Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS | ||
Descritores: | FIXAÇÃO DO VALOR DA CAUSA OMISSÃO NULIDADE PROCESSUAL ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/20/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1- A sentença constitui o termo final ou momento derradeiro em que o juiz tem de fixar o valor da causa (quer nos casos em que anteriormente não o fixou apesar de o dever fazer, quer nos processos em que a utilidade do pedido apenas pode ser determinada no decurso do processo – como é o caso dos processos regulados no CIRE - e apenas na sentença estejam recolhidas as condições fácticas necessárias para fixar esse valor), pelo que, nos casos em que o juiz não tenha anteriormente à prolação da sentença fixado o valor da causa e também não o faça nesta, o mesmo incorre no vício da nulidade por omissão de pronúncia, decorrente de nela não ter fixado o valor da causa quanto tal lhe era imposto pela lei adjetiva. 2- Contudo, não sendo esse vício de conhecimento oficioso, mas apenas podendo ser suscitado pelas partes em sede de recurso, nos casos em que o processo comporte recurso ordinário, ou, não o comportando, mediante incidente de reclamação, nos casos em que aquela nulidade não foi suscitada pelas partes (em sede de recurso ou de reclamação, conforme for o caso), a mesma convalida-se, ficando sanada, subsistindo o valor da causa anteriormente fixado pelo juiz (mas que aquele não cuidou de atualizar nos processos em que a utilidade do pedido apenas pode ser determinada no decurso do processo) ou, na ausência deste, o indicado pelo autor na petição inicial. 3- Como consequência, tendo na petição inicial com que instaurou o processo especial para acordo de pagamento (PEAP) sido indicado como valor da causa a quantia de 5.000,01 euros, não tendo o juiz fixado ao longo do processo o valor da causa, nem derradeiramente na sentença em que ordenou o encerramento e arquivamento do processo, não podia, após a prolação desta, por sua iniciativa, fixar aquele valor no montante equivalente ao património do devedor constante da relação de bens que juntou em anexo à petição inicial, por tal implicar violação ao princípio da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento daquela sentença, e muito menos o podia fazer quando essa nulidade, com o trânsito em julgado desta, já se tinha convalidado, fixando definitivamente o valor da causa no montante indicado na petição inicial (5.000,01 euros). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: I- RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., ..., ..., ... ..., instaurou, em 30/01/2024, processo especial para acordo de pagamento. Requereu que fosse admitido o processo e que se designasse administrador judicial provisório. Indicou como valor da ação a quantia de 5.000,01 euros. Por despacho proferido em 05/02/2024, nomeou-se administrador judicial provisório. A lista de créditos provisórios reconhecidos pelo administrador judicial provisório foi objeto de impugnações por parte de devedores e de credores. As impugnações acabadas de referir foram decididas por despacho proferido em 05/06/2024, do qual foi interposto recurso, o qual não foi admitido por decisão de 24/09/2024, que não foi objeto de reclamação. Por requerimento entrado em juízo em 09/05/2024, o devedor e o administrador judicial provisório requereram a prorrogação do prazo de negociações por um mês. Em 12/06/2024, o devedor juntou aos autos proposta de plano de acordo de pagamento. Essa proposta não foi aprovada pela maioria qualificada de credores a que alude o n.º 2 do art. 222º-F do CIRE. Na sequência, ordenou-se ao administrador judicial provisório que emitisse parecer sobre se o devedor se encontrava (ou não) em situação de insolvência. Em 10/07/2024, o administrador judicial provisório juntou ao processo parecer no sentido de que o devedor se encontrava insolvente e requerendo que fosse declarado insolvente. Observado o contraditório, o devedor opôs-se à declaração da sua insolvência. Por sentença proferida em 24/09/2024, determinou-se o encerramento e arquivamento do processo, a qual consta do seguinte teor (procede-se à sua transcrição ipsis verbis): “Nestes autos de processo especial para acordo de pagamento, foi declarado encerrado o processo negocial, por não ter sido aprovado qualquer acordo de pagamento. Notificado, o sr. Administrador Judicial Provisório defendeu que o devedor se encontra em situação de insolvência. Notificado, este veio opor-se à declaração de insolvência. Assim, ao abrigo do disposto no artigo 222.º G, n.º 6 e 222.º J, n.º 1, l. b) do CIRE, determino o encerramento e arquivamento do processo, o que acarreta a extinção de todos os seus efeitos, ficando o devedor impedido de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos (cfr. n.º 8 do artigo 222.º G do CIRE). Mais determino a cessação das funções do AJP – artigo 222.º J, n.º 2, al. b) ambos do CIRE. Custa pelo devedor, fixadas no mínimo legal. Registe e notifique. * Após trânsito, comunique ao processo de insolvência que corre termos neste mesmo Juiz ... e que se encontra suspenso”. Tendo a sentença acabada de transcrever transitado em julgado o processo foi remetido à conta. Em 29/10/2024, a Secção concluiu o processo à Meritíssima Senhora juíza com a informação que se segue: “Com a informação a V. Exa. que ao pretender elaborar a conta, suscitam-se dúvidas quanto ao valor da ação, pelo que V. Exa. ordenará o que tiver por conveniente”. Na sequência, em 07/11/2024, proferiu-se o despacho que se segue: “Valor da ação: o valor do património indicado pelo devedor no anexo à petição inicial. À conta”. Inconformado com o despacho acabado de referir, em que o tribunal a quo fixou o valor da causa após ter proferido a sentença de 29/04/2024, em que determinou o encerramento e arquivamento do processo especial para acordo de pagamento, o devedor, AA, interpôs recurso, em que formulou as conclusões que se seguem: 1. O devedor veio requerer a reforma de um despacho, ao abrigo do disposto no artº 616º do CPC, por remissão do artº 17º do CIRE. 2. Do referido despacho fazia constar-se o seguinte: “Valor da ação: o valor do património indicado pelos devedores no anexo à petição inicial.” 3. À data da prolação de tal despacho, já o poder jurisdicional da Meritíssima Juiz se mostrava esgotado. 4. Se o tribunal de Primeira Instância não fixou o valor da ação no despacho saneador, na sentença ou no despacho que admite o recurso, sem que nenhuma das partes tenha arguido oportunamente a nulidade de tal omissão, ter-se-á de considerar sanado o eventual vício de omissão de fixação do valor da causa e, para todos os efeitos legais, fazer subsistir como valor da causa, o valor inicialmente indicado pelo devedor (€ 5.000,01). 5. Trata-se de um princípio elementar e basilar do direito adjetivo, de que, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa. 6. Deve considerar-se sanado o vício e atender-se, para efeitos de custas, ao valor indicado pelo devedor na sua P.I., ou seja, ao montante de 5.000,01, devendo reformar-se o douto despacho proferido em conformidade com o exposto. 7. Para a eventualidade de assim não se entender e não ser o despacho em discussão objeto de reforma pelo Tribunal, vem o devedor interpor recurso do douto despacho. 8. Dispõe o artigo 301.ºdo CIRE o seguinte (Valor da causa para efeitos de custas): “Para efeitos de custas, o valor da causa no processo de insolvência em que a insolvência não chegue a ser declarada ou em que o processo seja encerrado antes da elaboração do inventário a que se refere o artigo 153.º é o equivalente ao da alçada da Relação, ou ao valor aludido no artigo 15.º, se este for inferior; (…)”. 9. Tendo por referência o valor indicado pelo devedor na relação de bens que juntou aquando da propositura do PEAP (bastante superior à alçada do Tribunal da Relação), então, para efeitos de custas deverá ser tido por referência o valor da alçada do Tribunal da Relação, já que tal valor é manifestamente inferior. 10. Quem se propõe a um PEAP é porque necessita de “ajuda” a fim de evitar uma eventual insolvência. 11. O recorrente sabe o que isso significa, em termos práticos, porquanto num anterior PEAP foram-lhe fixadas custas - baseando-se o Tribunal em circunstância erradas -, do montante aproximado de € 13.000,00 (que o devedor acabou por ter de liquidar). 12.O próprio artº 302º do CIRE, no seu nº 3, estabelece que a taxa de justiça pode ser reduzida pelo juiz para um montante não inferior a 5UC de custas, sempre que por qualquer circunstância especial considere manifestamente excessiva a taxa aplicável, o que efetivamente sucederia, no caso de considerarmos para efeitos de custas, o valor do património do devedor. 13. Também o legislador teve a iniciativa de consignar no CIRE esta possibilidade e “ajuda ao devedor, pelo facto de todos eles (devedores), se encontrarem em circunstâncias especiais, que é também o caso do aqui recorrente. 14.Deste modo, seria penalizar o devedor de forma drástica, aplicando-lhe custas para liquidar de montante avultado, o que desde já se pretende evitar, até pelo facto de não ter conseguido aprovar o plano proposto. 15. Assim sendo, e tendo em consideração o que supra acabou de se expor entende o recorrente, por um lado, que o valor da ação deverá ser o indicado por si na P.I., ou seja, € 5.000,01 - pelo facto do poder jurisdicional do Tribunal de 1ª Instância já se mostrar esgotado, 16. E por outro, se assim não se entender, o valor da ação a fixar para efeitos de custas, deverá ser do montante de € 30.000,00, ou seja, o valor da alçada do Tribunal da Relação. 17. Nestes termos, deverá o presente recurso merecer procedência, devendo,em consequência, revogar-se a decisão proferida substituindo-a por decisão diversa. 18. Na prolação de decisão proferida, violou-se assim e entre outros, o disposto no artº 616º do CPC e artºs 301º e 302º do CIRE. Termos em que, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, consequentemente, na medida das articuladas conclusões e pelo douto suprimento, revogada a decisão recorrida, assim se fazendo Justiça. * Não foram apresentadas contra-alegações.* A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.* Corridos os vistos legais, cumpre decidir.* II- DO OBJETO DO RECURSOO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1]. No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar uma única questão que consiste em saber se o despacho recorrido (em que, após ter proferido sentença determinando o encerramento e o arquivamento do presente processo especial para acordo de pagamento a 1ª Instância fixou o valor da causa equivalente ao valor do património indicado pelo recorrente na relação de bens que juntou em anexo à petição inicial) padece de erro de direito por violação do princípio da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento daquela sentença e se, em consequência, se impõe a sua revogação, e considerar-se sanado o vício decorrente de nela se ter omitido a fixação do valor da causa, devendo considerar-se como tal o valor indicado pelo recorrente na petição inicial (5.000,01 euros), ou, subsidiariamente, o equivalente à alçada da Relação (30.000,00 euros). * III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOOs factos que relevam para a decisão a proferir no âmbito do presente recurso são os que constam do «I-Relatório» que supra se consignou. * IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICANo presente processo especial para acordo de pagamento (PEAP) o recorrente indicou na petição inicial como valor da causa o montante de cinco mil euros e um cêntimo e juntou em anexo a esse articulado uma relação de bens em que relacionou um conjunto de prédios e um direito de crédito, atribuindo aos prédios relacionados um valor cuja soma excede substancialmente o valor da causa que indicou naquele articulado. Ao longo do presente processo a 1ª Instância não fixou o valor da causa. E, uma vez decorrido o prazo de negociações entre devedor e respetivos credores, sem que a proposta de plano de acordo de pagamento por ele apresentada tivesse sido aprovada pela maioria qualificada de credores, prevista no n.º 2 do art. 222º-F do CIRE, tendo o administrador judicial provisório emanado parecer no sentido de que o devedor já se encontrava em situação de insolvência, foi proferida, em 24/09/2024, sentença ordenando o encerramento e o arquivamento dos autos, sem que nela tivesse sido fixado o valor da causa. Da sentença acabada de referir não foi interposto recurso, pelo que transitou em julgado. Tendo o processo sido remetido à conta, foram os autos conclusos à Senhora Juíza a quo com informação do contador de que tinha dúvidas quanto ao valor da ação, na sequência do que, foi proferido o despacho recorrido em que se fixou que o valor da causa corresponde à soma do património indicado pelo devedor (recorrente) na relação que juntou em anexo à petição inicial. A questão que vem suscitada no presente recurso consiste em saber se, uma vez proferida a sentença em que o tribunal a quo ordenou o encerramento e o arquivamento do PEAP, sem que nela tivesse fixado o valor da causa, por força do princípio da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento daquela sentença não podia posteriormente a 1ª Instância fixar esse valor, conforme vem propugnado pelo recorrente, ou se, conforme defende o tribunal a quo, não existia qualquer obstáculo processual à fixação do valor da causa após a prolação da sentença, uma vez que se trata de complementar a última e, bem assim, porque em relação ao valor da causa ainda não tinha sido emitida qualquer pronúncia (no despacho de 09/12/2024, o julgador a quo escreve que: “Na decisão que determinou o encerramento do processo, por lapso, não nos pronunciamos quanto ao valor da causa para efeitos de custas. Na sequência da informação que consta da cota na conclusão de 29/10/2024, complementámos a decisão proferida. Ainda não nos tínhamos pronunciado quanto a tal questão, pelo que não estava esgotado o poder jurisdicional”). Os presentes autos são um processo especial para acordo de pagamento cujo regime jurídico consta dos arts. 222º-A a 222º-J do CIRE. Nos termos do n.º 3, do art. 222º-A do mesmo diploma, ao PEAP aplicam-se todas as normas previstas no CIRE que não sejam incompatíveis com a natureza especialíssima do processo em causa. Por sua vez, nos termos do art. 17º do CIRE, aos processos que nele se encontram regulados aplica-se o Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições nele enunciadas. Resulta da conjugação dos dispositivos legais que se acabam de referir que o processo especial para acordo de pagamento rege-se, em primeiro lugar, pelo regime jurídico enunciado nos arts. 222º-A a 222º-J do CIRE; quanto aos aspetos que não se encontrem nele regulados (casos omissos), pelas restantes normas do CIRE que não sejam incompatíveis com a natureza daquele processo especialíssimo; e, finalmente, pelas normas do CPC, mas apenas e na medida em que estas não contrariem as disposições do CIRE. O regime jurídico específico do processo especial para acordo de pagamento nada estabelece quanto ao valor da causa e o próprio CIRE, limita-se, no seu art. 15º, a estabelecer que: “Para efeitos processuais, o valor da causa é determinado sobre o valor do ativo do devedor indicado na petição, que é corrigido logo que se verifique ser diferente o valor real”. Deste modo, os restantes aspetos que contendem com a indicação do valor da causa, nomeadamente, quanto à competência para o fixar, momento em que deve ser fixado e consequências jurídicas decorrentes da omissão da sua fixação, encontram-se regulados no CPC (a que se referem todas as disposições legais que se passam a enunciar sem indicação contrária). Assim, nos termos do art. 296º, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido (n.º 1), sendo a esse valor que se atende, nomeadamente, para efeitos de se determinar a relação da causa com a alçada do tribunal (n.º 2). De modo a dar sentido e conteúdo às implicações que decorrem do valor da causa, o momento relevante para se determinar esse valor é o da propositura da ação (art. 299º, n.º 1), ou seja, o da entrada em juízo da petição inicial (art. 259º, n.º 1); mas, nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação (como é o caso de todos os processos previstos no CIRE, nomeadamente, o PEAP – art. 15º do CIRE), o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários (n.º 4 do art. 299º). Acresce que, nos termos do art. 306º (e desde a alteração ao anterior art. 315º introduzida pelo DL. n.º 303/2007, de 24/08), sem prejuízo de continuar a impender sobre o autor o ónus de ter de indicar na petição inicial o valor da causa (al. f), n.º 1, do art. 552º), sob pena desta ser recusada pela secretaria (al e), n.º 1, do art. 558º), e independentemente do valor por ele indicado ser, tácita ou expressamente, aceite pelo réu ou do valor por ele indicado não se mostrar em flagrante oposição com a realidade, passou a competir ao juiz o poder-dever de fixar o valor da causa (n.º 1 do art. 306º). O juiz deverá fixar o valor da causa no despacho saneador, salvo nos casos em que não haja lugar à prolação dele (independentemente do processo comportar ou não a sua prolação), ou nos casos de processo em que a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, em que o valor da causa deve ser fixado na sentença caso não tenha sido fixado anteriormente (n.º 2 do art. 306). Nos casos em que for interposto recurso sem que o juiz tenha ainda fixado o valor da causa, deve fixá-lo no despacho de admissão do recurso (n.º 3 do art. 306º). Em suma, desde a entrada em vigor do DL. n.º 303/2007, o valor da causa é fixado pelo juiz, que o deverá fazer, em regra, no despacho saneador ou, não havendo lugar à prolação deste ou nos casos em que a utilidade económica do pedido apenas se defina no decorrer da ação (como é o caso de todos os processos regulados no CIRE, por via do disposto no seu art. 15º), o valor da causa tem de ser fixado o mais tardar na sentença. Ao assim estatuir foi propósito do legislador pôr termo às práticas que se verificavam antes da revisão ao CPC operada pelo D.L. n.º 303/2007, em que, não raras vezes, o autor indicava na petição inicial um valor da causa inflacionado em relação à utilidade económica do pedido com o propósito de artificialmente abrir as portas a futuros recursos[2]. A sentença é, portanto, o termo final em que o juiz deve fixar o valor da causa, quer nos casos em que não o fixou anteriormente, apesar de o dever ter feito, quer nas situações em que apenas nela o podia fixar. Com interesse, expende Salvador da Costa que: “A sentença final será, pois, o reduto próprio para a fixação do valor da causa, quando este não possa ser fixado antes do despacho saneador stricto sensu ou na altura da sua prolação. A definitividade do valor processual da causa ou do procedimento é marcado pela prolação da sentença e não pelo respetivo trânsito em julgado”[3]. Nas situações em que o juiz não tenha fixado o valor da causa antes da prolação da sentença e não o fixe nesta, o mesmo incorre em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da al. d), do n.º 1 do art. 615º, na medida em que deixou de conhecer nela de uma questão processual – fixação do valor da causa -, cujo conhecimento lhe era imposto pela lei adjetiva. Sucede que as nulidades da sentença previstas nas als. b) a e), do n.º 1 do art. 615º, configuram na realidade causas determinativas da sua anulabilidade, pelo que tais “nulidades” não são do conhecimento oficioso do tribunal. Neste sentido milita o n.º 4 do art. 615º, nos termos do qual aquelas nulidades têm de ser suscitadas pelas partes em sede de recurso, quando o processo comporte recurso ordinário; ou, não o comportando, em sede de incidente de reclamação. Destarte, sempre que o juiz não tenha fixado o valor da causa e não o faça na sentença final, nos casos em que a nulidade decorrente de nela não ter fixado o valor da causa não seja suscitada pelas partes através de um dos meios de reação acabados de referir, aquela convalida-se, ficando sanada, subsistindo o valor da causa antes fixado pelo juiz (que não cuidou em atualizar o mesmo na sentença nos processos em que a utilidade económica do pedido apenas fica definida no decurso da ação) ou, na ausência deste, o que foi indicado pelo autor na petição inicial. Neste sentido, pronunciaram-se os seguintes arestos, todos publicados na base de dados de DGSI: - Ac. STJ., de 21/02/2019, Proc. 6645/11.8TBCSC-A: “Nas ações de liquidação e noutras análogas, como o sejam os processos de inventário ou de prestação de contas, em que a utilidade económica só se define na sequência da ação, o art. 299º, n.º 4 do CPC permite que o valor da causa possa ser definido ou alterado logo que o processo forneça os elementos necessários e esse momento se não ocorrer antes, ocorrerá necessariamente na sentença. Se o Sr. Juiz, na sentença, resolveu não alterar o valor da causa que anteriormente fixara ou nada disse sobre o valor inicialmente indicado e nenhuma das partes entendeu necessária tal alteração, nem arguiu a nulidade da sentença por omitir tal alteração, considera-se sanado o eventual vício da omissão de atualização do valor da causa e para todos os efeitos legais, subsiste como valor da causa o anteriormente fixado (se tal tiver ocorrido) ou na falta de fixação em concreto o valor inicialmente indicado pelo autor”; Ac. STJ., de 08/03/2018, Proc. 4255/15.8T8VCT-A.G1.S1: “Cabe ao tribunal de primeira instância fixar o valor da causa, estando vedado aos tribunais de recurso usarem a faculdade prevista no art. 306º, do CPC. Caso o valor da causa não seja fixado no despacho saneador, na sentença, ou em despacho proferido incidentalmente sobre o requerimento de interposição de recurso, deve a parte interessada arguir a nulidade”. Ac. R.P., de 24/09/2020, Proc. 146/09.0TYVNG-E.P1: “Se o tribunal de primeira instância não fixou o valor da ação no despacho saneador, na sentença ou no despacho que admita o recurso e nenhuma das partes arguir oportunamente a nulidade da sentença por omitir tal fixação, considera-se sanado o eventual vício de omissão de fixação do valor da causa e, para todos os efeitos legais, subsiste como valor da causa o valor inicialmente indicado pelo autor”. Assentes nas premissas acabadas de referir, revertendo ao caso em análise, na petição inicial o recorrente indicou como valor da causa a quantia de 5.000,01 euros. Não obstante o art. 15º do CIRE estabelecer que, para efeitos processuais, o valor da causa é determinado sobre o valor do ativo do devedor indicado na petição inicial, que é corrigido logo que se verifique ser diferente o valor real, e de, em anexo à petição inicial o recorrente ter junto uma relação de bens em que relacionou uma série de prédios e um direito de crédito, cujos valores aí indicados excedem em muito o valor da causa por ele indicado na petição inicial, a 1ª Instância nunca chegou a fixar o valor da causa. E também não fixou o valor da causa derradeiramente na sentença que proferiu em 24/09/2024, em que determinou o encerramento e o arquivamento do presente processo especial para acordo de pagamento. Dessa sentença não foi interposto recurso, pelo que a nulidade (na realidade, anulabilidade) por omissão de pronúncia decorrente de nela não ter sido fixado o valor da causa sanou-se com o respetivo trânsito em julgado, com o que ficou em definitivo estabilizado o valor da causa na quantia de cinco mil euros e um cêntimo indicada pelo recorrente na petição inicial. Destarte, ao proferir por sua iniciativa o despacho recorrido, em 07/11/2024, fixando o valor da causa no montante correspondente ao património indicado pelo recorrente na relação de bens junta em anexo à petição inicial, salvo melhor opinião, a 1ª Instância violou o princípio da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da sentença em que determinou o encerramento e arquivamento do presente processo (art. 613º) e, inclusivamente, proferiu esse despacho quando o valor da causa, com o trânsito em julgado daquela, se fixou definitivamente na quantia de 5.000,01 euros indicado pelo recorrente na petição inicial como valor da causa. Decorre do excurso antecedente, que o despacho recorrido padece de erro de direito, por violação do princípio do esgotamento do poder jurisdicional consequente ao proferimento da sentença que determinou o arquivamento do presente processo e por ter sido, inclusivamente, proferido quando o valor da causa, com o trânsito em julgado daquela já se tinha fixado definitivamente na quantia de 5.000,01 euros, impondo-se julgar o presente recurso procedente e, em consequência, revogar o despacho recorrido e declarar que, para todos os efeitos legais, o valor da causa se encontra em definitivo fixado na quantia de 5.000,01 euros indicado pelo recorrente na petição inicial. * Das custasA decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem dele tirou proveito, considerando-se que deu causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for (art. 527º, n.ºs 1 e 2). No âmbito do presente recurso o recorrente não é vencido, mas sim vencedor na medida em que nele obteve total ganho de causa. No entanto, no presente recurso não foram apresentadas contra-alegações e o despacho recorrido foi proferido por iniciativa própria do tribunal perante as dúvidas que foram suscitadas pelo contador, pelo que nele não há vencido. Por conseguinte, as custas do recurso devem ficar a cargo do recorrente atento o critério do proveito, dado que foi ele quem retirou benefício da sua procedência. * V- DecisãoNesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam o despacho recorrido e declaram para todos os efeitos legais que, com o trânsito em julgado da sentença em que o tribunal a quo ordenou o encerramento e o arquivamento do PEAP, o valor da causa se fixou em definitivo na quantia de 5.000,01 euros (cinco mil euros e um cêntimo) indicado na petição inicial, determinando que se atenda a esse valor em sede de conta. * Custas do recurso pelo recorrente atento o critério do proveito (art. 527º, n.º 1, parte final, do CPC).* Notifique.* Guimarães, 20 de março de 2025 José Alberto Moreira Dias – Relator Rosália Cunha – 1ª Adjunta Susana Raquel Sousa Pereira – 2ª Adjunta [1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396. [2] Abílio Neto, “Código de Processo Civil Anotado”, 5ª ed., vol. I, junho/2020, Ediforum, pág. 478, em anotação ao art. 316º do CPC, onde escreve que: “O texto atual reproduz, sem alterações, o anterior art. 315º, na redação do DL. n.º 303/2007, de 24/8. Embora as partes continuem obrigadas a indicar o valor da causa na petição inicial (art. 552º-1-f), sob pena de recusa do articulado (art. 658-e), após o DL. n.º 303/2007 o juiz passou a ter uma intervenção ativa muito mais acentuada na fixação desse valor, sobrepondo-se ao acordo das partes, o que fará, em regra, no despacho saneador, ou antes (se houver a admissão de recursos interpostos de decisões anteriores), ou na sentença, ou ainda no despacho de admissão do recurso (arts. 306º e 641º). O poder-dever atribuído ao juiz de fixar o valor da causa, mesmo quando o valor aceite pelas partes, tácita ou expressamente, não esteja em “flagrante oposição com a realidade” (anterior n.º 1 deste artigo), teve por objetivo declarado dificultar a interposição (artificial) de recursos. É nesta perspetiva que se compreende e explica a regra enunciada no n.º 3 deste preceito”. No mesmo sentido Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, 5ª ed., Almedina, págs. 67 e 68, em que expende: “A oportunidade da fixação do valor processual da causa tem essencialmente a ver com o seu relevo no plano da forma do processo e na relação deste com a alçada do tribunal, e daí o regime a que alude este artigo. No pretérito, o valor da causa era aquele em que as partes tiverem acordado, expressa ou tacitamente, salvo de o juiz, findos os articulados, entendesse que o acordo estava em flagrante oposição com a realidade e fixasse à causa o valor considerado adequado. Mas se o juiz não usasse deste poder, o valor considera-se definitivamente fixado, na quantia acordada, logo que proferido fosse o despacho saneador ou a sentença, conforme os casos. Neste regime, não obstante as partes, não raro, indicarem valores para as ações lato sensu desconformes com a utilidade económica do pedido, raramente o juiz implementava oficiosamente o incidente do valor da causa. Esta situação desvirtuava, não raro, o regime de admissibilidade dos recursos decorrentes do valor processual da causa no confronto do da alçada do tribunal, bem como a obrigação de pagamento da taxa de justiça. O novo regime nesta matéria visou obstar a essa situação, por via da repercussão mais no que concerne à admissibilidade do recurso do que em matéria de pagamento de taxa de justiça, porque este está, em regra, conexionado com o impulso inicial das ações e procedimentos”. [3] Salvador da Costa, ob. cit., pág. 69. |