Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
49/14.6TTBCL.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: USOS DA EMPRESA
RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: Uma verba titulada como complemento de abono de falhas, atribuída por despacho do conselho de administração da empresa, sem qualquer participação ou acordo prévio ou posterior dos destinatários, com inicio em 2006 e para vigorar durante um ano, não obstante se ter prolongado até 2012 sempre com base em despachos anuais do CA, constando dos diversos despachos a possibilidade da sua exclusão ou suspensão, não pode ser considerada uso laboral para efeitos do artigo 258º, 1 do CT.
Decisão Texto Integral: Relação de Guimarães – processo nº 49/14.6TTBCL.G1
Relator – Antero Veiga
Adjuntos – Alda Martins
Eduardo Azevedo
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

“Sindicato …” instaurou contra “ Turismo…, SA”, a presente ação com processo comum emergente de contrato de trabalho, pedindo, que julgada procedente e provada, em consequência, seja:

a-)Reconhecido o direito dos representados pela A. a auferirem o complemento de abono para falhas e ao pagamento do mesmo desde março de 2012, vencidos e vincendos, até à data da prolação da sentença transitada em julgado, acrescido de juros de mora, desde a data do vencimento de cada uma das prestações até efetivo e integral pagamento.

*

Alegou para tanto, e em síntese, que a partir de março de 2012 a R. decidiu unilateralmente as regras acordadas de atribuição de complemento de abono para falhas, alterando inclusive a sua forma de pagamento, denominando-o de “prémio”, passando de mensal a trimestral.

A partir de tal data, março de 2012, a R. apenas atribui o pagamento do complemento de abono de falhas, agora de “prémio”, nas circunstâncias descritas no doc. 10, não obstante os representados pela A. permanecerem a exercer indistintamente as funções de caixa compradora ou de caixa vendedora. Permaneceram com o referido acréscimo de trabalho tendo contudo deixado de ser retribuído tal acrescido esforço funcional. A R. ao decidir unilateralmente não retribuir através do componente complemento de abono para falhas, a acumulação de funções, acima elencada, não mais fez do que diminuir a retribuição dos filiados da A. mantendo a mesma pluralidade de funções. Tendo a R. desde março de 2012 deixado de proceder ao pagamento do complemento de abono para falhas aos representados pela A. no valor de € 86,00 mensais, procedeu ilicitamente, nos termos do art.º 129.º, n.º1, al. a) do Código do Trabalho (CT).

Deve assim declarar-se que o complemento de abono para falhas faz parte da retribuição dos representados pela A., não podendo este ser diminuído.

A ré apresentou contestação negando a existência do direito a que os representados da A. se arrogam titulares, alegando além dos mais, que a prestação correspondente ao abono de falhas é expressamente excluída do conceito de retribuição, assim como os complementos de abono de falhas em questão, tanto mais que sempre se tratou de um montante atribuído pela R. com períodos de validade perfeitamente definidos e cujas condições eram do perfeito conhecimento e nunca sofreram qualquer reclamação ou oposição dos colaboradores interessados, que tinham perfeita consciência da liberalidade em questão e dos seus termos.

Assim, nunca o complemento de abono para falhas integrou a retribuição dos ficheiros fixos, sendo que à data nada é pago como complemento de abono de falhas ou como prémio.

Realizado o julgamento foi proferida decisão julgando a ação improcedente.

Inconformada a autora interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

Quanto á alteração da matéria de facto dada por provada:

1.º Ao contrário do número 24 da matéria dada por provada, da inquirição das testemunhas, concatenados com o doc. n.º 1 a 7 juntos com a PI e doc n.º 3 e 4 juntos com a Contestação, resulta, salvo melhor opinião, que tal matéria deveria ser dada como não provada ao invés do que assim doutamente decidiu o Tribunal “ad quo”.

2.º Na verdade, ouvidos os depoimentos das testemunhas Ana, da testemunha Sara e das declarações de parte o A. na pessoa de José, encadeados com os documentos n.º 1 a 7 juntos com a PI e doc n.º 3 e 4 juntos com a Contestação, resulta que o complemento de abono para falhas que a R. atribuiu aos ficheiros fixos, primeiramente, apenas aos da caixa de vendedora e depois alargando-o aos da caixa compradora enquanto exercessem rotativamente funções na caixa vendedora, foi atribuído devido ao exercício das funções na caixa vendedora e por causa dela, visando assim retribuir estes profissionais no exercício daquelas funções e enquanto estas persistissem.

3.º Donde, entende o recorrente que se impõe alterar a resposta dada ao facto 24 considerando-a como não provada a matéria de facto ali elencada, alterando-a considerando-se ao invés como provado que o seu pagamento teve como contrapartida o facto de os ficheiros fixos aceitarem exercer funções indistintamente na caixa compradora e na caixa vendedora, sendo que o complemento de abono para falhas a partir de 2008 visou retribuir o acréscimo de funções e responsabilidade dos ficheiros fixos.

Quanto ao Direito aplicável:

4.º Ao caso em apreço é aplicável, o art.º 249.º e o art.º 260 do CT de 2003 e bem assim o disposto no art.º 258.º e art.º 260 do CT de 2009.

5.º Por outro lado, conforme nossa jurisprudência mais recente vem consolidando o conceito de retribuição, pode-se afirmar em grandes linhas que, a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou em espécie) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida, aqui avultando o elemento da contrapartida, elemento esse de grande relevo na medida em que evidencia o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, permitindo, assim, excluir do âmbito do conceito de retribuição as prestações patrimoniais do empregador que não decorram do trabalho prestado, mas que, ao invés, prossigam objetivos com justificação distinta — como sejam, v.g., os subsídios pelo risco, pela maior penosidade da atividade desenvolvida pelo trabalhador ou destinados a compensar despesas decorrentes do contrato de trabalho.

6.º Deste modo, pode dizer-se que a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é, num primeiro momento, determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o princípio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global – no sentido de que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo, a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas – engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os enunciados requisitos da regularidade e da periodicidade.

7.º Regressando ao caso em apreço, o recorrente, conforme resulta da matéria de facto dada por provada, alegou e provou o pagamento por parte da R. ora recorrida, do complemento de abono para falhas, o seu valor mensal e a sua data de vencimento, a qual era paga 11 meses num ano, de valor certo e igual.

8.º Assim o recorrente tinha a sua favor da presunção prevista no art.º 249.º/3 do CT de 2003 e art.º 258.º/3 do CT de 2009, pelo que cabia á R. ora recorrida demonstrar que tal prestação retributiva não se caracteriza por todos ou por alguns dos elementos a que antes se aludiu para afastar a sua natureza retributiva, o que no entender da recorrente tal assim não se verificou face á matéria de facto dada por provada, e cuja alteração acima se requereu.

9.º Na verdade face á matéria de facto que deverá ser dada por provada, no entender da recorrente, conforme resulta supra, o complemento de abono para falhas era pago, como compensação, por os representados do A. desempenharem, temporariamente, funções indistintamente na caixa compradora ou na caixa vendedora, com valor fixo pago mensalmente. Posto que anteriormente exerciam funções exclusivamente na caixa vendedora.

10.º Tal complemento passou a justificar-se por uma acumulação de funções, compradora e vendedora, e concomitantemente responsabilidade acrescida, destinando-se retribuir o acréscimo de funções e de responsabilidade, justificando-se apenas enquanto tal situação se mantivesse.

11.º Assim, em face desta definição, dúvidas não existem de que se trata de uma prestação retributiva que é contrapartida do modo específico da prestação de trabalho (decorre do facto dos trabalhadores estarem a desempenhar, embora temporariamente, caixa compradora ou na caixa vendedora, tendo sido pago de modo regular e periódico (nos anos de 2006 a 2012).

12.º Concorrem, aqui, no sentido favorável ao reconhecimento da natureza retributiva (sentido restrito) quer o elemento essencial e definidor da contrapartida, consubstanciada na atividade efetivamente desenvolvida, quer as demais características da periodicidade e da regularidade, na consideração de que em cada um dos onze meses dos anos de 2006 a 2012, foi paga aos representados do A. o dito complemento de abono para falhas.

13.º A R. ao decidir unilateralmente não retribuir, através da componente complemento de abono para falhas, a acumulação de funções, acima elencada, desde março de 2012, não mais fez do que diminuir a retribuição dos filiados da A. mantendo a mesma pluralidade de funções.

14.º Tendo a R. desde março de 2012 deixado de proceder ao pagamento do complemento de abono para falhas aos representados pela A., no valor de € 86,00 mensais.

15.º Tal conduta é manifestamente ilícita nos termos do disposto no artigo 129.º n.º 1 alínea d) do CT de 2009, o que deverá ser assim declarado.

16.º Donde, deverá ser revogada a douta sentença proferida nos autos supra, em conformidade com o acima dito, considerando-se procedente o pedido deduzido pelo recorrente.

Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.

***

Factualidade:

1) A A. é uma Associação Sindical sem fins lucrativos que representa alguns dos trabalhadores da Ré.

2) São filiados da A. os trabalhadores da Ré: …

3) A A. é outorgante do A.E. publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª Série, nº 22, de 15 de junho de 2002.

4) Os trabalhadores referidos em 2) tem a categoria profissional de Ficheiro Fixo.

5) Foram admitidos ao serviço da R. “Turismo…, SA” para sob a sua autoridade, direção e fiscalização lhe prestar trabalho, mediante pagamento de uma retribuição mensal.

6) Nos termos do AE subscrito pelas partes em 2002, que as vincula, “ Ficheiro Fixo” “é o responsável pelo ficheiro da sala de jogos tradicionais. Abastece as bancas e recolhe as fichas destinadas à caixa. Compra e vende fichas aos jogadores. Abastece os caixas volantes; escritura todas as operações realizadas”.

7) Até 2008, os representados pela A. exerciam exclusivamente funções de Ficheiro Fixo na caixa compradora ou funções de Ficheiro Fixo na caixa vendedora.

8) As funções que competiam ao Ficheiro Fixo da caixa vendedora eram: a) “Vender” fichas aos jogadores; b) Fazer todas as operações de trocos para as mesas de jogo; c) Preparar e entregar os reforços para as mesas de jogo; d) Ter à sua responsabilidade todo o Ficheiro do Casino quer que se encontra à sua guarda no cofre, quer o que faz parte do conjunto de fichas que se encontravam nas mesas de jogo (composição); e)Ter à sua responsabilidade a chave do cofre e respetivo segredo; f) Ter à sua responsabilidade o fundo autónomo de maneio da caixa vendedora; g) Operações no terminal POS (visa e multibanco); h) Transferir dinheiro, das fichas vendidas aos jogadores, para a caixa compradora; As funções específicas que competiam ao Ficheiro Fixo da caixa compradora eram: a) “Comprar” fichas aos jogadores; b) Proceder a câmbio de moeda estrangeira, bem como valores que o representem, nomeadamente Travelers Cheques; c) Ter à sua responsabilidade o fundo autónomo de maneio da caixa compradora; d) Transferir fichas, que compram aos jogadores, para a caixa vendedora.

9) Os ficheiros fixos trabalhavam numa caixa da sala mista, independentemente da denominação do espaço da caixa.

10) A caixa da sala mista ao longo do tempo foi sofrendo alterações físicas consoante a necessidade de adequar o serviço e a equipa ao volume de receitas e fluxo de clientes.

11) Até março de 2010, a caixa da sala mista era dividida em dois espaços contíguos, denominados “caixa compradora” e “caixa vendedora”, nos quais os ficheiros fixos exerciam o seu serviço, de forma rotativa ou não, ajustando as tarefas de ficheiro fixo e respetivos procedimentos à venda ou compra de fichas aos clientes.

12) Após março de 2010 e até à data, o espaço da caixa passou a ser um só, tendo sido apelidado de “ caixa única” da sala mista, onde a equipa dos ficheiros fixos trabalha conjuntamente, exercendo indiscriminadamente a compra e venda de fichas e assegurando todos os procedimentos num só espaço.

13) O facto dos ficheiros fixos terem exercido o respetivo serviço na caixa compradora e/ou vendedora nunca os distinguiu para efeitos de vencimento, perceção de gratificações, e distribuição e realização de horários de trabalho.

14) A categoria de ficheiro fixo implica funções de responsabilidade por terem à sua guarda valores, que podem corresponder a quantias monetárias avultadas e atento o referido em 8), sendo que tal acarreta esforço intelectual e concentração.

15) Em caso de erro na compra ou venda de fichas, nos câmbios ou em outras funções, cada Ficheiro Fixo tem que reembolsar as falhas.

16) Se a Inspeção de Jogos, que tem o poder de vir “bater a caixa”, aparecer de surpresa e proceder à verificação e contagem dos valores em cada caixa (conferência da caixa) e houver erros (que podem até serem detetados na verificação no final de cada dia), o Ficheiro Fixo é punido laboral e contraordenacionalmente.

17) O mencionado em 14) sucede com outras categorias profissionais da Ré.

18) As funções dos ora representados da Ré, como dos demais colaboradores desta devem ser exercidos com zelo e correção, devendo obedecer à R. em termos de execução do trabalho e disciplina bem como, promover a qualidade de serviço ao cliente.

19) O pagamento de abono para falhas aos ficheiros fixos decorre do art.º 67.º do AE para todos os colaboradores que “…no exercício de funções movimentem regularmente dinheiros ou valores (…)” para fazer face a eventuais falhas.

20) Em janeiro de 2006, o Conselho de Administração da Ré, através de despacho, constante de fls. 17 (doc. n.º 1 junto com a petição inicial) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, decidiu atribuir aos 5 ficheiros fixos que se encontravam, à data, a trabalhar na extinta na “caixa vendedora”, um complemento do abono de falhas.

21) Os referidos colaboradores, não participaram nessa decisão, nem deram acordo prévio ou posterior à mesma.

22) A atribuição desse complemento tinha as seguintes condições: enquanto os 5 ficheiros fixos em causa exercessem funções na caixa vendedora; iniciaria em 01.01.2006 e teria a duração máxima de um ano; - a Administração reserva-se o direito de alterar, suspender ou revogar o complemento no momento em que entendesse por conveniente.

23) Tal decisão contemplava a indicação de comunicação da mesma aos colaboradores.

24) O complemento de abono de falhas referido destinava-se a complementar o montante do abono de falhas, face a eventuais erros que os colaboradores contemplados cometessem.

25) Em 29.05.2006, a Administração da R emitiu um despacho – doc. n.º 2 junto com a p.i. e cujo conteúdo se dá integralmente por reproduzido – atualizando o valor do complemento de abono de falhas aos mesmos colaboradores e mantendo as condições e termos do despacho de janeiro desse ano.

26) Em janeiro de 2007, a Administração emite novo despacho a comunicar que tinha decidido atribuir um complemento de abono de falhas aos referidos 5 ficheiros fixos durante o período máximo de um ano, com condições de atribuição coincidentes com o despacho anterior – cfr. doc. nº 3 junto com a p.i. e cujo conteúdo se da integralmente por reproduzido.

27) Em janeiro de 2008, a Administração comunica a prorrogação do pagamento do complemento de falhas nos termos do despacho anterior até 29.02.2008 – cfr. doc. nº 4 junto com a pi, cujo conteúdo se da integralmente por reproduzido.

28) As decisões mencionadas em 21) a 27) contemplavam a indicação de comunicação das mesmas aos colaboradores;

29) Os colaboradores tomaram conhecimento dos referidos despachos, não tendo manifestado qualquer oposição ou reserva quanto aos termos e condições do pagamento dos complementos de abono de falhas.

30) Em 01.01.2009, em 01.01.2010, em 31.03.2010, e em 01.01.2011, a Administração da Ré proferiu os despachos nas condições e termos constantes dos documentos juntos com a petição inicial sob os n.ºs 6 e 7 e, docs. 3 e 4, juntos com a contestação cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

31) A partir de março de 2008 o complemento do abono de falhas passou a abranger todos os Ficheiros Fixos.

32) O complemento de abono de falhas foi sempre pago de forma mensal, 11 meses por ano.

33) A R. desde março de 2012 deixou de proceder ao pagamento do complemento de abono para falhas aos representados pela A., no valor de € 86,00 mensais.

34) A partir de março de 2012 a Ré apenas atribui o pagamento de um prémio, nas circunstâncias descritas no documento junto com a petição inicial, sob o n.º 10, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

35) Em 17.05.2012 a Direção de Recursos Humanos da R. enviou à A. um email cujo teor consta do documento junto sob o 6 com a contestação e que aqui damos por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.

36) À data da instauração da presente ação nada é pago a título de complemento de abono de falhas ou de prémio.

Factos Não Provados

Não se provou que:

A) O pagamento do complemento de abono de falhas ocorreu por acordo entre os representados da A. e a Administração, tendo o seu pagamento como contrapartida o facto de estes aceitarem exercer funções indistintamente na caixa compradora e na caixa vendedora;

B) O complemento de abono para falhas a partir de 2008 visou retribuir o acréscimo de funções e responsabilidade dos ficheiros fixos.

***

Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa apreciar as seguintes questões:
- Alteração da decisão relativa à matéria de facto, quanto ao facto 24, pugnado pela alteração, considerando-se como provado que o seu pagamento teve como contrapartida o facto de os ficheiros fixos aceitarem exercer funções indistintamente na caixa compradora e na caixa vendedora, sendo que o complemento de abono para falhas a partir de 2008 visou retribuir o acréscimo de funções e responsabilidade dos ficheiros fixos.
- Natureza retributiva da prestação paga como complemento de abono de falhas.
O facto impugnado é o seguinte:
“24) O complemento de abono de falhas referido destinava-se a complementar o montante do abono de falhas, face a eventuais erros que os colaboradores contemplados cometessem. “
Pretende-se seja considerado provado que:
“O seu pagamento teve como contrapartida o facto de os ficheiros fixos aceitarem exercer funções indistintamente na caixa compradora e na caixa vendedora, sendo que o complemento de abono para falhas a partir de 2008 visou retribuir o acréscimo de funções e responsabilidade dos ficheiros fixos.
A recorrente invoca os documentos n.º 1 a 7 juntos com a PI e doc n.º 3 e 4 juntos com a Contestação, e os depoimentos de Ana, Sara e das declarações de parte o A. na pessoa de José.
Dos documentos resulta que o complemento foi atribuído por decisão do conselho de administração. Consta do despacho a reserva de alteração, suspensão ou revogação do prémio. Não resulta dos documentos que o prémio tenha sido acordado ou negociado, constando da factualidade que os colaboradores, não participaram nessa decisão, nem deram acordo prévio ou posterior à mesma. Não se vê razão para o valor ser atribuído em função do exercício em ambas as caixas. Estas não resultam do AE, que não distingue entre caixa vendedora e caixa compradora, antes parecendo resultar da organização interna da ré. Certo que poderia constar dos contratos individuais a vinculação apenas para uma ou outra das caixas, mas não é isso que se invoca. A ré nos termos do AE e tendo em conta a definição constante deste de “ficheiro fixo”, não parece que tivesse necessidade de acordo para colocar os trabalhadores numa ou outra caixa, ou agregar como acabou por fazer. E dessa agregação não resulta que ocorra um maior volume de serviço, ou um acréscimo de responsabilidade. Se estiverem dois caixas, um na compradora e outro na vendedora, o facto de ambos passarem a estar na digamos caixa mista não acarreta mais trabalho. Tratasse tão só de uma diferente forma organizativa a que a categoria dos trabalhadores e o AE não obsta. O facto de inicialmente ter sido atribuído aos “ vendedores” tem apenas a ver com a razão que levou o conselho a atribuir a verba, a motivação da decisão, por entenderem eventualmente que tais funções acarretavam mais risco de falhas. Não significa mais do que isso, como aliás resulta dos depoimentos referidos pela recorrente. Nada resulta dos depoimentos no sentido de que o abono tenha sido atribuído devido ao exercício das funções de caixa vendedor, visando retribuir esse exercício e muito menos qualquer acréscimo de funções e responsabilidade dos ficheiros fixos. O que resulta é que era, tal como nomeado, um complemento para falhas.
É de manter o decidido.
*
No CT 2003 rege o artigo 249º do CT de 2003 sobre o conceito e elementos integrantes da retribuição, em termos algo semelhantes aos do atual artigo 258º do CT, do seguinte teor:
Princípios gerais sobre a retribuição
1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.
Estaremos face a um uso?
Constitui um uso laboral vinculativo e relevante como fonte de direito a prática constante, uniforme e pacífica que a empresa adotou durante um período de tempo adequado a criar no trabalhador a legitima expetativa quanto ao caráter obrigatório dessa prática.
No caso presente não podemos considerar a existência de um uso, quer pelo curto tempo de duração da atribuição, quer pelas alterações que ocorreram sempre por decisão do conselho de administração. Esta circunstância, na falta de outra fonte em que pudesse encaixar-se a atribuição conforme artigo 258º do CT, deita por terra a pretensão da recorrente. Mas ainda que assim não fosse nunca a verba poderia ser considerada retribuição, porquanto tratando-se de um complemento de abono de falhas está expressamente prevista a sua exclusão (não podendo consequentemente funcionar a presunção) no artigo 260º do CT.
Assim por esta e demais razões constantes da decisão recorrida para que se remete, improcede a alegação.
*
DECISÃO:
Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso confirmado a decisão
Sem custas

G. 05.01.2017
Antero Veiga
Alda Martins
Eduardo Azevedo