Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1223/18.1T8GMR-A.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: AÇÃO DE REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REGIME PROVISÓRIO
ACÇÃO ESPECIAL
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
URGÊNCIA
DEVER DE AVERIGUAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O mecanismo previsto no artigo 28.º, n.º 1, do RGPTC confere ao julgador a possibilidade de, no âmbito de um processo tutelar cível pendente, e caso o entenda conveniente, antecipar, a título provisório, a decisão sobre todas ou algumas das matérias essenciais que constituem o referido processo;

II - Ainda que a fixação do regime provisório sempre dependa do prévio julgamento de conveniência, contrariamente ao que prevê o artigo 38.º do RGPTC para os casos em que os pais estão presentes na conferência mas não cheguem a acordo, tal não dispensa o juiz de fundamentar a decisão proferida tanto no plano fáctico, como do ponto de vista jurídico, sob pena de nulidade por falta de fundamentação;

III - Não dispondo o processo de elementos suficientes para fixar provisoriamente o regime da regulação das responsabilidades parentais, atento o requerido pela Requerente/progenitora, nem por isso pode o Tribunal a quo deixar de averiguar tais factos, atendendo à natureza do processo e à urgência na definição do regime provisório, devendo proceder às averiguações sumárias que tivesse por convenientes, em observância do disposto no artigo 28.º, n.º 3, do RGPTC;

IV - Não o tendo feito, encontra-se o Tribunal da Relação impedido de o determinar quando tal questão não foi concretamente suscitada pelo recorrente no âmbito do recurso, posto que não é de conhecimento oficioso nem permite consubstanciar qualquer nulidade da decisão proferida.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

A. S., instaurou em 26-02-2018, no Juízo de Família e Menores de Guimarães - Juiz 2 - ação com processo especial de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais relativamente ao seu filho R. S., nascido a …, contra o pai deste, A. M..

Alegou, em síntese, que o menor, após separação dos progenitores - que chegaram a viver em união de facto - vive com a Requerente e encontra-se a cargo desta, pretendendo a Requerente ir viver para junto da sua mãe e avó materna do R. S., em …, ilha francesa situada nas …., onde a mesma residiu até regressar a Portugal para continuar os estudos superiores na Universidade do Minho, os quais não concluiu por ter engravidado do R. S. e ter tido entretanto necessidade de trabalhar para se sustentar a si e ao seu filho, o que não conseguiu fazer em simultâneo. Sustenta que conta com o apoio da sua mãe, tendo emprego garantido na lavandaria daquela - mãe da requerente é proprietária de uma lavandaria - e da família alargada, nomeadamente irmão e padrasto e amigos aí emigrados e integrados naquela comunidade, apoio esse que não dispõe em Portugal, sendo que em tempos foi intenção da requerente regressar acompanhada do requerido, mas a relação dos dois soçobrou entretanto. Pede a que sejam fixados judicialmente, com carácter de urgência, os termos em que serão exercidas as responsabilidades parentais em relação ao menor.

Juntou certidão do assento de nascimento da criança.

Foi designada data para a conferência de pais a que alude o artigo 35.º, n.º 1, do RGPTC, na qual não compareceram a Requerente nem o Requerido, apesar de regularmente convocados, sendo que a Requerente se fez representar por mandatário judicial com poderes especiais para intervir no ato.

Na conferência de pais que teve lugar a 26-04-2018 o Ministério Público promoveu se solicitasse a elaboração de relatórios sociais incidentes sobre a situação social, moral e económica de cada um dos progenitores do menor, sendo que relativamente à requerida o relatório seja solicitado à APSSI, devido à mesma residir no estrangeiro, o que foi deferido pelo Tribunal.

Em 18-06-2018 o ISS de Braga – ATT juntos aos autos informação social referente ao Requerido, tendo como referência a morada sita na Av. …, da qual consta o seguinte:

“Em resposta ao solicitado por V/ Ex.ª, através do ofício n.º 158098062, referente ao processo n.º
1223/18.1T8GMR, cumpre-nos informar das diligências efetuadas:
- Enviada convocatória com aviso de receção, a mesma não foi levantada, tendo sido devolvida ao nosso serviço. O atendimento estava agendado para o dia 30 de maio.
. Efetuada visita domiciliária no dia 13.06.2018, não se encontrava ninguém na respetiva habitação.
Auscultada a rede de vizinhança, obtivemos informação que o requerido terá emigrado para França com o intuito de trabalhar nesse país, tendo-se deslocado recentemente, após um amigo lhe arranjar trabalho.
- Na pesquisa efetuada no SISS, o requerido não efetua descontos para a Segurança Social desde o ano de 2017.
É tudo quanto se leva ao conhecimento de V.Exa. para os fins que tiver por convenientes”.

Em 6-07-2018 a Requerente veio requerer que, com carácter de urgência, fosse fixado o regime provisório, fixando-se desde logo que a guarda do menor seja atribuída à mãe, actualmente residente em …, ilha francesa situada nas …, alegando para o efeito, além do mais, pretender inscrever o seu filho na pré-escola, carecendo para esse efeito de decisão que a legitime, sendo certo que o progenitor não se dispõe a outorgar qualquer documento, nem sequer faculta uma cópia do cartão de cidadão do mesmo, cópia essa que aquela já havia solicitado antes mesmo da realização da supra identificada conferência de pais.

Foram requisitados e juntos aos autos CRC de cada um dos progenitores.

O Ministério Público teve “Vista” dos autos, promovendo o seguinte:

“Os presentes autos, que se destinam a regular as responsabilidades parentais relativas ao R. S., nascido …, filho de A. M. e de A. S..
A. S. encontra-se atualmente a residir nas …, com a criança, sendo que o requerido estará a residir em França.

Concorda-se assim com a necessidade de prolação de decisão provisória que regule o exercício das responsabilidades parentais desta criança, tal como requerido pela mãe, nos termos do disposto no art. 37º, nº5, do RGPTC, aprovado pela Lei 141/2015.

Face à residência dos pais do R. S., nada se opõe à fixação de tal regulação provisória, por despacho, devendo fixar-se a residência desta criança no domicílio da mãe, a qual deverá assegurar os seus cuidados e guarda, bem assim como deverá exercer todas as responsabilidades parentais relativas à vida do filho, nomeadamente nas questões de particular importância (art.º 1906.º, n.º 2 e 5 do Código Civil).

Não obstante, entende-se ainda ser de notificar a requerente de que deve indicar nos autos, de forma precisa, a residência da criança.

Deverá ainda estabelecer-se um regime de visita e de contactos alargado, mediante pré-aviso do pai à progenitora, de forma a permitir que o R. S. possa conviver com o progenitor, por qualquer meio e/ou quando este se encontrar em Portugal.

Entendemos que, não obstante o desconhecimento da situação socioeconómica do requerido, se deverá proceder à fixação dos alimentos devidos à criança, numa quantia mensal nunca inferior a 120 €/mês, o que se promove.”.

Foi, então, proferido despacho, em 14-09-2018, nos seguintes termos:

“A. S., mãe do menor R. S., nascido a …, veio deduzir contra A. M., progenitor do indicado menor, a presente acção de regulação do exercício das respectivas responsabilidades parentais referes ao mesmo menor, alegando, em suma, que não vive com o requerido nem sob regime de economia comum, vivendo o menor consigo e à sua guarda e cuidados, não tendo os progenitores acordado quanto à regulação do exercício das referidas responsabilidades, impondo-se assim tal regulação.

Teve lugar a conferência a que alude o disposto no art. 35º do RGPTC, sendo que o requerido não compareceu e não foi citado.

A requerente fez-se representar por Mandatário munido de poderes especiais.

O requerido ainda não foi citado, desconhecendo-se o respectivo paradeiro.

A fls. 46 e ss., a requerente pediu a fixação de um regime provisório sobre o exercício das responsabilidades relativas ao menor, designadamente atribuindo-se a guarda da menor a si, residente em …, ilha francesa situada nas ….

O MP, a fls. 54, pronunciou-se no sentido da fixação de um regime provisório sobre o exercício das responsabilidades relativas ao menor, cujos termos aqui se dão por reproduzidos.

Apreciando.

Nos presentes autos não se encontra qualquer elemento de prova relativo às condições de vida da criança ou progenitores.
A progenitora não compareceu à conferência prevista no art. 35º do RGPTC, tendo-se feito representar por Mandatário munido com poderes especiais.
A progenitora não apresentou meios de prova para demonstração das referidas condições de vida.

Ressalvando, sempre, o devido respeito por opinião diversa, considerando a ausência de elementos de prova acima mencionados e, consequentemente, de fundamentos de facto para seu sustento, entende-se estar este Tribunal impossibilitado, por ora, de fundar a decisão pretendida pela progenitora, atinente à fixação de um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor R. S..

Haverá, pelo exposto, que indeferir o requerido.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir o requerido pela progenitora a fls. 45 e ss., no sentido da fixação de um regime provisório de exercício das responsabilidades parentas referentes ao menor R. S..
Notifique”.

Inconformado, veio o Ministério Público interpor recurso, pugnando no sentido de ser revogada a decisão recorrida.

Terminou as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“Conclusões:

1. Em 26 de fevereiro de 2018, A. S. instaurou ação de regulação das responsabilidades parentais relativamente ao seu filho R. S., nascido a …, contra o progenitor desta criança, A. M.;
2. Logo na petição inicial é reportado que a criança reside com a mãe, que esta progenitora pretendia fixar o seu domicílio e o da criança em … - ilha francesa situada nas …), requerendo-se desde logo a fixação de um regime provisório, em caso de acordo;
3. Contudo, tal fixação provisória das responsabilidades parentais não foi determinada, tanto mais que não foi possível a citação do requerido, antes da realização da conferência, realizada nos termos do disposto no art. 35º, nº1 do RGPTC, aprovado pela Lei 141/2015, de 8 de setembro;
4. Em 19 de abril de 2018, o requerido A. M. foi pessoalmente citado para a ação, não tendo ainda assim comparecido à conferência designada para 26 de abril;
5. A 6 de julho de 2018, a progenitora do R. S. veio requerer a fixação de um regime provisório do exercício das responsabilidades parentais, alegando estar já a residir e a trabalhar em França, local de residência da criança, necessitando de tal decisão para inscrever esta criança no sistema de ensino;
6. Ora, o Tribunal recorrido não proferiu tal decisão, alegando não estarem demonstradas as condições de vida da requerente e da criança;
7. Ora, o art. 28º, do RGPTC, aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de setembro, refere expressamente que a prolação de decisão provisória de regulação do exercício das responsabilidades parentais pode ter lugar em qualquer estado da causa, por requerimento dos pais ou do Ministério Público;
8. No caso concreto, seria de primordial importância a fixação da residência da criança junto da mãe, sua cuidadora desde o nascimento, de forma a permitir, pelo menos, a frequência escolar da criança.
9. De outra forma, sem a prolação de decisão, não se atende ao superior interesse da criança, na certeza de que a sua permanência junto da mãe vai continuar;
10. Embora se entenda que o Tribunal, por imperativo constitucional, tenha a obrigação de fundamentar a decisão, tal fundamentação, atenta a provisoriedade da decisão, será de menor exigência ou rigor;
11. Uma vez que os progenitores da criança não residem em comum, que a progenitora sempre assumiu a guarda e cuidados do seu filho, que o progenitor, apesar de pessoalmente notificado, não compareceu sequer à diligência processual designada, entendemos que se impunha a prolação de decisão provisória, nos termos promovidos nos autos, em respeito pelo citado art. 4º, nº1, e 28º, do RGPTC, aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de setembro.

Pelo exposto, entendemos que a douta decisão recorrida deve ser revogada, decidindo-se em conformidade com o acima exposto, assim se fazendo inteira justiça”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso veio a ser admitido como apelação, com subida imediata, em separado e efeito devolutivo.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se à reapreciação do despacho de 14-09-2018 que indeferiu o requerimento apresentado pela Requerente do processo de regulação das responsabilidades parentais, no sentido da fixação de um regime provisório de exercício das responsabilidades parentas referentes ao menor R. S., considerando a ausência de elementos de prova.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

No caso vertente, nenhuma dúvida se levanta quanto à inexistência nos autos de elementos probatórios relevantes, ainda que indiciários, sobre a situação da criança e dos progenitores. Isto mesmo vem reconhecido pelo apelante - Ministério Público - nas alegações de recurso apresentadas, designadamente quando alude à exiguidade dos factos em consideração, e resulta evidente da análise dos elementos processuais a considerar na decisão deste recurso, tal como constam do relatório enunciado em I. supra.

Assim, não só não foram apresentados quaisquer documentos que permitissem enquadrar a situação da criança, dos progenitores e restante família de referência, como se verifica que os progenitores não compareceram na conferência de pais designada no processo, apesar de regularmente convocados para o efeito, pelo que não prestaram declarações. Também não foram prestadas declarações por quaisquer familiares ou pessoas de referência da criança ou com conhecimento da situação desta e dos progenitores. Por outro lado, a única informação social junta aos autos, na sequência da promoção do Ministério Público e do despacho judicial proferido no âmbito da conferência de pais que teve lugar em 26-04-2018, revela-se manifestamente escassa quanto aos esclarecimentos que foram solicitados, resumindo-se a constatar que o requerido terá emigrado para França com o intuito de trabalhar nesse país, tendo-se deslocado recentemente, após um amigo lhe arranjar trabalho.

Note-se, a propósito, que se desconhece, inclusivamente, qual a atual residência da Requerente/mãe e da criança, o que, aliás, levou o Ministério Público a promover a notificação da Requerente para indicar nos autos, de forma precisa, a residência da criança - cf. promoção de 10-09-2018, prévia ao despacho recorrido.

Ainda que reconheça que o Tribunal, por imperativo constitucional, tem a obrigação de fundamentar a decisão, vem o recorrente sustentar que tal fundamentação, atenta a provisoriedade da decisão, será de menor exigência ou rigor, aludindo a casos em que o Tribunal deve decidir provisoriamente com base nos elementos obtidos nos autos, referindo a propósito ao artigo 38.º do RGPTC, os quais podem tão exíguos como os em consideração nos presentes autos.

Neste domínio, importa ter presente, em primeiro lugar, que o referido artigo 38.º do RGPTC prevê a tramitação aplicável quando os pais e demais interessados se encontrem presentes na conferência de pais designada ao abrigo do disposto no artigo 35.º do RGPTC, justificando-se, nesse contexto, que o juiz decida provisoriamente sobre o pedido, em função dos elementos já obtidos, tal como dispõe o citado artigo 38.º RGPTC. Na verdade, importa sublinhar a relevância da audição dos progenitores na conferência, com a possibilidade de explicitarem as questões essenciais relativas à regulação do exercício das responsabilidades parentais e de elucidarem o tribunal sobre todos os elementos e dúvidas relevantes para a sua definição, ainda que a título provisório.

Sucede que, como se viu, no caso vertente os progenitores não compareceram à conferência de pais designada no processo, apesar de regularmente convocados para o efeito, pelo que não prestaram declarações. E, apesar da urgência invocada pela Requerente, certo é que se verifica que esta também não procurou juntar aos autos quaisquer elementos documentais destinados a permitir ao Tribunal proferir de imediato decisão provisória.

Nestes termos, a situação em apreço tem enquadramento na previsão normativa do artigo 28.º do RGPTC que, sob a epígrafe Decisões provisórias e cautelares, estabelece, além do mais, e na parte que ao caso interessa, o seguinte:

1 - Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.
2 - Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo.
3 - Para efeitos do disposto no presente artigo, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por convenientes.
4 - O tribunal ouve as partes, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.

O mecanismo previsto no artigo 28.º, n.º 1, do RGPTC confere ao julgador a possibilidade de, no âmbito de um procedimento tutelar cível pendente, e caso o entenda conveniente, antecipar, a título provisório, a decisão sobre todas ou algumas das matérias essenciais que constituem o referido procedimento. Ainda que decorra do n.º 1 do referido normativo que a fixação do regime provisório sempre depende do prévio julgamento de conveniência, contrariamente ao que vimos já estar previsto para os casos em que os pais estão presentes na conferência mas não cheguem a acordo, tal não dispensa o julgador de fundamentar a decisão proferida tanto no plano fáctico, como do ponto de vista jurídico (1), sob pena de nulidade por falta de fundamentação.

Por conseguinte, e ainda que se conceba que uma decisão provisória atinente à fixação de um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais não comporta um nível de exigência de fundamentação idêntico ao das decisões definitivas sobre o mérito da acção, afigura-se evidente a inexistência de elementos de prova para o efeito.

Temos, assim, por justificada a fundamentação da decisão recorrida, na parte em que sustenta o seguinte:

“ (…) Nos presentes autos não se encontra qualquer elemento de prova relativo às condições de vida da criança ou progenitores.
A progenitora não compareceu à conferência prevista no art. 35º do RGPTC, tendo-se feito representar por Mandatário munido com poderes especiais.
A progenitora não apresentou meios de prova para demonstração das referidas condições de vida”.

Contudo, o citado artigo 28.º do RGPTC enuncia ainda expressamente o poder/dever que recai sobre o juiz de proceder às diligências ou averiguações sumárias que tiver por convenientes, o que se compreende por se tratar de um processo de jurisdição voluntária (artigo 12.º do RGPTC), nos quais o Tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, só sendo admitidas as provas que o juiz considere necessárias (artigo 986.º do CPC), de forma a adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, sem sujeição a critérios de legalidade estrita (artigo 987.º do CPC).

Daqui resulta, além do mais, que “nestes processos, cuja natureza é de jurisdição voluntária, o juiz não está limitado nem à alegação das partes, nem aos meios de prova requeridos (…). Significa, assim, que sobre o juiz recai o dever de determinar a realização de todas as diligências que entender necessárias sempre que verificar que as oferecidas pelas partes são insuficientes para a tomada de uma decisão conscienciosa e segura” - cf. Maria Perquilhas, Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais no Novo Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Jornadas de Direito da Família As Novas Leis: desafios e respostas, 13 e 14 de Janeiro de 2016, e-book, CRL da Ordem dos Advogados e CEJ, 2016, p.29.

No caso vertente, a decisão recorrida não põe em causa a conveniência ou oportunidade da fixação do regime provisório, o qual, aliás, foi expressamente requerido pela parte, ora Requerente, no que foi acompanhada pelo Ministério Público. Assim, o Tribunal recorrido decidiu indeferir o requerido pela progenitora, no sentido da fixação de um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais, por considerar estar impossibilitado de fundar tal decisão atendendo à ausência de elementos de prova decorrentes do processo.

Sucede que, não dispondo de elementos suficientes para fixar provisoriamente o regime da regulação das responsabilidades parentais, atento o requerido pela Requerente/progenitora, nem por isso podia o tribunal a quo deixar de averiguar tais factos. Assim, atendendo à natureza do processo e à urgência na definição do regime provisório, cabia ao Tribunal recorrido proceder às averiguações sumárias que tivesse por convenientes, em observância do disposto no artigo 28.º, n.º 3, do RGPTC.

No caso vertente, não resulta dos autos que o Tribunal a quo tenha efectuado qualquer investigação sumária, nos termos previstos no artigo 28.º, n.º 3, do RGPTC, nem se pronunciou sobre a eventual desnecessidade ou impossibilidade de as realizar.

Impunha-se, assim, que, previamente à decisão de indeferimento, o Tribunal a quo realizasse as averiguações sumárias que tivesse por convenientes, por si ou mediante prévia promoção do Ministério Público, designadamente, providenciando pela designação de nova data para audição da Requerente, com a necessária brevidade, recorrendo, se necessário, aos agentes consulares portugueses no estrangeiro, nos termos previstos no artigo 26.º do REGPTC e 500.º al. b), do CPC, ou mesmo, em última análise, convidando a Requerente a esclarecer todos os factos necessários à decisão a proferir, para além dos já alegados nos autos, convidando-a ainda a juntar elementos documentais adequados para o efeito, procedendo, se necessário, à inquirição sumária da testemunha por esta indicada no requerimento inicial, ou de outras eventualmente a indicar.

Não o tendo feito, encontra-se este Tribunal da Relação impedido de o determinar, posto que tal questão não foi concretamente suscitada pelo recorrente no âmbito do presente recurso, não é de conhecimento oficioso nem permite consubstanciar qualquer nulidade da decisão proferida.

Em consequência, não se revela possível a este Tribunal extrair diferente solução relativamente à insuficiência dos elementos ou meios de prova disponíveis nos autos para permitir fundamentar a decisão atinente à fixação de um regime provisório de exercício das responsabilidades parentais relativas ao R. S., sem prejuízo de vir a ser proferida tal decisão tendo por base novos elementos ou subsequentes averiguações, nos termos permitidos pelo artigo 28.º do RGPTC.

Nestes termos, improcedem as conclusões do apelante.

Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Sumário:

I - O mecanismo previsto no artigo 28.º, n.º 1, do RGPTC confere ao julgador a possibilidade de, no âmbito de um processo tutelar cível pendente, e caso o entenda conveniente, antecipar, a título provisório, a decisão sobre todas ou algumas das matérias essenciais que constituem o referido processo;
II - Ainda que a fixação do regime provisório sempre dependa do prévio julgamento de conveniência, contrariamente ao que prevê o artigo 38.º do RGPTC para os casos em que os pais estão presentes na conferência mas não cheguem a acordo, tal não dispensa o juiz de fundamentar a decisão proferida tanto no plano fáctico, como do ponto de vista jurídico, sob pena de nulidade por falta de fundamentação;
III - Não dispondo o processo de elementos suficientes para fixar provisoriamente o regime da regulação das responsabilidades parentais, atento o requerido pela Requerente/progenitora, nem por isso pode o Tribunal a quo deixar de averiguar tais factos, atendendo à natureza do processo e à urgência na definição do regime provisório, devendo proceder às averiguações sumárias que tivesse por convenientes, em observância do disposto no artigo 28.º, n.º 3, do RGPTC;
IV - Não o tendo feito, encontra-se o Tribunal da Relação impedido de o determinar quando tal questão não foi concretamente suscitada pelo recorrente no âmbito do recurso, posto que não é de conhecimento oficioso nem permite consubstanciar qualquer nulidade da decisão proferida.

IV. Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida, sem prejuízo de vir a ser proferida decisão provisória sobre o exercício das responsabilidades parentais tendo por base novos elementos ou subsequentes averiguações, nos termos permitidos pelo artigo 28.º do RGPTC.
Sem custas.
Guimarães, 17 de janeiro de 2019
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Eva Almeida (2.º adjunto)


1- Cfr. a propósito, Acórdão TRL de 08-05-2018 (relator: José Capacete), p. 2047/10.0TMLSB-D.L1; Acórdão TRL de 26-10-2017 (relator: Arlindo Crua), ambos disponíveis em www.pgdlisboa.pt; Acórdão TRC de 15-01-2013 (relator: Luís Cravo), p. 718/11.2TMCBR-A.C1; Acórdão TRC de 10-11-2011 (relator: Rita Romeira), p. 631-A/2000.G2; Acórdão TRP de 16-11--2010 (relator: Rodrigues Pires), p. 2861/09.9TBVCD-B.P1; disponíveis em http://www.dgsi.pt