé instrumental, podendo, portanto, o vencedor da ação ser condenado como litigante de má-fé” (Lebre de Freitas, ob. cit. p. 196 e 197). Atentando na previsão do n.º 2 do referido artigo 542º, as alíneas a) e b) reportam-se à má-fé material ou substancial e as alíneas c) e d) à má-fé instrumental. Seja qual for a vertente em causa (má-fé material ou instrumental), a condenação por litigância de má-fé pressupõe sempre a existência de dolo ou de negligência grave e essa avaliação da atuação da parte terá de ser sempre casuística, analisando as circunstâncias concretas em que aquela se revela. Para a condenação como litigante de má-fé terá de concluir-se por uma atuação dolosa ou gravemente negligente da parte, o que pressupõe sempre que se encontra demonstrado nos autos que a parte agiu de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes, e que o fez de forma consciente ou sendo-lhe exigível essa consciencialização. No caso em apreço o tribunal a quo considerou que não existem elementos que permitam concluir pela litigância de má-fé. Em sentido contrário, entende a Recorrente que dos factos julgados provados resulta a manifesta litigância de má-fé perpetrada pela Ré quando, com a apresentação de novas “Condições Gerais e Especiais”, que sabia não serem verdadeiras e que não se aplicavam ao contrato de seguro objeto dos presentes autos, pretendia ludibriar o Tribunal, com o único propósito de tirar daí uma vantagem jurídica. Ora, analisando a conduta da Ré temos de concordar com o que consta da decisão recorrida e concluir que o seu comportamento processual não é merecedor de sancionamento como litigante de má-fé, tal como decidido pelo tribunal a quo. É certo que a Ré, tal como afirma a Recorrente juntou aos autos distintas “Condições Gerais e Especiais”; as primeiras, juntas com a contestação, têm na página de Rosto a referência 1060340-06.2007, e as outras (juntas com a proposta de seguro após notificação para esse efeito) a referência: 1060304-05.2019. No seu requerimento a Ré veio justificar a junção das segundas “Condições Gerais e Especiais” esclarecendo que o fazia pois por lapso juntara com a contestação as relativas a contratos subscritos em 2007, remetendo para a referência 1060340-06.2007, e que sendo a proposta subscrita pela Autora de 2019 as “Condições Gerais e Especiais” seriam as que então juntou, remetendo para a 1060304-05.2019. É certo que a referência tem a menção a 05.2019 e a referida proposta a data de 04/02/2019. Porém, não resulta dos autos sem mais que as segundas “Condições Gerais e Especiais” não se aplicassem ao seguro. Conforme consta da sentença recorrida “só se justifica a junção aos autos pela Ré, das cláusulas gerais e especiais reportadas a Maio de 2019, caso, as condições contratuais, tenham sofrido uma atualização, pelo que, e, caso assim tenha sucedido, sempre se dirá que a autora não foi oportunamente informada, como se impunha. Assim, verificando-se uma alteração das condições contratuais, as mesmas sempre teriam de ser alvo de consentimento por parte da Autora e mais ainda, teriam de ser devidamente comunicadas (…) No entanto, e, caso assim se não entenda, diremos também que: aquando a subscrição do contrato de seguro pela Autora, esta, nunca foi informada da exclusão constante da alínea f) das condições gerais e especiais, pois a ser assim, a Autora nunca faria a subscrição do seguro, ou seja, jamais se teria permitido contratar um seguro Multirrisco indústria, com a limitação da idade das máquinas, pois, todas as máquinas da Autora têm mais de 10 anos de fabrico tal como resultou da materialidade dada como provada – factos provados em 25)) (…) Nesta conformidade, considera-se excluído do segmento da cláusula constante do ponto 15.2 artigo 2.º al. f) das Condições Gerais e Especiais do seguro, que exclui da cobertura a seguinte situações; f) Que afetem equipamentos da atividade com mais de dez anos de fabrico, valendo o contrato como se ela não tivesse sido escrita, impondo-se assim, determinar que a Ré liquide à Autora o custo que aquela teve com a reparação da aludida máquina no montante de 7.749,00 euros, deduzindo o montante atinente à franquia”. Subscrevendo a interpretação do tribunal a quo entendemos não poder afirmar-se que a Ré, com a apresentação de novas “Condições Gerais e Especiais”, pretendia ludibriar o Tribunal, com o único propósito de tirar daí uma vantagem jurídica, ou que visava entorpecer a ação da justiça e obter um proveito injustificado, violando os deveres de probidade, colaboração e o agir de boa-fé processual. Não basta, para a condenação como litigante de má-fé, a mera circunstância de a parte litigar “sem razão” e sem fundamentos legais para a pretensão que apresenta pois a litigância de má fé não se confunde com a improcedência da pretensão deduzida, já que aquilo que está em causa neste instituto jurídico é essencialmente um determinado comportamento processual que, correspondendo a um incumprimento doloso ou gravemente negligente dos deveres de cooperação e de boa fé processual, a que as partes estão submetidas por força dos artigos 7º, 8º e 9º do Código de Processo Civil, e que é de julgar censurável e reprovável por atentar contra o respeito pelos Tribunais e prejudicar a ação da justiça. De facto, é inequívoco que as partes devem colaborar entre si e com o Tribunal, e manter ao longo do processo uma conduta correta, de modo a ser alcançada, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. Se a parte deixou de observar, de forma grave, dolosa ou grosseira, tais deveres que lhe eram exigíveis e que seriam adotados por uma pessoa normal e medianamente formada e cuidadosa, colocada nas mesmas circunstâncias, deverá ser condenada como litigante de má-fé. Para tanto importa que no caso concreto se conclua por um desrespeito pelo tribunal, pelo processo e pela justiça, imputável subjetivamente à parte a título de dolo ou de negligência grave, não bastando qualquer espécie de negligência, antes se exigindo a negligência grave, grosseira. No caso concreto entendemos não poder concluir-se que a conduta da Ré atentou contra o respeito pelos Tribunais e visou prejudicar a ação da justiça. Improcede, por isso, também nesta parte, recurso. As custas do presente recurso são da responsabilidade da Recorrente atento o seu integral decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil). *** SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil)I - As seguradoras devem garantir a gestão célere e eficiente dos processos de sinistro, procedendo com a adequada prontidão e diligência às averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do sinistro e à avaliação dos danos, estando sujeitas a deveres de averiguação, confirmação e resolução dum sinistro em prazo razoável, os quais configuram verdadeiros deveres acessórios de conduta decorrentes do dever geral de boa-fé (cfr. art. 762.º, n.º 2 do CC). II - A violação desses deveres acessórios de conduta constitui a seguradora na obrigação de indemnização pelos danos que dessa forma hajam sido causados ao segurado. III - Assim, não obstante a cobertura de lucros cessantes não se encontrar contemplada no contrato de seguro, assistirá ao tomador o direito de ser indemnizado pelos prejuízos que sofreu em consequência do sinistro ocorrido, por ter ficado sem poder utilizar o equipamento (máquina) na sua laboração diária, tendo a indemnização pelo dano/lucros cessantes origem na responsabilidade contratual, por violação dos deveres acessórios de conduta por parte da seguradora. IV - Porém, tal obrigação apenas decorre para os danos sofridos como consequência dessa violação de deveres acessórios. *** IV. DecisãoPelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Guimarães, 11 de maio de 2022 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária Raquel Baptista Tavares (Relatora) Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta) Afonso Cabral de Andrade (2º Adjunto) |