Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3318/23.0T8BCL-B.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA DA CRIANÇA
EXERCÍCIO CONJUNTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) Na regulação do exercício das responsabilidades parentais quanto à determinação da residência da criança, deve continuar a entender-se que deverá residir com o progenitor que seja a principal referência afetiva e securizante da criança, aquele com quem mantém uma relação de maior proximidade, aquele que no dia-a-dia, enquanto os pais viviam juntos, lhe prestava os cuidados, ao progenitor que se mostre mais capaz de lhe garantir um adequado desenvolvimento físico e psíquico, a sua segurança e saúde, a formação da sua personalidade, a sua educação, o seu bem-estar, o seu desenvolvimento integral e harmonioso, em clima de tranquilidade, atenção e afeto, no respeito pelo superior interesse da criança e sem abdicar do princípio da igualdade entre os progenitores;
2) Para que o exercício conjunto das responsabilidades parentais possa efetivamente funcionar, importa que os pais revelem capacidade de cooperação e de educar em conjunto a criança, capacidade de separar os seus conflitos interpessoais dos seus papéis enquanto pais e que ambos tenham com os/as filhos/as uma boa relação afetiva. Deve analisar-se também se tal medida afeta o interesse da criança e ter-se em conta as necessidades desta e o seu grau de desenvolvimento e a sua opinião, entre outros parâmetros.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) AA veio intentar Ação de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais contra BB, onde conclui pedindo a Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais das filhas menores, por forma a que:

a) As menores fiquem entregue exclusivamente aos cuidados da mãe;
b) Seja fixada uma prestação de alimentos, a cargo do requerido pai, no valor mínimo mensal de €300,00 (trezentos euros) (por) cada menor, atualizada anualmente no dia 1 de janeiro de acordo com os índices de inflação estabelecidos pelo Instituto Nacional de Estatística e em valor nunca inferior a 3%, mantendo-se para lá da menoridade se verificados os requisitos do artigo 1880º do Código Civil;
c) Seja fixado um regime de visitas para o requerido; e
d) Sejam fixadas as demais questões decorrentes das responsabilidades parentais.

Mais requer o estabelecimento, a título provisório, do regime da regulação do exercício das responsabilidades parentais da(s) menor(es), de acordo com o supra peticionado, convocando-se a requerente e o requerido para a Conferência a que alude o artigo 35º do Decreto-Lei nº 141/2015, de 08 de setembro, seguindo-se os ulteriores termos até final.
Para tanto alega a requerente, em síntese, que aquela e o requerido casaram catolicamente no dia ../../2012 e, desse casamento, nasceram três filhas:
a) Em 19/12/2013, CC;
b) Em 13/08/2016, DD; e
c) Em 29/07/2020, EE.
Acrescenta ainda que a requerente deu entrada com uma ação de divórcio referindo ainda que o requerido não tem contribuído com qualquer quantia a título de alimentos, suportando a requerente, sozinha, todas as despesas.
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Realizou-se a conferência a que se refere o artigo 35º nº 1 do RGPTC, onde foram tomadas declarações aos progenitores, referindo a requerente AA que está separada do pai das suas filhas desde ../../2023 e viveram juntos durante 12 anos, trabalha num laboratório de análises auferindo mensalmente um rendimento ilíquido de €950,00 e reside, juntamente com as três filhas, na casa onde já residia antes da separação que é propriedade do pai do BB e não paga renda.
Referiu ainda que desde a separação as menores estão a viver consigo e estão com o pai em fins de semana alternados, de 15 em 15 dias; para além disso o pai está com as filhas todos os dias, toma o pequeno-almoço com elas diariamente e leva-as à escola, entendendo que deve manter-se o regime conforme está a acontecer desde a separação porque isso dá mais estabilidade às meninas e é o melhor para elas.
Por sua vez, o requerido BB referiu que aufere o vencimento mensal líquido de €1.800,00, residindo atualmente numa casa do seu pai que estava para alugar e não paga renda.
O requerido entende que deve ser instituído o regime de guarda alternada porque ele e a requerente AA residem na mesma rua e tem disponibilidade de horários para acompanhar as filhas nas suas atividades diárias, referindo que todos os dias toma o pequeno-almoço com elas e as leva à escola, propondo-se pagar a totalidade das despesas de saúde e edução das filhas e, bem assim, assumir a totalidade do pagamento do seguro de saúde das crianças cujo prémio anual ronda os €700,00, para cada uma.
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O Ministério Público sustenta que as responsabilidades parentais das crianças sejam provisoriamente reguladas nos seguintes termos:

1. A residência das crianças deverá ser fixada junto de ambos os progenitores, alternada e semanalmente, com recolhas na casa do progenitor residente até às 20h00m de sexta-feira;
2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das crianças serão exercidas por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, ressalvadas as situações urgentes;
3. Os atos da vida corrente deverão ser decididos pelo progenitor residente com quem as crianças se encontrarem temporariamente;
4. Face à proximidade de residências dos progenitores das crianças, dever-se-á ainda prever o habitual convívio semanal, às quartas-feiras, devendo o progenitor não residente ir buscar as crianças que frequentam a escola, no termo das atividades letivas e, após lhe proporcionar o jantar, entregá-las em casa do progenitor residente até às 21h30m;
5. No que diz respeito à prestação alimentícia, e porque comprovadamente existe uma diferença de rendimentos entre ambos os progenitores, o Ministério Público é de parecer que deverá ser imposta ao progenitor das crianças a obrigatoriedade de entregar a quantia mensal e individual de €75,00 por menor;
6. Avizinhando-se o período de férias da Páscoa, e não sendo previsível que até lá esteja fixado o regime definitivo no presente caso, dever-se-á permitir que cada um dos progenitores passe metade da interrupção letiva com as suas filhas.
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B) Na decisão recorrida foram considerados relevantes os seguintes factos:
1. Após ter ocorrido a separação do casal, mantiveram-se a residir em habitações próximas uma da outra, situadas na mesma rua;
2. As crianças têm pernoitado durante a semana na casa da progenitora, mas passam períodos de tempo com o pai nesses dias, nomeadamente quando a progenitora está ocupada com as suas obrigações profissionais;
3. Os fins de semana têm sido passados pelas crianças, de 15 em 15 dias, na companhia do progenitor;
4. A mãe declarou auferir rendimentos brutos na ordem dos €950,00 e o pai rendimentos líquidos na ordem dos €1.850,00.
Foi, assim, regulado, provisoriamente, o exercício das responsabilidades parentais relativas às crianças CC, DD e EE, nos seguintes termos:
A) Residência e exercício das responsabilidades parentais
1. As crianças residirão habitualmente na companhia de ambos os progenitores, em regime de alternância semanal, de sexta a sexta-feira, indo o progenitor que passar com elas a semana que se inicia buscá-las à casa do outro pelas 19h00m.
2. Na semana que não tiver as menores consigo, poderá o outro progenitor visitá-las e conviver com elas quando lhe aprouver, desde que informe o outro com antecedência e respeite os períodos de alimentação, descanso e demais rotinas das filhas; além disso, às quartas-feiras poderá recolher as filhas nos estabelecimentos de ensino, findas as atividades letivas, jantando com elas, e levando-as à residência do outro progenitor até às 20h30m.
3. As questões de particular importância para a vida das crianças serão decididas em conjunto por ambos os progenitores, sendo os atos da vida corrente decididos pelo progenitor com quem as crianças estiverem em cada momento.
B) Convívios
1. O dia do pai, o dia de aniversário do pai, o dia da mãe e o dia de aniversário da mãe serão passados pelas menores na companhia do progenitor ao qual diz respeito o dia festivo, sem prejuízo das obrigações escolares das crianças.
2. O Domingo de Páscoa será passado com a mãe até às 14h00m e depois desse horário com o pai até às 20h00m, pernoitando depois as crianças com o progenitor a quem estejam confiadas nessa semana.
C) Alimentos e despesas
1. O pai suportará as despesas com a aquisição de livros e material escolar para as filhas, bem como o custo dos seguros de saúde das mesmas, e pagará ainda a título de alimentos para cada uma das menores uma prestação mensal no valor de €50,00, que entregará à mãe até ao dia 8 de cada mês, por transferência bancária.
2. As despesas de saúde que não sejam comparticipadas pelo SNS ou pelo seguro de saúde, serão suportadas pelos progenitores na proporção de metade, assim como metade das mensalidades da atividade extracurricular de dança praticada pelas crianças CC e DD.
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C) Inconformada com a decisão, veio a requente AA interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito devolutivo (fls. 45vº).
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Nas alegações de recurso da apelante AA, são formuladas as seguintes conclusões:
I) Nos presentes autos foi realizada a conferência de pais no dia 07/02/2024, em cumprimento do disposto no artigo 35º RGPTC. Atenta a falta de acordo dos Pais, entendeu o Tribunal a quo em fixar provisoriamente o regime de residência alternada.
II) Regime que a recorrente não se conforma, porquanto, tal regime, ainda que provisório, impõe às menores uma instabilidade e imprevisibilidade injustificada no seu quotidiano, desrespeitando manifestamente o seu superior interesse.
III) Ao presente recurso deve ser atribuído o efeito suspensivo, nos termos do Artigo 32º, nº 5 do RGPTC, pois até que se fixasse um regime definitivo ou até à decisão da sentença, o recurso perderia todo o seu efeito útil.
IV) Como já referido a recorrente apresentou a Petição com vista à Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais das suas filhas: CC com 10 anos de idade, DD com 7 anos de idade e EE com 3 anos de idade.
V) A recorrente e recorrido se encontram desavindos, tendo uma relação difícil de convivência, estando desentendidos.
VI) A recorrente, desde a separação do casal em setembro de 2023, suportou sozinha todas as despesas relativas a alimentação, educação, vestuário e saúde das 3 menores.
VII) Sendo que, o recorrido tem o dever de contribuir para os alimentos das suas filhas face ao salário que aufere de €2.500,00 líquidos a título de vencimento mensal.
VIII) Para tanto, no momento da separação do casal foi acordado que as menores permaneceriam a residir com a recorrente, atenta a tenra idade de todas elas. Sendo que de 15 em 15 dias as menores pernoitavam com o pai, ora recorrido. Sendo que nestes fins de semana o recorrido ia buscar as menores à escola e segunda-feira a recorrente/progenitora, ia buscar as 3 menores à escola.
IX) Para que as menores não passassem um longo período de tempo sem contacto com o mesmo, ficou acordado que como a recorrente trabalha ás das 07:30H às 16:00H, a recorrente entregava as 3 menores na casa do recorrido às 07:10H, já vestidas e prontas para a escola, para tomarem o pequeno-almoço com o progenitor.
X) O recorrido na deslocação para o seu local de trabalho deixava a filha mais velha do casal CC, no autocarro que fica a caminho e entregava as outras duas menores DD e EE na carrinha da escola que se desloca à fábrica onde o Recorrido trabalha.
XI) A filha mais velha CC ia ter com o progenitor, ora recorrido ao trabalho na fábrica depois da escola, às terças e quintas-feiras que são os dias da semana com tarde livre. Sendo que a recorrente a vai buscar assim que sai do trabalho por volta das16:30H, ao contrário do que o tribunal a quo tentou insinuar, que as crianças passam períodos de tempo com o pai quando a progenitora está ocupada com as suas obrigações profissionais.
XII) O regime praticado pela recorrente e recorrido era hábito para o dia-a-dia das menores cujas mesmas estão ligadas à recorrente/progenitora no que concerne às rotinas do dia à dia mas também as menores têm uma relação mais próxima com a recorrente/progenitora, neste momento, de hábitos, rotinas, e até de segurança.
XIII) Todos estes factos foram levados ao conhecimento do Tribunal a quo que se escusou a promover qualquer ato que permitisse apurar das reais circunstâncias em que as responsabilidades parentais vêm sendo exercidas, que não a simples audição sumária dos progenitores, não dando oportunidade à recorrida de se pronunciar à cerca da vida e da lide diária das 3 menores com a mãe.
XIV) Tendo o Tribunal, sem mais, decidido pela aplicação de um regime provisório, de residência alternada manifestamente alheado das exatas circunstâncias dos menores, pois não se aproxima nem do regime que vinha sendo praticado, nem acautela o Superior Interesse das Crianças.
XV) Em setembro de 2023, quando da separação do casal, a recorrente foi uma semana à ..., o seu país de origem ter com os seus pais sendo que as suas filhas ficaram com a avó paterna.
XVI) Mesmo nesta altura a recorrente ajudava as menores através da plataforma WhatsApp, com o telemóvel que a filha mais velha tem a fazerem os trabalhos de casa, pois o recorrido nem isso fazia.
XVII) O recorrido apenas contactava a recorrente porque queria que ela marcasse uma viagem de volta mais cedo, mais concretamente no sábado porque queria que ela ficasse com as meninas porque tinha um Trail de mota em ... e não podia ficar com as filhas.
XVIII) A requerente/recorrente é sem dúvida o progenitor de longe o mais apto a proporcionar às menores maior equilíbrio afetivo e emocional.
XIX) Isento de dúvidas é que a progenitora é a pessoa que mais tempo esteve, e está, presente na vida das menores. Sendo, por isso, a sua figura de referência.
XX) Importa refere que estão em causa 3 crianças menores com hábitos alimentares saudáveis e naturais habituadas a comer sopa em todas as refeições bem como alimentos biológicos, no entanto as crianças referem que sempre que estão com o pai só comem comidas pré-feitas, e pré-cozinhadas porque o recorrido não sabe cozinhar.
XXI) Ademais as menores DD e a EE são intolerantes à lactose, pelo que requerem um cuidado e atenção especial.
XXII) O superior interesse da criança define-se como aquele que se sobrepõe a qualquer outro interesse legítimo e por isso mesmo, entendemos que se deve alterar o menos possível a vida destas menores, que apesar da separação dos pais têm vindo a conviver com ambos os progenitores e com as suas respetivas famílias.
XXIII) Ademais foi referido pela recorrente que o recorrido era um pai ausente, no último ano do casal o recorrido teve um hobby que é corrida de motas, que o fazia passar quase todos os fins de semana fora de casa. O recorrido saía para trabalhar às 07:30H de casa e saía da fábrica às 19:00H, depois ia para o ginásio treinar e todos os dias chegava a casa às 22:00H/23:00H, ou seja, quando chegava a casa as menores já estavam a dormir.
XXIV) Mesmo aos fins de semana, nomeadamente, ao sábado, o recorrido trabalhava até às 16:00H e depois ia para o ginásio, aparecendo em casa só por volta das 20:00H/21:00H. Ao domingo de manhã ia treinar de mota.
XXV) Relativamente à desproporcionalidade de salários e face ao recorrido não tem qualquer despesa deverá ser revogada a prestação de alimentos fixada pelo tribunal a quo no valor de €50,00 (cinquenta euros) e fixada por outro, no valor mínimo de pelo menos €150,00.
XXVI) Assim deve a decisão ser revogada e mantido o regime anterior praticado pelos progenitores, fixando-se a residência habitual com a mãe, e aditando o valor de pensão de alimentos mensal atribuído a cada menor para o valor de pelo menos €150,00.
Termina entendendo que deve ser dado provimento ao presente recurso e por via dele, ser revogado o regime provisório de residência alternada e em consequência, ser fixado um novo regime provisório nos exatos termos que já se encontrava a ser praticado pela ora recorrente e recorrido.
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Pelo apelado BB, foi apresentada resposta onde entende que a decisão proferida pelo tribunal a quo não padece de qualquer vício, devendo manter-se por ser a única que acautela o superior interesse dos menores.
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Pelo Mº Pº foi apresentada resposta onde entende que o recurso deverá ser julgado improcedente.
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D) Foram colhidos os vistos legais.
E) A questão a decidir na apelação é a de saber se deverá ser revogada a decisão provisória recorrida.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) Relativamente ao efeito do recurso, pretendia a requerente que se atribuísse efeito suspensivo, confabulando a requerida situações que nada permite considerar que venham a ocorrer, face aos elementos que se mostram disponíveis.
Importa, no entanto, notar que por força do disposto no artigo 28º do RGPTC,
“1. Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.
2. Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo.
3. Para efeitos do disposto no presente artigo, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por convenientes.
( … )”
Ora, tratando-se de decisões provisórias, naturalmente que visam assegurar transitoriamente uma situação, até ser proferida decisão final e não obstante a sua natureza, a decisão visa assegurar o superior interesse dos menores num espaço de tempo limitado, por isso é provisória, daí que as necessidades de fundamentação devam ter em conta tal situação.
Assim sendo, ainda que qualquer hipotética situação, não previsível no momento, suscetível de fazer perigar o interesse dos menores, pudesse ocorrer, sempre poderia o tribunal alterar, se necessário, para a salvaguarda do seu interesse a decisão proferida quanto à regulação do exercício das responsabilidades parentais, motivo pelo qual não se justifica alterar o efeito-regra do recurso, que é o devolutivo. 
No que se refere à decisão final, tendencialmente definitiva, torna-se necessária a realização de outras diligências, que não constam ainda dos autos, com vista a habilitar o tribunal a proferir uma decisão baseada em elementos de prova relevantes que, no presente momento ainda não dispõe e que justificou que fosse proferida uma decisão provisória.
Importa notar que o desenvolvimento harmonioso das crianças, pressupõe o seu crescimento e integração no seu agregado familiar nuclear, quando tal seja viável e os pais vivam juntos e, não vivendo e não havendo fundamentos objetivamente credíveis que desaconselhem tal convívio, deverá o mesmo ser implementado, sendo que, a haver qualquer motivo que objetivamente o justifique, poderá ser alterado o regime provisório fixado, conforme já se referiu.
Não pode deixar de se atender ao facto de que os elementos probatórios a apreciar se resumem a uma certidão de assento de casamento e três certidões de assento de nascimento, às declarações da requerente e do requerido na conferência de pais, para além dos factos considerados como relevantes, na decisão provisória (fls. 43 vº).   
Naturalmente que a relação parental, pressupõe uma aprendizagem e uma construção que tenha em especial atenção um elemento essencial que é o interesse das crianças e que tem vindo a evoluir para uma maior participação de ambos os pais, mais naturalmente na mãe relativamente à qual existe uma ligação afetiva e biológica mais próxima, mas, sobretudo, da figura do pai, que tem vindo a acompanhar uma nova dimensão sociológica com a desejável evolução do seu papel mais interventivo na família parental, basta constatar a evolução sociológica que se tem operado ao longo das décadas com a evolução do papel do homem e da mulher na família e que ainda tem caminho a percorrer.
Ao longo das alegações e conclusões a apelante imputa ao requerente uma série de condutas que não se acham minimamente demonstradas e que, como tal, não poderão relevar, para efeitos da reavaliação da decisão provisória recorrida, sem prejuízo de a apelante poder demonstrar tal factualidade para efeitos da decisão final a proferir, na medida em que sejam relevantes para esta.
As decisões provisórias visam afastar o periculum in mora, isto é, o perigo que acarretaria não acautelar a necessidade de se regular provisoriamente a situação enquanto a decisão final não possa ser proferida, importando lembrar que o processo em apreço tem a natureza de jurisdição voluntária.
Como refere o Desembargador Tomé de Almeida Ramião in Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado a páginas 57, “no âmbito destes processos, mais do que decidir segundo critérios estritamente jurídicos, o tribunal irá proferir um juízo de oportunidade ou conveniência sobre os interesses em causa.
“Um julgamento pode inspirar-se em duas orientações ou em dois critérios diferentes: critério de legalidade, critério de equidade. No primeiro caso o juiz tem de aplicar aos factos da causa o direito constituído; tem de julgar segundo as normas jurídicas que se ajustem à espécie respetiva, ainda que, em sua consciência, entenda que a verdadeira justiça exigiria outra solução. No segundo caso o julgador não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente; tem liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa.
É exatamente o que, para os processos de jurisdição voluntária, determina o artigo 1449º (hoje artigo 986º Código de Processo Civil) – Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. III, pág. 400.”
Assim, é aplicável a estes processos o disposto nos artigos 292º a 295º e 986º a 988º do Código de Processo Civil.
Por isso o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, só sendo admissíveis as provas que o juiz considere necessárias.”
Portanto, desde que se trate de provas necessárias, que o tribunal entenda como tal, não está a apelante inibida de as requerer, importando, apenas relembrar, para não nos repetirmos, que a presente providência tem natureza provisória.
Afirma a apelante que o regime praticado pela recorrente e recorrido para o dia-a-dia das menores que estão ligadas à progenitora, no que se refere às rotinas diárias e com que têm uma relação mais próxima, relativamente a hábitos, rotinas e segurança, reconhecendo, no entanto, ter havido o estabelecimento de maior proximidade, com regularidade de visitas e partilhas de períodos como as férias, os aniversários dos menores e dos pais.
Entende a apelante que o tribunal a quo tendo optado pela aplicação de um regime de residência alternada, não se aproxima nem do regime que vinha sendo praticado nem acautela o superior interesse das crianças.
Aponta a apelante uma série de questões e factos, que não se acham minimamente demonstrados nos autos e que importaria apurar para uma mais fundamentada decisão, ainda que provisória, quanto ao destino das menores no sentido de se apurar se, nesta fase, se mostra mais adequado a entrega dos mesmos a um dos progenitores ou a confirmação da residência alternada, como decidiu a 1ª Instância.
Mas igualmente importa apurar a veracidade da factualidade invocada pelo apelado que, igualmente, não se mostra demonstrada na presente fase processual, com vista à definição dos elementos que permitam determinar qual a situação que melhor corresponde ao interesse das menores.
Conforme refere Tomé d’Almeida Ramião, ibidem, em anotação ao artigo 28º, a páginas 81, “confere-se ao juiz um poder discricionário, o qual consiste em, antes da decisão final, e sempre que o entenda conveniente, decidir, a título provisório, as matérias que tem de apreciar a final.
O que significa, desde logo, que a decisão proferida em qualquer estado da causa, mas antes da sentença, será sempre provisória. Depois, o juiz não é obrigado a decidir antes da decisão final, só o fará desde que o entenda conveniente e de acordo com os interesses da criança nesse momento. Finalmente, o juiz não é obrigado a decidir provisoriamente em relação a todas as matérias, podendo restringir essa decisão apenas a algumas delas.”
E acrescenta (a págs. 119) que “ … a lei manda atender aos superiores interesses da criança (art.º 1905º/2 e 7, do Código Civil, nº 1 e artigo 4º), pelo que se deverá entender que a solução mais ajustada, será aquela que, no caso concreto, melhores garantias dê de assegurar e valorizar o desenvolvimento físico e psíquico do menor, do seu bem-estar, a sua segurança e a formação da sua personalidade, sendo certo e sabido que o conteúdo das responsabilidades parentais se consubstancia no conjunto de poderes/deveres ou poderes funcionais atribuídos legalmente aos progenitores no interesse dos filhos e para prossecução dos interesses pessoais e patrimoniais destes, com vista a assegurar convenientemente o seu desenvolvimento integral e harmonioso (artigo 1878º do Código Civil).
Na determinação da residência do filho, valoriza-se a disponibilidade manifestada por cada um dos progenitores para promover relações afetivas, com regularidade, do filho com o outro progenitor.
Quanto à determinação da residência da criança, deve continuar a entender-se que deverá residir com o progenitor que seja a principal referência  afetiva e securizante da criança, aquele com quem mantém uma relação de maior proximidade, aquele que no dia-a-dia, enquanto os pais viviam juntos, lhe prestava os cuidados, ao progenitor que se mostre mais capaz de lhe garantir um adequado desenvolvimento físico e psíquico, a sua segurança e saúde, a formação da sua personalidade, a sua educação, o seu bem-estar, o seu desenvolvimento integral e harmonioso, em clima de tranquilidade, atenção e afeto, como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência e doutrina, no respeito pelo superior interesse da criança e sem abdicar do princípio da igualdade entre os progenitores.”
Refere Clara Sottomayor in Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais nos Casos de Divórcio, a fls. 61 e segs., a propósito da determinação do conceito de interesse da criança, que se trata de um conceito indeterminado “ … que deve ser concretizado pelo juiz de acordo com as orientações legais sobre o conteúdo das responsabilidades parentais: a) a segurança e saúde da criança, o seu sustento, educação e autonomia (artigo 1878º); b) o desenvolvimento físico, intelectual e moral da criança (artigo 1885º, nº 1); c) a opinião da criança (artigo 1878º, nº 2 e 1901º, nº 1).”
( … )
… a guarda da criança deve ser confiada ao progenitor que promove o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral, que tem mais disponibilidade para satisfazer as suas necessidades e que tem com a criança uma relação afetiva mais profunda. A preferência da criança, quando esta queira e possa exprimi-la, coincidirá, normalmente, com os critérios anteriores.
Para obter informações sobre estes elementos, o tribunal ouve os pais, a criança, os seus avós e outras pessoas de especial referência afetiva para a criança (artigo 35º, nº 2, do RGPTC), pode ainda recorrer às diligências de instrução previstas no artigo 21º (artigo 37º, nº 3, do RGPTC) e remeter os pais para mediação familiar ou audição ou audição técnica especializada na hipótese de falta de acordo na conferência (artigo 38º do RGPTC).”
Refere a mesma autora (ibidem, pág. 291 e seg.) que “o exercício conjunto das responsabilidades parentais, sendo uma situação que potencia conflitos, deve ser aplicado com cautela, tendo em conta certos pressupostos. Tem sido esta a jurisprudência europeia sobretudo nos casos em que o regime adotado inclui residência alternada ou partilha ampla do exercício das responsabilidades parentais. Uma confiança cega de que um acordo de guarda conjunta terá sucesso ou de que forçar a responsabilidade dos pais, pacificará a sua relação, não é aceitável. As decisões de regulação das responsabilidades parentais não devem fazer-se com base em juízos de prognose quanto ao comportamento futuro dos pais, mas com base nas circunstâncias vigentes no momento da decisão. Deve ter-se em conta também a idade da criança, constituindo a guarda conjunta, quando há alternância de residência, uma solução apropriada para crianças mais velhas, dotadas de um certo grau de maturidade e de autonomia, mas não já para crianças de tenra idade, as quais não devem ser separadas da mãe, pois, nesta primeira fase da vida, o aspeto essencial para a sua sobrevivência é o da nutrição.
Para que o exercício conjunto possa efetivamente funcionar, importa que os pais revelem capacidade de cooperação e de educar em conjunto a criança, capacidade de separar os seus conflitos interpessoais dos seus papéis enquanto pais e que ambos tenham com os/as filhos/as uma boa relação afetiva. Deve analisar-se também se tal medida afeta o interesse da criança e ter-se em conta as necessidades desta e o seu grau de desenvolvimento, a sua opinião, etc.. Sobretudo tratando-se de um adolescente, é importante que este participe na decisão acerca da determinação da sua residência, ou em caso de exercício conjunto com residência alternada, do ritmo da alternância.”
Assim sendo, considerando o acima exposto, sem nunca esquecer a natureza provisória da presente decisão, a que necessariamente se seguirá, a curto prazo, previsivelmente, após obtenção de elementos probatórios complementares, uma nova decisão tendencialmente final, na 1ª instância, tendo em conta, nomeadamente, a idade das menores, 3 anos, a EE, 7 anos, a DD e 10 anos, a CC, ao facto de terem estado, até ao momento, a viver com a progenitora, à exiguidade dos elementos de facto relevantes para justificar uma alteração da situação vivida pelas menores, a atual situação conhecida das mesmas, com algum convívio com o progenitor, à situação económica de ambos, afigura-se-nos dever alterar a decisão proferida pelo tribunal a quo, julgando-se parcialmente procedente a apelação e determinando que:
1) As crianças continuarão a residir com a progenitora, a quem caberá o exercício do poder paternal, com as limitações que seguem.
2) A apelante entregará as menores, de segunda a sexta-feira, pelas 7,10 horas, ao apelado, em casa deste, já prontas, onde tomarão o pequeno-almoço com este, após o que o mesmo deixará a CC no autocarro e levará a DD e a EE na carrinha da escola que se desloca à fábrica onde o apelado trabalha, cabendo a recolha das mesmas à mãe.
3) Quinzenalmente, as menores passarão o fim-de-semana como o pai, que as recolherá na escola na sexta-feira respetiva indo a apelante buscá-las à escola na segunda-feira imediata, continuando na ordem que atualmente já existe. Para a eventualidade de esta ordem já não se continuar a observar, seguir-se-á a ordem acima estabelecida, com início, para o progenitor, no fim de semana a partir de 31/05/2024.
4) As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das crianças serão exercidas por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, ressalvadas as situações urgentes.
5) O Dia do Pai, o dia de aniversário do pai, o Dia da Mãe e o dia de aniversário da mãe serão passados pelas menores na companhia do progenitor ao qual diz respeito o dia festivo, sem prejuízo das obrigações escolares e do período de descanso das crianças. 
6) Para a eventualidade de a decisão final, deste processo não ocorrer até ao início das férias escolares do verão, das menores, o pai poderá tê-las consigo durante dois períodos intercalados de uma semana, cada, em data a combinar com a apelante e, na falta de acordo, a ser escolhido pelo progenitor e comunicado à mãe, com uma antecedência mínima de 15 dias, relativamente à data escolhida, cabendo a recolha e entrega das menores ao progenitor, podendo os progenitores acordar que, em vez de dois períodos intercalados de uma semana do período de férias, possa o pai possa ter as menores consigo durante o período de uma quinzena, com a recolha e entrega das mesmas a cargo do pai.
7) A título de alimentos devidos às menores, o progenitor pagará à mãe, a quantia mensal de €100,00, por cada filha, através de transferência bancária, até ao dia 8 de cada mês.
8) O pai suportará ainda as despesas com a aquisição de livros e material escolar para as filhas, bem como com o custo dos seguros de saúde das mesmas.
9) As despesas de saúde que não sejam comparticipadas pelo SNS ou pelo seguro de saúde, serão suportadas pelos progenitores na proporção de metade, por cada um, assim como metade das mensalidades da atividade extracurricular de dança praticada pela CC e pela DD.
No mais peticionado a apelação terá de improceder.
As custas terão de ser suportadas por apelante e apelado, na proporção de decaimento, que se fixa em 1/3 e 2/3, respetivamente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
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D) Em conclusão e sumariando:
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III. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, determinar que:

1) As crianças continuarão a residir com a progenitora, a quem caberá o poder paternal, com as limitações que seguem.
2) A apelante entregará as menores, de segunda a sexta-feira, pelas 7,10 horas, ao apelado, em casa deste, já prontas, onde tomarão o pequeno-almoço com este, após o que o mesmo deixará a CC no autocarro e levará a DD e a EE na carrinha da escola que se desloca à fábrica onde o apelado trabalha, cabendo a recolha das mesmas à mãe.
3) Quinzenalmente, as menores passarão o fim-de-semana como o pai, que as recolherá na escola na sexta-feira respetiva indo a apelante buscá-las à escola na segunda-feira imediata, continuando na ordem que atualmente já existe. Para a eventualidade de esta ordem já não se continuar a observar, seguir-se-á a ordem acima estabelecida, com início, para o progenitor, no fim de semana a partir de 31/05/2024.
4) As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das crianças serão exercidas por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, ressalvadas as situações urgentes.
5) O Dia do Pai, o dia de aniversário do pai, o Dia da Mãe e o dia de aniversário da mãe serão passados pelas menores na companhia do progenitor ao qual diz respeito o dia festivo, sem prejuízo das obrigações escolares e do período de descanso das crianças. 
6) Para a eventualidade de a decisão final, deste processo não ocorrer até ao início das férias escolares do verão, das menores, o pai poderá tê-las consigo durante dois períodos intercalados de uma semana, cada, em data a combinar com a apelante e, na falta de acordo, a ser escolhido pelo progenitor e comunicado à mãe, com uma antecedência mínima de 15 dias, relativamente à data escolhida, cabendo a recolha e entrega das menores ao progenitor, podendo os progenitores acordar que, em vez de dois períodos intercalados de uma semana do período de férias, possa o pai possa ter as menores consigo durante o período de uma quinzena, com a recolha e entrega das mesmas a cargo do pai.
7) A título de alimentos devidos às menores, o progenitor pagará à mãe, a quantia mensal de €100,00, por cada filha, através de transferência bancária, até ao dia 8 de cada mês.
8) O pai suportará ainda as despesas com a aquisição de livros e material escolar para as filhas, bem como com o custo dos seguros de saúde das mesmas.
9) As despesas de saúde que não sejam comparticipadas pelo SNS ou pelo seguro de saúde, serão suportadas pelos progenitores na proporção de metade, assim como metade das mensalidades da atividade extracurricular de dança praticada pela CC e pela DD.
No mais peticionado a apelação terá de improceder.
Custas por apelante e apelado, na proporção de decaimento, que se fixa em 1/3 e 2/3, respetivamente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Notifique.
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Guimarães, 23/05/2024

Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Maria dos Anjos Nogueira
2ª Adjunta: Desembargadora Alexandra Rolim Mendes