Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES | ||
Descritores: | REJEIÇÃO DE REQUERIMENTO EXECUTIVO AUDIÊNCIA PRÉVIA CONTRADITÓRIO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/28/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I- Num processo executivo sob a forma sumária em que o Agente de Execução não tenha suscitado a intervenção do juiz nos termos e para os efeitos do disposto no art. 723º nº 1 d) e 726º nº 2 a 4 do C.P.C., o juiz pode e deve, ao intervir no processo, proferir decisão de rejeição do requerimento executivo nos termos do art. 734º nº 1 ex vi art. 551º nº 3 do C.P.C. desde que se verifiquem os seus pressupostos. II- Ocorre violação do contraditório quando é proferida decisão de rejeição do requerimento executivo nos termos do art. 734º nº 1 do C.P.C. sem prévia audição da exequente. III- Esta rejeição oficiosa nos termos do art. 734º e 726 nº 2 a) do C.P.C. pressupõe que a falta do título executivo seja evidente e incontroversa, e não uma situação que implique prévias diligências por parte do Tribunal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório X – Construções, Lda., Rua …, Vila Nova de Famalicão, instaurou, em 28/12/2019, a presente execução para pagamento de quantia certa, sob a forma sumária, contra Condomínio Edifício …, Rua …, Vila Nova de Famalicão, apresentando como título executivo um requerimento de injunção com o nº 28.845/19.0YIPRT (entrado em 20/03/2019) ao qual foi aposta a fórmula executória (em 28/05/2019) e indicando como valor da execução a quantia de € 5.115,50. A Sra. Agente de Execução (A.E.) não logrou obter bens penhoráveis. Notificada a exequente veio esta, em 08/01/2020, requerer a penhora de bens dos condóminos referindo que, se o entender, deve este requerimento ser sujeito a apreciação judicial nos termos do art. 723º nº 1 d) do C.P.C.. Entretanto procedeu-se à penhora de saldos bancários. A exequente veio actualizar o pedido exequendo para € 2.640,16. Foi dado cumprimento ao disposto no art. 856º nº 1 do C.P.C. tendo a carta registada com aviso de recepção sido recebida em 20/02/2020 por pessoa que se comprometeu a entregá-la ao destinatário. * O executado, em 04/03/2020, deduziu Oposição à Execução mediante Embargos de Executado pedindo que se declare nula a notificação feita à executada por inobservância dos requisitos legais; se julgue como inexistente o título executivo e, em consequência, decrete a extinção da instância; e, a não ser aceite o peticionado, pede que os embargos sejam parcialmente julgados procedentes reconhecendo-se o pagamento parcial de € 2.000,00 efectuado à exequente por parte da executada, reconhecendo-se como contra-crédito a quantia de € 1.353,00, aceitando-se a condenação da executada como devedora da quantia de € 407,66.Quanto aos primeiros dois pedidos alega, em síntese, que a administração do condomínio estava confiada a “C. P. – Unipessoal, Lda,”, que usa a designação comercial “Y - Condomínios”, com sede na Rua …, Loja …, Vila Nova de Famalicão, mas a exequente, no requerimento de injunção, propositadamente colocado como endereço da requerida a morada do próprio Edifício sem indicação do nº de polícia. O edifício em causa tem duas portas de entrada sendo que não existe qualquer caixa de correio do Condomínio. Nunca recebeu esta citação. Com a agravante de que em 06/11/2015 a executada foi notificada por carta registada, elaborada por advogado da exequente, para a morada da sede da empresa que o representa, a saber, Edf. …, loja .., Rua …, em Vila Nova de Famalicão, para proceder ao pagamento de parte dos valores a que respeitavam a obra em questão. Por diversas vezes o representante da exequente reuniu nas instalações da empresa “C. P. – Unipessoal Lda”, com sede na Rua …, loja .., Vila Nova de Famalicão. Conclui dizendo que inexiste título executivo formado no procedimento de injunção. Nestes autos não chegou a ser proferido despacho liminar. * O juiz solicitou ao processo de injunção o comprovativo da citação do aí requerido. Foi remetida cópia integral deste processo, na qual consta o seguinte: Foi expedida carta registada com aviso de recepção para “Rua …, Vila Nova de Famalicão” tendo sido devolvida com a menção “Não Reclamado” e “Não Atendeu”. E foi expedida nova carta registada com aviso de recepção para a mesma morada constando da mesma “Citação via postal – 2º tentativa” e no verso do envelope “Declaração No dia 2019-04-30 às 14H40 Na impossibilidade de Entrega depositei no Recetáculo Postal Domiciliário da morada indicada a CITAÇÃO a ela referente”. Após, foi aposta a fórmula executória. * Em 26/05/2020 foi proferido despacho que concluiu nos seguintes termos:“(…) Neste contexto jurisprudencial, apenas nos apraz concluir pela nulidade da citação da ora executada no âmbito do procedimento de injunção. Com efeito, resultando do expediente junto pelo Balcão Nacional de Injunções que a citação do ora executado foi efetuada por mero depósito dessa missiva, é inquestionável que essa citação não respeitou os citados preceitos legais e, por conseguinte, é nula. E sendo nula essa citação, é ponto assente que não existe título executivo válido e exequível- cfr. artigos 188.º e 191.º,do C.P.C.. Pelo exposto, rejeito liminarmente o requerimento executivo - cfr. artigo 726.º, n.º 1, al. a), do C.P.C.. (…)” * Em consequência desta decisão, na mesma data, no apenso de Embargos de Executado, foi proferida decisão que julgou essa instância extinta por impossibilidade superveniente da lide. * A exequente veio arguir a nulidade do despacho antecedente.Para tanto alegou que a tramitação da execução sob a forma sumária em regra não prevê a obrigatoriedade de despacho liminar sendo que incumbe ao Agente de Execução receber o requerimento executivo, verificar se ocorre algum dos requisitos para o rejeitar ou indeferir liminarmente nos termos do art. 726º do C.P.C., requerer a intervenção do juiz acaso lhe ocorra alguma dúvida nessa análise (art. 855º, nº 2 b) do C.P.C.) e decidir pelo seu recebimento e pelo normal prosseguimentos dos autos nos termos do art. 855º do C.P.C.. No caso em apreço a Sra. Agente de Execução prosseguiu com a penhora dos direitos, procedeu à citação do executado, após o que foi proferida a presente “decisão surpresa” que é contra legem * Não se conformando com a decisão de 26/05/2020 veio a Exequente dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:“1. Vem o presente recurso interposto do despacho que decidiu rejeitar liminarmente o requerimento executivo – cfr- artigo 726.º, n.º 1, alínea a) do CPC (o n.º correcto do artigo é o n.º 2 e não o n.º 1, pelo que o despacho padece de lapso de escrita que deve ser sanado, o que se requer). 2. Salvo o devido respeito por melhor opinião, o Meritíssimo Juiz "a quo" ao decidir como decidiu não fez correta interpretação dos factos nem adequada aplicação do direito. 3. A Apelante está, pois, convicta que Vossas Excelências, reapreciando a matéria dos autos e, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a referida decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância. 4. A presente acção segue a forma de execução sumária (artigo 550.º, n.º 2, alínea b) do CPC), pois o título executivo é uma injunção e, em regra, não prevê a obrigatoriedade de despacho liminar. 5. É ao Agente de Execução que incumbe, em primeira linha, a função de proferir qualquer decisão liminar quanto à validade do título executivo, ou seja as funções de receber o requerimento executivo, analisá-lo e verificar se ocorre algum dos requisitos ou motivos para o rejeitar ou indeferir liminarmente nos termos do artigo 726.º do CPC. 6. Ora, no caso dos presentes autos, a Agente de Execução, e bem no nosso entendimento, analisou o requerimento executivo, recebeu-o e deu cumprimento ao n.º 3 do artigo 855.º do CPC, tendo inclusive já penhorado um saldo bancário do Executado. 7. A Agente de Execução não solicitou a intervenção do Juiz de Execução, para qualquer dúvida ou validação, como poderia ter feito ao abrigo do artigo 855.º, n.º 2, alínea b) do CPC. 8. Após penhora e citação do Executado, o Tribunal profere a decisão surpresa recorrida a que chama, ainda, de despacho liminar ao abrigo do artigo 726.º, do CPC. 9. Tendo em conta a forma de processo em causa, o momento processual em que foi proferido, já depois de consolidadas processualmente as decisões da Agente de Execução de recebimento do requerimento executivo, validação do título executivo, execução penhoras, citação executado, sem que tivesse existido, para estes actos, em momento próprio, solicitação da Agente de Execução para intervenção do Juiz de Execução (conforme determina o art.º 855.º, n.º 2, alínea b) CPC), dúvidas não restam que este despacho de indeferimento liminar, desvirtua, infundada e injustificadamente, a marcha processual. 10. Não pode o Juiz de Execução, sem mais, ao abrigo do artigo 726.º do CPC, fora do momento para o efeito, contrariar as decisões anteriormente tomadas por quem, legalmente, tinha legitimidade para as tomar – a Agente de execução – quando recebeu eletronicamente o requerimento executivo, sem que, para tal, apresente qualquer fundamento legalmente admissível. 11. Nesse pressuposto, ao ter decidido como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 550.º, n.º 2, alínea b) e 855.º, do CPC, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que ordene a admissão do requerimento executivo e o prosseguimento normal dos autos, conforme artigo 855.º do CPC. Caso assim não se entenda, 12. O artigo 726.º, n.º 2, alínea a) do CPC – disposição legal na qual o Juiz a quo fundamentou a sua decisão - obriga a que, analisado o requerimento executivo, o Tribunal considere que é manifesta a falta ou insuficiência do título. 13. Algo que se revele manifesto é algo patente, notório, claro, evidente, a olho nu. 14. Ora, no caso dos autos, o título executivo é uma injunção à qual foi aposta fórmula executória pelo Balcão Nacional de Injunções, pelo que goza da presunção da existência da obrigação conferida pelo Balcão Nacional de Injunções. 15. Gozando o título da presunção da existência da obrigação conferida pela aposição da fórmula executória aposta pelo BNI, e não encontrando o Tribunal razões sérias, óbvias, claras da falta ou insuficiência do título, outra conclusão não poderia o Tribunal retirar senão a da plena validade e suficiência do título executivo. 16. Para que o Tribunal a quo julgasse, sem reparo, que o título executivo não é válido ou não existe, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 726.º do CPC , era necessário que, após análise do título executivo, o Tribunal concluísse, de forma óbvia, clara, evidente e notória que não existia título ou que o mesmo era insuficiente ou inválido. 17. No caso dos autos, tal não sucede, uma vez que todo o procedimento de injunção – mormente o requerimento de injunção – com a aposição da fórmula executória respeitou os formalismos legais. 18. Na nossa modesta opinião, carece de qualquer razoabilidade e fundamento legal, a iniciativa do Tribunal em, oficiosamente, neste contexto, nesta fase do processo, a fim de analisar se o título executivo é válido e suficiente, solicitar ao Balcão Nacional de Injunções a cópia integral do procedimento de injunção e, com base nessas informações, analisar a forma de citação/notificação da Recorrida e decidir, no nosso entender mal, pela nulidade de citação e, consequentemente, pela falta de título. 19. A falta ou irregularidade de notificação/citação não pode ser conhecida no processo de execução, por via do indeferimento liminar, se não for patente como causa do indeferimento do título. 20. O despacho dos presentes autos carece, por isso, de qualquer fundamento legal, pois o título executivo existe, é válido e suficiente pelo jamais devia ter sido objecto do despacho recorrido. 21. Nesse pressuposto, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 11.º, n.º 1 e 14.º do DL 269/98 de 1/9 e do diploma anexo, artigo 703.º, n.º 1, alínea d), do CPC e 726.º, n.º 2, alínea a), do CPC, pelo que deve ser a mesma revogada e substituída por outra que ordene a admissão do requerimento executivo e o prosseguimento normal dos autos, conforme artigo 855.º do CPC. Caso assim não proceda, 22. Na suposição da improcedência de todos os argumentos vindos de invocar, o que apenas por hipótese académica admitimos, passamos a analisar as razões e fundamentos fáticos em que assentam a decisão recorrida. 23. E também por aqui a decisão do tribunal a quo carece de absoluto fundamento fático e legal. 24. Na verdade, as únicas conclusões fáticas que se permite extrair deste despacho são que (i) as partes não acordaram domicílio convencionado e (ii) que a citação efetuada no âmbito do procedimento de injunção foi efetuada através de mero depósito no respetivo recetáculo. 25. A realidade vai além do que resulta do despacho e que resulta da documentação remetida ao Tribunal (email ref.ª citius 10085783) pelo Balcão Nacional de Injunções. 26. A injunção foi proposta pela Recorrente contra o Recorrido Condomínio, com o número de pessoa coletiva ………, equiparado às pessoas coletivas, com inscrição obrigatória no ficheiro central de pessoas coletivas, com obrigação de manter atualizados os dados quanto à sua sede. 27. Não há domicílio convencionado entre as partes. 28. Aos autos encontra-se junto o procedimento de injunção por e-mail de 21 de Maio de 2020 do Balcão Nacional de Injunções - referência 10085783 - pelo que todos os documentos que neste recurso forem referidos em alusão a esse procedimento de injunção se dão, naturalmente, aqui por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos. 29. Após receção do requerimento de injunção, o BNI pesquisou a sede do Requerido e constatou que a morada era igual à morada indicada pela Recorrente – cfr. página 4 do procedimento de injunção, expediu a citação, por carta registada com aviso de receção – artigos 228.º e 246.º do CPC – para a morada indicada pela Recorrente, tendo a carta sido devolvida com o motivo “não reclamada” (em cumprimento do disposto no artigo 12.º do anexo DL 269/98) – cfr. pág. 9 – acto 020.009, registo CTT RG6067342735PT, caixa de arquivo 042019-0061 – CITAÇÃO (objecto não reclamado), todos documentos juntos ao procedimento de injunção. 30. De notar que neste caso a frustração da citação/notificação até se verificou por causa imputável à Requerida/Recorrida – que não reclamou – como lhe incumbia – a carta nos correios. 31. Ainda que a notificação por via postal registada com aviso de receção se tenha frustrado por causa imputável à Recorrida, falta de reclamação da carta, a secretaria confirmou a morada e remeteu nova carta para a morada conhecida (a morada conhecida pela secretaria continuou a ser só uma – a da sede registada no RNPC) - conforme resulta do procedimento de injunção e histórico de atos praticados no processo (página 20), actos estes atestados pelos respetivos funcionários do BNI. 32. Com este acto, deu-se cumprimento aos n.ºs 2 a 4 do artigo 12.º A do DL 269/98, ou seja ao depósito da carta no recetáculo postal pelo distribuidor postal – cfr. declaração de depósito em recetáculo a que corresponde o acto 009.004 – registo CTT ……… de 30.04.2019, caixa arquivo 052019-0064 do procedimento de injunção. 33. Aliás, à data actual, esta continua a ser a sede da Recorrida, pois no passado dia 29 de Maio de 2020 comprovou o pagamento de uma taxa de justiça e no local referente ao n.º de contribuinte continua a aparecer “C Ed R S Lugar ...”, ou seja Condomínio Edifício … sito Lugar ..., documento este cuja junção se requer sob doc n.º 1 ao abrigo do disposto nos artigos 651.º e 425.º do CPC, por se tratar de documento só possível juntar aos autos em momento posterior, porquanto só foi entregue no processo na data supra e revela-se necessário à instrução do presente recurso. 34. Para que o depósito da carta se concretize e seja válido e eficaz, um dos requisitos, evidentemente, é que esse recetáculo exista e esteja acessível (desimpedido), o que sucedeu nos autos, uma vez que o expediente postal foi remetido aos autos pelos correios com a indicação de que foi depositada devidamente a citação pelo distribuidor postal no respectivo recetáculo, domiciliário da morada indicada, cfr. resulta do expediente postal junto ao procedimento de injunção (referência citius 10085783 – registo postal do dia 30.04.2019 – acto 009.004 - depósito). 35. Mais nenhum óbice existiu quer em termos postais quer processualmente tendo-se, assim, dado cumprimento a todas as formalidades exigidas por lei para a citação/notificação do Requerido/Recorrido junto do Balcão Nacional de Injunções. 36. Donde, a conclusão vertida no despacho recorrido que a citação da Recorrida foi efetuada por mero depósito da carta, sem que se tenha verificado o cumprimento de todo o formalismo necessário ao cumprimento da notificação do Recorrido pelo Balcão Nacional de Injunções carece de fundamento legal, pelo que deve, agora, ser reparado por este Venerando Tribunal Superior. 37. Assim sendo, também nesta vertente, a decisão recorrida fez uma desadequada aplicação do Direito, designadamente dos artigos 11.º, 12.º, 12.ºA, 13.º, 14.º, todos do DL 269/98 de 1/9 e respectivo diploma anexo, artigo 703, n.º 1 do CPC e artigo 3.º, alínea a) do DL 32/2003, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que ordene a admissão do título executivo e o normal prosseguimento dos autos, conforme preceitua o artigo 855.º e ss do CPC. 38. Acresce que, todas as decisões jurisprudenciais invocadas pelo Tribunal a quo para sustentar o despacho recorrido, com o devido respeito, não têm aplicação no caso em concreto, sendo que uma delas até sustenta a tese da Recorrente (Acórdão proferido no processo 580/14.3T8GRD). 39. O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 99/2019 decidiu declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante dos n.º 3 e 5 do artigo 12.º do regime constante do anexo ao DL 268/98 de 1 de Setembro no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias não superiores a Eur.15.000,00 – na parte em que não se refere ao domínio das transações comerciais nos termos definidos no artigo 3.º, alínea a) do DL 32/2003 – (….)”. 40. Tal como assinalou a Requerente no respectivo requerimento de injunção, o procedimento em causa, não obstante ser para exigir um pagamento de uma obrigação pecuniária inferior a Eur.15.000,00 – tem por objeto uma transação comercial enquadrável no referido preceito legal, pelo que também aqui andou mal o tribunal recorrido em chamar à colação esta douta decisão jurisprudencial. 41. De todo o exposto, verifica-se que o Tribunal a quo não decidiu bem, sendo que a decisão proferida nos autos deve ser revogada e substituída por outra que ordene o recebimento do título executivo e o normal prosseguimento dos autos. 42. Pelo que, ao assim não ter procedido, a decisão em crise fez uma desadequada aplicação do Direito, designadamente dos artigos 550.º, n.º 2, alínea b), 855.º, 726.º, 703º, alínea d), todos do CPC, 11.º, 12.º, 12.ºA, 13.º, 14.º, todos do DL 269/98 de 1/9 e respetivo diploma anexo e artigo 3.º, alínea a) do DL 32/2003, pelo que deve ser revogada.” Pugna pela revogação da decisão, a qual deve ser substituída por outra que admita o título executivo e ordene o normal prosseguimento dos autos. * Foi proferido despacho que considerou não se verificar a nulidade apontada.* O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.* Foram apresentadas contra-alegações, mas as mesmas não foram admitidas por serem extemporâneas.* Foram colhidos os vistos legais.Cumpre apreciar e decidir. * Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:A) Saber se, no caso em apreço, o juiz podia ter proferido a decisão recorrida, se ocorreu “desvirtuação da marcha processual” e/ou violação do princípio do contraditório; B) Se a decisão se mostra conforme ao direito. * II – FundamentaçãoOs factos que relevam para a decisão a proferir são os que constam do relatório que antecede. * A) Repartição de competências entre o agente de execução e o juiz, “desvirtuação da marcha processual” e violação do princípio do contraditórioInsurge-se a apelante contra a decisão recorrida defendendo que o juiz não tinha legitimidade para a proferir, sendo esta do agente de execução (A.E.); que não podia proferir despacho de indeferimento liminar numa execução sob a forma sumária em que o A.E. não lançou mão do disposto no art. 855º nº 2 b) do C.P.C., diploma a que pertencerão os preceitos a citar sem menção de origem, e depois da penhora e citação do executado; que ocorreu violação do contraditório e a decisão configura uma “decisão-surpresa”. Ora, vejamos. 1. A injunção é “a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro (art. 7º do Dec. Lei nº 269/98 de 1/09, na redacção vigente na data dos factos). Refere Salvador da Costa, in “A Injunção e as Conexas Acção e Execução”, 5ª ed., pág. 151, que é “ um processo pré-judicial tendente à criação de um título executivo na sequência de uma notificação para pagamento, sem intervenção de um órgão jurisdicional, sob condição do requerido, pessoalmente notificado, não deduzir oposição”. Uma vez aposta a fórmula executória nasce um título executivo que está previsto no art. 703º nº 1 d). Discute-se na doutrina que tipo de título executivo é este. Uns defendem que, em razão da sua natureza e modo de formação, parece tratar-se de um título executivo extrajudicial (Carlos Pereira Gil, in “Algumas Notas Sobre os Dec.-Leis nº 269/98 e 274/97”, CEJ, Lisboa, 1999) ou extrajudicial especial ou atípico (Salvador da Costa, ob. cit., p. 150). Outros referem que é um título judicial impróprio (Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva à Luz do Código Revisto”, Coimbra Ed., 2001, p. 55). Nos termos do art. 550º nº 2 b) emprega-se o processo sumário a estas execuções. Assim, nos termos do art. 855º o requerimento executivo e documentos que o acompanham são imediatamente enviado por via electrónica, sem precedência de despacho judicial, ao agente de execução designado (nº 1), incumbindo a este recusá-lo nos termos do art. 725º com as necessárias adaptações (nº 2 a)) ou suscitar a intervenção do juiz nos termos do art. 723º nº 1, 726º nº 2 a 4 ou quando duvide da verificação dos pressupostos de aplicação da forma sumária (nº 2 b)). Se o requerimento for recebido e o processo houver de prosseguir, o agente de execução inicia as consultas e diligências prévias à penhora (…) (nº 3). Feita a penhora, é o executado citado para a execução e, em simultâneo, notificado do ato de penhora (…) (nº 4). Mas, aplicam-se subsidiariamente as disposições do processo ordinário ex vi art. 551º nº 3 do C.P.C.. No caso em apreço, o requerimento executivo foi recebido pelo A.E. e este não suscitou a intervenção do juiz. Este apenas interveio depois da penhora de saldos bancários e de efectuada a citação, aparentemente tenho-lhe sido remetido o processo para se pronunciar acerca da requerida penhora de bens dos condóminos de 08/01/2020, e proferiu a decisão recorrida de rejeição liminar do requerimento executivo referindo fazê-lo ao abrigo do disposto no art. 726º nº 1 a) (por manifesto lapso fez-se constar o nº 1 quando deveria constar nº 2). Quid iuris? No que concerne à repartição de competências entre A.E. e juiz importa ter presente os seguintes preceitos em sede de disposições gerais: Art. 719º - Repartição de competências 1 - Cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos. (…) Art. 723º - Competência do juiz 1 - Sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, compete ao juiz: a) Proferir despacho liminar, quando deva ter lugar; b) Julgar a oposição à execução e à penhora, bem como verificar e graduar os créditos, no prazo máximo de três meses contados da oposição ou reclamação; c) Julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias; d) Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias. (…) O legislador quis reduzir ao mínimo a intervenção do juiz na acção executiva. Com efeito, lê-se na Exposição de Motivos da Lei nº 41/2013 de 26/06 que aprovou o N.C.P.C.: “Cuida-se da clara repartição de competências entre o juiz, a secretaria e o agente de execução, estabelecendo-se que a este cabe efectuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz. É de esperar que, em definitivo, os intervenientes processuais assumam e observem a repartição de competências fixadas na lei, por forma a evitar intervenções ou actos desnecessários, gerando perdas de tempo numa tramitação que se quer célere e eficiente. Como não podia deixar de ser, faz-se depender de decisão judicial os actos conexionados com o princípio da reserva do juiz ou susceptíveis de afectar direitos fundamentais das partes ou de terceiros. Assim, além de lhe competir proferir despacho liminar, quando este deva ter lugar, julgar a oposição à execução ou à penhora, verificar e graduar créditos, decidir reclamações de actos e impugnações de decisões do agente de execução, é exclusiva atribuição do juiz: (i) adequar o valor da penhora de vencimento à situação económica e familiar do executado; (ii) tutelar os interesses do executado quando estiver e causa a sua habitação; designar administrador para proceder à gestão ordinária do estabelecimento comercial penhorado; (iii) autorizar o fraccionamento do prédio penhorado; (iv) aprovar as contas na execução para prestação de facto; (v) autorizar a venda antecipada de bens penhorados em caso de deterioração ou depreciação ou quando haja vantagem na antecipação da venda; (vi) decidir o levantamento da penhora em sede de oposição incidental do exequente a esse levantamento, perante o agente de execução, na sequência de pedido de herdeiro do devedor”. In casu ocorreu o respeito pela competência funcional própria do juiz uma vez que apenas este pode proferir despachos, quer nos termos do art. 726º e 723º nº 1 a) quando o processo segue a forma ordinária, quer nos termos do art. 855º e 726º nº 2 a 4 na forma sumária ou nos termos do art. 734º em ambas. 2. Na forma sumária o juiz pode e deve na sua primeira intervenção no processo proferir despacho de rejeição liminar do requerimento executivo nos termos do art. 734º nº 1 ex vi art. 551º nº 3 desde que ocorra situação subsumível a tal preceito (apreciaremos infra). Dispõe o primeiro preceito, sob a epígrafe “Rejeição e aperfeiçoamento”: O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726º, o indeferimento ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo. Acompanha-se o referido no Ac. da R.L. de 15/02/2018 (Anabela Calafate), in www.dgsi.pt, endereço a que pertencerão os acórdãos a citar sem menção de origem: “Portanto, se o juiz pode rejeitar a execução apesar de ter admitido liminarmente a execução no despacho previsto no art. 726º, não faz sentido que o não possa fazer quando não houve sequer despacho liminar.” Acresce que o disposto no art. 834º nº 1 é uma das “(…) outras intervenções que a lei especificadamente lhe atribui (…)” a que alude o art. 723º nº 1 primeira parte. Por outro lado, ao abrigo do dever de gestão processual previsto no art. 6º nº 1 do C.P.C., incumbe ao juiz dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere. Atento o princípio da economia processual afigura-se-nos que, num caso de manifesta falta de título executivo, tem o juiz o poder-dever de conhecer oficiosamente dessa questão e proferir despacho nos termos do art. 734º nº 1, evitando-se, assim, a necessidade do executado deduzir oposição à execução mediante embargos. No mesmo sentido vide Rui Pinto, in A Ação Executiva, AAFDL Editora, 2018, p. 356 e Marco Carvalho Gonçalves, in Lições de Processo Civil Executivo, 2ª ed. revista e ampliada, Almedina, p. 325 (que alude ao art. 734º como sendo “uma “válvula de escape do sistema, que permite ao juiz controlar a legalidade da execução”). Pelo exposto, entendemos que não ocorre “desvirtuação da marcha processual”. 3. Segundo o disposto no artº 3º, nº 3 do CPC, “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. O princípio do contraditório, decorrente do princípio da igualdade das partes, é um princípio estruturante e basilar no processo civil. Na verdade, “O processo civil reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars) (…). Esta estruturação dialéctica ou polémica do processo tira partido do contraste dos interesses dos pleiteantes, ou até só do contraste de opiniões (…) para o esclarecimento da verdade. (…) Espera-se que, também para os efeitos do processo, da discussão nasça a luz (…). – Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimp., 1993, Coimbra Ed., p. 379. Antes do Dec.-Lei nº 329-A/95 de 12 de Dezembro havia uma concepção restrita deste princípio, nos termos da qual o mesmo se desdobrava em dois, a saber, o direito de conhecimento de pretensão contra si formulada e o direito de pronúncia prévia à decisão, que estão actualmente previstos no art. 3º nº 1 segunda parte e nº 2 do C.P.C.. Com o referido Dec.-Lei foram introduzidos os nº 3 e 4 do art. 3º do C.P.C., os quais foram aperfeiçoados pelo Dec.-Lei nº 120/96 de 25 de Setembro e mantidos na Revisão do C.P.C. de 2013, que prevêem o direito de ambas as partes intervirem para influenciar a decisão da causa evitando decisões-surpresa. Esta a concepção ampla do referido princípio. Assim, “Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma conceção mais geral da contraditoriedade, como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.” – José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 4ª ed., Almedina, p. 29. Esta concepção inscreve-se numa visão do processo civil em que este passa a ser visto como uma comunicação entre as partes e o tribunal e em que o julgador passa a estar empenhado na justa composição do litígio, para o que é essencial a colaboração e lealdade das partes. Privilegia-se a bondade da decisão de mérito em detrimento da de forma. No que concerne ao direito de influenciar a decisão no plano do direito refere José Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, 3º ed., Coimbra ed., p. 133: “No plano das questões de direito, o princípio do contraditório exige que, antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie. Tratando-se de um fundamento de direito na disponibilidade exclusiva das partes, a possibilidade de discussão resulta naturalmente da sua invocação (necessária) pelo interessado e do direito de resposta da parte contrária. Mas a proibição da chamada decisão-surpresa tem sobretudo interesse para as questões, de direito material ou de direito processual, de que o tribunal pode conhecer oficiosamente: se nenhuma das partes as tiver suscitado, com concessão à parte contrária do direito de resposta, o juiz – ou o relator do tribunal de recurso – que nelas entenda dever basear a decisão, seja mediante o conhecimento do mérito da causa, seja no plano meramente processual, deve previamente convidar ambas as partes a sobre elas tomarem posição, só estando dispensado de o fazer em casos de manifesta desnecessidade (art. 3-3). Não basta, pois, para que esta vertente do princípio do contraditório seja assegurada, que às partes, em igualdade, seja dada a possibilidade de, antes da decisão, alegarem de direito (art. 604-3 e), em 1ª instância; art. 639, em instância de recurso).” O cumprimento do contraditório no plano do direito não limita a liberdade do juiz em qualificar juridicamente os factos (art. 5º, nº 3 do C.P.C.), apenas impõe que, num momento prévio, faculte às partes a apresentação de argumentos que considerem pertinentes perante uma determinada e possível qualificação jurídica do pleito. Em sede de direito adjectivo, antes de conhecer de excepção dilatória de conhecimento oficioso que as partes não previram, deve ouvir as partes. Apenas não há que exercer o contraditório em caso de “manifesta desnecessidade” a apurar em concreto. Um exemplo de manifesta desnecessidade será, como refere Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, p. 134, convidar a parte a pronunciar-se acerca de determinada questão que foi suscitada no último articulado admissível e a mesma for resolvida a seu favor. No que concerne à exigência de audição prévia do exequente em caso de despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo cremos que a maioria da jurisprudência, que acompanhamos, defende que o princípio do contraditório não impõe tal audição prévia sobre o motivo do indeferimento. Neste sentido vide, entre outros, o Ac. do S.T.J. de 24/02/2015 (Ana Paula Boularot), onde se refere “(…) seria uma decisão em si contraditória, porque se o despacho liminar está legalmente previsto como podendo ser de rejeição liminar, não faria qualquer sentido a parte ser ouvida preliminarmente sobre a aludida eventualidade de vir a ser produzida uma decisão de não admissão de recurso (…)” e Ac. da R.L. de 10/05/2018 (Nuno Sampaio), onde se lê: “(…) II – Da legislação processual e da lógica que lhe está subjacente resulta que um despacho liminar tem como antecedente directo, único e imediato uma petição inicial, um requerimento executivo ou um recurso. III – A parte, quando o despacho liminar está previsto na tramitação, ao apresentar a sua pretensão e ao formular um pedido está ciente da possibilidade da sua imediata rejeição, o que afasta ou pelo menos desvirtua o conceito de decisão-surpresa. IV – Consequentemente, numa execução não viola o princípio do contraditório o Juiz que indefere liminarmente o requerimento executivo sem prévia audição do exequente que, em sede de recurso – sempre admissível, nos termos do n.º 3 do art.º 853º do Código de Processo Civil –, terá a oportunidade de sustentar o seu ponto de vista.”. Contudo, a prolação de decisão ao abrigo do disposto no art, 734º é uma situação distinta, para mais num processo executivo sob a forma sumária como o presente. Com efeito, não obstante a exequente ser naturalmente conhecedora dos termos do procedimento injuntivo e da lei que o rege, tendo em poder um requerimento injuntivo no qual foi aposta a fórmula executória, o que sem mais consubstancia título executivo, no caso do tribunal entender ser de rejeitar oficiosamente a execução, devia ter procedido à audição da exequente de molde a permitir-lhe influenciar a decisão (o que poderia fazer, designadamente alertando para a não verificação dos requisitos de que depende uma tal decisão) e evitando a prolação de decisão-surpresa. A violação do contraditório, omissão de acto que a lei prescreve, conduz à nulidade uma vez que tal irregularidade pode influir no exame ou na decisão da causa (art. 195º nº 1 do C.P.C.). Esta nulidade, nos termos dos art. 197º nº 1 e 199º nº 1 do C.P.C., deve ser invocada pelo interessado no prazo de 10 dias após a intervenção em algum acto praticado no processo, sob pena de ficar sanada. Conforme jurisprudência pacífica estando a mesma coberta por decisão judicial nada impede a este Tribunal que a conheça se invocada nas alegações de recurso – vide, entre outros, Ac. da R.P. (M. Pinto dos Santos) de 27/01/2015. Assim, a decisão recorrida é nula, mas ainda que assim não fosse não se mostram verificados os requisitos para a prolação de mesma como veremos de seguida. * B) Preenchimento dos “requisitos legais” pela decisão recorridaInvoca também a apelante que, no caso em apreço, não era manifesta a falta do título executivo conforme exige o disposto no art. 726º nº 2 a) pelo que não se encontravam reunidos os requisitos para ser proferida a decisão recorrida. Antes de mais, a rejeição oficiosa da execução prevista no art. 734º deve apenas ser reservada para situações que se apresentem ao Tribunal de forma inequívoca, óbvia, e não para situações que impliquem prévias diligências por parte deste. Também o Tribunal, antes de proferir tal decisão, deve ponderar se o executado teve a oportunidade de deduzir oposição à execução e se deve substituir-se a este. Neste sentido vide Ac. da R.L. de 02/02/2010 (António Geraldes), que, não obstante se debruçar acerca do art. 820º do C.P.C. anterior à revisão mantém actualidade dada a similitude da letra e do espírito do preceito em causa, refere que a rejeição oficiosa da execução “tem de ser necessariamente encarada com parcimónia por parte do juiz, ponderando sempre o facto de ao executado ter sido dada a oportunidade de deduzir oposição e reservando a actuação de natureza complementar para situações-limite em que a irregularidade da acção executiva não deixe margem para dúvidas. O uso do mecanismo do art. 820º do CPC tem que ser necessariamente reservado para situações excepcionais em que a ocorrência de alguma das situações abstractamente previstas decorrer da mera análise dos elementos fornecidos pelos autos, sem necessidade de intervenção judicial, de pendor inquisitório. Dito de outro modo, a intervenção judicial para efeitos de rejeição da execução deve ser guardada para os casos em que uma eventual intervenção liminar o juiz permitisse determinar por si o indeferimento do requerimento executivo. Não se inscreve na ratio e nos objectivos do preceituado no art. 820º do CPC uma postura do juiz que se traduza na substituição dos ónus que incumbiam ao executado e que este não cumpriu ou não cumpriu dentro dos prazos que a lei prescreve.”. No que concerne ao disposto no art. 726º, nº 2 a) a jurisprudência tem entendido que a expressão “manifesta” significa “evidente, incontroversa, insuprível, definitiva, excepcional” cfr. alude o Ac. da R.L. de 24/09/2019 (Cristina Silva Maximiano). Revertendo ao caso sub judice verificamos que a apontada falta de título executivo não era, de modo algum, evidente ou manifesta, pois que previamente à decisão recorrida o tribunal ordenou que se solicitasse ao B.N.I. o comprovativo da citação tendo este, em resposta, junto cópia integral do procedimento de injunção. Por outro lado, no momento da prolação da decisão recorrida (26/05/2020), já havia sido apresentada pelo executado oposição à execução (03/04/2020) em que, além do mais, se invocou a falta de título executivo com a mesma fundamentação adoptada naquela decisão (i.e., no âmbito do procedimento de injunção não ocorreu notificação/citação válida) pelo que o lugar próprio para conhecer esta questão era em sede de embargos de executado depois destes serem recebidos e notificada a exequente para contestar. Assim sendo, assiste igualmente razão à apelante nesta parte. * Fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.* Pelo exposto, procede a presente apelação e consequentemente é de revogar a decisão recorrida, bem como a decisão proferida na mesma data nos embargos de executado que julgou esta instância extinta por impossibilidade superveniente da lide, decisão dependente da primeira. * Não são devidas custas pela apelação uma vez que a exequente não decaiu e o executado não foi ouvido previamente à decisão recorrida e nesta instância não se pronunciou (tempestivamente) (art. 527º do C.P.C.). * Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:I – Num processo executivo sob a forma sumária em que o Agente de Execução não tenha suscitado a intervenção do juiz nos termos e para os efeitos do disposto no art. 723º nº 1 d) e 726º nº 2 a 4 do C.P.C., o juiz pode e deve, ao intervir no processo, proferir decisão de rejeição do requerimento executivo nos termos do art. 734º nº 1 ex vi art. 551º nº 3 do C.P.C. desde que se verifiquem os seus pressupostos. II – Ocorre violação do contraditório quando é proferida decisão de rejeição do requerimento executivo nos termos do art. 734º nº 1 do C.P.C. sem prévia audição da exequente. III - Esta rejeição oficiosa nos termos do art. 734º e 726 nº 2 a) do C.P.C. pressupõe que a falta do título executivo seja evidente e incontroversa, e não uma situação que implique prévias diligências por parte do Tribunal. * III – DecisãoPelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a decisão recorrida, bem como a decisão proferida na mesma data nos embargos de executado, ordenando-se que os autos sigam seus termos. Sem custas. ** Guimarães, 28/01/2021 Relatora: Margarida Almeida Fernandes Adjuntos: Margarida Sousa Afonso Cabral de Andrade |