Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
114/25.4T8VCT.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ABONO PARA FALHAS
PRESCRIÇÃO DOS JUROS DE MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/23/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Apesar de a factualidade provada se revelar de insuficiente para se poder concluir que o manuseamento de dinheiro é de considerar a tarefa predominantemente desempenhada pelo autor, a mesma afigura-se-nos suficiente para se poder concluir que o autor ocuparia uma parte substancial do tempo de trabalho no desempenho de tal tarefa, uma vez que a desempenhava a par com as outras tarefas que lhe foram atribuídas pela recorrente respeitantes à categoria de rececionista
II - O abono para falhas não sendo obrigatório no código de trabalho, é atribuído por inúmeros instrumentos de regulamentação coletiva ou resulta de negociação contratual e tem como finalidade compensar o risco acrescido que incide sobre os trabalhadores envolvidos em transações comerciais pagas nomeadamente em dinheiro, o qual se verifica com a efetiva prestação de trabalho, não se tratando assim de uma contrapartida da execução da prestação laboral.
III - O prazo de prescrição dos créditos laborais é de um ano, contado a partir da data da cessação do contrato de trabalho, em conformidade com o previsto no art.º 38º da LCT e 381º, nº 1 do CT/2003, e atualmente no previsto no nº1 do art.º 337º do CT/2009, que estabelecem um regime especial.
-O regime de prescrição dos créditos laborais que consta do n.º 1 do art.º 337º, n.º 1 do CT/2009, aplica-se ao crédito de juros.
- Os juros de mora relativos a créditos laborais, não estão sujeitos ao regime geral da prescrição, decorrente da al. d) do art.º 310º do Código Civil, constituindo tal um desvio ao regime geral ali estabelecido.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, residente na Praça .... Traseiras, ... ..., ..., com o patrocínio do MP, instaurou ação declarativa emergente de contrato de trabalho com processo comum contra “EMP01..., LDª”, com sede na Avenida ..., ... ..., pedindo a condenação da Ré

a) a pagar a quantia global ilíquida de € 5.750,50 a título de subsídio mensal de abono para falhas, referente ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 2008 e 30 de Junho de 2023;
b) a pagar a quantia de € 2.134,29 de juros de mora vencidos;
c) a pagar juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, alega em síntese que desempenhou para a ré funções de recepcionista ou atendedor de oficina e caixa, o que segundo a correios... aplicável dá direito a receber um abono mensal para falhas no valor de €26,50, sendo que nada lhe foi pago entre o dia 1/01/2008 e o dia 30/6/2023. Contudo, a Ré pagou o referido abono a partir do mês de julho de 2023.
A Ré contestou, dizendo, em síntese nada dever ao autor, uma vez que o autor nunca desempenhou funções ou tarefas de caixa ou de colaborador de caixa, pois apenas esporadicamente recebia pagamentos dos clientes, por multibanco, cheque ou transferência bancária, mas não manuseava dinheiro (numerário) nem conservava numerário em seu poder que lhe permitisse nomeadamente dar trocos.
Conclui pedindo a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

Os autos prosseguiram os seus trâmites normais e por fim foi proferida sentença, pela Mma. Juiz a quo, que terminou com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, o Tribunal julga totalmente procedente a presente acção e, em consequência, decide:
- reconhecer que o Autor exerceu como função predominante, consecutivamente, desde o início do contrato, para além das funções de recepcionista ou atendedor de oficina, as funções de caixa;
- reconhecer que o Autor, no exercício das funções de caixa tem direito ao subsídio mensal de abono para falhas;
- condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia global ilíquida de € 5.750,50 (cinco mil setecentos e cinquenta euros e cinquenta cêntimos) a título de subsídio mensal de abono para falhas, referente ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 2008 e 30 de Junho de 2023;
- condenar a Ré a pagar ao Autor os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4%, calculados nos termos supra expostos, até efectivo e integral pagamento.
**
Custas pela Ré.
Valor da causa: fixado no despacho saneador.
Registe e notifique.

Inconformada com o assim decidido veio a Ré recorrer, terminando a alegação de recurso formulando as seguintes conclusões:

“I. O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao qualificar no segmento decisório da sentença como função predominante o desempenho de funções de caixa pelo A., quando apenas se provou (ut item 9) que essas funções eram por ele exercidas de modo contínuo.
II. A expressão função predominante pressupõe que a atividade seja principal ou substancial no tempo de trabalho, não se confundindo com a mera continuidade ou consecutividade do seu desempenho.
III. A factualidade assente não permite concluir que o A. exercesse funções de caixa como atividade principal, fundamental, predominante ou exclusiva, nem, sequer, em termos prevalecentes relativamente às funções de rececionista que correspondiam à categoria profissional que a R. lhe atribuiu.
IV. Ocorre, assim, uma contradição manifesta entre a matéria de facto dada como provada e a decisão tomada pelo tribunal recorrido, o que configura juridicamente um erro de julgamento e importa a anulação daquele segmento decisório, nos termos do art. 662º, n.º 1, do CPC.
V. A atribuição do abono para falhas, nos termos da cl. 92.ª do CCT aplicável, exige que o trabalhador exerça efetivamente funções de caixa de modo predominante, o que, no caso, não se provou.
VI. Não é suficiente que as funções sejam exercidas de modo contínuo, sendo sempre necessário que as mesmas sejam desempenhadas, se não a título principal, ao menos, em parte substancial do tempo de trabalho.
VII. Por estar em causa um facto constitutivo do direito invocado pelo A., a (inevitável) anulação da sentença não pode demandar outra decisão que não a da improcedência total da ação, com as legais consequências, o que deve ser declarado.
VIII. Sem prescindir, o direito ao abono para falhas previsto na CCT aplicável apenas se tornou extensível à relação laboral em causa nos autos com a entrada em vigor da Portaria de Extensão n.º 3/2011, publicada no DR n.º 1/2011 de 03.01.2011 e no BTE n.º 1 de 08.01.2011.
IX. O art. 2.º, n.º 4 dessa portaria dispõe que as cláusulas de conteúdo pecuniário apenas produzem efeitos a partir de 1.11.2010.
X. O abono para falhas é uma prestação de natureza compensatória pelo risco de erro no manuseamento de dinheiro, estando associado ao desempenho efetivo da função de caixa.
XI. Pelo que, o seu pagamento deve corresponder ao período de trabalho efetivo, não podendo ser automaticamente multiplicado por 14 prestações por ano, mas apenas por 11 meses, o que, desconsiderando as férias, faltas ou folgas do A. (o que não foi apurado), representava o tempo de trabalho efetivo num ano civil.
XII. Apesar de a cl. 92ª, n.º 4, do CCT (tal como o cl. 86ª, n.º 4 do CCT anterior) referir que o abono é também devido aos trabalhadores na retribuição do período de férias e nos subsídios de férias e de Natal, esse (eventual) acréscimo remuneratório integrava o valor dessas prestações, e não, autonomamente, o abono para falhas, o que o A. Não reclamou na ação.
XIII. Relativamente ao ano de 2023, o abono apenas é devido em seis e não sete meses.
XIV. Daí que, ponderado o teor das conclusões XI e XIII, o abono devido ao A. seria do valor ilíquido total de 3.710,00€ e não de 5.750,50€, como decidido.
XV. Os juros vencidos há mais de cinco anos, por reporte à data da citação da Ré para a ação (15.01.2025), já se encontram prescritos, nos termos do art. 310.º, al. d), do CC, o que o tribunal também não ponderou nem valorou.
XVI. O tribunal, ao decidir como decidiu, violou, por errada ou má interpretação, a cl. 92.ª do CCT aplicável, correspondente à anterior cl. 86ª do mesmo CCT, e, bem assim, o disposto no art. 310º, al. d), do CC.
IV – O Pedido:
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, por via dele:
a) Revogar-se a douta sentença recorrida, que deve ser substituída por outra decisão que julgue a ação totalmente improcedente, por não provada.
Ou, em via subsidiária,
b) Revogar-se a sentença recorrida na parte em que computou o valor total ilíquido do abono para falhas que considerou devido ao A. em 5.750,50€, fixando-o, agora, no valor total ilíquido de 3.710,00€ apurado nos termos que constam da motivação do recurso;
c) Julgar-se procedente a exceção da prescrição dos juros de mora que a Recorrente foi condenada a pagar ao A., absolvendo-a do pagamento dos vencidos há mais de cinco anos, por reporte à data da sua citação para a ação (15.01.2025), também com as legais consequências.
Assim se decidindo, far-se-á a habitual Justiça!”
O Autor apresentou contra alegação, na qual conclui pela improcedência do recurso.
O recurso interposto pela Ré foi admitido na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito e foram os autos remetidos a esta Relação.
*
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação e colhidos os vistos dos senhores desembargadores adjuntos, cumpre decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto pela Ré/Apelante sobre a sentença recorrida, coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

1 – Do erro de Julgamento por manifesta contradição entre a factualidade apurada e a decisão proferida e erro na interpretação do direito aplicável – cláusula 92.ª do CCT
2 – Do valor devido a título de abono para falhas
3 - Da prescrição dos juros de mora

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS
1. A Ré tem por objecto o comércio a retalho de veículos automóveis; exercício da indústria e comércio de garagem para recolha e reparações de automóveis, venda de combustíveis, óleos e quaisquer acessórios respeitantes ao mesmo ramo de negócio, transportes de passageiros ou carga e à representação de viaturas, nacionais e estrangeiras; aluguer de automóveis, autocaravanas e veículos comerciais; exercício da actividade de intermediação de crédito; exercício da actividade de mediação de seguros.
2. O Autor foi admitido ao serviço da Ré no dia 1 de Janeiro de 2008, através de contrato de trabalho oral, por tempo indeterminado, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, desempenhar consecutivamente as funções da categoria profissional de recepcionista ou atendedor de oficina, e como tal classificado pela entidade empregadora.
3. Na secção de recepção e oficina localizada na ..., ..., ..., ... e ..., com a retribuição base mensal ilíquida de € 908,96, em 2024.
4. Acrescida do montante de € 6,50, a título de subsídio de refeição por cada dia útil de trabalho, pago através de cartão de refeição.
5. Com o período normal de trabalho diário de 8 horas e o horário semanal de 40 horas.
6. A Ré aplicou sempre nas relações jurídico-laborais com o Autor as disposições constantes dos IRCT para o sector das actividades da indústria, comércio e reparação automóvel, nomeadamente as que se dediquem ao comércio, reparação, serviços afins e construção de veículos automóveis, máquinas agrícolas, máquinas industriais, pneus, peças e acessórios, reboques, motociclos, assim como actividades conexas, particularmente pelo CCTV entre a ACAP — Associação Automóvel de Portugal e outras e o SINDEL — Sindicato Nacional da Indústria e Energia e outros, publicado no BTE - n.º 48, de 29/12/2023, com Portaria deExtensão publicada no BTE - n.º 14, de 15/04/2024; BTE - n.º 37, de 08/10/2010, com Portaria de Extensão de BTE - n.º 1, de 08/01/2011; BTE - n.º 27, de 22/07/2003 e BTE - n.º 4, de 29/01/2001.
7. O Autor manteve-se ininterruptamente ao serviço da Ré, sempre com zelo e diligência, até ao dia 5 de Fevereiro de 2024.
8. No dia 7 de Dezembro de 2023, mediante declaração escrita entregue pessoalmente à gerente da Ré, o Autor comunicou à Ré que pretendia colocar termo à sobredita relação de trabalho, no prazo de 60 dias a contar da respectiva recepção.
9. No desempenho das suas funções, o Autor exerceu de modo contínuo as seguintes tarefas: procedia ao atendimento de clientes que contratavam o serviço de reparação de veículos automóveis e, após a reparação, verificava as somas devidas e emitia as facturas/recibos correspondentes à prestação de serviços, através do sistema informático, explicitava o teor da facturação, recebia dos clientes numerário ou cheques em pagamento dos serviços prestados, que guardava numa caixa guardada dentro de uma gaveta, ou pagamentos com cartão bancário.
10. A Ré apenas pagou ao Autor o subsídio de abono para falhas a partir do mês de Julho de 2023.
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FACTOS NÃO PROVADOS

a) Esporadicamente os clientes procediam ao pagamento dos serviços ao A. por multibanco, cheque ou por transferência bancária.
b) O A. não manuseava dinheiro (numerário) nem conservava numerário em seu poder, que lhe permitisse nomeadamente dar trocos.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

1 – Do erro de julgamento por manifesta contradição entre a factualidade apurada e a decisão proferida e erro na interpretação do direito aplicável – cláusula 92.ª do CCT
Insurge-se a recorrente quanto ao facto do Tribunal a quo ter dado como provado que o A.. exercia as funções de caixa de modo contínuo e posteriormente vem a concluir que essas funções eram exercidas como função predominante e consecutivamente, o que na sua opinião faz com que a sentença padeça de contradição entre o que se deu como provado e a decisão que foi proferida, requerendo por isso a anulação daquele segmento decisório da sentença.
Ora, o erro de julgamento ocorre nas situações em que está em causa apurar o adequado enquadramento jurídico feito na sentença e a conclusão que nela se chegou, se é ou não acertada ou injusta.
É certo como bem refere a Recorrente que os adjetivos contínuo ou consecutivo e predominante tem sentidos diferentes que não se confundem.
Assim, contínuo é sinónimo de consecutivo e significa, sem interrupção, ou sem intervalo, traduz a ideia de continuidade. Relativamente ao adjetivo predominante, o seu significado traduz, aquilo que prevalece, o que é o primeiro em domínio, ou exerce influência.
Daqui resulta inequívoca a conclusão de que uma ação contínua ou consecutiva pode não ser necessariamente a predominante, tal como alega a Recorrente - a ação pode ser prolongada no tempo, ainda que sem interrupção, mas secundária ou acessória em relação a outra(s).
Da factualidade provada apenas se apurou que No desempenho das suas funções, o Autor exerceu de modo contínuo as seguintes tarefas: procedia ao atendimento de clientes que contratavam o serviço de reparação de veículos automóveis e, após a reparação, verificava as somas devidas e emitia as facturas/recibos correspondentes à prestação de serviços, através do sistema informático, explicitava o teor da facturação, recebia dos clientes numerário ou cheques em pagamento dos serviços prestados, que guardava numa caixa guardada dentro de uma gaveta, ou pagamentos com cartão bancário.”
Tal factualidade não nos permite de forma alguma concluir que a função principal exercida pelo autor, ou a função que este desempenhava predominante era a função de caixa, mas tal não foi também o entendido pelo Tribunal a quo, como passamos a transcrever.
“Como sabemos, uma coisa é a categoria profissional atribuída ao trabalhador e outra é a correspondência dessa categoria com as funções ou tarefas concretamente executadas. A cláusula que atribui o abono para falhas tem em vista os trabalhadores que exerçam em concreto as funções que se enquadrem nas categorias que mencionam.
Acresce que nem sempre as tarefas executadas se enquadram todas numa categoria profissional.
A vida das empresas é dinâmica e muitas vezes os trabalhadores são chamados a efetuar multitarefas descritas em diferentes categorias profissionais.
Prescreve a cláusula 6ª do CCT que “os trabalhadores abrangidos pelo presente CCTV serão obrigatoriamente classificados pelas entidades patronais de acordo com as funções efectivamente desempenhadas.”
O Anexo III do CCT supra citado define da forma seguinte as categorias profissionais que relevam para o nosso caso:
“Caixa de balcão - É o trabalhador que, exclusiva ou predominantemente, recebe numerário ou cheques em pagamento de mercadorias ou serviços no local de venda, verifica as somas devidas, passa um recibo ou bilhete, conforme o caso, e regista estas operações em folhas de caixa.
Recepcionista ou atendedor de oficina - É o trabalhador que atende clientes, faz exame sumário das viaturas, máquinas, órgãos mecânicos ou produtos e elabora e encaminha para as diversas secções as notas dos trabalhos a executar, podendo proceder à verificação e ou demonstração das características e qualidades mecânicas daquelas ou das reparações efectuadas.”
Sobre esta matéria, está provado que: o Autor exerceu de modo contínuo as seguintes tarefas: procedia ao atendimento de clientes que contratavam o serviço de reparação de veículos automóveis e, após a reparação, verificava as somas devidas e emitia as facturas/recibos correspondentes à prestação de serviços, através do sistema informático, explicitava o teor da facturação, recebia dos clientes numerário ou cheques em pagamento dos serviços prestados, que guardava numa caixa guardada dentro de uma gaveta, ou pagamentos com cartão bancário.
Os factos provados mostram que o autor executa tarefas que vão muito para além das previstas na categoria de Recepcionista ou atendedor de oficina que é a que lhe foi atribuída pela ré (cfr. Recibos de vencimento juntos com a p.i.).
Na verdade, o A., após a reparação, verificava as somas devidas e emitia as facturas/recibos correspondentes à prestação de serviços, através do sistema informático, explicitava o teor da facturação, recebia dos clientes numerário ou cheques em pagamento dos serviços prestados, que guardava numa caixa guardada dentro de uma gaveta, ou pagamentos com cartão bancário. Ou seja, também movimenta dinheiro diariamente.
Nestas circunstâncias, é evidente que o contacto diário com dinheiro, ou outras formas de pagamento, assume um relevo especial na sua atividade diária.
E a cláusula 92ª tem em vista precisamente os trabalhadores que contactam com dinheiro e por esse facto ficam sujeitos ao risco de se enganar. Neste particular, não podemos deixar de referir que a realidade dos nossos dias impõe uma interpretação atual, uma vez que a maioria dos pagamentos é feito através de cartão ou app não podemos perder de vista que ainda assim o apuramento do valor em divida e a sua introdução, muitas vezes manual, no terminal de pagamento é da responsabilidade do caixa e é susceptível de erro e/ou engano análogo ao que ocorre nos pagamentos em numerário.
Por isso, o abono visa compensar o trabalhador em caso de engano e dessa forma evitar o seu prejuízo patrimonial. Trata-se de um afloramento da teoria da responsabilidade pelo risco de quem beneficia da atividade, ou seja, a empregadora.
(…)
No caso dos autos, as tarefas executadas pelo A. inserem-se em grande medida nas elencadas para a categoria profissional de caixa. Pese embora, não se limite a lidar com dinheiro, pois também presta outros serviços que são próprios da categoria profissional que a ré lhe atribuiu de Recepcionista ou atendedor de oficina, neste contexto, o manuseamento de dinheiro é de considerar-se uma tarefa predominante.
Com efeito, pode considerar-se que esta tarefa é diária e contemporânea/concomitante ao desempenho das demais, pois aquando a entrega dos veículos após efectivação das reparações está sempre obrigado a faturar os serviços e a receber o respectivo pagamento. Isto significa que a tarefa de cobrança ocorre sempre em simultâneo com a tarefa “de verificação e ou demonstração das características e qualidades mecânicas daquelas ou das reparações efectuadas” acometida ao autor na categoria de recepcionista.
Esta é a realidade fáctica que deve ser a determinante no enquadramento ou não no espírito da cláusula do CCT que atribui o abono para falhas.
Aliás, não podemos deixar de anotar que a ré, sem que fosse alegada a razão, iniciou o pagamento ao autor deste abono a partir de julho de 2023, sem embargo de as suas funções se terem mantido sempre as mesmas desde do início até ao termo da relação laboral.” (negrito, nosso)
Na verdade, o Tribunal a quo qualificou como predominante a tarefa manuseamento de dinheiro pelo autor, não porque tal resultasse da factualidade, mas sim por uma séria de considerações que entendeu fazer que lhe permitiram chegar a tal conclusão.
Nós não iriamos tão longe, mas seguramente que podemos concluir da factualidade apurada, que fazendo parte das funções desempenhadas de forma contínua pelo autor, o manuseamento de dinheiro, esta função de caixa não sendo de considerar de predominante seria sempre de considerar como uma das funções em que ocuparia de forma substancial o tempo laboral, correndo assim o risco de erro advindo da rotina da atividade, o que em pouco ou nada altera a decisão recorrida, como melhor iremos explicitar.
Não temos dúvidas em afirmar que as tarefas, que forma continuada o autor desempenhou, diariamente, ao longo dos anos, se incluíam, a par das tarefas relacionadas com a sua categoria profissional de rececionista, as tarefas relacionadas com a categoria profissional de caixa, designadamente o manuseamento de dinheiro, pois aquando a entrega dos veículos após efetivação das reparações tinha de faturar os serviços e receber o respetivo pagamento. O significa, que a tarefa de cobrança ocorre em simultâneo com as outras tarefas atribuídas ao autor na categoria de rececionista, tais como a de atender clientes, fazer exame sumário das viaturas, ou proceder à verificação das reparações.
Em suma, apesar de a factualidade provada se revelar de insuficiente para se poder concluir que o manuseamento de dinheiro é de considerar a tarefa predominantemente desempenhada pelo autor, a mesma afigura-se-nos suficiente para se poder concluir que o autor ocuparia uma parte substancial do tempo de trabalho no desempenho de tal tarefa, uma vez que a desempenhava a par com as outras tarefas que lhe foram atribuídas pela recorrente respeitantes à categoria de rececionista (ponto 9 dos pontos de facto provados).

Em face do exposto, procede parcialmente nesta parte o recurso deixando-se consignado que o dispositivo da sentença recorrida será alterado, eliminando-se o seu primeiro ponto dela passando a constar o seguinte:
- Reconhecer que o Autor, para além das funções de rececionista ou atendedor de oficina, ocupou uma parte substancial do tempo de trabalho de forma consecutiva, desde o início do contrato, no exercício das funções de caixa.

Quanto ao erro na interpretação do direito aplicável – cláusula 92.ª do CCT apraz dizer o seguinte:

Decorre da cláusula 92.º do CCT aplicável o seguinte:
“1- Os caixas e os cobradores têm direito a um abono mensal para falhas no valor de 26,50 € enquanto no desempenho dessas funções.
2- Para pagamento das remunerações e abonos de família deverão ser destacados trabalhadores de escritório com classificação profissional nunca inferior a assistente administrativo de 3.ª.
3- Os trabalhadores que procedam aos pagamentos referidos no número anterior, terão direito a uma gratificação mensal calculada da seguinte forma sobre o montante global manuseado:
– Até 5000,00 € - 18,00 €;
– Mais de 5000,00 € - 26,50 €.
4- O subsídio previsto no número 1 é também devido aos trabalhadores na retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
5- Sempre que os trabalhadores referidos no número 1 sejam substituídos no desempenho das respectivas funções, o substituto receberá o subsídio na parte proporcional ao tempo das substituições, deixando o titular de o receber na mesma proporção.
6- Consideram-se apenas abrangidos pelo número 3 os trabalhadores que recebam do caixa um valor global, (ensacado ou não) e procedam à sua conferência, repartição e prestação de contas aos serviços de tesouraria ou outros pelos pagamentos efectuados.»
O que está em causa é saber se é ou não devido ao autor o abono para falhas uma vez que a recorrente entende que o mesmo só seria devido caso se tivesse provado que as funções de caixa exercidas pelo autor foram exercidas se não a título principal, pelo menos, em parte substancial do tempo de trabalho.
Como é sabido, o abono para falhas é a importância fixa de pagamento simultâneo ao da retribuição, que a regulamentação coletiva atribui aos trabalhadores com funções que impliquem responsabilidade de caixa ou de cobrança. Tal abono justifica-se pelo risco que as funções com responsabilidade de caixa ou de cobrança implicam, em virtude da possibilidade de erros de cálculo e outras falhas originadas pela rotina do próprio trabalho (Neste sentido cfr. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª edição, Almedina, pág. 473).
A atribuição do abono para falhas alicerça a sua razão de ser nas especificidades da prestação de trabalho de quem sofre o risco de erros e perdas quando manuseia dinheiro ou outros valores, relativamente aos quais é responsável perante o empregador.
Destas considerações resulta que o abono para falhas não é mais do que um subsídio para reposição de valores em caixa pago mensalmente, por cada dia em que o trabalhador faça movimentos financeiros, independentemente da existência ou não de falhas ou de valores a repor. Visa compensar eventuais prejuízos ou falhas que são suscetíveis de ocorrer durante o tempo de trabalho, quando o trabalhador se encontre no exercício das suas funções e reveste por isso natureza indemnizatória ou compensatória de uma responsabilidade especifica.
 Em suma, o abono para falhas não sendo obrigatório no código de trabalho, é atribuído por inúmeros instrumentos de regulamentação coletiva ou resulta de negociação contratual e tem como finalidade compensar o risco acrescido que incide sobre os trabalhadores envolvidos em transações comerciais pagas nomeadamente em dinheiro, o qual se verifica com a efetiva prestação de trabalho, não se tratando assim de uma contrapartida da execução da prestação laboral.
Para que seja reconhecido o direito ao abono de falhas competia ao autor comprovar que desempenhou funções de pagamento e de recebimento, que efectuou operações de movimento de numerário, recebimento de depósitos, mas também, que executou tais operações ou funções de forma predominante e principal, ou em parte substancial do tempo laboral, correndo o risco de erro advindo da rotina da atividade.
Ora, da factualidade provada resulta que o autor desde o inicio do contrato, que a par das funções de rececionista exerceu de modo contínuo as funções de pagamento e recebimento dos clientes de numerário ou cheques dos serviços prestados, ou pagamentos com cartão bancário. Estas funções atenta a sua natureza a conexão com as demais funções desempenhadas pelo autor, não se tendo provado que as mesmas fossem exercidas por qualquer outro funcionário, teremos necessariamente de concluir que as mesmas ocupavam uma parte substancial do tempo de trabalho do autor, tendo este na sua rotina de trabalho o de receber pagamentos e tanto basta para lhe ser atribuído o direito a tal abono em conformidade com o previsto no IRCT aplicável.
Importa referir que o comportamento da Ré ao proceder ao pagamento do abono para falhas ao autor a partir do mês de Julho de 2023, sem que se tivesse provado qualquer facto que justificasse tal pagamento a partir do referido mês, alicerça a convicção de que a Ré a partir de determinada altura sabia ser devido ao autor tal abono, sem que tivesse procedido à sua liquidação.
Nesta parte improcede o recurso sendo de manter a sentença recorrida, já que Autor, no exercício das funções de caixa, tem direito ao subsídio mensal de abono para falhas.

2 – Do valor devido a título de abono para falhas
Insurge-se a Recorrente quanto ao valor apurado pelo Tribunal a quo a título de abono para falhas, já que procedeu ao seu cálculo desde com início em 01.01.2008 até 30.06.2023, multiplicando o valor mensal por 14 meses, defendendo que o abono para falhas só seria devido a partir de 1.11.2010, por até essa data não ser aplicável à relação contratual estabelecida entre as partes o CCT entre a ACAP – Assoc. do Comércio Automóvel de Portugal e outras e o Sindel – Sindicato Nacional da Indústria e Energia e outros. Por outro lado, o abono para falhas apenas é liquidado relativamente aos dias de trabalho efetivamente prestado, razão pela qual não é devido nas férias, nem no subsídio de férias e de natal.

Do ponto 6 dos pontos de factos provados resulta o seguinte:
“A Ré aplicou sempre nas relações jurídico-laborais com o Autor as disposições constantes dos IRCT para o sector das actividades da indústria, comércio e reparação automóvel, nomeadamente as que se dediquem ao comércio, reparação, serviços afins e construção de veículos automóveis, máquinas agrícolas, máquinas industriais, pneus, peças e acessórios, reboques, motociclos, assim como actividades conexas, particularmente pelo CCTV entre a ACAP — Associação Automóvel de Portugal e outras e o SINDEL — Sindicato Nacional da Indústria e Energia e outros, publicado no BTE - n.º 48, de 29/12/2023, com Portaria de Extensão publicada no BTE - n.º 14, de 15/04/2024; BTE - n.º 37, de 08/10/2010, com Portaria de Extensão de BTE - n.º 1, de 08/01/2011; BTE - n.º 27, de 22/07/2003 e BTE - n.º 4, de 29/01/2001.”
Nem esta factualidade dada como assente, nem qualquer outra dada como provada ou não provada pelo Tribunal a quo foi objeto de impugnação pela Recorrente, razão pela qual se mostra fixada tal factualidade.
Acresce dizer que a Recorrente nunca contestou a aplicação dos referidos IRCT tendo aceitado, tal como resulta da factualidade apurada que nas relações jurídico-laborais que manteve com o autor aplicou particularmente o pelo CCTV entre a ACAP — Associação Automóvel de Portugal e outras e o SINDEL — Sindicato Nacional da Indústria e Energia e outro.
Assim sendo, não vislumbramos qualquer razão para afastar a aplicação dos IRCT relativamente ao período de 2008 a 2010, uma vez que a aplicação de tais instrumentos de regulamentação coletiva, não está dependente da existência ou não de portarias de extensão, mas sim a sua aplicação resulta do acordo das partes.
Quanto à questão de o subsídio mensal de abono para falhas integrar o cálculo da retribuição do período de férias, do subsídio de férias e do subsídio de Natal importa ter presente o n.º 4 da cláusula 92.ª (anterior cl.ª 86.º) do referido correios... celebrado entre a ACAP e o SINDEL da qual resulta o seguinte: 4- O subsídio previsto no número 1 é também devido aos trabalhadores na retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.”
Apesar de entendermos que o abono para falhas visa compensar o risco acrescido que incide sobre os trabalhadores envolvidos em transações comerciais pagas nomeadamente em dinheiro, o qual só se verifica com a efetiva prestação de trabalho e por isso não se trata de uma contrapartida da execução da prestação laboral. Daqui resulta que as quantias pagas a este título, ainda que recebidas com regularidade e periocidade, não assumem a natureza de retribuição, dependendo o seu pagamento da prestação efetiva de trabalho, não sendo por isso, em regra, pagas nas férias, no subsidio de férias nem de natal.
Contudo, no caso dos autos, resulta expressamente o IRCT aplicável que o abono para falhas é também devido aos trabalhadores na retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, razão pela qual bem andou o tribunal a quo ao proceder ao cálculo do valor devido a título de abono para falhas multiplicando o seu valor mensal por 14 e não por 11 como pretende a Recorrente.
Por fim, no que respeita ao erro de cálculo no valor do abono para falhas devido no ano de 2023, assiste inteira razão à recorrente, pois resultando da factualidade provada que a partir de julho de 2023 a Ré passou a liquidar ao autor abono para falhas, a importância devia ao autor a este título referente ao ano de 2023, respeita a 6 meses e não a 7 meses e cifra-se em €159,00 ou seja €26,50 x 6.
Procede nessa parte a apelação
3 - Da prescrição dos juros de mora

Defende a Recorrente que os juros contabilizados desde 01.01.2008 e 14.01.2020 encontram-se prescritos atento o prescrito no art.º 310.º al. d) do CC., requerendo por isso a sua absolvição do pagamento dos juros vencidos há mais de 5 anos
Consta do art.º 310.º do CC. o seguinte:
“Prescrevem no prazo de cinco anos:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os foros;
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias vencidas;
g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.

Por outro lado, no que respeita ao aos créditos laborais dispunham os artigos 38º nº 1 da LCT, art.º 381.º, n.º1 do CT 2003, e dispõe atualmente o artigo 337.º, n.º 1 do CT, no sentido de que o crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.

A questão que se coloca é a de saber se este regime se aplica aos juros dos créditos laborais ou se ao invés é aplicável o regime do artigo 310º., al. d) do CC.
Desde já diremos que entendemos que o regime aplicável aos juros dos créditos laborais é o resultante do Código do Trabalho, mais precisamente o resultante do art.º 337.º n.º 1 do CT. Para melhor explicitar a posição assumida seguimos o Acórdão deste Tribunal de 25.06.2020, proferido no Proc. n.º 58/19.9T8VCT.G1[1], no qual a este propósito se consignou o seguinte.
“A prescrição implica a extinção de determinado direito em virtude do seu não exercício durante certo lapso de tempo – artigo 298º, 1 e 304º do CC. Referindo aquele normativo (298) que estão sujeitos a prescrição pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.
O regime prescricional curto de juros previsto no CC no artigo 310.º tem em vista evitar que o credor retarde em demasia a exigência dos créditos “a ponto de ser mais tarde ao devedor excessivamente oneroso pagar” – Manuel de Andrade Teoria Geral da Relação Jurídica, 1974, pág. 452.
A prescrição assente grosso modo na negligência do titular quanto ao exercício do direito. Andam-lhe ainda associadas razões de segurança e certeza que determinam, em tributo às expectativas criadas, que situações que se prolonguem inalteradas no tempo, sobre elas assentando os sujeitos as suas decisões e organizando a sua vida, se mantenham inalteradas. Apontam-se ainda como fundamento do regime a proteção do devedor relativamente a eventuais dificuldades de prova quanto a pagamentos efetuados há muito tempo.
Ora, as razões determinantes da prescrição de curto prazo do CC não têm aqui aplicação, havendo um regime próprio, também ele de curto prazo, mas com um termo inicial diverso por razões próprias. Aparenta ser um paradoxo permitir a prescrição dos juros de créditos laborais na pendência do contrato, tendo em conta as razões do específico regime laboral.
É que não pode imputar-se negligência ao trabalhador quanto ao não exercício do direito, dada a situação de dependência económica em que se encontra na relação de que advém o crédito. O trabalhador precisa do seu emprego para o seu sustento diário e da família, criando-se uma natural inibição e temor em afrontar a sua entidade patronal relapsa. São essas razões que determinam o regime especial do CT, que tem plena aplicação ao caso dos juros.
Note-se que na pendência da relação laboral, como se tem entendido de forma unânime, vigora o princípio da irrenunciabilidade do direito ao salário, princípio com afloramento designadamente nos artigos 276º e 280º do CT. Não teria sentido que o trabalhador não fosse compelido a exigir os créditos salariais, nem que se não considere negligente o facto de o não fazer, pelas razões já referidas, e fosse obrigado a exigir os juros daquelas, deitando por terra aquilo que o regime especial do CT pretendeu acautelar.
Sobre os juros vd. Ac deste tribunal de 30/6/2016, processo 47/14.9TTGMR.G1, onde se refere:
“ Os juros não estão prescritos, já que o trabalhador tem o prazo de um ano após a cessação do contrato para os demandar, como todos os créditos laborais…
Pretende-se com esta norma que a relação laboral decorra da forma mais tranquila possível enquanto subsistir e garantir a liberdade de atuação do trabalhador, que não estaria assegurada se tivesse de pedir os juros antes de pedir a prestação principal, sendo certo que, ao impor-lhe que assim procedesse necessariamente colocaria o empregador de sobreaviso, podendo precipitar a cessação do contrato.
Não tem sentido buscar natureza diversa entre juros e (demais) créditos laborais: uns e outros surgem em virtude do inadimplemento do contrato laboral.

Não cabe aplicar aqui, desde logo dada a autonomia do direito laboral, o disposto no art.º 310/d do Código Civil, o que, aliás, traduziria um prémio ao infrator, que se locupletaria com os frutos civis do capital.
Simplesmente, os juros vencem-se com a obrigação e podem ser demandados até ao termo do prazo (de 1 ano) previsto na lei laboral.

“Como referem Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, em anotação ao referido preceito (artigo 38.º da LCT) – in Comentário às Leis do Trabalho, I, pág. 185, este preceito estabelece um prazo especial para a prescrição dos créditos emergentes do contrato de trabalho e uma regra específica para a sua contagem, nisso se esgotando o desvio ao regime geral da prescrição estabelecido no Código Civil (artigo 300.º e seguintes). A prescrição dos créditos laborais não corre enquanto o contrato de trabalho se mantiver em vigor. A obrigação de juros é acessória de uma obrigação de capital. No caso do trabalhador subordinado, os juros das prestações salariais em dívida são parte acessória destas e, pelo menos, mediatamente a respetiva obrigação resulta do próprio contrato de trabalho, da sua violação ou cessação, pelo que não se vê justificação para que o respetivo prazo de prescrição corra na vigência do contrato de trabalho, contrariamente ao disposto no artigo 38.º da LCT (…).”
Este entendimento tem sido acolhido no STJ. Vd. processo 05S3141de 6 de março de 2002, e os recentes Ac. de 16/6/2016, processo nº 438/14.6TTPRT.P1.S1, de 9/2/2017, processo nº 886/13.9TTLSB.L1.S1, disponíveis na net.
Na doutrina vejam-se as referências no douto parecer. Luís Menezes Leitão, Direito do Trabalho, 2016, pág. 439, refere que o prazo de prescrição estabelecido no artigo 337, n.º 1, do CT/2009, “é igualmente aplicável aos juros moratórios relativos a estes créditos, que deixam assim de estar sujeitos ao prazo da prescrição do artigo 310º, alínea d), do CC”. Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, pág. 905, sustenta que, “resulta do n.º 1 do artigo 381º que o regime especial de prescrição nele contida se aplica a todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação pelo que nos parece que hoje tal regime se deve aplicar também aos juros de retribuições em mora. No passado, invocando-se a natureza autónoma da obrigação de juros, pretendeu-se que esta obrigação estaria sujeita às regras do direito civil em matéria de prescrição e não ao regime especial dos créditos laborais. Tal entendimento não só é hoje confortado pela letra da lei, como conflitua com a teleologia do preceito, já que forçaria o trabalhador a recorrer aos tribunais na vigência do contrato ou, em alternativa, a resignar-se com a extinção do sue direito”.
Este Tribunal da Relação de Guimarães tem defendido de forma unânime este entendimento, não se vislumbrando qualquer razão para o alterar.
Assim sendo deixamos consignado o seguinte:
- O prazo de prescrição dos créditos laborais é de um ano, contado a partir da data da cessação do contrato de trabalho, em conformidade com o previsto no art.º 38º da LCT e 381º, nº 1 do CT/2003, e atualmente no previsto no nº1 do art. 337º do CT/2009, que estabelecem um regime especial.
-O regime de prescrição dos créditos laborais que consta do n.º 1 do art.º 337º, n.º 1 do CT/2009, aplica-se ao crédito de juros.
- Os juros de mora relativos a créditos laborais, não estão sujeitos ao regime geral da prescrição, decorrente da al. d) do art. 310º do Código Civil, constituindo tal um desvio ao regime geral ali estabelecido.
Improcede também nesta parte a apelação

V - DECISÃO

Nestes termos, acorda-se neste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por “EMP01..., LDª”e consequentemente decide-se:
- reconhecer que o Autor, para além das funções de rececionista ou atendedor de oficina, ocupou uma parte substancial do tempo de trabalho de forma consecutiva, desde o início do contrato, no exercício das funções de caixa
- condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia global ilíquida de € 5.724,00 (cinco mil setecentos e vinte e quatro euros) a título de subsídio mensal de abono para falhas, referente ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 2008 e 30 de Junho de 2023.
Quanto ao mais é de manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente e Recorrido na proporção do decaimento.
Notifique.
Guimarães, 23 de Outubro de 2025

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Maria Leonor Barroso
           
[1] Disponível em www.dgsi.pt