Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ AMARAL | ||
Descritores: | CONTRADIÇÃO NA DECISÃO DE MATÉRIA DE FACTO CONTRATO DE SEGURO ANULAÇÃO DO CONTRATO CADUCIDADE DO DIREITO PARA DECLARAR A ANULABILIDADE DO CONTRATO INVALIDADE SANÁVEL POR CONFIRMAÇÃO ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/30/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I. A contradição a que se refere a alínea c), do nº 2, do artº 662º, CPC, entre pontos determinados da matéria de facto verificar-se-á quando a decisão proferida quanto a uns não se compatibilizar, na perspectiva da realidade fáctica, com a de outros, ou seja, mutuamente deverem excluir-se, ou, como dizia o Prof. Alberto dos Reis, quando as “respostas” tiverem um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente. II. Situação diferente é, no percurso judicativo respeitante à análise dos meios de prova, sua apreciação criteriosa e, consequentemente, na sua valoração, se detectar uma incoerência de raciocínio entre os argumentos utilizados, não consentida pelas regras da normalidade ou da experiência, de todo não justificável, mesmo estranha à liberdade de julgamento de que o juiz dispõe, reveladora também de contradição. III. Impugnando o recorrido a decisão sobre certos pontos da matéria de facto ainda que não no contexto da por si requerida ampliação subsidiária do objecto do recurso, é de considerar que, verificadas certas condições, pode logo conhecer-se de tal impugnação aquando da apreciação da do recorrente. IV. É aplicável o regime de invalidade decorrente do artº 429º, do Código Comercial, e não o do artº 25º, do Decreto-Lei 72/2008, de 16 de Abril, à questão da omissão ou de prestação de declarações inexactas no questionário de saúde para efeitos de celebração de contrato de seguro, concluído em 07-05-2007, com o prazo de duração de 15 anos, por se estar no âmbito da formação e celebração do contrato e não se tratar de contrato anual, renovável - artºs 2º, nº 1, e 3º, no 1, daquele Diploma, entrado em vigor em 01-01-2009. V. O artº 429º, do C. Comercial, apesar dos seus termos literais, prevê um caso de nulidade relativa ou anulabilidade, cujo prazo de arguição é o de um ano previsto no artº 287º, nº 1, do CC. VI. A invalidade aí prevista não exige que o declarante proceda com dolo nem o nexo de causalidade entre a declaração inexacta e a possibilidade de ela influir sobre a existência ou condições do contrato. VII. Estando provado que, quando preencheu o questionário com base no qual a seguradora haveria de determinar-se a aceitar o contrato de seguro, o autor respondeu negativamente a todas as perguntas e, designadamente, não indicou as patologias que já o acometiam naquela data e dele conhecidas, independentemente da extensão delas, respectiva qualificação e até mesmo da postura subjectiva com que agiu (em função da factualidade apurada não existe dolo), mostra-se preenchida a previsão constante do corpo do artigo 429º, do C.Com., tanto mais que provado ficou também que a apólice nunca teria sido aceite se a Ré conhecesse as doenças de que aquele era portador na data da adesão (diabetes, hipertensão e dislipidemia). VIII. Não releva o facto de a doença causadora da invalidez nada ter a ver com doenças pré-existentes, bastando a referida possibilidade de as declarações inexactas terem viciado a vontade da ré, induzindo-a em erro quanto a elas. IX. Também não releva a circunstância de não se ter provado que a declaração ou omissão tivesse sido feita deliberadamente e com intenção de induzir em erro a seguradora. X. Não havendo dolo, uma vez declarada a invalidade os prémios devem ser restituídos. Havendo-o, a seguradora tem direito a eles. XI. A anulabilidade deve ser arguida dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento, nos termos do artº 287º, nº 1, CC. XII. O vício em causa é aquele que fez com que a seguradora decidisse aceitar a assunção do risco proposto no convencimento de que a declaração de saúde omissiva das patologias existentes correspondia à verdade, mas que não teria aceitado se estas lhe tivessem sido dadas a conhecer como era dever do proponente segurado fazer. XIII. Tal vício cessou no momento – 11-09-2014 – em que a empresa seguradora recebeu do segurado, analisou e tomou conhecimento dos elementos clínicos respectivos que lhe expuseram a situação verdadeiramente existente à data da celebração do contrato. XIV. Tendo aquela apenas por carta de 24-09-2015 invocado que considerava nula a adesão ao seguro com base nas respostas inexactas dadas ao questionário, tinha já caducado o direito de arguir a invalidade, assim sanada. XV. As comunicações anteriores em que a seguradora declara eximir-se de responsabilidade ou pretende desvincular-se do contrato não relevam como invocação da invalidade uma vez que não se sustentaram no respectivo fundamento. XVI. Não pode considerar-se não cumprido o contrato de seguro para efeitos do nº 2, do artº 287º, CC, na medida em que, no estrito e rigoroso sentido da norma, tal cumprimento ocorreu a quando da sua celebração, pois nesse momento ficaram realizadas as prestações sinalagmáticas: a seguradora assumiu o risco; o segurado pagou o prémio, sendo efeitos consequenciais, que podem até nunca ter lugar, a ocorrência do evento prevenido e a satisfação das prestações por que a seguradora se responsabilizou precisamente para a hipótese aleatória e futura de aquele acontecer. XVII. Tendo a seguradora interessada tomado conhecimento do vício e (obviamente) do direito à anulação em 11-09-2014; não tendo, na carta subsequente que dirigiu ao segurado, em 23-09-2014, questionado a validade do contrato (limitando-se a comunicar que, uma vez analisada por si a documentação clínica, entendia que a invalidez reportada não se enquadrava no âmbito de cobertura convencionado e que, por isso, nada pagaria; mesmo noutra carta de 27-08-2015, nenhuma alusão tendo feito à invalidade em apreço; perante insistências do segurado, limitando-se a recusar o pagamento; mas continuando a debitar trimestralmente ao segurado e este pagar-lhe pontualmente os prémios de seguro, que ela nunca enjeitou, o que sucedeu até 02-11-2015, mesmo depois da carta em que invocou a invalidade, pagamento e recebimento que naturalmente pressupõem a consciência da validade do negócio – verifica-se reconhecimento e aceitação tácitos do vício, nos termos dos artºs 217º, nº 1, e 288º, do CC, assim ficando sanada a respectiva anulabilidade por confirmação, já que outra coisa não pode deduzir-se da atitude de, não obstante conhecer a vicissitude (inexactidão viciante), continuar a proceder daquele modo e no pressuposto da válida vinculação contratual. XVIII. Por isso, mesmo que se considerasse não iniciado (por eventualmente ainda não cumprido) o negócio nem transcorrido o prazo de caducidade do direito de arguir a respectiva anulabilidade e, por isso, que esta poderia ainda ser eficazmente arguida, sempre seria de entender que, por entretanto confirmado, ele deverá ser conservado como válido, com e para os devidos efeitos contratualmente estipulados. XIX. De resto, a conduta da seguradora não deixa de integrar manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium – artº 334º, do CC –, na medida em que, com ela, criou e alimentou no segurado a expectativa legítima e a confiança justamente merecedora de proteção jurídica de que, com base na falta de declaração exacta das suas patologias comunicadas em 09-09-2014, logo conhecida em 11-09-2014, jamais aquela invocaria a invalidade do negócio, nesse pressuposto continuando por parte dele a satisfazer as prestações devidas (pagamento dos prémios). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO [[i]] Por sentença de 20-02-2020, foram julgados habilitados, como sucessores do primitivo autor AA, falecido em .../.../2019, os seus herdeiros BB (viúva), CC, DD, EE e FF (filhos), para em seu lugar prosseguirem nesta acção declarativa que, com processo comum, aquele intentara, em 04-09-2018, no Tribunal ..., contra a ré Companhia de Seguros A..., SA., e na qual formulou o seguinte pedido: “…deve a acção ser julgada provada e procedente e, em consequência: a) Declarar-se que o A. se encontra em situação de invalidez total e permanente desde .../.../2014; b) Declarar-se inválida e ineficaz a anulação/nulidade da adesão ao contrato de seguro celebrado com a Ré e titulado pela apólice ...08, efectuada pela Ré pela carta de 21/09/2015 junta como doc. nº ...1 da p.i.; c) Declarar-se válido e eficaz o contrato de seguro titulado pela apólice ...08 até Novembro de 2015, cobrindo os riscos de morte e de invalidez total e permanente do A. d) Declarar-se nula e excluída a cláusula de exclusão do ponto 2 do art. 2º das Condições Contratuais Especiais. e) Condenar-se a Ré a proceder à liquidação total do capital em dívida do empréstimo nº ...85 do A. à Banco 1... a que se refere o mútuo com hipoteca titulado pela escritura celebrada em 10 de Maio de 2007, junta como doc .... f) Condenar-se a Ré a pagar ou reembolsar o A. de todas as prestações mensais do empréstimo (nelas se incluindo o capital, juros, imposto de selo e prémio do seguro) que este pagou à Banco 1... desde Agosto de 2014, inclusive, até à data da liquidação total do empréstimo, acrescida de juros legais contados desde a data do vencimento de cada prestação até ao seu reembolso, a liquidar em momento ulterior. g) Condenar-se a Ré a pagar ao A. o capital do seguro remanescente ao capital em dívida do empréstimo. SUBSIDIARIAMENTE, CASO ASSIM SE NÃO ENTENDA, h) Condenar-se a Ré a restituir ao A. todos os prémios de seguro pagos desde o início do contrato de seguro (2/5/2007) até à data da sua cessação. i) Condenar-se a Ré nas custas do processo.” A causa de pedir invocada consubstancia-se na verificação, em .../.../2014, de incapacidade total e definitiva do autor, por doença, para o exercício de qualquer actividade, risco assumido pela ré mediante contrato de seguro do ramo vida, em Maio de 2007, com a consequente obrigação de esta pagar o capital estipulado. Como fundamentos, alegou, em síntese, na petição, que celebrou um contrato de mútuo com a Banco 1... e, por exigência desta e para assegurar o cumprimento das prestações dele derivadas, o autor celebrou também com a ré o aludido contrato de seguro, conforme apólice ...08, de 07-05-2007, com efeitos ao dia 02 anterior. Ocorrido o sinistro, o autor comunicou-o à seguradora, tendo esta tomado dele conhecimento em 11-09-2014, solicitando-lhe o accionamento da cobertura. Esta, após recusa, declarou anulado o contrato em 21-09-2015. Sucede que o direito de arguir a invalidade já caducara, pelo decurso do prazo, tanto mais que a ré continuou, mesmo depois de se inteirar da história clínica do autor, a debitar-lhe e ele a pagar-lhe os prémios, assim se tendo sanado também aquela. Além disso, a cláusula de exclusão invocada não é oponível ao autor por força do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais (DL 446/85) por dela oportunamente não lhe ter sido dado conhecimento. Juntou documentos. A ré contestou, por excepções peremptórias (para tal arguindo a nulidade/anulabilidade da apólice por prestação de declarações desconformes à realidade e defendendo a pré-existência de doenças que desencadearam o sinistro e, consequentemente, o preenchimento de cláusulas excludentes da sua responsabilidade) e por impugnação (defendendo que não estão preenchidas, para o efeito, as condições estipuladas nas Cláusulas do Contrato). De tudo concluiu que: “…deve a excepção deduzida de nulidade/anulabilidade por falsas declarações ser julgada procedente por provada, ou a excepção peremptória inominada de pré existência ser julgada procedente por provada, ou de falta de cobertura por não estarem preenchidos os pressupostos do artº 2 ponto 2 das Condições Especiais do seguro Complementar Invalidez Total e Permanente que remete para as Condições Particulares, ou a acção julgada improcedente, por não provada, e, em qualquer dos casos, a Ré absolvida dos pedidos, com as legais consequências.” Respondeu o autor aos documentos, impugnando-os, e às excepções, dizendo ter caducado o direito de a ré arguir a invalidade, tanto pelo regime do artº 429º, do Código Comercial, como pelo do Decreto-Lei nº 72/2008 (que considera aplicável após as renovações subsequentes à sua entrada em vigor), reiterando que, de todo o modo, o vício sanou-se por confirmação e, bem, assim, que a ré não pode prevalecer-se da cláusula relativa à pré-existência de doença por força do RCCG, e concluindo que: “… devem ser julgadas não provadas e improcedentes as excepções alegadas pela Ré, declarando-se ainda nulas e/ou excluídas do contrato de seguro o nº 2 da cláusula 2ª das Condições Especiais do Seguro Temporário Anual Renovável com Complementares Seguro Principal e ainda o art. 2º das Condições Especiais do Seguro Complementar – Invalidez Total e Permanente e que estabelece a definição de invalidez total e permanente e ainda abusivas e contrárias à boa fé.” Na audiência prévia realizada em 14-03-2019, fixou-se o valor da acção, sanearam-se tabelarmente os autos, relegou-se para final o conhecimento das excepções, identificou-se o objecto do litígio, enunciaram-se os temas da prova e apreciaram-se os requerimentos probatórios, determinando-se diversas diligências. Por fim, em 03 e 12-05-2022 realizou-se a audiência final, nos termos e com as formalidades narrados nas respectivas actas, no seu decurso tendo sido inquiridas testemunhas e tomadas declarações de parte. Com data de 18-05-2022, foi proferida a sentença que culminou na decisão de julgar procedente a acção e, em consequência: “I- Declara-se que o falecido autor AA se encontrava em situação de invalidez total e permanente desde .../.../2014 até à data da sua morte. II- Declara-se inválida e ineficaz a anulação do contrato de seguro celebrado com a Ré e titulado pela apólice ...08, efectuada pela Ré pela carta de 21/09/2015. III- Condena-se a ré Companhia de Seguros A..., SA., a proceder à liquidação total do capital em dívida do empréstimo nº ...85 do A. à Banco 1... a que se refere o mútuo com hipoteca titulado pela escritura celebrada em 10 de Maio de 2007. IV- Condena-se a Ré Companhia de Seguros A..., SA., a reembolsar os autores de todas as prestações mensais do empréstimo (nelas se incluindo o capital, juros, imposto de selo e prémio do seguro) que estes pagaram à Banco 1... desde Agosto de 2014, inclusive, até à data da liquidação total do empréstimo, acrescida de juros legais contados desde a data do vencimento de cada prestação até ao seu reembolso, a liquidar em momento ulterior. V- Condena-se a Ré Companhia de Seguros A..., SA., a pagar aos autores o capital do seguro remanescente ao capital em dívida do empréstimo. VI- Relego para o incidente de liquidação a quantificação das quantias descritas em IV., e V., se necessário for. VII- Condeno a ré no pagamento das custas processuais.” A ré, inconformada, apelou a esta Relação no sentido de a revogar, rematando as concernentes alegações com o seguinte texto que apelidou de conclusões: “1. À data da celebração do contrato de seguro dos autos, em 7/5/2007 vigorava o artº 429º do Cód. Comercial e artº 20 das Condições Gerais do Contrato de Seguro, e assim não é de aplicar o disposto nos artºs 26 do Dec Lei 78/2008 de 16 de Abril, disposições violadas na decisão recorrida; 2. Pelo que se aplicam ao contrato dos autos as disposições previstas no título XV, artigos 425º a 462º do Código Comercial (o DL n.º 72/2008, de 16 de abril, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro, só entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2009 – cfr. artigo 7º do referido DL). 3. Estatuía o artigo 429º do Código Comercial que “Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo” e por sua vez, o § único desse artigo 429º referia que “Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé o segurador terá direito ao prémio”. 4. A sentença recorrida considerou, erradamente, que as falsas declarações prestadas pelo segurado, entretanto falecido, deviam ser apreciadas à luz do artº 26º do Dec. Lei 72/2008, invocando o seu artº 2º que contrariamente ao decidido em sua violação, prescreve a “ aplicação da lei actual aos contratos de seguro celebrados após a entrada em vigor do presente decreto-lei, assim como ao conteúdo de contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, com as especificidades constantes dos artigos seguintes”; 5. Ao tempo da formação da vontade da Apelante que não é questão do conteúdo do contrato, vigorava o regime do artº 429º do Cod. Comercial, pelo que lhe era aplicável nesse domínio e não o Dec Lei 78/2008 de 16 de Abril. 6. A não ser assim, existiria retroactividade, vide artº 12º do Cód. Civil, dispositivo que a sentença recorrida também viola; 7. A anulabilidade do contrato de seguro, decorrente da previsão contida no art. 429º do C. Com., não pressupõe a existência de um nexo causal entre o conteúdo da declaração inexacta ou reticente do segurado acerca do seu real estado de saúde e causa directa da morte; 8. De qualquer forma, o Tribunal considerou, erradamente, a falta de nexo causal entre as omissões ou inexactidões alterem a apreciação do risco para poder optar pela cessação do contrato nos termos do artigo 26º/4-b), da LCS, a Recorrente tinha que demonstrar a existência de nexo entre as circunstâncias omitidas e o sinistro e que em caso nenhum teria celebrado o contrato caso tivesse tido conhecimento daquelas circunstâncias. 9. A Recorrente demonstrou qua as omissões e falsidades nas declarações iniciais impediram-na de poder analisar a real situação clínica do falecido e a sua não aceitação do seguro; 10. Quanto à impugnação da matéria de facto provada nos arts 49 e 50 e os factos não provados nos pontos 6, 7 e 8; 11. Vem provado que o falecido por um lado fazia a medicamentação 49., realizava exames e análises, sofria das doenças referidas em 50., frequentava o Centro de Saúde ... e desconhecia as doenças como consta do oficio do Centro de Saúde ..., Por outro lado 6. Não provado que a situação referida, diabetes mellitus tipo 2, Hipertensão arterial e Dislipidemia existentes à data do preenchimento do questionário em 30/4/2007 eram conhecidas do A., pelo menos, desde 2003 e 2005. 7. Não provado que o autor deliberadamente omitiu o seu verdadeiro estado de saúde. 8. O A. decidiu de sua livre vontade não mencionar na proposta de seguro dos autos doenças de que padecia e omitiu de forma deliberada o seu real estado de saúde, 12. Existe contradição patente na matéria de facto atrás apontada que o falecido por um lado fazia a medicamentação provada no ponto 49., realizava exames e análises, sofria das doenças referidas em 50., frequentava o Centro de Saúde ..., consultava o seu médico e especialistas, aviava as receitas dos medicamentos indicados e desconhecia as doenças, omitindo-as intencionalmente!!!! 13. Devem, salvo melhor opinião, ser considerados provados os factos dos pontos 6, 7 e 8 dos factos não provados; 14. Na verdade, o falecido era industrial de carpintaria e da factualidade apurada, tudo leva a crer que aquele respondeu da forma como fez ao questionário com intenção de enganar a Seguradora, mesmo coadjuvado pelo irmão, mediador de seguros interveniente no seguro dos autos GG. 15. Efectivamente, não se esquece de inúmeras e variadas análises clínicas, consultas, receitas médicas e hipertensão arterial grave e suas manifestações, nem se inventa um valor normal da tensão arterial (12,5 Máx 8,5 Min) como o que consta do Boletim de adesão e ponto 38 dos factos provados. 16. O falecido teve intenção de enganar a Seguradora, não se tratando apenas de leviandade ou incúria, como a douta sentença o procura desculpabilizar e mesmo à face actual Regime do Contrato de Seguro, pois o comportamento doloso de um contraente seria com o propósito de obter uma vantagem, como se pode concluir com base art 253 do Cód. Civil; 17. O que bastaria para evitar toda esta situação de que os Recorridos se pretendem aproveitar teria sido o falecido ter falado verdade e informado o que sabia sobre a saúde bem as consultas ao Centro de Saúde ... e foi pena que o Mediador seu Irmão lho não tivesse lembrado; 18. Em face de toda a factualidade provada, a seguradora, sem o erro provocado pelo dolo do segurado, não teria querido em absoluto o contrato, assim, não podemos deixar de concluir pela anulabilidade do contrato de seguro em apreço. 19. O contrato de seguro dos autos é nulo artº 429º C. Com, ou conforme Jurisprudência assente anulável e de nenhum efeito nos termos legais e contratuais, e não há obrigação de a Ré devolver os prémios entretanto pagos, dado continuar a demonstrar conhecimento das doenças que omitiu intencionalmente e que tinha obrigação de conhecer e declarar, nos termos do § único do artº 429º do Cód. Comercial e do ponto 1 alínea b) do artº 20º das Condições Gerais do contrato de seguro, 20. Tal como entende o Prof. Pedro Romano Martinez in Lei do Contrato de Seguro 2009 pág. 128, “Todavia, mesmo no citado preceito art 253 do Cód. Civil,nada obsta a que possa haver uma situação de dolo (eventual ou mesmo indirecto) em que o agente agiu conscientemente de modo incorrecto, induzindo ou mantendo em erro a contraparte, sem pretender retirar uma vantagem;” 21. A sentença em causa deveria ter avaliado o comportamento do falecido com o mesmo rigor com que avalia a posição da Recorrente, pois parece esquecer que a principal obrigação mesmo de acordo com a actual Lei do Seguro, é do segurado declarar tudo o que sabe, mesmo apenas que foi consultar o seu médico de família e que lhe prescreveu medicação. Por dever de patrocínio e sem prescindir, 22. A condenação é também exagerada e sem fundamento válido, não indicando o capital em dívida, nem desde quando, o que viola as normas de interpretação do contrato em violação dos artºs 235º e segtes do Cód. Civil; 23. Acresce que a Recorrente só concluiu a instrução do processo de sinistro com a recepção das cartas do A. de 2/8/2015 e de 2/11/2015, em que lhe forneceu o atestado multiusos, de acordo com o disposto na atrás citada norma das condições; 24. Se a Recorrente tivesse tido conhecimento das doenças de que o falecido padecia, não teria celebrado o contrato, como ficou provado: 25. Imprescindível à anulabilidade é apenas a omissão ou a declaração inexacta que sejam susceptíveis de influenciar a seguradora na decisão de contratar, irrelevando que o óbito venha a ocorrer devido a outra doença e, por isso, que exista ou não nexo causal entre a doença omitida nas declarações prestadas na proposta e a que efectivamente se revelou letal; 26. Se a Recorrente soubesse, ou conhecesse, à data da contratação do seguro, a real situação clínica da pessoa segura, tal como a mesma resulta do relatório médico do seu médico assistente depois do sinistro, não teria aceite o seguro, do que ficou privada pela actuação do falecido: 27. É quanto se exige para a pedida anulação do contrato de seguro celebrado com a Ré e recorrente em erro perpetrado pela actuação dolosa falecido marido e pai dos Autores; 28. A recorrente não acompanha o julgado e decidido pela sentença da Comarca de Braga, pois, contém, entre outros, erro de interpretação dos artigos 429º C. Comercial, 2º. 24°, 25° e 26° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (Lei 72/2008, de 16/04); 29. Salvo melhor opinião, deve ser revogada tal sentença, pelas razões expostas e que são ponderosas. Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente, por não provada e a Recorrente absolvida dos pedidos para se fazer JUSTIÇA!” Os autores responderam e requereram a ampliação do objecto do recurso, apresentando como conclusões também o seguinte texto: “1 - Entendem os recorridos que não assiste razão à recorrente, devendo manter-se a douta decisão recorrida. 2 - Não há contradição entre os factos provados sob os nºs 49 e 50 e os factos não provados sob os nºs 6, 7 e 8 porque era, como é, perfeitamente possível que uma pessoa tenha determinada patologia e não saiba ou não tenha conhecimento de que padece dessa patologia. 3 - O facto provado sob o ponto 49 é o que consta da informação clínica do Dr. HH, informação esta que constitui uma declaração da autoria do médico subscritor, não sendo tal documento da autoria do Autor e não contendo qualquer declaração pessoal deste, os dizeres de tal documento não constituem confissão, nem do mesmo resulta que o Autor soubesse ou tivesse conhecimento do que aí consta. 4 - Para além de constar no registo clínico do Centro de Saúde que o A. apresentava hipertensão sem complicações e diabetes não insulino-dependente, o início de tais diagnósticos e registos é de 05/01/2009, ou seja, posterior à celebração do seguro. 5 - Deste modo, carece de razão a pretensão da Ré de querer que sejam declarados como provados os factos nºs 6, 7 e 8 dos factos não provados. 6 - Cabia e cabe à seguradora o ónus da prova de que o A., quando subscreveu a proposta de seguro e respondeu ao questionário, tinha conhecimento de que padecia da doença que o vitimou ou de que exarou nessa resposta declarações falsas ou reticentes de factos ou circunstâncias dele conhecidas, susceptíveis de influir na formação do contrato e suas condições - Ac. Tribunal Relação de Guimarães de 18/12/2017, Proc. 5843/15.8T8BRG.G1, Relator Fernando Fernandes Freitas, acessível em www.dgsi.pt. 7 - Relativamente à matéria de facto dada como provada, entendem os A.A. que deve a mesma ser alterada dando-se como não provado o facto do nº 44 (“Por carta de 01.06.2015, a Ré recusou o sinistro por continuar a não enquadrar a definição de ITP, uma vez que a reforma atribuída era “Relativa” e a definição contratual pressupor uma reforma “Absoluta” (ficar total e definitivamente incapaz de exercer qualquer profissão…”) por se tratar de facto impugnado e de facto que apenas pode ser provado por documento, não tendo a Ré junto aos autos a alegada carta de 01/06/2015. 8 - E relativamente ao ponto 47 dos factos provados deve o mesmo ser alterado/rectificado no sentido de aí ficar a constar que “a Ré enviou à Banco 1... uma carta, datada de 27/08/2015, com o seguinte teor”, pois que tal carta, conforme consta do doc. nº ... da contestação foi enviada não ao A., mas à Banco 1.... 9 - Dos factos provados não resulta que o A. prestou falsas declarações ou declarações inexactas, pois que para tal era necessário que se provasse que o A. tinha conhecimento que sofria de patologias e que as tivesse ocultado, facto que não ficou provado. 10 - Por outro lado, das respostas dadas ao questionário não resulta a prestação de declarações falsas ou reticentes. 11 - Acresce que a questão do ponto 16 do questionário “existe algum facto relacionado com a sua saúde que não tenha sido referido?” é tão abrangente e tão vaga que não pode ser considerada, porque nela cabe tudo e mais alguma coisa, devendo ser considerada abusiva porque pode inviabilizar, em rigor, todo e qualquer seguro. 12 - O artigo 429º do Cód. Comercial só culmina com a anulabilidade a declaração inexacta e reticente dos factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato. 13 - Aplicando à situação dos autos, quer o artigo 429º do CC quer o artigo 25º do Dec. Lei 72/2008 de 16/04 (Regime Jurídico do Contrato de Seguro), falece a questão da anulabilidade invocada pela Ré. 14 - Acresce ainda que a causa de invalidez é totalmente alheia às patologias pré-existentes alegadas pela Ré e não existindo qualquer nexo de causalidade entre as declarações omitidas e a causa de invalidez, sendo esta totalmente alheia àquelas, deve concluir-se pela desproporcionalidade da sanção da anulabilidade. 15 - Por uma questão de coerência sistemática e de unidade do direito, deve exigir-se o nexo de causalidade entre o facto e o dano, sob pena de a seguradora estar a receber prémios por um risco que nunca correu, nem correria, o que viola de forma desproporcional e injustificada o equilíbrio das prestações contratuais. Neste sentido, vide o douto Acórdão da Relação de Guimarães de 27/04/2005 in www.dgsi.pt e Ac. Rel. Guimarães de 16/11/2010, Proc. 5721/06.1TBBRG.G1, acessível em www.dgsi.pt. 16 - Alega ainda a ré na conclusão 22 que a condenação é exagerada e sem fundamento válido, não indicando o capital em dívida, nem desde quando, o que viola as normas de interpretação do contrato em violação do artigo 235º e seguintes do Cód. Civil, mas tal afirmação da Ré é destituída de fundamento. 17 - Isto porque, na douta sentença condenou-se a Ré a proceder à liquidação total do capital em dívida do empréstimo à Banco 1... e a reembolsar os A.A. de todas as prestações mensais do empréstimo (nelas se incluindo o capital, juros, imposto de selo e prémios de seguro) que estes pagaram à Banco 1... desde Agosto de 2014 até à data da liquidação total do empréstimo, acrescida de juros legais contados desde a data do vencimento de cada prestação até ao seu reembolso e ainda a pagar aos A.A. o remanescente do capital em dívida do empréstimo, tendo a liquidação de tais quantias sido relegada para momento ulterior (ponto IV do segmento condenatório da douta sentença) e para incidente de liquidação (ponto IV). 18 - Para o caso de eventual procedência do recurso da Ré, pretendem e requerem os A.A. a ampliação do âmbito do recurso para apreciação das excepções da caducidade e da sanação por confirmação, alegadas pelo A., bem como para apreciação do pedido subsidiário formulado pelo A. na alínea h) da p.i. 19 - Ainda que se entenda ter ocorrido omissão do estado de saúde do A. e tal configurar anulabilidade, a mesma já caducou, por ter decorrido o prazo de mais de 1 ano para a sua arguição por parte da Ré. 20 - Com efeito, a nulidade a que o art. 429 do Cód. Comercial (revogado pelo DL 72/2008 de 16/4) alude é uma mera anulabilidade a que se aplica a regra geral do art. 287 do Cód. Civil, que estabelece que o direito à anulação do negócio deve ser exercido no prazo de um ano, sob pena de o negócio se convalidar. 21 - A Ré teve conhecimento do estado de saúde do A. em 9 de Setembro de 2014, com a recepção da carta onde o A. lhe enviou a documentação clínica e o relatório médico do qual, segundo a Ré, resulta terem sido dadas respostas falsas ao questionário de saúde. 22 - Ora, a Ré apenas procedeu à anulação do seguro por carta datada de 21/9/2015, ou seja, para além do prazo de um ano após ter tomado conhecimento de que o estado de saúde do A. não correspondia ao constante do questionário, pelo que, quando a Ré invocou a anulabilidade tinha já caducado tal prazo, caducidade que o A. invocou e invoca para todos os efeitos. 23 - Acresce que, para além de ter decorrido o prazo de mais de 1 ano a partir do conhecimento, caducando o direito da Ré, à situação dos autos aplica-se já e também o regime jurídico do contrato de seguro estabelecido pelo DL 72/2008 de 1 de Abril. 24 - Com efeito, o contrato em questão é um contrato de seguro vida temporário anual renovável, tal como consta do art. 2º da contestação da Ré e do doc. ... da p.i. e doc. ... da contestação, nos quais se refere expressamente: “Temporário Anual Renovável / 5708 48515/0012708”, tendo-se a última renovação operado no dia 2 de Maio de 2015. 25 - O contrato de seguro dos autos passou a ficar sujeito ao novo regime do contrato de seguro a partir da primeira renovação posterior à entrada em vigor do DL 72/2008, ou seja, a partir de 2 de Maio de 2009. 26 - Assim, a Ré dispunha do prazo de 3 meses após conhecimento da situação médica e clínica do A., ou seja, a partir de 11/9/2014, para propor uma alteração do contrato ou para fazer cessar o contrato, demonstrando que em caso algum celebraria contrato para a cobertura de risco relacionada com o facto omitido ou declarado inexactamente. 27 - Ora, quando a Ré, por carta datada de 21/9/2015 procedeu à anulação do contrato de seguro alegando declarações falsas do A. ao questionário de saúde, já há muito havia decorrido o prazo de 3 meses estabelecido na al. b) do nº 1 do art. 26 do RJCS. 28 - Pelo que, ainda que assistisse à Ré o direito de arguir a anulabilidade/nulidade do contrato, quando o fez já havia caducado tal direito, por ter decorrido quer mais de 3 meses, quer mais de 1 ano desde o conhecimento da situação clínica e médica do A., devendo, assim, a anulação do contrato de seguro feita pela Ré ser considerada inválida e ineficaz. 29 - Tendo o sinistro ocorrido em .../.../2014 a anulação efectuada por carta de 27/08/2015 e com efeitos a partir de 23/09/2014 não tem relevância. 30 - Com efeito, “verificado o sinistro no período de vigência do contrato, os deveres contratuais mantêm-se mesmo depois da cessação do contrato” - Ac. da Rel. Lisboa de 26/02/2013, Proc. 411/10.3TBTVD.L1-7, acessível em www.dgsi.pt. 31 - Sendo a actividade seguradora uma actividade de risco, não pode aplicar-se o nº 2 do artigo 287º do Cód. Civil porquanto o contrato de seguro tem de considerar-se cumprido com a formalização e aceitação do mesmo por parte da seguradora e o pagamento do prémio por parte do segurado, sendo nesse momento que a seguradora assume o risco contra o pagamento do prémio, sendo este o verdadeiro sinalagma do contrato de seguro. 32 - O eventual pagamento de uma indemnização é apenas uma das possíveis consequências do contrato, não podendo considerar-se que este só se cumpre nesse momento, que pode até nunca acontecer. Neste sentido, Ac. Rel. Guimarães de 29/10/2015, Proc. 2007/16.6TJVNF, acessível em www.dgsi.pt. 33 - Por outro lado e independentemente da caducidade do direito de arguir a anulabilidade, esta deve considerar-se sanada por confirmação da Ré. 34 - Face aos factos provados resulta que a Ré ao receber os prémios do seguro, mesmo após ter conhecimento das alegadas declarações inexactas, sanou a eventual anulabilidade que poderia arguir. 35 - Pois que, ao receber os prémios do seguro, mesmo depois de ter tido conhecimento da situação médica anterior do A. e das alegadas declarações falsas ou inexactas no questionário de saúde, a Ré reconheceu e aceitou a validade do contrato de seguro, tendo sanado a eventual anulabilidade. 36 - Na verdade, constituindo o pagamento dos prémios de seguro a prestação contratual do A. e tendo a Ré continuado a cobrar ao A. e receber deste os respectivos prémios até pelo menos 14 meses depois de ter adquirido o conhecimento da inexactidão das declarações, a Ré confirmou tacitamente o contrato de seguro, considerando-se a eventual anulabilidade sanada mediante confirmação da Ré. 37 - Ficou e está provado que a Ré emitiu e enviou ao A. os recibos dos prémios do seguro e que a Ré recebeu do A. todos os prémios relativos ao contrato de seguro até 02/11/2015 inclusive, ou seja, mesmo após a Ré ter invocado a anulação / nulidade do contrato de seguro, nunca tendo devolvido ao A. qualquer quantia ou prémio pago (pontos 27 a 32 dos factos provados). 38 - Assim, através deste comportamento, a Ré sanou a eventual anulabilidade que lhe poderia assistir. 39 - Face aos factos provados e mesmo que assistisse razão à Ré na sua pretensão de anulação do seguro, deve a anulabilidade ser havida por sanada, quer pelo decurso do tempo (caducidade), quer pela confirmação, concluindo-se pela invalidade e ineficácia da anulação do contrato de seguro, que deve ser declarado válido e em vigor até 02/11/2015. 40 - Pelo que, na eventual procedência da anulabilidade suscitada pela Ré, deve ser apreciada a questão da caducidade e da confirmação suscitadas pelo A., com vista a ser declarada a invalidade e ineficácia da anulabilidade, mantendo-se a douta decisão recorrida. 41 - Acresce que a conduta da Ré, ao arguir a anulabilidade, mas continuar a receber os prémios do seguro até 14 meses depois de ter conhecimento das alegadas inexactidões ou declarações reticentes relativas ao estado de saúde do A. consubstancia abuso de direito. 42 - Ainda sem prescindir e caso se entenda julgar improcedentes as questões da caducidade e da sanação por confirmação, declarando a anulação do contrato de seguro, deverá ser apreciado o pedido subsidiário formulado pelo A. na p.i. 43 - Pois que na hipótese de ser declarado anulado o contrato de seguro, deve haver lugar à restituição de tudo o que tiver sido prestado, nos termos do artigo 289º, nº 1 do C. Civil, uma vez que não se provou o dolo do A. 44 - Pelo que, como última alternativa e para a hipótese de procedência do recurso de apelação interposto pela Ré deve esta ser condenada a restituir aos A.A. todos os prémios de seguro pagos desde o seu início (02/05/2007) e até ao fim (02/11/2015). NESTES TERMOS e nos mais de direito que V. Exas. melhor e doutamente suprirão, deve; a) Ser negado provimento ao recurso de apelação interposto pela Ré, mantendo-se a douta decisão recorrida; b) Para o caso de procedência da apelação interposta pela Ré deve ser admitida a ampliação do âmbito do recurso, julgando-se procedentes as excepções da caducidade do direito de arguir a anulabilidade, da sanação da anulabilidade por confirmação da Ré e do abuso de direito, declarando-se válido o contrato de seguro dos autos até 0/11/2015, mantendo-se a douta decisão recorrida ou, como última alternativa, deve o pedido subsidiário da alínea h) da p.i. ser julgado procedente, condenando-se a Ré restituir aos A.A. todos os prémios do seguro pagos desde o seu inicio (02/05/2007) e até à data da sua cessação (02/11/2015). COMO É DE JUSTIÇA.” A ré respondeu à ampliação, concluindo: “1. A presente Resposta limita-se, nos termos do artº 638º nº8 do C.P.C., à pretendida ampliação do âmbito do recurso de revista interposto pela Ré, ora recorrente; 2. A Recorrida, para obter a condenação da Recorrente em valores que não constam dos fundamentos do recurso de Apelação, só poderia fazê-lo por via de recurso independente ou subordinado, nos termos do artº 633º nº1 C.P.C.; 3. O falecido era industrial de carpintaria e da factualidade apurada, resulta que aquele respondeu da forma como fez, ao questionário, com intenção de enganar a Seguradora, mesmo coadjuvado pelo irmão, mediador de seguros interveniente no seguro dos autos GG. 4. Efectivamente, não se esquece de inúmeras e variadas análises clinicas, consultas, receitas médicas e hipertensão arterial grave e suas manifestações, nem se inventa um valor normal da tensão arterial (12,5 Máx 8,5 Min). 5. O falecido devia ter dado conhecimento à seguradora de que sofria de diabetes mellitus tipo 2, Hipertensão arterial e Dislipidemia existentes à data do preenchimento do questionário em 30/4/2007 eram conhecidas do A., pelo menos, desde 2003 e 2005; 6. Por dever de patrocínio sempre se acrescenta que inexiste caducidade do direto a pedir a anulabilidade do seguro nos termos em que o pois não correu o prazo de um ano desde o conhecimento pela Recorrente (11/9/2014) ate à data da carta (Agosto 2015) em que invocou o vicio ao segurado; 7. A confirmação compete à pessoa a quem pertencer o direito de anulação, e só é eficaz quando for posterior à cessação do vício que serve de fundamento à anulabilidade e o seu autor tiver conhecimento do vício e do direito à anulação, CF ARTº 288º Nº 2 do Cód. Civil e a ampliação viola; 8. O vício fundamento da anulação (erro na formação da vontade da Recorrente) ainda nem cessou, pelo que 9. Também este pseudo fundamento ligado à sede de dinheiro da Recorrida [[ii]], naufraga, embora seja bem claro o que a move. 10. Mantém tudo quanto alegou na sua alegação de recurso. Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser negado provimento ao presente pedido de ampliação do âmbito de recurso, mas se conclui como na alegação de recurso que interpôs, Para se fazer JUSTIÇA!! O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos autos, com efeito devolutivo. Uma vez distribuído, correram os Vistos legais. Submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta. II. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC. O ponto de partida do recurso, por princípio, é sempre a própria decisão recorrida. Com efeito, no nosso modelo (de reponderação e não de reexame da causa), por meio daquele reapreciam-se questões já julgadas na instância inferior e visa-se alterar o decidido, se e na medida em que afectado por invalidade ou por erro de julgamento. As que, apesar de invocadas, aí não tenham sido apreciadas permanecerão fora do âmbito do conhecimento do tribunal ad quem [[iii]]. Tal como as que sejam suscitadas como novidade. [[iv]] Ora, no caso, das conclusões apresentadas pela apelante [[v]], resulta que importa apreciar e decidir: a) Se existe “contradição patente” na decisão da matéria de facto entre os pontos provados 49 e 50 e os não provados 6 a 8. b) Se ao contrato é aplicável o artº 429º, do Código Comercial, e não a Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (RJCS). c) Se, consequentemente, o contrato deve ser declarado anulado por terem sido prestadas pelo segurado declarações inexactas que podiam ter influído sobre a existência ou as condições do contrato. d) Se, não obstante, a recorrente deve conservar (e não devolver) os prémios recebidos. e) Se a condenação também é “exagerada e sem fundamento válido” por não indicar o capital em dívida nem desde quando e assim violar os artºs 235º e seguintes do Código Civil (CC). Por seu turno, das conclusões do requerimento de ampliação do objecto do recurso, extrai-se haver a de decidir-se: a) Se deve ser alterada a decisão quanto aos pontos provados 44 e 47. b) Se estava caducado, pelo decurso do prazo de três meses ou mesmo de um ano, o direito da ré de invocar a caducidade quando declarou a anulabilidade do contrato em 21-09-2015. c) Se tal invalidade deve considerar-se sanada por confirmação. d) Se há abuso de direito na invocação da invalidade. e) Se a ré deve ser condenada no pedido subsidiário de restituição dos prémios recebidos. Consigna-se, aqui, apenas, para justificar a irrelevância conferida à respectiva conclusão 2, a nota de que, na resposta ao requerimento de ampliação, a apelante menciona que “A recorrida, para obter a condenação da Recorrente em valores que não constam dos fundamentos do recurso de Apelação, só poderia fazê-lo por via de recurso independente ou subordinado, nos termos do artº 633º, nº 1, CPC”. Contudo, não se percebe, nem nas alegações se explica e muito menos se fundamenta, o sentido e finalidade desta asserção. De todo, inconsequente. Se porventura a respondente pretendeu referir-se à condenação no pedido subsidiário (restituição dos prémios) formulado na petição (e retomado na ampliação) – pedido subsidiário este obviamente não apreciado nem decidido na sentença por ter aí sido julgado procedente o pedido principal e, assim, não estar reunido o pressuposto exigido no nº 1, do artº 554º, CPC, para ele ser, então, considerado –, não pode ela afirmar certamente que tal devia ser objecto de recurso independente ou de recurso subordinado, pela óbvia razão de que não há, quanto ao mesmo, vencimento ou desfavor algum (artºs 631º, nº 1, e 633º, nº 1), exactamente por ele não ter chegado sequer a ser alvo de pronúncia. Aí, o mecanismo adequado, aliás oficioso, é até o previsto no nº 2, do artº 665º, pelo que nada obsta à inclusão daquele. [[vi]] III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença Embora questionada no recurso, a decisão desta matéria proferida pelo tribunal a quo seleccionou como factos considerados relevantes e julgou provados os constantes do elenco assim apresentado: “1. No dia 10 de Maio de 2007, o A. contraiu um empréstimo na Banco 1..., agência de ..., no montante de 80.000,00 €, para financiamento da construção de um imóvel. 2. O empréstimo, a que foi atribuído o nº ...85, foi feito pelo prazo de 15 anos, amortizável em 180 prestações mensais constantes de capital e juros e como garantia do capital mutuado foi constituída hipoteca sobre o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...98 de ..., tendo sido formalizado por escritura pública no dia 10 de Maio de 2007 no Cartório da Dra. II. 3. Para a concessão do empréstimo a Banco 1... exigiu ao A. a celebração de um seguro de vida para garantir o pagamento do capital mutuado em caso de morte ou invalidez. 4. Para garantir à Banco 1... o pagamento do capital mutuado em dívida, em caso de morte e de invalidez permanente, o A. celebrou com a Ré um seguro de vida. 5. O A. aderiu ao contrato de seguro de vida que a Ré lhe propôs e que ficou titulado pela apólice ...08. 6. A Ré emitiu em 7/5/2007 a apólice que enviou, por correio, ao A., fazendo constar como pessoa segura AA, como capital garantido a quantia de 80.000,00 €, como beneficiário em caso de morte a Banco 1... até ao capital em dívida e o remanescente os herdeiros legais e em caso de invalidez a Banco 1... até ao capital em dívida e o remanescente a pessoa segura, tendo como início 2/5/2007 e termo em 2/5/2022. 7. As condições contratuais do seguro celebrado entre o A. e a Ré foram enviadas por correio juntamente com a apólice, emitida em 7/5/2007. 8. O A. pagou sempre à Ré os respectivos prémios do seguro devidos pela cobertura do risco de morte e de invalidez, tendo sido acordado o pagamento trimestral dos prémios. 9. No ano de 2012 o A. foi acometido de doença, tendo-lhe sido diagnosticada a doença de Parkinson atípico ou mais correctamente Síndrome de Falência de Sistema Múltiplos. 10. O autor veio a falecer, como consequência directa e necessária dessa doença, no dia 29 de Agosto de 2019. 11. No ano de 2014 o A. estava totalmente incapaz para toda e qualquer actividade, em consequência da doença incapacitante de que padecia. 12. Antes de lhe ter sido diagnosticada a doença supra referida, o A. trabalhava como industrial de carpintaria, sem qualquer limitação. 13. Na sequência da doença o A. foi submetido, em .../.../2014, a Junta Médica pela Segurança Social, que o considerou portador de deficiência que lhe conferiu uma incapacidade permanente global definitiva de 79%, conforme Atestado de Incapacidade Multiusos. 14. A partir de .../.../2014 o A. cessou toda a sua actividade profissional e deixou de ter capacidade para exercer a sua actividade profissional, bem como qualquer outra actividade. 15. Desde .../.../2014 que o A. deixou de ter capacidade, força, ou resistência para o exercício de qualquer actividade, não podia fazer esforços, não tinha força muscular, mantendo-se em situação de incapacidade e invalidez total e permanente. 16. Desde .../.../2014 que o A. não andava a pé, não comia sozinho, não tomava banho sozinho, não se vestia e estava totalmente dependente de assistência de terceira pessoa, para todos os movimentos e actos da sua vida diária, sendo acompanhado e auxiliado pela sua esposa. 17. Encontrava-se, assim, o A., desde .../.../2014, em situação de invalidez total e permanente, situação que era definitiva e sem possibilidade de melhoria. 18. O A. nasceu em .../.../1956 e a partir de .../.../2014, deixou de ter capacidade física para exercer a sua actividade profissional, bem como qualquer outra e não tinha habilitações nem condições que lhe permitissem exercer qualquer outra actividade remunerada. 19. A Segurança Social Portuguesa reconheceu a situação de invalidez do A., tendo-lhe deferido a pensão de invalidez com início em 16/12/2014. 20. O A. comunicou a sua situação de invalidez à Ré, por carta de 5/8/2014, com junção do Atestado da Junta Médica e solicitou a activação da cobertura do seguro para pagamento do empréstimo à Banco 1..., carta que a Ré recebeu em 8/8/2014. 21. Na sequência da participação da invalidez e do pedido de activação da cobertura de invalidez, a Ré, por carta de 14/8/2014, solicitou ao A. relatório médico emitido pelo médico assistente e o comprovativo de reforma da Segurança Social. 22. Por carta de 9/9/2014 o A. enviou à Ré o relatório médico solicitado, carta e relatório que a Ré recebeu em 11/9/2014. 23. Por carta de 23/9/2014 a Ré "após análise de toda a documentação clínica" informou o A. que a invalidez reportada não se enquadrava na definição de Incapacidade Total e Permanente constante das condições contratuais (art. 2º, ponto 2) e que, por isso, não procederia ao pagamento de qualquer indemnização. 24. O A. insistiu com a Ré e solicitou-lhe por várias vezes a activação da cobertura de invalidez e o pagamento do empréstimo em dívida à Banco 1... e do remanescente do capital seguro, mas a Ré recusou-se e recusa-se a proceder ao pagamento da quantia mutuada à Banco 1... e do remanescente do capital seguro, declinando a responsabilidade. 25. Por carta datada de 21/9/2015 e recebida pelo A. não antes de 24/09/2015, a Ré informou o A. que considerava nula a adesão ao contrato, com efeitos retroactivos à data da respectiva aceitação, alegando que as respostas dadas pelo A. no questionário de saúde não correspondiam à verdade. 26. A supra mencionada carta tem o seguinte teor: “ 28. A Ré continuou a debitar ao A. e este pagou à Ré os prémios de seguro até 2 de Novembro de 2015. 29. O A. pagou pontualmente os prémios do seguro, pagamentos que fez e fazia trimestralmente mediante a apresentação dos respectivos avisos, emitindo a Ré os respectivos recibos, pagamentos que o A. fez até 2 de Novembro de 2015. 30. Em 27/6/2015 a Ré enviou ao A. o recibo correspondente ao pagamento do prémio do contrato do seguro em questão, relativamente ao período de 2/8/2015 a 2/11/2015. 31. O A. pagou à Ré e esta recebeu todos os prémios relativos ao contrato de seguro até 2 de Novembro de 2015, inclusive, ou seja, mesmo após a Ré ter invocado a anulação/nulidade da adesão ao contrato de seguro. 32. Nunca tendo a Ré procedido à devolução ou estorno ao A. de qualquer quantia ou prémio pago pelo A.. 33. Por via da recusa da Ré no pagamento da quantia mutuada, o A. teve de continuar a pagar as prestações mensais do empréstimo à Banco 1..... 34. O A. encontrava-se desde .../.../2014 em situação de incapacidade e invalidez total e permanente. 35. Em nenhum momento, foi referido pelo A. que era portador de alguma doença física ou psicológica. 36. A avaliação prévia do estado de saúde do A. baseou-se na declaração de saúde e questionário de saúde preenchido e assinado pelo A.. 37. Relativamente ao seu estado de saúde, o A. preencheu o boletim de adesão e no questionário de saúde, respondeu negativamente a todas as perguntas. 38. Com relevância para os autos, apenas se transcrevem algumas das perguntas constantes no questionário de saúde, doc ...: Declarou o Peso: 90 Kg e a altura: 1,74 m, e tensão arterial Max 12,5 miin 8,5 …” 4 – Toma algum medicamento ou está a fazer algum tratamento? Resposta: Não, 7 – Foi submetido a algum exame auxiliar de diagnóstico……….///…..? Resposta: Não, 15 – Sente-se doente, adoentado ou prevê alguma situação da sua saúde que necessite de: a) Tratamento médico? Resposta: Não b) Intervenção cirúrgica ou internamento? Resposta: Não, c) 16 – Existe algum facto relacionado com a sua saúde que não tenha sido referido? Resposta: Não”. 39. De referir, ainda, que o A., no boletim de adesão declarou, ainda que: - recebeu a nota de informação prévia do seguro. - que respondeu com exactidão e verdade a todas as questões colocadas, e não omitiu informações relacionadas com a apreciação do risco a que respeita a presente proposta que sejam, ou razoavelmente devam ser, do seu conhecimento. As omissões ou declarações falsas, inexactas ou incompletas que relevem na apreciação do risco, concedem à A... o direito à anulação ou à resolução do contrato. - ao questionário de saúde, no caso de não nos enquadrarmos nas condições da declaração de saúde - Autoriza os médicos e estabelecimentos de saúde onde recebeu assistência médica a dar à A... informações sobre a respectiva história clínica. …///… - Quando as declarações forem escritas por terceira pessoa a assinatura deve ser precedida das seguintes palavras: Tomei conhecimento e aprovo”. 40. Em resposta ao pedido de informação, o A enviou em 09.09.2014 o relatório médico do Dr. HH, junto aos autos e cujo teor ora se dá por reproduzido. 41. Os Serviços Clínicos da Ré consideraram que, não estando o A. reformado, a situação não era definitiva, pelo que a situação não se enquadrava na definição de ITP, pelo que a Ré recusou o sinistro. 42. A enviou ao autor uma carta datada de 23.09.2014 com o seguinte teor: 44. Eliminado, por força do adiante decidido em sede de impugnação da matéria de facto. O texto era “Por carta de 01.06.2015, a Ré recusou o sinistro por continuar a não enquadrar a definição de ITP, uma vez que a reforma atribuída era “Relativa” e a definição contratual pressupor uma reforma “Absoluta” (ficar total e definitivamente incapaz de exercer qualquer profissão…”). 45. Após a análise da documentação sobre o sinistro dos autos, os Serviços Clínicos da Ré concluíram que a alegada invalidez do A., a existir, resulta de uma situação já existente à data da adesão ao seguro em 02/05/2007. 46. A ré enviou ao autor uma carta, datada de 27.08.2015 com o seguinte teor: 47. A ré enviou à Banco 1..., Lisboa [texto a negrito e sublinhado resultante da alteração adiante decidida em sede de impugnação da matéria de facto] uma carta, datada de 27.08.2015 com o seguinte teor: 48. O Atestado médico multiuso emitido em 16-07-2014, definitivo, cuja incapacidade se reporta a 2012, com grau de 78.94% ao abrigo dos capítulos 111-2.3.2.b) epilepsia 0,60 (? 0,16-0,40); 111-2.2. 19 síndrome pós-traumática; VI -1.3 – 0,35 não atribui a incapacidade apenas pela doença de Parkinson, mas sim por diversas outras, uma vez que a tabela de incapacidade usada para o preenchimento do atestado multi uso não prevê uma doença igual à do autor nem os seus sintomas pelo que o atestado foi preenchido com base em analogia com outras doenças - facto que resultou parcialmente da instrução da causa artigo 5º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil. 49. Consta da informação clínica datada de 27-09-2014 do Centro de Saúde ..., que o A. sofria de: - diabetes mellitus tipo 2 desde 2005; - hipertensão arterial desde 2003. Classe Ill da NYHA de Hipertensão Arterial (?) Essa classificação da NYHA {é para a insuficiência cardíaca e não para a hipertensão arterial, pelo que a médica fez confusão] - Dislipidemia desde 2005. - Insuficiência venosa dos membros inferiores, dispepsia e síndrom com ventiloterapia desde julho de 2012. - síndrome vertebral com irradiação a nível lombar-TAC de tevere de 2012 revela volumosa protrusão L4LS, provocando quadro clínico sugestivo de canal estreito - síndrome parkinsónico-seguido por neurologia-desde data a apurar; - Disfunção urinária. Ureterohidronefose bilateral-ecografia de Outubro de 2013. O A. é Medicado com Sinemet CR200, Nebivolol, cloxam, Glibenclamida, IV\ Metf Pantoprazol, enalapril/lercanidipina, lndapamida, silodosi. 50. A situação referida, diabetes mellitus tipo 2, Hipertensão arterial e Dislipidemia existiam à data do preenchimento do questionário em 30/4/2007, e o autor, nesta data, tinha conhecimento do diagnóstico respectivo [texto a negrito e sublinhado resultante da alteração adiante decidida em sede de impugnação da matéria de facto]. 51. A apólice nunca teria sido aceite se a Ré conhecesse as doenças de que o A. era portador na data da adesão em 02/05/2007 (Diabetes, HTA, dislipidemia…), Diabetes Mellitus tipo 2 desde 2005; hipertensão arterial desde 2003; - dislipidemia desde 2005. 52. Nunca o A. manifestou qualquer dúvida, nem nunca solicitou a remessa de qualquer condição, que aliás dispunha na Dependência Bancaria, ou qualquer informação adicional à R., acerca de qualquer das cláusulas contratuais. 53. O A., quer na altura da assinatura, quer anualmente aquando do recebimento das actas, quer depois, até à presente acção, nunca levantou qualquer dúvida acerca do conceito de invalidez total e permanente, bem como aos elementos apresentados ou declarados na altura do preenchimento da proposta, nem nunca os corrigiu ou alterou, seja no que for. 54. A Ré não pagou qualquer indemnização ao autor. 55. O seguro em questão não foi celebrado em nenhuma agência bancária, mas directamente com o mediador da Ré. 56. A Ré continuou a debitar ao A. e este pagou à Ré os prémios de seguro até 2 de Novembro de 2015. 57. O A. pagou pontualmente os prémios do seguro, pagamentos que fez e fazia trimestralmente mediante a apresentação dos respectivos avisos, emitindo a Ré os respectivos recibos, pagamentos que o A. fez até 2 de Novembro de 2015. 58. Em 27/6/2015 a Ré enviou ao A. o recibo correspondente ao pagamento do prémio do contrato do seguro em questão, relativamente ao período de 2/8/2015 a 2/11/2015 - doc....8 da p.i. 59. O A. pagou à Ré e esta recebeu todos os prémios relativos ao contrato de seguro até 2 de Novembro de 2015, inclusive, ou seja, mesmo após a Ré ter invocado a anulação/nulidade da adesão ao contrato de seguro. 60. Nunca tendo a Ré procedido à devolução ou estorno ao A. de qualquer quantia ou prémio pago pelo A. 61. A invalidez de que o A. padecia (síndrome de Parkinson atípico) nada tem a ver com doenças pré-existentes, não existindo nexo de causalidade entre as alegadas doenças do que o A. padecia (diabetes e hipertensão) e a invalidez de que ficou a padecer. 62. O ponto 2 do artigo 2º das condições contratuais especiais, com base no qual a Ré declinou e declina a sua responsabilidade tem o seguinte teor: "Fica também excluída das coberturas deste Contrato a Invalidez proveniente de situações físicas emergentes de acidente ou de doença, ou do seu tratamento ou evolução, já existentes na Pessoa Segura, e por ela ou pelo Tomador do Seguro conhecidas a data do preenchimento da Proposta de Seguro, declarada ou não no Boletim, bem como as consequências de qualquer lesão causada por tratamento não relacionado com doença ou acidente coberto pelo presente Contrato". 63. Do clausulado do seguro de vida, por força do disposto nas Condições Particulares do Seguro de Vida, fazem parte as Condições Especiais do Seguro Temporário Anual Renovável e as Condições Especiais do Seguro Invalidez Total e Permanente, cf consta do seu artº 1º: “Complementar Invalidez Total e Permanente – Em caso de Invalidez Total e Permanente de uma pessoa segura, objectivamente constatada antes desta atingir 65 anos, o segurador garante, ao abrigo desta cobertura complementar, o pagamento do capital seguro, definido no certificado de adesão. 1) Uma pessoa será considerada afectada de Invalidez Total e Permanente quando, em consequência de doença ou de acidente abrangido pela Apólice, ficar total e definitivamente incapaz de exercer qualquer profissão compatível com os seus conhecimentos e aptidões. 2) É condição necessária e suficiente para o reconhecimento da Invalidez Total e Permanente a verificação simultânea dos seguintes requisitos: a) Ser clinicamente constatada, com fundamento em elementos objectivos, por um médico do segurador, não sendo possível esperar qualquer melhoria do estado de saúde da pessoa segura; b) Corresponder a um grau de desvalorização igual ou superior a 60%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e doenças profissionais em vigor à data do sinistro, não entrando para o seu cálculo quaisquer defeitos físicos pré-existentes à admissão da pessoa segura; c) Ser reconhecida previamente pela Instituição de Segurança Social pela qual a pessoa se encontra abrangida, pelo tribunal de Trabalho ou por junta médica; d) Ser precedida por uma incapacidade absoluta, ou seja, completa impossibilidade física, clinicamente comprovada, de exercer a sua profissão ou ocupação principal, e durar mais de 180 dias consecutivos. 3) A Invalidez Total e Permanente deverá reportar-se à data do seu reconhecimento pelo segurador, entendendo-se tal data como o momento em que lhe sejam facultados os elementos que, de acordo com o estabelecido na Apólice, sejam necessários para a regularização do sinistro.” 64. Dispõe o ponto o artº 20º - 1 das Condições Gerais do Seguro da Apólice doc. 2- que: 1.“O contrato de seguro ou a Adesão da Pessoa segura são nulos sempre que se verifiquem circunstâncias que, por força da lei determinem a sua nulidade, designadamente nos casos seguintes: a)… b) Quando tenham ocorrido omissões ou tenham sido prestadas declarações inexactas, incompletas ou reticentes que poderiam ter influído sobre a existência ou condições do seguro .” 65. Consta do Artº 2. 2 - Exclusões Absolutas das Condições Especiais do Seguro Principal -: 2.2- “Fica também excluída das coberturas deste Contrato, a invalidez proveniente de situações físicas anormais emergentes de acidente ou de doença, ou do seu tratamento ou evolução, já existentes na Pessoa Segura, e por ela ou pelo Tomador do Seguro conhecidas à data do preenchimento da Proposta de Seguro, bem como as consequências de qualquer lesão causada por tratamento não relacionado com doença ou acidente coberto pelo presente contrato.” 66. Consta do artº 2º das “Condições Especiais Seguro Complementar - Invalidez Total e Permanente”: “1. Uma pessoa será considerada afectada de Invalidez Total e Permanente quando, em consequência de doença ou de acidente abrangido pela Apólice, ficar total e definitivamente incapaz de exercer qualquer profissão compatível com os seus conhecimentos e aptidões. 2. É condição necessária e suficiente para o reconhecimento da Invalidez Total e Permanente a verificação simultânea dos seguintes requisitos: a) Ser clinicamente constatada, com fundamento em elementos objectivos, por um médico do segurador, não sendo possível esperar qualquer melhoria do estado de saúde da pessoa segura; b) Corresponder a um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem indicada nas Condições Particulares de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e doenças profissionais em vigor à data do sinistro, não entrando para o seu cálculo quaisquer defeitos físicos pré-existentes à admissão da pessoa segura; c) Ser reconhecida previamente pela Instituição de Segurança Social pela qual a pessoa se encontra abrangida, pelo tribunal de Trabalho ou por junta médica; d) Ser precedida por uma incapacidade absoluta, ou seja, completa impossibilidade física, clinicamente comprovada, de exercer a sua profissão ou ocupação principal, e durar mais de 180 dias consecutivos,…..///… 3. A Invalidez Total e Permanente deverá reportar-se à data do seu reconhecimento pelo segurador, entendendo-se tal data como o momento em que lhe sejam facultados os elementos que, de acordo com o estabelecido na Apólice, sejam necessários para a regularização do sinistro.” Quanto aos não provados: Consigna-se que, por força da impugnação adiante apreciada, passou a incluir o elenco dos factos não provados, a matéria que constava do ponto 44 dos provados, cujo teor é o seguinte: “Por carta de 01.06.2015, a Ré recusou o sinistro por continuar a não enquadrar a definição de ITP, uma vez que a reforma atribuída era “Relativa” e a definição contratual pressupor uma reforma “Absoluta” (ficar total e definitivamente incapaz de exercer qualquer profissão…”). Bem assim, que, em razão do aditamento do ponto provado 50 (conhecimento do diagnóstico), foi eliminado do elenco dos não provados o ponto 6, que referia “Não provado que a situação referida, diabetes mellitus tipo 2, Hipertensão arterial e Dislipidemia existentes à data do preenchimento do questionário em 30/4/2007 eram conhecida do A., pelo menos, desde 2003 e 2005.” Foram, na sentença, julgados não provados os seguintes: “1. O A. desconhecia a existência e preenchimento do alegado questionário de saúde, o qual não foi preenchido por si nem mediante respostas suas. 2. O A. limitou-se a assinar os papéis ou documentos que lhe foram apresentados com vista a aderir ao contrato de seguro dos autos, não tendo a consciência de ter respondido a qualquer questionário de saúde. 3. A exclusão contratual do ponto 2 do art. 2º das condições contratuais especiais não foi comunicada nem explicada ao A., nem aquando da assinatura da proposta de seguro, nem aquando da celebração do contrato, não tendo o A. sido informado da mesma. 4. O A. apenas teve conhecimento efectivo de tal cláusula de exclusão e do seu conteúdo após o envio da carta de 23/09/2014. 5. Na data da assinatura da proposta de adesão não foi entregue ao A. nenhuma cópia das condições gerais ou especiais. 6. Eliminado este ponto e alterado, em consequência o ponto provado 50 [em resultado da alteração adiante decidida em sede de impugnação da matéria de facto]. 7. Não provado que o autor deliberadamente omitiu o seu verdadeiro estado de saúde. 8. O A. decidiu de sua livre vontade não mencionar na proposta de seguro dos autos as doenças de que padecia e omitiu de forma deliberada o seu real estado de saúde, designadamente nas respostas aos pontos 4, 7 13 e 16 do doc .... 9. No caso presente, a intencional omissão da diabetes, Hipertensão Arterial e Dislipidemia e outras doenças pelo A., levaram a Ré a aceitar o seguro de vida grupo, como de pessoa com boa saúde se tratasse. 10. A Declaração de Saúde e o Questionário de Saúde do Bol. de Adesão tem explicações sobre as circunstâncias em que se deve preencher uma e/ou outra. 11. O A. omitiu as doenças de que sofria, não se tratando de omissões negligentes, dado o tipo das doenças em causa e do seu tratamento diário e gravidade das mesmas, implicarem o conhecimento permanente das mesmas [eliminado deste ponto a palavra “sabia” por força do aditamento do ponto provado 50 e resultado da alteração adiante decidida em sede de impugnação da matéria de facto]. 12. É notório que o A. omitiu factos à Ré que não podia desconhecer, em violação do dever de boa fé que lhe assistia. 13. O A. levanta-se, lava-se, veste-se e come sozinho, passeia e leva quotidiano autónomo. 14. O A. não necessita do apoio permanente de terceira pessoa para o desempenho das suas necessidades do dia a dia e actos normais da vida, tarefas, entre muitas outras, que efectua sem a assistência permanente de terceira pessoa, 15. Ao ocultar deliberadamente à Ré, o seu verdadeiro estado de saúde, o A. induziu em erro a seguradora. 16. O A., era, à data do seguro, industrial de carpintaria, dispunha de formação média que lhe permitia entender o clausulado do seguro. 17. Os serviços do Mediador explicaram ao A. mutuário, o alcance dos actos que celebrara, dos seguros celebrados, do sentido e alcance da Invalidez Absoluta e Definitiva, tudo com vista à concessão dos empréstimos e ao seguro de vida, o que, aliás, já é, ao menos em parte, de conhecimento geral. 18. Acresce que a Ré só concluiu a instrução do processo de sinistro com a recepção das cartas do A. de 2/8/2015 e de 2/11/2015 , em que lhe forneceu o atestado multiusos, de acordo com o disposto na atrás citada norma das condições. 19. O A. limitou-se a assinar os papéis e documentos que lhe foram apresentados pelo mediador, com vista a aderir ao contrato de seguro, não tendo a consciência de ter respondido a qualquer questionário de saúde. 20. Não tendo o A. preenchido o questionário de saúde nem respondido a quaisquer perguntas ou questões relacionadas com a sua saúde e constantes do questionário de saúde, não podia o mesmo ter prestado falsas declarações ou omitido o seu estado de saúde. 21. Aliás, resulta do doc. ... junto pela Ré que o mesmo não foi preenchido pelo A., o qual apenas se limitou a nele apor a sua assinatura no local que lhe foi assinalado. * A restante alegação deduzida nos articulados, que não consta dos factos provados nem dos factos não provados, não foi tida em conta pelo Tribunal, seja por corresponder a juízos conclusivos ou de natureza jurídica, seja por reportar a factos não relevantes para a decisão da causa em qualquer das soluções de direito plausíveis.” Para tanto, na respectiva motivação, foram expostos os seguintes fundamentos: A convicção do Tribunal formou-se a partir da análise conjugada de toda a prova produzida no processo e em audiência de julgamento. A audiência iniciou-se pelo depoimento da testemunha JJ, médica com a especialidade em clínica geral e medicina do trabalho. A testemunha tem consultório privado e viu “esporadicamente” no seu consultório o autor. Só quando começou a ficar com Parkinson é que recorreu mais ao apoio da testemunha. Quanto ao Parkinson o autor falecido estava a ser seguido em neurologia pelo que a testemunha acompanhou-o quando estava doente por outros motivos. A testemunha reputa como sendo a partir de 2012 que começou a acompanhar mais o doente. Antes de 2012 tem a ideia que o autor falecido era uma pessoa saudável e que antes do diagnóstico não tinha qualquer patologia, não tomava qualquer medicamento para outras doenças nem era seguido por qualquer outro médico. A testemunha clarificou que a evolução da doença foi muito rápida e num curto espaço de tempo o falecido AA ficou totalmente dependente de outra pessoa, em .../.../2014 já estava totalmente dependente e em cadeira de rodas estando totalmente incapaz do exercício de uma profissão. No que concerne à referência a Diabetes e hipertensão no documento do Centro de Saúde ... que tem uma data de início de 2005, a testemunha não demonstrou qualquer conhecimento directo dos factos afirmando apenas que o doente poderia ter essas anomalias e não saber uma vez que se trata de patologias relacionadas com a idade. A testemunha clarificou que o AA faleceu exclusivamente devido ao Parkinson. As outras anomalias não eram graves e não iriam provocar a morte do AA. A falência múltipla de órgãos, apostas na certidão de óbito, é uma consequência directa do Parkinson. A dislipidemia tem que ver com colesterol alto. Na opinião da testemunha era perfeitamente possível que o autor não soubesse que tivesse estas três patologias uma vez que as mesmas eram muito ligeiras. A testemunha depôs de uma forma isenta e objectiva relatando os factos com base nos seus conhecimentos médicos e da observação directa que fez do doente. As suas declarações foram relevantes para se perceber o início da incapacidade profissional do autor e o estado de dependência do mesmo a partir de 2014, sendo uma invalidez definitiva devido à patologia em causa. No que concerne às outras condições clínicas o depoimento da testemunha foi relevante para se compreender que seria possível o autor ter a hipertensão e a diabetes e não ser uma vez que, no estado em que se encontrariam, não teriam qualquer sintoma. A testemunha GG, mediador de seguros e irmão do autor. Em 2007 tratou com o seu irmão do preenchimento de um contrato de seguro de vida por causa de umas obras que ele tinha feito na oficina com recurso a crédito bancário. A testemunha era responsável por todos os seguros da empresa do seu irmão. A testemunha clarificou que preencheu a proposta de seguro de vida incluindo a parte do questionário médico. No que concerne ao preenchimento em concreto do seguro a testemunha clarificou que leu o contrato em voz alta e depois escreveu as respostas de acordo com aquilo que o seu irmão ia dizendo. No final o seu irmão assinou o contrato. No mais a testemunha referiu que a doença de Parkinson só apareceu em 2015 ou 2016. Antes disso a testemunha clarificou que o seu irmão tinha uma vida perfeitamente saudável “ele não parava quieto”. Na família existia apenas o pai da testemunha que tinha tido diabetes com cerca de 64 anos e só com 82 anos é que começou a tomar insulina. A testemunha clarificou que os elementos clínicos que colocou no formulário do contrato foi com base num papel que o seu irmão lhe tinha dado comprovativo desses valores, pensa que era um talão da farmácia a medir esses valores. A testemunha analisou ainda os documentos juntos aos autos e referiu que a ré recebeu prémios do Seguro em causa até Novembro de 2015 e que nunca devolveu qualquer quantia. O depoimento da testemunha foi importante para se dar como provado o enquadramento factual relativo à assinatura do contrato de seguro e também para se confirmar que antes do diagnóstico da doença neurodegenarativa o autor fazia uma vida perfeitamente normal. Diga-se que a testemunha descreveu de uma forma sincera e pormenorizada a forma como o questionário médico foi sendo explicado “lido em voz alta” ao autor e que este ia respondendo em conformidade. É de frisar que a testemunha é irmão do autor pelo que não teria qualquer motivo para o prejudicar. A testemunha KK, carpinteiro e funcionário do falecido AA há mais de 18 anos. A testemunha referiu que 2012 foi detectado Parkinson e começou a ficar inactivo para o trabalho tendo deixado de trabalhar na carpintaria em 2012 ou 2013, “ele de dia para dia não estava activo para trabalhar (…) começou a não ter força para trabalhar na máquina, a não conseguir subir escada”. A partir deste momento o referido AA começou a necessitar da ajuda de terceira pessoa. Antes desta data o AA trabalhava normalmente na carpintaria, dizendo que não tinha conhecimento que tivesse qualquer problema de saúde. O tribunal valorou o depoimento da testemunha tendo este servido para se dar como provado que a partir de 2014 o autor estava completamente dependente de terceira pessoa para as mais elementares tarefas do dia a dia. A testemunha LL, era e é fornecedor de maquinaria da empresa do falecido AA. Conhecia-o quase desde o início da carpintaria no ano 2000 ou 1999. Ia à carpintaria uma vez por semana. Em 2012 começou a ver sintomas da doença do falecido AA. A testemunha acha que por volta de 2012 o falecido AA deixou de ir à carpintaria por não estar capaz fisicamente. Depois disso estava com o autor algumas vezes porque a casa onde morava era ao lado da carpintaria. Em 2014 o autor AA já estava completamente incapaz. O depoimento da testemunha foi relevante para se balizar, em cotejo com os documentos clínicos juntos ao processo, a data a partir da qual o falecido AA deixou de ter capacidade física para trabalhar na carpintaria. EE é filho do autor falecido pelo que foi ouvido em sede de declarações de parte. A parte sempre trabalhou na carpintaria desde o seu início. A parte clarificou que o seu pai sempre foi uma pessoa saudável. Antes de Parkinson nunca tomou medicamentos e era perfeitamente saudável Os sintomas começaram em 2012. A testemunha clarificou que em 2014 tiveram uma escritura de transmissão da empresa para os filhos e já nessa altura conseguiu rabiscar a escritura, mas com muita dificuldade, nessa escritura já estava uma pessoa a segurar a caneta. Nesse mesmo ano o DD, irmão da parte, casou e na altura das fotografias tiveram que segurar no pai porque já se segurava muito mal. Portanto nessa altura já não conseguia exercer qualquer profissão, “ele estava completamente incapaz, não conseguia andar nem sequer alimentar-se sozinho”. O tribunal valorou as declarações da parte na medida em que o mesmo depôs de uma forma isenta, objectiva e distanciada face à causa. As suas declarações foram relevantes para se perceber que em 2014 o falecido AA já estava completamente dependente de terceira pessoa. A testemunha MM, médica neurologista no hospital .... Seguia o falecido autor no serviço de neurologia. A testemunha clarificou que o autor tinha uma atrofia de sistemas múltiplos que é uma doença muito grave e parecida com Parkinson mas que não é Parkinson, é uma forma atípica de Parkinson. Há cerca de 10 anos que seguia o falecido autor desde 2012 mais ou menos. A testemunha clarificou que se trata de uma doença totalmente incapacitante. A testemunha clarificou que a área de especialidade em que a testemunha se especializou é justamente em Parkinson. No início a doença é muito parecida com Parkinson mas no caso do autor ele rapidamente desenvolveu sintomas graves como desmaios e falta de contenção de urina. O autor rapidamente começou a precisar de cadeira de rodas e com falta de mobilidade. A testemunha foi confrontada com o atestado multiuso de 2014 junto aos autos a fls. 17 verso. A testemunha clarificou que a tabela de incapacidades não prevê a existência desta doença pelo que os médicos costumam utilizar uma doença paralela. A testemunha explicou que normalmente são subvalorizadas as incapacidades destes doentes devido à inexistência de uma doença igual. No que concerne especificamente aos 79% da incapacidade a testemunha clarificou que os relatórios de neurologia não especificam todos os pormenores do estado do doente nomeadamente o facto de não conseguir comer direito, de ter incapacidade de mobilização e outros aspectos. Do seu ponto de vista a avaliação é imprecisa e não contempla todos os aspectos clínicos de que falecido autor sofria. A testemunha é da opinião que a percentagem de incapacidade é desajustada ao caso concreto do autor especificando que o autor nem sequer se conseguia sentar direito porque poderia desmaiar. É uma doença muito rara e extremamente grave. Totalmente incapacitante. A testemunha analisou ainda o documento de fls. 23 e clarificou que não concorda nada com o conteúdo descrevendo as lesões do autor e um quadro clínico de extrema dependência do falecido autor. A testemunha clarificou que em 2014 o falecido autor estava totalmente incapaz de trabalhar ou de tomar banho sozinho “seguramente que não” elencando até que o falecido autor precisava de uma terceira pessoa para as mais elementares tarefas da vida, “ele estava totalmente incapaz para todo e qualquer trabalho”. A testemunha clarificou ainda que o autor morreu em consequência da doença uma vez que implica a falência de múltiplos órgãos. A testemunha explicou ainda a diabetes e a hipertensão não têm qualquer conexão com a doença de que o autor sofria. A testemunha depôs com profundo conhecimento técnico pelo que as suas declarações foram amplamente valoradas e serviram para o tribunal ficar convencido de que o autor estava total e definitivamente incapacitado para todo e qualquer trabalho já em 2014 e que as patologias clínicas pré-existentes não têm qualquer conexão com a doença neurológica. A testemunha NN, responsável pelos sinistros de vida na ré Seguradora. Não foi a gestora do processo e só teve conhecimento do caso em momento ulterior, quando a acção judicial foi proposta. A testemunha clarificou que a participação foi feita em 2014 e que o beneficiário do seguro era Banco 1... de Esposende com um capital de €80.000,00. Nessa participação foi referida uma incapacidade total. No caso concreto a testemunha clarificou que para além do atestado de incapacidade multiuso foram enviados diversos relatórios médicos e com base nesses relatórios médicos decidiu-se não aceitar a invalidez porquanto existiam patologias médicas anteriores a 2014 e que condicionavam a atribuição da incapacidade. A testemunha clarificou que num primeiro momento a ré considerou que a incapacidade não era total e absoluta seria apenas relativa o que indiciaria a capacidade do autor de exercer outra profissão. Num segundo momento é que a ré detectou a existência de outras anomalias clinicas pré-existentes. A seguradora considerou que o falecido autor tinha factores de risco médicos pelo que o seguro nunca iria ser aceite pelo que a ré rejeitou assumir o sinistro e anular a apólice. O depoimento da testemunha foi útil, apenas, para se perceber o encadeamento temporal das posições internas que foram sendo assumidas pela ré em relação ao falecido autor e também para se dar como provado que se soubesse que o autor sofria de diabetes e hipertensão a ré não teria aceite o contrato. Por fim, ouviu-se a testemunha OO, médico com a especialidade de e que presta serviços para a ré. É prestador de serviço da ré e assume o papel de “director clínico”. A testemunha apenas teve conhecimento do caso no último mês e através dos documentos clínicos da companhia e do Tribunal. A testemunha analisou o atestado multiuso junto aos autos e referiu que a doença do autor é caracterizada por analogia. Não existe uma doença específica igual à do autor. No mais, a testemunha clarificou que não existe qualquer conexão entre a síndrome de Parkinson e as outras patologias que o autor apresentava. A testemunha explicou que o que o autor tinha eram factores de muito risco cardíaco como hipertensão, obesidade, diabetes e colesterol alto e por isso é que a seguradora considerou que o risco era muito elevado e nunca teria contratado o seguro. Os conhecimentos da ré foram através dos relatórios do centro de saúde e do hospital .... O depoimento da testemunha foi útil apenas para se dar como provado que a ré não teria aceite o contrato se soubesse que o autor era diabético e hipertenso. A nível de prova documental o tribunal analisou os seguintes documentos: A escritura de mútuo com hipoteca que não foi colocada em causa pelas partes assim como todos os documentos relacionados com o contrato de seguro. Estes documentos habilitaram o tribunal a dar como provados os respectivos conteúdos. De entre estes documentos o tribunal analisou com especial cuidado as condições da apólice e o questionário clinico de fls. 48 e 49 que, como se viu, foi preenchido pelo autor falecido em conjunto com o seu irmão que era o mediador de seguros. O atestado multiuso de fls. 17 foi valorado exaustivamente uma vez que várias testemunhas se debruçaram sobre o mesmo. Assim, este documento serviu para se dar como provada a incapacidade atribuída ao autor e também para se perceber o modo como o mesmo foi redigido, concretamente, sem ter em devida conta a doença do autor e os respectivos sintomas. O tribunal também valorou a certidão de óbito do autor. O documento de fls. 19 verso serviu para se dar como provada a data a partir da qual o autor começou a receber uma pensão do ISS. O tribunal também valorou as missivas trocadas entre as partes tendo esses documentos servido para se darem como provadas as posições que foram sendo assumidas pelas partes ao longo do tempo com especial enfoque na recusa da ré em assumir o sinistro e, ulteriormente, anulando a apólice. Esses documentos também foram importantes para se perceber a base documental que a ré analisou de modo a considerar o contrato anulado. E quanto a este tema são muito relevantes os documentos clínicos de fls. 23 e 25. Particularmente este documento de fls. 25 serviu de suporte à ré para considerar que o autor sofria de patologias clinicas pré-existências à data da celebração do contrato. E, de facto, extrai-se desse documento que o autor tinha diagnosticado Hipertensão e Diabetes antes da assinatura do contrato. Já no que concerne aos factos relacionados com o conhecimento que o autor teria de que sofria dessas patologias no momento da assinatura do contrato, pensamos que este documento não serve para esclarecer essa questão. Trata-se de um documento interno de um centro de saúde pelo que nada nos garante que o autor tivesse conhecimento dessas patologias atendendo a que as mesmas poderiam ser muito ligeiras e não implicar sequer qualquer tratamento ou ter qualquer sintoma – a este propósito iremos ver infra o documento de fls. 231 elaborado em 2009. Repare-se que este documento “deu entrada” na ré no dia 11 de Setembro de 2014 – cfr. Carimbo de entrada aposto no documento de fls. 25 e a ré comunicou a anulação do contrato por missiva enviada não antes de 21.09.2015 – cfr. Fl. 24, razão pela qual o tribunal deu como provadas as respectivas datas. Estes dois documentos serviram para o Tribunal dar como provada a data de conhecimento pela ré de uma situação clínica pré-existente ao contrato e a data em que anulou o contrato e comunicou ao autor. Dito isto, analisamos os outros documentos clínicos juntos aos autos e relativos ao autor – fls. 110 a 113, 118-231. O registo mais antigo desses documentos é o que se encontra a fls. 231, datado de Janeiro de 2009 e que refere “Diabetes não insulino dependente”, “hipertensão sem complicações” e com a prescrição de medicação relativa a essas patologias. Quer isto dizer que em 2009 o autor sabia que sofria destas patologias uma vez que inclusivamente fazia medicação para o respectivo tratamento. O único documento que existe no processo, e bem assim a única prova que se produziu em audiência relativamente a patologias clínicas existentes antes da assinatura do contrato foi o documento de fls. 25 (igual ao de fls. 23 mas mais antigo) que faz uma breve alusão à existência de “diabetes Mellitus tipo2 desde 2005, Hipertensão arterial desde 2003, Dislipidemia desde 2005”. Este documento teve a virtualidade de nos convencer que o autor tinha essas patologias em 2007. Contudo, sopesando todos os depoimentos prestados em audiência com o conteúdo dos documentos, pensamos que não se fez qualquer prova de que o autor tivesse algum sintoma relacionado com essas patologias ou que sequer soubesse que as tinha. É uma hipótese bastante plausível que o autor começasse a sofrer dessas patologias mas sem existir necessidade de qualquer tratamento e, mais importante, sem qualquer sintoma. Por outro lado, o facto de constar de um relatório médico que a patologia existe desde 2005 não quer dizer, rectius, não demonstra de forma segura, que essa patologia tivesse sido identificada por algum médico nessa altura. Poderemos estar a falar de uma mera projecção, até porque não existe qualquer outro registo clínico anterior que confirme que o autor se encontrava a ser seguido devido a essas patologias. Em audiência, como vimos anteriormente, foram ouvidas testemunhas que conviveram com o autor de um modo próximo e contínuo e todas foram unânimes ao afirmar que o mesmo não tinha qualquer limitação nem apresentava qualquer sintoma. Para além disso foram ouvidos médicos, nomeadamente, a médica que o acompanhou na clínica geral e que confirmou que seria perfeitamente possível que o autor não soubesse que padecia dessas anomalias clinicas. Por todos estes motivos o tribunal deu como provada a existência das anomalias mas não deu como provado que o autor delas tivesse conhecimento na data da celebração do contrato de seguro com a ré.” * O recurso relativo à decisão da matéria de factoA ré, neste âmbito, começou, nas suas alegações, por anunciar, como fundamentos do recurso, a alteração dos pontos 6, 7, 9 e 12 (capítulo A). Mais adiante, depois de, sem utilidade que se veja, transcrever uma longa porção daquela matéria, repetiu que, no essencial, tais fundamentos, respeitam à “contradição patente” nas matérias dos pontos provados 50 e 51 e não provados 5 e 6. Transcreve, porém, de seguida, apenas os 6 e 7. Acrescenta que, afinal, a contradição respeita aos pontos provados 49 e 50. E acaba por peticionar que, por isso, devem ser considerados provados os pontos não provados 6 e 7. Mais à frente, depois de ter enveredado pela questão jurídica da aplicação ao caso do artº 429º, do Código Comercial, ou do Decreto-Lei nº 72/2008, e de, para sustentar a sua tese, citar e transcrever sumários de diversos arestos e, erradamente, referir que “No caso concreto, o contrato foi celebrado em Novembro de 2007…” (já que o foi, isso sim, em Maio desse ano), repete, aí incrustando o mesmo texto, aquilo que já atrás alegara quanto à contradição fáctica, retomando a problemática da aplicação do artº 429º a reboque do acórdão da Relação de Lisboa de 01-02-2018. [[vii]] Prosseguiu, entretanto, com mais transcrições de acórdãos e assim chegando às conclusões, de permeio com as respeitantes à matéria de direito, enxertou, nas 10ª a 13ª, a questão de facto, aí referindo: “10. Quanto à impugnação da matéria de facto provada nos arts 49 e 50 e os factos não provados nos pontos 6, 7 e 8; 11. Vem provado que o falecido por um lado fazia a medicamentação 49., realizava exames e análises, sofria das doenças referidas em 50., frequentava o Centro de Saúde ... e desconhecia as doenças como consta do oficio do Centro de Saúde ..., Por outro lado 6. Não provado que a situação referida, diabetes mellitus tipo 2, Hipertensão arterial e Dislipidemia existentes à data do preenchimento do questionário em 30/4/2007 eram conhecidas do A., pelo menos, desde 2003 e 2005. 7. Não provado que o autor deliberadamente omitiu o seu verdadeiro estado de saúde. 8.o A. decidiu de sua livre vontade não mencionar na proposta de seguro dos autos doenças de que padecia e omitiu de forma deliberada o seu real estado de saúde, 12. Existe contradição patente na matéria de facto atrás apontada que o falecido por um lado fazia a medicamentação provada no ponto 49., realizava exames e análises, sofria das doenças referidas em 50., frequentava o Centro de Saúde ..., consultava o seu médico e especialistas, aviava as receitas dos medicamentos indicados e desconhecia as doenças, omitindo-as intencionalmente!!!! 13. Devem, salvo melhor opinião, ser considerados provados os factos dos pontos 6, 7 e 8 dos factos não provados;”. De resto, corrobora ainda, nas conclusões 14ª a 17ª: “14. Na verdade, o falecido era industrial de carpintaria e da factualidade apurada, tudo leva a crer que aquele respondeu da forma como fez ao questionário com intenção de enganar a Seguradora, mesmo coadjuvado pelo irmão, mediador de seguros interveniente no seguro dos autos GG. 15. Efectivamente, não se esquece de inúmeras e variadas análises clínicas, consultas, receitas médicas e hipertensão arterial grave e suas manifestações, nem se inventa um valor normal da tensão arterial (12,5 Máx 8,5 Min) como o que consta do Boletim de adesão e ponto 38 dos factos provados 16. O falecido teve intenção de enganar a Seguradora, não se tratando apenas de leviandade ou incúria, como a douta sentença o procura desculpabilizar e mesmo à face actual Regime do Contrato de Seguro, pois o comportamento doloso de um contraente seria com o propósito de obter uma vantagem, como se pode concluir com base art 253 do Cód. Civil; 17. O que bastaria para evitar toda esta situação de que os Recorridos se pretendem aproveitar teria sido o falecido ter falado verdade e informado o que sabia sobre a saúde bem as consultas ao Centro de Saúde ... e foi pena que o Mediador seu Irmão lho não tivesse lembrado;”. Comecemos por notar que, de acordo com as alegações e estas conclusões não se está perante uma verdadeira impugnação da matéria de facto fundada em erro de julgamento e segundo os parâmetros traçados no artº 640º. Nos transcritos pontos 49 [[viii]] e 50 [[ix]], julgou-se provado que: -Na informação clínica datada de 27-09-2014, do Centro de Saúde ..., consta que o autor sofria de diabetes desde 2005, hipertensão desde 2003, dislipidemia desde 2005 (além de outras patologias posteriores à data do contrato de seguro), e que era medicado com diversos produtos (cuja função terapêutica e, portanto, relação com cada um daquelas maleitas se ignora). -A situação referida (diabetes, hipertensão e dislipidemia) existiam à data do preenchimento do questionário (para efeitos de celebração do contrato de seguro) em 30-04-2007. Nos pontos 6, 7 e 8 [[x]], julgou-se não provado que o autor conhecesse, quando celebrou o contrato de seguro, as patologias respeitantes a diabetes, hipertensão e dislipidemia, e que omitiu deliberadamente o seu estado no questionário. Considera, por isso, a apelante haver aí “patente contradição” por, de um lado, se dar como assente a existência dessas patologias e, de outro, se não dar como provado que o autor as conhecia e deliberadamente as omitiu. Ora, note-se também que não se trata de contradição entre pontos determinados da matéria de facto, no sentido previsto na alínea c), do nº 2, do artº 662º, CPC. Aliás, a apelante esgrime-a sem a qualificar e enquadrar, metodológica e legalmente, como conviria, desconsiderando que uma coisa são patologias invalidantes da decisão outra são erros de julgamento. Aquela contradição verificar-se-á quando a decisão proferida quanto a uns não se compatibilizar, na perspectiva da realidade fáctica, com a de outros, ou seja, quando mutuamente deverem excluir-se. No dizer de Alberto dos Reis [[xi]], “as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente”. Ora, a não prova de que o autor sabia, então, das referidas patologias e de que, ao ser preenchida a declaração, as omitiu deliberadamente não é logicamente incompatível com a prova de que elas haviam sido diagnosticadas e constavam das suas fichas clínicas. Tendo-o sido e aí constando anotadas e mesmo que alguns medicamentos com elas relacionados até lhe houvessem sido prescritos (o que não sabemos), não implica, por si, que, necessariamente, tivesse conhecimento delas e, muito menos, do seu significado e que intencionalmente houvesse decidido sonegá-las. As duas situações fácticas podem coexistir intrinsecamente. Afirmar uma (o diagnóstico e a terapêutica) não exclui a hipótese de negar (de dar como não demonstrada) a outra. Questão diferente – sendo mais a essa que a apelante parece ter querido referir-se – é, no percurso judicativo respeitante à análise dos meios de prova, sua apreciação criteriosa e consequentemente na sua valoração, se detectar uma incoerência de raciocínio entre os argumentos utilizados, não consentida pelas regras da normalidade ou da experiência, de todo não justificável, mesmo estranha à liberdade de julgamento de que o juiz dispõe, reveladora daquele manifesto vício (contradição). A apelante não se lhe refere, não o demonstra, nem pode dizer-se que ele exista como tal. Ainda que, na sua perspectiva interessada, salientando que o autor era industrial de carpintaria, a ré considere que “tudo leva a crer” que ele sabia das referidas patologias e quis omiti-las, o certo é que ela nem sequer configura formalmente como impugnação a sua pretensão de que sejam dados como provados os pontos 6 a 8, designadamente questionando os meios de prova utilizados, os resultados deles colhidos e as ilacções a partir deles tiradas, nem – o que é o mais importante – materialmente aborda, muito menos questiona nem põe em causa, a motivação pelo Tribunal a quo explanada na sentença em que claramente enfrentou tais aspectos, os ponderou e justificou a opção tomada, salientando aí evidente contradição. Veja-se sobre isso a motivação. Atente-se particularmente nas seguintes passagens: “O tribunal também valorou as missivas trocadas entre as partes tendo esses documentos servido para se darem como provadas as posições que foram sendo assumidas pelas partes ao longo do tempo com especial enfoque na recusa da ré em assumir o sinistro e, ulteriormente, anulando a apólice. Esses documentos também foram importantes para se perceber a base documental que a ré analisou de modo a considerar o contrato anulado. E quanto a este tema são muito relevantes os documentos clínicos de fls. 23 e 25. Particularmente este documento de fls. 25 serviu de suporte à ré para considerar que o autor sofria de patologias clinicas pré-existências à data da celebração do contrato. E, de facto, extrai-se desse documento que o autor tinha diagnosticado Hipertensão e Diabetes antes da assinatura do contrato. Já no que concerne aos factos relacionados com o conhecimento que o autor teria de que sofria dessas patologias no momento da assinatura do contrato, pensamos que este documento não serve para esclarecer essa questão. Trata-se de um documento interno de um centro de saúde pelo que nada nos garante que o autor tivesse conhecimento dessas patologias atendendo a que as mesmas poderiam ser muito ligeiras e não implicar sequer qualquer tratamento ou ter qualquer sintoma – a este propósito iremos ver infra o documento de fls. 231 elaborado em 2009. Repare-se que este documento “deu entrada” na ré no dia 11 de Setembro de 2014 – cfr. Carimbo de entrada aposto no documento de fls. 25 e a ré comunicou a anulação do contrato por missiva enviada não antes de 21.09.2015 – cfr. Fl. 24, razão pela qual o tribunal deu como provadas as respectivas datas. Estes dois documentos serviram para o Tribunal dar como provada a data de conhecimento pela ré de uma situação clinica pré-existente ao contrato e a data em que anulou o contrato e comunicou ao autor. Dito isto, analisamos os outros documentos clínicos juntos aos autos e relativos ao autor – fls. 110 a 113, 118-231. O registo mais antigo desses documentos é o que se encontra a fls. 231, datado de Janeiro de 2009 e que refere “Diabetes não insulino dependente”, “hipertensão sem complicações” e com a prescrição de medicação relativa a essas patologias. Quer isto dizer que em 2009 o autor sabia que sofria destas patologias uma vez que inclusivamente fazia medicação para o respectivo tratamento. O único documento que existe no processo, e bem assim a única prova que se produziu em audiência relativamente a patologias clínicas existentes antes da assinatura do contrato foi o documento de fls. 25 (igual ao de fls. 23 mas mais antigo) que faz uma breve alusão à existência de “diabetes Mellitus tipo2 desde 2005, Hipertensão arterial desde 2003, Dislipidemia desde 2005”. Este documento teve a virtualidade de nos convencer que o autor tinha essas patologias em 2007. Contudo, sopesando todos os depoimentos prestados em audiência com o conteúdo dos documentos, pensamos que não se fez qualquer prova de que o autor tivesse algum sintoma relacionado com essas patologias ou que sequer soubesse que as tinha. É uma hipótese bastante plausível que o autor começasse a sofrer dessas patologias mas sem existir necessidade de qualquer tratamento e, mais importante, sem qualquer sintoma. Por outro lado, o facto de constar de um relatório médico que a patologia existe desde 2005 não quer dizer, rectius, não demonstra de forma segura, que essa patologia tivesse sido identificada por algum médico nessa altura. Poderemos estar a falar de uma mera projecção, até porque não existe qualquer outro registo clínico anterior que confirme que o autor se encontrava a ser seguido devido a essas patologias. Em audiência, como vimos anteriormente, foram ouvidas testemunhas que conviveram com o autor de um modo próximo e contínuo e todas foram unânimes ao afirmar que o mesmo não tinha qualquer limitação nem apresentava qualquer sintoma. Para além disso foram ouvidos médicos, nomeadamente, a médica que o acompanhou na clínica geral e que confirmou que seria perfeitamente possível que o autor não soubesse que padecia dessas anomalias clinicas. Por todos estes motivos o tribunal deu como provada a existência das anomalias mas não deu como provado que o autor delas tivesse conhecimento na data da celebração do contrato de seguro com a ré.”. Aquilo que, portanto, a recorrente considera ser contraditório é, para o Tribunal a quo, compatível e nós não consideramos ilógico, na medida em que conforme, por um lado, à razão e, por outro, plausível segundo as provas e admissível à luz das regras da experiência. O que é diferente de ser correcto. Tanto basta para concluir que não deve merecer acolhimento esta questão tal como apresentada (ou seja, como contradição) e nos termos pretendidos (maxime no que tange à intenção deliberada de omitir o estado de saúde na declaração respectiva). Sem embargo, cremos que, face às regras da experiência, ao conjunto das provas produzidas e mesmo aos demais factos dados como assentes, há, no âmbito dos pontos referidos, algumas precisões ou correcções a fazer, que julgamos cabíveis na previsão do artº 662º, CPC, relativamente, apenas, ao conhecimento pelo autor, à data em que preencheu o questionário, da diabetes, da hipertensão e da dislipidemia. Atentas as datas a esse respeito mencionadas no ponto 49, a data em que foi preenchido aquele documento e considerando que, para ser obtido o diagnóstico, o autor teve, necessariamente, de se submeter a exames e/ou análises de índole clínica impossíveis de se efectuarem sem a sua participação e até cooperação conscientes, afigura-se-nos incontornável, não obstante o raciocínio desenvolvido e exposto na motivação incidente, sobretudo, sobre a sua postura subjectiva (intencional, deliberada), adquirir e afirmar a convicção de que ele tinha conhecimento de ser portador daquelas patologias, como não podia deixar de ser. É da experiência comum a qualquer paciente de um Centro de Saúde (ou de qualquer Consultório) que, sendo-lhe aí determinados exames e análises, normalmente os respectivos Relatórios, com os resultados, lhe são entregues nas Clínicas, que ao seu conteúdo tem acesso enquanto titular e portador deles (uma mínima curiosidade o levando a lê-los e a tentar percebê-los) e que, ao mostrá-los ao seu Médico, por este sempre lhe é dada (e se o não for, pede-a) alguma explicação sobre o respectivo significado relativamente ao seu estado de saúde quando os regista nas fichas clínicas, essas sim documentos internos do Serviço, mas não secretos para o Utente. Não é crível que a Médica que o acompanhou acreditasse, ela própria, na violação, por si ou outros Colegas, do dever de informar o paciente, apesar de aceitar, como hipótese possível, que ele não soubesse que padecia das referidas anomalias clínicas, como se refere na sentença. Claro que poderia nem ter sintomas compatíveis. Disso não há prova, como diz o Tribunal a quo. Como a não há de que, em 2007, tomasse medicação relacionada com aquelas patologias. As testemunhas disseram que ele não apresentava qualquer limitação. Porém, se o diagnóstico refere que elas remontam aos anos de 2003 e 2005, obviamente é seguro e credível que algum Médico então as detectou e registou como situadas nessas datas, sendo de todo inaceitável como plausível (por meramente teórica e incompatível com a prática ou a realidade) a hipótese de se tratar de mera “projecção” (como consta da motivação). Embora isso nada tenha a ver, factualmente, com a omissão, alegadamente feita de modo intencional, deliberado, de má fé, no preenchimento do questionário, daqueles dados – que a recorrente, por via da alegada contradição pretendia fosse dada como provada mas cujos pontos não impugnou de modo a convencer haver neles erro quanto a isso justificativo de correcção –, deve, isso sim, alterar-se o ponto provado 50, aditando nele que o diagnóstico da situação aí referida (diabetes, hipertensão e dislipidemia) era, na data do preenchimento do citado documento, por si (autor) conhecido. Consequentemente, deverá eliminar-se o ponto não provado 6 e alterar-se o não provado 11, deste eliminando a palavra “sabia”. Para o efeito, inserir-se-ão tais alterações nos respectivos lugares, com as devidas anotações. * Neste capítulo da matéria de facto, importa, desde já considerar a questão também a esse respeito suscitada nas contra-alegações.Aí, os recorridos defendem a alteração dos pontos provados nºs 44 e 47, o primeiro por nele se considerar assente uma carta que, porém, não existirá sequer nos autos nem sobre a qual terá sido produzida qualquer prova; e, o segundo, por se tratar de lapso quanto ao real destinatário de uma outra que teria sido dirigida à Banco 1... e não ao autor. Na resposta à ampliação, a recorrente nada disse quanto a esta pretensão. Verifica-se que a pretendida alteração desta matéria de facto se mostra deduzida no contexto da resposta dos recorridos às alegações de recurso daquela e não no da ampliação distintamente apresentada e formulada de modo expresso a título subsidiário. Parece, assim, que tal impugnação fáctica nem sequer tem fundamento legal. [[xii]] Sucede que o nº 2, do artº 636º, CPC, faculta ao recorrido a possibilidade de, na sua (contra) alegação, impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas. Porém, estabelece que ela seja feita “a título subsidiário”. Tal parece significar que a apreciação dessa impugnação apenas poderá/deverá ser feita caso se verifiquem as condições de apreciação do objecto da ampliação. Dependendo a oportunidade de tal apreciação da procedência das questões suscitadas pelo recorrente (citado nº 2, in fine) e, portanto, logicamente, do não atendimento das alegações pelo recorrido dirigidas e opostas ao recurso daquele no sentido da sua improcedência (expressas como primeira ou principal pretensão recursiva deste), segue-se que (em conformidade com o espírito subjacente e a forma matricialmente estabelecida no nº 1, do artº 554º, respeitantes ao conhecimento de pedidos subsidiários), o Tribunal Superior necessariamente só haveria de conhecer a impugnação da matéria de facto deduzida pelo apelado a propósito e no âmbito do conhecimento do objecto do recurso ampliado conforme seu requerimento. Na prática, o método implicaria conhecer-se, em primeiro lugar, do recurso da parte vencida (matéria de facto e matéria de direito) e, só no caso de procedência das questões neste suscitadas, conhecer-se, depois, em segundo lugar, do objecto requerido pela parte vencedora (só então, naturalmente também da impugnação da matéria de facto nele compreendida). Tratar-se-ia, assim, desta (da matéria de facto) em dois momentos distintos. Ou, pelo menos, haveria de se fazer um prognóstico quanto à pertinência desta. [[xiii]] Ora, considerando-se que: -Embora o não digam expressamente, deduz-se do teor das contra-alegações, que a questão de facto suscitada pelos recorridos está compreendida no requerimento de ampliação subsidiária do recurso, logo não é estranha ao mesmo [[xiv]]; -Uma vez, perspectivado o desfecho global da apelação, se prognostica a sua procedência, pelo menos em parte, e, portanto, a provável necessidade de apreciar o objecto ampliado e, dentro deste, a provável utilidade de decidir a impugnação; -Ainda assim, tal apreciação sempre cabe nos poderes oficiosos da Relação definidos no artº 662º, tanto mais que, quanto ao ponto 47, se trata da invocação de mero lapso; e, enfim, -Sempre se considera metodologicamente mais coerente e, do ponto de vista da organização do acórdão e da economia da decisão, enfrentar e decidir concentradamente já a questão, sem prejuízo de o seu verdadeiro reflexo e a eventual influência apenas poderem/deverem ser efectivamente atendidos na devida oportunidade (a quando do conhecimento da ampliação), em vez de a tal se proceder a dois tempos; Conhecer-se-á, de imediato, também, da impugnação em apreço. * Ora, do ponto provado 44 consta que: “Por carta de 01.06.2015, a Ré recusou o sinistro por continuar a não enquadrar a definição de ITP, uma vez que a reforma atribuída era “Relativa” e a definição contratual pressupor uma reforma “Absoluta” (ficar total e definitivamente incapaz de exercer qualquer profissão…”).”. Sustentam os recorridos que nenhuma testemunha se pronunciou sobre tal matéria, por eles impugnada, e que inexiste nos autos a referida carta, tratando-se de matéria só provável por documento. Nada contrapôs a recorrente. Ora, a matéria foi transposta do item 15 da contestação. Não se remete aí para qualquer documento, nem no final do articulado aí vem junta a carta (embora o sejam outras). Também não se descortina a mesma ao longo dos autos. Na resposta, o autor impugnou-a, por falsa ou inexacta. Ademais, na motivação, embora se refira que o conjunto de documentos (em que se incluem cartas) serviu para demonstrar as comunicações trocadas e as posições assumidas, não se especifica concretamente a comunicação que alegadamente terá sido feita pela carta mencionada no ponto 44. Igualmente, não se vê que, ao menos, alguma testemunha se lhe tenha referido. Não é certo que o facto apenas possa ser provado por documento. A asserção é infundamentada. Reconhece-se, porém, que, embora livremente apreciável, teria elevada força probatória, dificilmente suprível por outros meios, a junção da cópia da missiva que conferisse credibilidade à sua emissão, envio e recebimento. Inexistindo, porém, tal documento e qualquer outro meio de prova, nenhum fundamento existe capaz de nos convencer que corresponde à verdade o facto controvertido. Face a tal quadro, também não deveria ter convencido o Tribunal a quo, nem este poderia tê-lo declarado, sem motivo, como provado. Trata-se, pois, de erro de julgamento, que deve ser corrigido, conforme peticionado pelos recorridos e não contrariado pela recorrente. Consequentemente, o ponto 44 deverá ser retirado do elenco dos factos provados e inserido no dos não provados. * Do ponto provado 47 consta que a ré enviou ao autor a carta aí identificada e com o teor aí transcrito. Como referem os apelados, a referência ao destinatário da missiva constitui lapso rectificável, ao que a apelante nada objectou. Efectivamente, como se observa do documento nº ... junto com a contestação da ré, que corporiza cópia da carta em questão, esta é dirigida à “Banco 1...”, de Lisboa, e não ao autor. Consequentemente, corrigir-se-á o ponto 47 por forma a que, onde diz “enviou ao autor” passe a constar “enviou à Banco 1..., Lisboa”. É, pois, de atender a pretensão dos recorridos, nos indicados termos, inserindo-se e anotando-se também, no lugar próprio, as alterações, de modo a dispensar a repetição aqui daquele rol. * Resumindo, considerar-se-á fixada a matéria de facto tal como elencada na sentença recorrida, salvo as alterações atrás descritas e decididas quanto ao ponto provado 50 e aos não provados 6 e 11, bem assim quanto aos pontos provados 44 e 47, que ali vão inseridas. IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A sentença alvo do recurso, depois de discorrer sobre o tipo contratual (o que era e é pacífico), expendeu, sobre as questões controversas a solucionar, o juízo que emana do que a seguir se transcreve, expurgado da reprodução de factualidade aí arrolada e da reprodução do teor das cláusulas contratuais: “Do mérito da causa face aos factos provados e não provados: O autor entendia que existia uma incapacidade total e permanente que justificava o acionamento do seguro. A ré declinou assumir a responsabilidade e informou o autor que considerava o contrato anulado. Vejamos individualmente as questões suscitadas pela ré na contestação começando pela inexistência de uma situação clínica do autor que preenchesse o conceito de invalidez total e permanente. Não há dúvidas de que é sobre a ré seguradora que incumbe o dever de provar que comunicou ao autor, pessoa segura, o conteúdo do contrato – artigo 78º do DL 72/2008 e art. 5.º do DL 446/85, de 25-10. Sobre o caso existe jurisprudência diversa dos tribunais superiores de entre a qual destacamos acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.11.2017, Tribunal da Relação de Coimbra de 10.09.2019 e acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.09.2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt. No caso concreto provou-se que a ré cumpriu com os deveres de comunicação a que estava obrigada, não só fornecendo ao autor as respectivas condições do contrato, mas também explicando essas condições, nomeadamente, quanto à situação clínica. Analisemos agora a versão apresentada pela ré como justificação para, primeiro, declinar assumir o sinistro e, depois, anular o contrato. A questão da incapacidade do autor não preencher os requisitos contratuais. Quanto a esta matéria provaram-se os seguintes factos: […] Vejamos o previsto no contrato de seguro: […] Face aos factos provados não resta qualquer dúvida de que o estado clínico do autor preenchia a definição contratual de invalidez total e permanente. A ré tinha à sua disposição todos os meios para, querendo, aprofundar a situação clínica do autor – nomeadamente pedindo a um dos médicos que prestam serviço à sua estrutura para o ver. Bastaria uma simples visualização do autor para se perceber que estava dependente de terceiros até para os mais elementares actos do quotidiano. Não há dúvidas de que o autor estava incapaz para o exercício de qualquer profissão. Pelo exposto, o motivo invocado pela ré para não honrar com o contrato acordado com o autor não tem suporte legal. Vejamos agora a questão da falsidade de declarações e existência de doenças pré-existentes. A ré alega que o autor omitiu dolosamente informações clínicas relevantes quando preencheu o questionário clínico do contrato. Concretamente, o autor sabia que era hipertenso e sofria de diabetes e nada disse à ré. De acordo com a ré este comportamento do autor leva a uma anulação do contrato nos termos do artigo 20º, ponto 2 das condições gerais, artigo 6º, ponto 3, artigo 20º, ponto 1, alínea b), artigo 429º do Código Comercial, artigo 2.2º e 3.2º e 5.3º das condições gerais do contrato de seguro. Os factos provados relativamente a esta matéria são os seguintes: […] É também relevante notar que no caso concreto se deram como não provados os seguintes factos: […] Nos termos do contrato de seguro em causa nos autos é motivo de anulação a omissão dolosa de informações clínicas por parte do tomador do seguro. Ora, no caso concreto provou-se que o autor sofria de algumas patologias clínicas no momento em que celebrou o contrato mas não se provou que o mesmo tivesse conhecimento da existência dessas anomalias. Consequentemente, falece a versão da ré no sentido de que o autor ocultou informações no momento em que preencheu o questionário clínico. O mesmo é dizer, por maioria de razão, que improcede o motivo de anulação do contrato. Se não se demonstrou que o autor tinha conhecimento da existência das anomalias no momento da celebração do contrato, logicamente que não se pode afirmar que o mesmo ocultou informações da ré ou que violou o princípio geral da boa fé na celebração dos contratos. Convém relembrar que “cabe ao réu, defendendo-se, por via de exceção, mediante a invocação do incumprimento daquele dever e consequente invalidade (no caso, anulabilidade) do contrato de seguro, demonstrar tal incumprimento, impendendo sobre si o ónus da alegação e prova dos respetivos factos concludentes. No quadro da declaração inicial do risco, a cargo do tomador do seguro ou segurado (ou pessoa segura/aderente), na fase pré-contratual tendente à celebração do contrato de seguro, assume papel essencial o princípio da boa-fé, desde logo por o contrato de seguro ser tradicionalmente considerado como contrato uberrima bona fides. O princípio da boa-fé revela determinadas exigências objetivas de comportamento impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabilidade, probidade e equilíbrio de conduta, num campo normativo onde operam subprincípios, regras e ditames ou limites objetivos, indicando um certo modo de atuação dos sujeitos, considerado conforme à boa-fé” acórdão de 23.11.2021, do Tribunal da Relação de Coimbra disponível em www.dgsi.pt. Temos, portanto, que a ré assumiu um comportamento enviesado e, salvo o devido respeito, pouco lógico, quando, num primeiro momento, informou o autor que não assumia o sinistro porquanto a sua situação clínica não se enquadrava numa invalidez total e absoluta para depois, num segundo momento, informar que considerava o contrato anulado por violação do dever de informar a existência de patologias pré-existentes à data da celebração do contrato. Quanto à primeira situação resultou inapelavelmente demonstrado em audiência não só que o autor estava totalmente incapaz quando solicitou o acionamento do seguro como também que não existia qualquer nexo causal entre as patológicas clinicas pré-existentes à data da celebração do contrato e a doença “Parkinson Atípico ou falência múltipla de órgãos”. Já quanto ao segundo argumento utilizado para anular o contrato de seguro, a verdade é que no caso concreto a ré não conseguiu demonstrar a existência de qualquer causa de anulação do contrato pelo que improcede, também, esta sua pretensão. Como se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.06.2019, disponível em www.dgsi.pt , “cabe à seguradora o ónus de provar o erro, a sua relevância e a existência do dolo (artº 342º nº 2, do Código Civil.”” Teceu, por fim, mais as seguintes considerações: “Subsidiariamente, vejamos a questão da caducidade do direito de anulação do contrato por via da aplicação do disposto no artigo 26º, n.º 1, alínea b) do DL 78/2008. Antes de mais, é importante frisar que o regime legal em causa é aplicável ao contrato de seguro em discussão no processo por via do artigo 2º do DL 78/2008. Reza o artigo 26º que […]. No caso que nos ocupa a ré imputa ao autor um comportamento doloso. Já vimos que não se provou o dolo; contudo, se se tivesse provado que o autor omitiu dolosamente as suas patologias clínicas o prazo sempre seria o da anulabilidade. Dito isto, vejamos se “à data da anulação do contrato de seguro já havia caducado o prazo de um ano para a Ré invocar esse mesmo direito (de anulação), nos termos do art. 287 do Cód. Civil.” O artigo 287º do Código Civil estipula que “só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento”. Quanto a esta matéria provou-se que em Agosto de 2015, ou seja, antes do prazo de um ano a contar da data do conhecimento pela ré das patologias clinicas pré-existentes no autor (a data do conhecimento pela ré foi 11 de Setembro de 2014) a ré enviou ao autor uma carta a informar que iria proceder à anulação do contrato de seguro. Especificamente, o conteúdo dessa carta é [aqui se insere cópia da carta de 27-08-2015, conforme ponto provado 46]. Esta missiva é suficiente para se considerar invocada a anulabilidade do contrato pelo que não existe qualquer caducidade desse direito.” *** Naturalmente, a primeira questão a conhecer e a decidir, já que é pacífico estarmos perante um típico contrato de seguro do ramo vida, é a de qual o regime jurídico aplicável. Tal releva mormente para efeitos de apreciação de quais as regras a ter em conta no âmbito da formação do negócio e no da sua posterior anulação, como ambas as partes discutiram e discutem. Na sentença recorrida, embora o Tribunal dê conta que a apelante invocou também o artº 429º, do Código Comercial (C.Com.), não se afrontou, de maneira clara e incisiva, o problema da sucessão de leis e não vemos que aí se hajam distinguido as diferenças de regimes e discernido, face à data do contrato e dos eventos subsequentes com ele conexos, se e em que medida aquele é ainda aplicável ou se de todo não o é, e apenas rege, no caso, o Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (LCS). Com efeito, relativamente à questão da prestação de declarações de índole clínica incorrectas, analisou-se o problema da invalidade consequente do negócio, embora aludindo às cláusulas contratuais, sob o prisma do dolo, assim parecendo ter-se tido em mente o artº 25º, sem qualquer referência à anterior norma do Código Comercial. Tendo-se concluído inexistir qualquer causa de anulação, nenhuma outra referência se fazendo em contrário e citando, até, em seu apoio, um Acórdão do STJ [[xv]] que versou sobre caso concreto a que foi aplicado, sem qualquer reserva, o regime instituído pelo Decreto-Lei nº 72/2008, robustece-se a certeza de que, na verdade, foi este o regime considerado aplicável e efectivamente aplicado. Aliás, tendo-se, de seguida, não obstante a improcedência da questão da invalidade do contrato, enveredado por apreciar “subsidiariamente” o problema da caducidade do direito de a arguir e nesse contexto referido e, para o efeito, frisado até que “o regime legal em causa [o do referido Decreto-Lei] é aplicável ao contrato de seguro em discussão no processo por via do artº 2º” respectivo, e citado ainda o teor do artº 25º [[xvi]], é crível que, tanto a esta contra-excepção (caducidade) como àquela excepção (invalidade), foi entendido ser de aplicar o novo regime. [[xvii]] Vejamos, então. O Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, que aprovou o anexo regime jurídico do contrato de seguro (RJCS), entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009 (artº 7º). Entre outras normas pregressas, ele revogou os artigos 425º a 462º, do Código Comercial aprovado por Carta de Lei de 28 de Junho de 1888 (alínea a), do nº 2, do artº 6º). O novo regime aplica-se aos contratos de seguro celebrados após a entrada em vigor do presente decreto-lei, assim como ao conteúdo de contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, com as especificidades constantes dos artigos seguintes (nº 1, do artº 2º). Nos contratos de seguro com renovação periódica, o novo regime aplica-se a partir da primeira renovação posterior à data de entrada em vigor do referido decreto-Lei, com excepção das regras respeitantes à formação do contrato, nomeadamente as constantes, entre outros, dos artigos 18º a 26º (nº 1, do artigo 3º). Ora, o contrato aqui em apreço estava já perfeito em 07-05-2007, data em que a ré emitiu e enviou ao autor a apólice respectiva, presumindo-se então aceite (artºs 224º e 234º, do CC) por si o pedido de adesão subscrito pelo primitivo autor – cfr. pontos de facto 5 e 6. No entanto, teve como seu início (eficácia) o dia 02-05-2007 – cfr. ponto 6, no fim. E teria como termo o dia 02-05-2022, ou seja, duraria por 15 anos, por outros tantos serem os de duração do empréstimo bancário cujo cumprimento se destinava a assegurar – ponto provado 6, no fim, e, ainda, pontos 2 a 4. Este termo previsto corresponde ao alegado pelo autor no item 7º da petição inicial, que remete para o documento nº ... junto com tal articulado, documento este que respeita a uma carta enviada pela seguradora ao autor acompanhando o certificado de adesão do seguro de vida com as condições contratuais particulares, no qual se lê, em cima, “temporário anual renovável” e, em baixo, como data do termo do contrato, tanto para cobertura morte como para a cobertura invalidez total e permanente, o dia 02-05-2022. A ré não impugnou tal data prevista como termo do contrato. Juntou, com a sua contestação, além de cópia daqueles mesmos documentos, inserindo os mesmos dados, extensas cláusulas contratuais. Nas designadas por “Seguro de Vida Grupo” consta (artigo 4º), como duração do contrato, que ele “durará pelo período estipulado nas Condições Particulares, terminando às vinte e quatro horas do dia aí previsto para o seu termo”. Nas relativas ao intitulado “Seguro para Crédito Imobiliário” (doc. ...), entre as “Condições Particulares”, consta como “Termo das Coberturas” que cada uma das coberturas principal morte e das complementares invalidez absoluta e definitiva e invalidez total e permanente “termina, em relação à pessoa segura, no fim do prazo do empréstimo”. Depois, a propósito do subsequentemente intitulado “Seguro Temporário Anual Renovável Complementar” em que, como principal, figura a cobertura morte e, como complementares, as de invalidez total e permanente e de invalidez absoluta e definitiva, é que (artigo 5º) consta que “O contrato será tácita e automaticamente renovado por períodos de um ano, nas datas aniversárias subsequentes ao termo do prazo inicial”. Daqui se infere, portanto, como manifestamente contraditória com o alegado na petição inicial e inscrito no certificado junto pelo autor, aceite pela ré, constante expressamente dos documentos e, enfim, com os motivos e finalidades do contrato a tese, brandida pelos recorridos, na ampliação, de que o contrato era efectivamente temporário, vigorava pelo período de um ano, embora renovável. É verdade que, nas condições gerais e até na carta com que estas foram enviadas, refere-se ou intitula-se o contrato com a nomenclatura de “temporário anual renovável”. Porém, se tal parece reflectir-se no citado artigo 5º a propósito da especificação das coberturas complementares, é incontornável que as condições particulares, alinhando com o mútuo garantido, fixam como termo do contrato ...2-05-2022 em lógica correspondência com o “fim do prazo do empréstimo”. Percebe-se que a temporalidade e renovação se apliquem até a outros aspectos do contrato, como é o caso do capital sucessivamente garantido e dos prémios periodicamente devidos. Não se aceita que tal se refira ao vínculo querido e assumido pelas partes. Não foi tal questão fáctica discutida, como controversa. Tal data é a que está assente insofismavelmente no ponto provado 6. É a data certa aí referida a estipulada como a do termo do contrato, quiçá em derrogação do referido artigo 5º. Não se trata, pois, de contrato com a duração de um ano, renovável por iguais períodos. Isto dito, prossigamos. Quando o novo RJCS entrou em vigor (01-01-2009), o contrato aqui em apreço subsistia. A adesão, conclusão e formalização remontam a Maio de 2007. Logo, o novo regime aplica-se apenas ao seu conteúdo – artº 2º, nº 1, do DL. [[xviii]] Não se aplica, por isso, à chamada formação e celebração do contrato. Julga-se que aí se acolheu a mesma disciplina contemplada no artº 12º, nº 2, do CC. Tanto assim que, mesmo para os casos de contratos de seguro com renovação periódica, prevendo-se a aplicação do novo regime a partir da primeira renovação posterior à data da entrada em vigor do Decreto-Lei, ressalvam-se aí de tal aplicação as regras dos artigos 18º a 27ª e 32º a 37º, atinentes precisamente àquela fase negocial. Como se refere no Acórdão do STJ, de 30-11-2017 [[xix]]: “As normas de direito transitório do DL nº 72/2008 de 16 de abril, que aprovou o novo regime jurídico do contrato de seguro (RJCS), concretamente as constantes dos arts. 2º e 3º, ressalvam a aplicação da lei nova à formação do contrato, em especial à sua validade, situações que continuam a reger-se pela Lei vigente à data da sua celebração, mesmo que esta já tenha sido revogada quando a questão vier a ser dirimida”. Tem, pois, razão a apelante quando defende que é aplicável, no caso, para efeitos de verificação da validade do contrato, o artº 429º, do Código Comercial. Não a têm os apelados ao sustentarem, na defesa da tese adjuvante de que o prazo para a ré invocar a invalidade do contrato de seguro sempre seria o de três meses referido no nº 2, do artº 25, do RJCS, que aplicável seria este, em função do Decreto-Lei 72/2008. * Pretende a ré/apelante que, aplicando-se, então, ao caso o artº 429º, do C. Com., e não se exigindo neste o nexo causal entre as omissões e inexactidões, deve ser considerado anulado o contrato, uma vez que, como resulta dos factos apurados, foram prestadas declarações inexactas que a impediram de poder analisar a real situação clínica do segurado e a sua não aceitação do seguro. O citado artigo 429º estabelecia que: “Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo. § único. Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé segurador terá direito ao prémio.” É pacífica a Jurisprudência no sentido de que, apesar de se referir na norma, que as circunstâncias nela previstas “tornam o contrato nulo”, se trata apenas de uma nulidade relativa ou anulabilidade e não de nulidade absoluta. Bem assim de que os pressupostos de verificação desta são menos exigentes do que os previstos no artº 25º, da LCS. Nesse sentido: “1) O artigo 429.º do Código Comercial, fulmina de nulidade o seguro celebrado com base em declarações inexactas ou reticentes, desde que possam ter influência na existência ou condições do contrato. 2) Na ponderação da data do Código Comercial – coeva do Código Civil de 1867 – da disciplina das invalidades introduzidas pelo Código Civil de 1966, o vício é anulabilidade, que não nulidade. 3) Declaração inexacta é a declaração errada que tanto pode ser dolosa como negligente: já a declaração reticente traduz-se na omissão de factos ou circunstâncias que, importando para a avaliação do risco, são do conhecimento do tomador do seguro e interessam ao segurador. 4) Para que a declaração inexacta ou reticente implique a anulação não é necessário dolo do declarante. Já não será exactamente assim, fazendo-se o “distinguo” entre declaração dolosa e negligente no novo regime jurídico do contrato de seguro, aprovado pelo DL n.º 72/2008, de 16 de Abril, a entrar em vigor no dia 1 de Janeiro de 2009. 5) Irreleva, outrossim, o nexo de causalidade naturalístico entre a omissão (ou reticência) e o sinistro. 6) A sanção do artigo 429.º do Código Comercial mais não é do que a consequência de um caso de erro vício, essencial parcial, da disciplina do artigo 251.º do Código Civil. 7) A diabetes traduz-se numa deficiência funcional do pâncreas. 8) No questionário-proposta, deve ser declarada essa deficiência, e também, e ainda que em sede de resposta a pergunta genérico-residual, o tomador do seguro deve declarar a sua situação nosológica, designadamente uma patologia como a diabetes que pode ter sequelas com reflexo no risco assumido pelo segurador.” – Acórdão do STJ, de 02-12-2008 [[xx]]. “Embora a letra deste preceito possa inculcar que se trata de uma nulidade, estamos apenas perante uma anulabilidade do contrato, como vem sendo entendido pela doutrina e pela jurisprudência (Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro, pág. 61, nota 29; José Vasques, Contrato de Seguro, pág. 379; Ac. S.T.J. de 3-3-98, Col. Ac. S.T.J., VI, 1.º, 103; Ac. S.T.J. de 10-5-01, Col. Ac. S.T.J., IX, 2.º, 60; Ac. S.T.J. de 4-3-04, Col. Ac. S.T.J., XII, 1.º, 102). Com efeito, não existem quaisquer razões que imponham um regime tão drástico como o da nulidade. Trata-se de uma imperfeição terminológica, que também viciava o Código Civil de Seabra, quando se estabelecia a distinção doutrinal entre nulidade absoluta e nulidade relativa. A natureza particular dos interesses em jogo e a inexistência de violação de qualquer norma imperativa determinam que deva ser a anulabilidade a consequência ligada à emissão de declarações inexactas ou reticentes do segurado, susceptíveis de influir na existência ou condições do contrato de seguro. Na verdade, o regime mais severo da nulidade encontra o seu fundamento teleológico em motivos de interesse público, enquanto as anulabilidades se fundam na infracção de requisitos dirigidos à tutela de interesses particulares, como é o caso. A interpretação referida é a que se mostra mais consentânea com a unidade do sistema jurídico que, como regra, qualifica de anulabilidade a invalidade dos negócios por vício na formação da vontade - arts 247, 251, 252, 254, 256 e 257 do Cód. Civil. E o art. 429 do Cód. Comercial constitui um afloramento do erro vício que atinja os motivos determinante da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, previsto nos arts 251 e 247 do C.C." Ac. STJ de 8-6-2006 no Proc. 06A1435, www.gde. mj.pt. Neste sentido veja-se ainda Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, 2013, pág. 574.” [[xxi]] “II - Resulta da referida norma [artº 429º, do Código Comercial] que não é necessário que o segurado tenha aquele conhecimento [[xxii]] para que o contrato seja declarado nulo/anulado. O que apenas é necessário é que haja uma declaração inexata ou uma reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato. III - Dado que a anulabilidade prescrita no art. 429 do Código Comercial opera mesmo perante o desconhecimento do segurado sobre a essencialidade do facto reticente, temos que no caso em apreço o contrato de seguro é anulável, sendo irrelevante o nexo de causalidade entre o facto omitido e a invalidez ora denunciada, para aferir a reticência da declaração do autor.” – Acórdão da Relação de Évora, de 05-05-2016. [[xxiii]] “I. A anulabilidade do contrato de seguro, decorrente da previsão contida no art. 429º do C. Com., não pressupõe a existência de um nexo causal entre o conteúdo da declaração inexacta ou reticente do segurado acerca do seu real estado de saúde - omitindo, em termos censuráveis, determinada patologia que o afectava à data da celebração do seguro - e o sinistro, a morte ou invalidez do segurado causada por determinada doença específica, não ficando o efeito anulatório precludido pela circunstância de a morte ou incapacidade terem radicado num processo patológico totalmente diverso e autónomo da doença culposamente omitida aquando do preenchimento do questionário clínico. II. Na verdade, o nexo causal a estabelecer é entre a patologia omitida pelo segurado e a celebração do contrato de seguro, nos precisos termos em que o foi, cumprindo averiguar, num juízo de prognose, se – conhecendo efectivamente a seguradora tais patologias omitidas no preenchimento do questionário clínico – teria celebrado, mesmo assim, o contrato nos termos em que o celebrou, assumindo a cobertura de certos e determinados riscos. III. Cabe à seguradora o ónus de alegar, no momento próprio (ou seja, ao contestar a pretensão formulada pelo A.) , os factos impeditivos da validade do contrato de seguro que considere verificados –tendo de alegar e demonstrar que foram efectivamente prestadas declarações omissivas acerca de determinada patologia que, já então, afectava o segurado e que, se a seguradora a tivesse oportunamente conhecido, não teria, segundo a sua prática comercial, contratado nos termos em que o fez, não assumindo consequentemente os riscos cuja cobertura o segurado lhe exige através da acção.” – Acórdão do STJ, de 26-01-2017 [[xxiv]]. “I - É pacífico o entendimento a respeito do contrato de seguro de que o regime do § 1, do art. 428º, do Cód. Com. se refere a nulidade absoluta (na terminologia do Código de Seabra) ou nulidade (na terminologia do Código Civil de 1966) e o regime do art. 429º, do Cód. Com. se refere a nulidade relativa (na terminologia do Código de Seabra) ou anulabilidade (na terminologia do CC de 1966).” – Acórdão do STJ, de 02-11-2017 [[xxv]]. “II– Está preenchido o condicionalismo do art. 429 do CCom quando ao responder negativamente ao questionário que constava de proposta de adesão ao seguro de vida (seguro de grupo) o aderente prestou declarações inexactas e reticentes sobre factos e circunstâncias dele conhecidos respeitantes à sua saúde e as declarações prestadas eram susceptíveis de influir sobre as condições do contrato. III– É irrelevante a verificação de nexo causal entre as circunstâncias não declaradas e o sinistro. IV– Verificando-se a invalidade prevista no art. 429 do CCom - a qual corresponde a uma anulabilidade - procede a pretensão da Seguradora de anulação do contrato de seguro no que corresponde aos certificados individuais de que o aderente passara a ser titular.” – Acórdão da Relação de Lisboa, de 01-02-2018. [[xxvi]] Ora, provou-se que: -O contrato vigorava desde Maio de 2007 (6); -Ele cobria o risco de invalidez total e permanente (63). -Em 2012, o segurado foi acometido de doença Parkinson atípico (9); -Faleceu, em consequência dessa doença, já no decurso desta acção, em .../.../2019 (10); -Em 2014, estava totalmente incapaz para toda e qualquer actividade em consequência da dita doença (11, 13 a 19, 34). Mais se provou, relativamente às circunstâncias contemporâneas da celebração do contrato, que, não obstante ter declarado que recebeu a nota de informação prévia, que respondeu “com exactidão e verdade a todas as questões colocadas, e não omitiu informações relacionadas com a apreciação do risco a que respeita a presente proposta que sejam, ou razoavelmente devam ser, do seu conhecimento”, que “As omissões ou declarações falsas, inexactas ou incompletas que relevem na apreciação do risco, concedem à A... o direito à anulação ou à resolução do contrato” (ponto 39) e, ainda, que “A avaliação prévia do estado de saúde do A. baseou-se na declaração de saúde e questionário de saúde preenchido e assinado pelo A.” (ponto 36): -Em nenhum momento, foi referido pelo A. que era portador de alguma doença física ou psicológica (35); -Relativamente ao seu estado de saúde, o A. preencheu o boletim de adesão e no questionário de saúde, respondeu negativamente a todas as perguntas (37); -Designadamente, em relação a parte das perguntas constantes no questionário de saúde, doc ..., “Declarou o Peso: 90 Kg e a altura: 1,74 m, e tensão arterial Max 12,5 miin 8,5 …” 4 – Toma algum medicamento ou está a fazer algum tratamento? Resposta: Não, 7 – Foi submetido a algum exame auxiliar de diagnóstico. Resposta: Não. 15 – Sente-se doente, adoentado ou prevê alguma situação da sua saúde que necessite de: a) Tratamento médico? Resposta: Não b) Intervenção cirúrgica ou internamento? Resposta: Não, c) 16 – Existe algum facto relacionado com a sua saúde que não tenha sido referido? Resposta: Não” (ponto provado 38). Mais se provou também que: -A informação clínica prestada pelo Centro de Saúde refere existirem, antes do contrato de seguro, diabetes, hipertensão, dislipidemia (49); -O autor, em 30-04-2007, quando preencheu o questionário, tinha conhecimento desse diagnóstico (50). Ora, não há dúvida que, quando preencheu o questionário com base no qual a seguradora haveria de determinar-se a aceitar o contrato de seguro, o autor respondeu negativamente a todas as perguntas e, designadamente, não indicou as patologias que já o acometiam naquela data. Independentemente da extensão delas, respectiva qualificação e até mesmo da postura subjectiva com que agiu (em função da factualidade apurada não existe dolo), é inquestionável que se mostra preenchida a previsão constante do corpo do artigo 429º, do C.Com.. É que, de acordo com o ponto de facto 51 – que ninguém questionou – o Tribunal recorrido julgou como provado que “A apólice nunca teria sido aceite se a Ré conhecesse as doenças de que o A. era portador na data da adesão em 02/05/2007 (Diabetes, HTA, dislipidemia…), Diabetes Mellitus tipo 2 desde 2005; hipertensão arterial desde 2003; - dislipidemia desde 2005.”. É nítida, portanto, a influência da inexactidão sobre a decisão de contratar e termos respectivos. Apesar de, portanto, conforme ponto 61, se ter julgado também provado que “A invalidez de que o A. padecia (síndrome de Parkinson atípico) nada tem a ver com doenças pré-existentes, não existindo nexo de causalidade entre as alegadas doenças do que o A. padecia (diabetes e hipertensão) e a invalidez de que ficou a padecer”, embora os serviços clínicos da ré tenham, achado o contrário (ponto 45), é incontornável que se, de facto, nunca o contrato teria sido por esta aceite caso lhe tivessem sido declaradas aquelas patologias existentes no momento na adesão, então é mais do que certo que, de direito, a omissão/inexactidão ocorrida no preenchimento do questionário condicionou mesmo a existência e as condições do contrato e, assim, preenchida está totalmente a previsão normativa em causa. Mais do que “terem podido influir…”, como prevê o artº 429º, as ditas falhas influíram mesmo, na medida em que a ré, segundo o aludido facto 51, não teria aceitado cobrir o risco, não teria aceitado a proposta de adesão, nem concluído o contrato, se elas não se tivessem verificado, se, portanto, toda a situação (existência de diabetes, dislipidemia e hipertensão) tivesse sido revelada e levada ao seu conhecimento pelo autor, que destas o possuía então. Foi nessas declarações inexactas que a ré se baseou – ponto provado 36, não impugnado. Não releva, para o efeito, que com a doença geradora da incapacidade (Parkinson) nada tenham tido a ver as referidas patologias pré-existentes (facto 61), uma vez que, conforme entendimento jurisprudencial referido que se não vê motivos para rejeitar, basta a referida possibilidade de terem viciado a vontade da ré, induzindo-a em erro quanto a elas. O artº 429º não exige um nexo causal entre a situação omitida ou inexactamente declarada e o evento contemplado na cobertura da apólice. Como se refere no já citado Acórdão do STJ, de 05-05-2016, “a anulabilidade prescrita no art. 429º do Código Comercial opera mesmo perante o desconhecimento do segurado sobre a essencialidade do facto reticente” e, aplicando-se tal norma ao seguro de vida celebrado no seu domínio quanto ao efeito das declarações inexactas ou reticentes do segurado em que tudo que extravasa o conteúdo do contrato “não é relevante para efeito de anulabilidade do seguro que exista ou não nexo causal entre a doença omitida nas declarações prestadas pelo segurado e a que efectivamente se revelou letal” – ou, no caso, incapacitante – como reitera o Acórdão daquele Alto Tribunal, de 12-02-2018 [[xxvii]]. Não releva a circunstância de não se ter provado que a omissão tivesse sido deliberada (pontos não provados 7 a 9) nem que com isso o autor nessa postura dolosa tenha induzido em erro a seguradora (ponto não provado 15). Ele tinha conhecimento das suas patologias (ponto 50). De resto, mesmo que este não estivesse assente por provado, como se refere no Acórdão do STJ, de 27-03-2014 [[xxviii]], “Não é plausível, nem razoável, face ao critério normativo da impressão do destinatário e ao princípio da boa fé contratual, que – ao assinar questionário clínico, essencial para o apuramento do risco subjacente à celebração de seguro de vida, preenchido com letra de impressão – o subscritor não se devesse ter necessariamente apercebido da natureza desse documento (ou seja: que estava em causa um questionário clínico e que das respostas nele inseridas resultava, cabal e categoricamente, que o segurado não padecia de qualquer patologia relevante e conhecida), o que manifestamente não correspondia à realidade, face às graves patologias cardio-circulatórias que o afectavam e aos tratamentos médico-cirúrgicos que as mesmas já haviam originado.”. Determinante é, isso sim, o facto de que, como se salientou, “A apólice nunca teria sido aceite se a Ré conhecesse as doenças de que o A. era portador na data da adesão em 02/05/2007 (Diabetes, HTA, dislipidemia…), Diabetes Mellitus tipo 2 desde 2005; hipertensão arterial desde 2003; - dislipidemia desde 2005” (ponto provado 51), mesmo que também se não tenha provado que o autor tenha agido deliberadamente. A simples negligência presumida no preenchimento do questionário basta, pois “são causas de nulidade do contrato de seguro, nos termos do corpo do art.º 429º do CCom, as declarações inexactas e as omissões, por negligência; não se exige actuação dolosa, de má-fé, bastando o erro involuntário ou a "reticência", com mera negligência.”. [[xxix]] Em face do exposto, verificando-se a anulabilidade, deveria o contrato ser declarado como tal e, portanto, proceder tal excepção peremptória extintiva do direito do autor. Tal dependerá, porém, do desfecho das questões a esse respeito suscitadas pelos apelados na ampliação do objecto do recurso. * Isso não obsta a que desde já e aqui se prossiga com a apreciação das restantes questões suscitadas pela apelante.Respeita uma, à pretensão de que, no caso de procedência da invalidade, mesmo assim não deve operar plenamente, quanto aos prémios recebidos, o efeito restitutivo em geral previsto no artº 289º, do CC, antes deve a seguradora conservá-los. Sucede que tal depende, de acordo com o § único do artº 429º, do C. Com., de o segurado ter agido de má fé, hipótese em que a empresa “terá direito ao prémio”. Caso contrário, devem os prémios ser restituídos. De acordo com o citado Acórdão da Relação de Lisboa, de 01-02-2018: “VII– A anulação de um negócio leva a que sejam destruídos os seus efeitos retroactivamente, devendo, em regra, cada parte restituir o que recebeu; não estando provado que o aderente teve intenção ou consciência de que prejudicava a Seguradora deverá esta devolver os prémios de seguro.” [[xxx]] Esclarece o Acórdão da mesma Relação (Lisboa), de 27-02-2014 [[xxxi]]: “I) A má fé exigida pelo § único do art.º 429º do Código Comercial (CCom) implica que, ao tempo da celebração do contrato, o contraente do seguro de vida tenha efectivo conhecimento da doença que veio a determinar a invalidez; não basta que a doença já exista ou já se tenha iniciado a manifestação segura ou indicativa dos seus sintomas. II) A má-fé tem de revelar-se claramente por actuação consciente e voluntária do segurado ao prestar declarações inexactas ou omitir factos e circunstâncias que conhece e sabe poderem influir na decisão da seguradora de contratar, ou de o fazer em determinadas condições. III) Aquela norma exige actuação dolosa, com vista a defraudar a seguradora e a constituir-se beneficiário de direitos a que não teria direito procedendo de boa-fé. IV) Diferentemente, são causas de nulidade do contrato de seguro, nos termos do corpo do art.º 429º do CCom, as declarações inexactas e as omissões, por negligência; não se exige actuação dolosa, de má-fé, bastando o erro involuntário ou a "reticência", com mera negligência. V) Não estando demonstrada a má-fé do A, em face da nulidade do contrato e das suas consequências, é de ordenar lhe sejam restituídos os prémios de seguro que pagou.” Acontece que os factos respeitantes a tal intenção deliberada, maliciosa, de defraudar a ré, ou seja, ao dolo, não se demonstraram (pontos não provados 7, 8, 9, 12, 15). Logo, tal pedido sempre terá de ser improcedente, caso prevaleça a invalidade, simetricamente havendo, então, nessa mesma hipótese, de proceder o pedido subsidiário formulado pelo autor na petição e reiterado no requerimento de ampliação do objecto do recurso, o que também depende do que vier a ser decidido quanto às demais questões neste incluídas (caducidade, confirmação e abuso de direito). * Respeita a última questão suscitada pelos apelantes ao aventado “exagero” e falta de “fundamento válido” na decisão recorrida por não indicar o capital em dívida, nem desde quando é devido, “o que – alegadamente – viola as normas de interpretação do contrato de seguro”. Além de, nas alegações nada constar em explicação e justificação do sentido e fundamento de tal pretensão, muito menos da relação com ela da alusão às “normas de interpretação do contrato em violação dos artºs 235º e seguintes do Cód. Civil” (uma vez que ela apenas vem referida desgarradamente na conclusão 22ª), a verdade é que os termos de tal condenação incluem a remessa para liquidação a efectuar em incidente “se necessário for”, não se afrontando verdadeiramente os da decisão, aliás decorrente dos pedidos das alíneas f) e g) e dos segmentos do Dispositivo final dos nºs IV e V respeitantes aos reembolsos das prestações mensais entretanto pagos desde o accionamento da cobertura (Agosto de 2014) até à data da liquidação total do empréstimo (alíneas e) e ponto III) e ao capital seguro porventura remanescente (alínea g) e ponto V). Sempre, portanto, tal questão deverá improceder. *** Questões objecto da ampliaçãoNa perspectiva da procedência das 2ª e 3ª questões respeitantes ao objecto da apelação, importa, começar por apreciar se na verdade já havia caducado, como sustentam os apelados, o direito de arguir a invalidade quando a ré seguradora a comunicou ao autor segurado. Tratando-se de nulidade relativa ou anulabilidade e nenhum diverso regime se encontrando previsto na lei, designadamente no Código Comercial, a disciplinar a respectiva arguição e conhecimento, são-lhe aplicáveis as regras civilísticas gerais, nomeadamente os artºs 287º e 288º, do Código Civil. Como refere o Acórdão da Relação de Lisboa, de 23-09-2010, “A situação prevista no artigo 429.º do Código Comercial constitui um caso de erro-vício ou na formação da vontade, devendo encarar-se a «nulidade» prevista em tal disposição legal como uma «nulidade relativa» ou «anulabilidade», estando esta sujeita ao regime geral para ela prevista nos artigos 286.º e seguintes do Código Civil.” [[xxxii]] Por isso, como se entendeu no Acórdão desta Relação de Guimarães, de 25-02-2016 [[xxxiii]] “Cumpre, assim, ter presente o que dispõem os artºs 287.º e 288.º do Cód. Civil quanto à legitimidade para arguir a anulabilidade, ao prazo de arguição, e ainda à possibilidade de sanação da anulabilidade pela confirmação do contrato.” Assim sendo, a anulabilidade deve ser arguida apenas “dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento” – artº 287º, nº 1, CC. “V - Estando em causa, pois, uma mera anulabilidade, aplica-se-lhe o regime legal previsto no art. 287.º do CC, pelo que o direito à anulação do negócio jurídico deve ser exercido no prazo de um ano, sob pena de o negócio se convalidar. VI - Tal prazo conta-se a partir da cessação do vício que torna o negócio anulável, momento que coincide, umas vezes, com o conhecimento do vício pelo titular do direito à anulação (por exemplo, nos casos de erro e dolo), e outras com a celebração do negócio (por exemplo, o negócio celebrado sob coacção).” [[xxxiv]] “I - O vício que serve de fundamento à anulabilidade cessa quando o interessado dele toma conhecimento II - A “cessação do vício” a que se reporta o nº 1 do art. 287º do Cód. Civil é a data do conhecimento do mesmo e não a data da certeza da existência do vício. III - O prazo de caducidade, no caso, há-de contar-se a partir da data em que ocorreu a cessação do vício, que neste caso ocorre quando o contraente que está em erro conhece essa realidade, toma conhecimento do vício ficando a saber que aconteceu o erro, deixando de existir a partir de então.” – Acórdão do STJ, de 14-12-2021 [[xxxv]]. O vício aqui em causa é aquele que fez com que a seguradora decidisse aceitar a assunção do risco proposto no convencimento de que a declaração de saúde omissiva das patologias existentes correspondia à verdade, mas que não teria aceitado se estas lhe tivessem sido dadas a conhecer como era dever do proponente segurado fazer (pontos provados 35 a 39 e 49 a 51). Ele cessou no momento em que a empresa ré recebeu do autor, analisou e tomou conhecimento dos elementos clínicos respectivos que lhe expuseram a situação verdadeiramente existente à data da celebração do contrato. Com efeito, como bem se diz no citado Acórdão desta Relação, de 25-02-2016, “IV - Num contrato de seguro a data da cessação do vício é aquela em que a seguradora tem conhecimento da falsidade das declarações do tomador, iniciando-se aí a contagem do prazo (de um ano) de arguição da anulabilidade [[xxxvi]]. Aquele momento e esta data estão factualmente determinados. Situam-se em 11-09-2014, como resulta da concatenação da factualidade provada dispersa mas atinente (cfr. pontos 22, 23, 27, 40, 42, 45, 48 e 49). A data-limite para a interessada seguradora arguir a invalidade era 11-09-2015. Acontece que só pela carta remetida em 21-09-2015 e recebida pelo autor segurado não antes de 24-09-2015, ela invocou perante este que considerava nula a adesão baseando-se, para o efeito, no facto de as respostas dadas por aquele ao questionário não corresponderem à verdade. Essa carta é a referida no ponto 25 e, aliás, transcrita no 26. Corresponde ao documento ...1 junto com a petição inicial. Evidentemente, não corresponde à verdade a alusão, aí contida, a que só então a ré “acabara de apurar” as circunstâncias relevantes. [[xxxvii]] Com efeito, de tudo ela tomara conhecimento em 11-09-2014 – há mais de um ano, pois (27). Havia, portanto, caducado o direito de arguir a invalidade, sanada pelo decurso do prazo respectivo, como defendem os apelados. Na sentença recorrida, ainda que, a título “subsidiário” e no errado contexto do convocado artº 25º, do Decreto-Lei nº 72/2008 mas, ainda assim, considerando o prazo de um ano por apelo ao previsto no nº 1, do artº 287º, CC (olvidando, sem coerência, o de 3 meses estabelecido naquela norma), manifestou o Tribunal a quo, como se viu, entendimento contrário, ou seja, de que não havia “qualquer caducidade desse direito” (o de arguição da anulabilidade). Fê-lo, concluindo não ter expirado o aludido prazo de um ano, porque considerou como correspondendo a tal arguição o envio, em 27-08-2015, da carta referida no ponto provado 46, mas indevidamente. Indevidamente e contrariamente até ao que referira na motivação quando, a propósito da carta de 21-09-2015 (fls. 24), a considerou como tendo sido o veículo de comunicação da anulação do contrato. Sucede, no entanto, que, mesmo examinando-se a carta de 27-08-2015 com a atenção e minúcia que sempre se impõe quanto à realidade fáctica – carta essa que é o documento ... junto com a petição inicial, mas de que apenas foi transposta parte por cópia de imagem inserta no ponto 46 –, verifica-se que, embora ela mencione, no seu texto, que a apólice “tornar-se-á nula e sem qualquer efeito a partir da data e pelo motivo acima indicados”, indica também, nos títulos ou epígrafes, à semelhança, aliás, do que acontece com a carta na mesma data enviada à Banco 1... e essa transcrita em termos mais completos no ponto 47, como “Assunto: Anulação de Apólice” e como “Motivo da anulação: Anulação Decisão Companhia”. O “motivo acima indicado” é, pois, a “decisão da companhia”, é o exercício, unilateral, por esta, de uma pretensa faculdade contratual, de pôr termo ao vínculo obrigacional por um qualquer outro e diverso fundamento que ora e aqui não estão em causa, por não consubstanciar a excepção invocada na contestação – que foi a invalidade com fundamento na prestação de declarações inexactas – e à qual o autor opôs a contra-excepção da caducidade. Não é, segundo a dita comunicação, o vício decorrente da prestação de declarações inexactas influente da sua decisão de aceitar a cobertura nem a consequente anulabilidade, pois. A carta de 27-08-2015 não releva, pois, para impedir o curso do prazo de caducidade – nº 1, do artº 331º, CC. Ainda que porventura fundamentos tivesse a seguradora para fazer cessar (“anular”) o vínculo contratual, a verdade é que, quando o sinistro ocorreu e pelo segurado foi interpelada para, no desencadeamento da cobertura, satisfazer ao Banco e a ele próprio as prestações a que se obrigara, ele encontrava-se em vigor, a vinculação subsistia. Como refere o Acórdão da Relação de Lisboa de 26-02-2013, indicado pelos recorridos [[xxxviii]] “Verificado o sinistro no período de vigência do contrato, os deveres contratuais mantém-se mesmo depois da cessação do contrato.” * De acordo com o nº 2, do artº 287º, CC, porém, a anulabilidade pode ser arguida sem dependência de prazo enquanto o negócio não estiver cumprido.Segundo o Acórdão da Relação de Coimbra, de 24-03-2015 [[xxxix]]: “1. O prazo para a arguição da anulabilidade previsto no artº 287 nº 1 do C.Civil é um prazo de caducidade, representando esta a extinção do direito pelo seu não exercício durante um determinado período de tempo e encontra o seu fundamento em razões de segurança e certeza jurídica. 2. O prazo geral de um ano, estabelecido no nº 1 do artº 287 do C. Civil, não vale se o negócio não está cumprido, o que resulta da conjugação com o nº 2 do mesmo artigo, podendo a anulabilidade ser arguida a todo o tempo se o negócio não está cumprido.”. Como ensinava Mota Pinto [[xl]], “nesta hipótese, poderá vir a requerer-se a anulação a todo o tempo, quer por via de acção, quer por via de excepção. Tal regime já estava estabelecido no Código anterior, no que toca à invocação por via de excepção (artº 693º). A ratio de tal regime era a de que a invocação por via de excepção pressupõe, normalmente, que o negócio não foi cumprido; logo, não há expectativas da contraparte que legitimem a caducidade, pelo decurso do tempo, do direito de invocar a anulabilidade”. E como também já, antes daquele, explicava Manuel de Andrade [[xli]], a invocação a todo o tempo caso o negócio não estivesse cumprido apenas estava prevista para o caso de ela ser feita por via de excepção. Sendo-o por via de acção, estava sujeita a prazo curto. “A lei, certamente, partiu do princípio de que, quando a nulidade é invocada por via de acção, o negócio está cumprido e alterado portanto o statu quo ante, pretendendo o autor no pleito restabelecê-lo, por se achar prejudicado pela situação de facto actual, subsequente à conclusão do negócio. Sendo assim está certo que a acção tenha de ser proposta dentro de um prazo curto, quer as coisas sejam encaradas da parte do contraente que entenda prevalecer-se da nulidade, quer o sejam da parte do adversário. Da parte daquele, porque, se a situação de facto está conforme à validade do negócio e lhe é desfavorável, tem ele todas as razões e estímulos para agir, sendo injustificável a sua inércia prolongada. Da parte deste, porque é justo que a sua expectativa da validade do negócio não lhe seja prejudicada depois de volvido muito tempo, uma vez que está na situação de facto correspondente, e sobre tais bases pode ter disposto a sua vida e organizado planos de futuro. Se, porém, o negócio não foi cumprido, então já o caso é muito diferente. Então já se explica que a parte tem legitimidade para arguir a nulidade se não dê pressa em o fazer. E também já não será justificada a confiança do adversário. Mas sendo esta a razão de ser daquela diversidade de tratamento quanto ao tempo para arguição da nulidade, não temos dúvida em sustentar que a pessoa em favor de quem a nulidade existe, pode mesmo depois de corrido o prazo legal, intentar uma acção de anulação do negócio, se este ainda não foi cumprido”. Exemplo disso é o contrato de compra e venda em que a coisa não tenha sido entregue e continue na posse do vendedor. Verifica-se, porém, que, tratando-se aqui de contrato de seguro, o cumprimento do mesmo, no estrito e rigoroso sentido que interessa à norma em apreço, ocorreu a quando da sua celebração. Nesse momento, ficaram realizadas as prestações sinalagmáticas: a seguradora assumiu o risco; o segurado pagou o prémio. A ocorrência do evento prevenido e a satisfação das prestações por que a seguradora se responsabilizou precisamente para a hipótese aleatória e futura de ele acontecer são efeitos consequenciais que podem até nunca ter lugar sem que, por isto, se possa dizer, então, que o contrato de seguro não chegou a ser cumprido. Tal cumprimento corresponde à assunção do risco. Parafraseando-se o referido no Acórdão desta Relação de Guimarães, de 29-10-2015 [[xlii]]: “Não pode aqui aplicar-se o n.º 2 deste normativo – que diz que a anulabilidade pode ser arguida sem dependência de prazo enquanto o negócio não estiver cumprido -, uma vez que tem de considerar-se o contrato cumprido, como bem se diz na sentença recorrida, com a formalização e aceitação do mesmo por parte da seguradora e o pagamento do prémio por parte do segurado, pois é nesse momento que a seguradora assume o risco contra o pagamento do prémio e este é o verdadeiro sinalagma de um contrato desta natureza. O eventual pagamento de uma indemnização é apenas uma das possíveis consequências do contrato, não podendo considerar-se que este só se cumpre nesse momento, que pode, até, nunca acontecer.” Nesse mesmo sentido e alinhando na citada Doutrina e Jurisprudência, se orientou o Acórdão, também desta Relação, de 25-02-2016 [[xliii]], o qual igualmente se amparou no Acórdão do STJ, de 11-09-2012 [[xliv]], nele se tendo resumido. * Invocam, ainda, os recorridos que, ainda assim, a invalidade foi sanada por confirmação.O artº 287º, do CC, estabelece realmente no seu nº 1, que a anulabilidade é sanável mediante confirmação e, no nº 2, que esta compete à pessoa a quem pertencer o direito de anulação e só é eficaz quando for posterior à cessação do vício que serve de fundamento à invalidade e o seu autor tiver conhecimento do vício e do direito à anulação. Acrescenta o nº 3, que a confirmação pode ser expressa ou tácita e não depende de forma especial e, o nº 4, que ela tem, eficácia retroactiva, mesmo em relação a terceiros. Ora, repescando e reordenando a factualidade dispersa no elenco dos provados [[xlv]] com relevo para a questão: -a interessada tomou conhecimento do vício e (obviamente) do direito à anulação em 11-09-2014 (27); -na carta subsequente, de 23-09-2014, não questionou, porém, a validade do contrato: limitou-se a comunicar que, uma vez analisada por si a documentação clínica, entendia que a invalidez reportada não se enquadrava no âmbito de cobertura convencionado e que, por isso, nada pagaria (23 e 42); -mesmo na carta de 27-08-2015 (ponto 46) nenhuma alusão fez à invalidade em apreço; -perante insistências do segurado, a ré limitou-se a recusar o pagamento (24); -porém, continuou esta a debitar trimestralmente ao autor e este pagar-lhe pontualmente os prémios de seguro, que ela nunca enjeitou, o que sucedeu até 02-11-2015, mesmo depois da carta em que invocou a invalidade, pagamento e recebimento que naturalmente pressupõem a consciência da validade do negócio (28 a 32, 56 a 60). Verifica-se, pois, nestas circunstâncias, reconhecimento e aceitação tácitos do vício, nos termos dos artºs 217º, nº 1, e 288º, do CC, assim ficando sanada a respectiva anulabilidade por confirmação. Outra coisa não pode deduzir-se da atitude de, não obstante conhecer a vicissitude (inexactidão viciante), continuar conscientemente a debitar e a receber os prémios correspondentes a prestações devidas pelo segurado no pressuposto da válida vinculação contratual. [[xlvi]] Como proficientemente e com a nossa concordância e adesão se explana no já referido Acórdão desta Relação de 25-02-2016 [[xlvii]]: “Consubstanciando o pagamento do prémio do seguro a prestação contratual do segurado, tendo-o aceitado a seguradora, é inequívoca a aceitação do contrato como válido, sendo esta a única interpretação segura para o comum das pessoas. Como escreveu Mota Pinto, “a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido de auto-regulamento tacitamente expresso, seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade”. E prossegue defendendo que “deve entender-se que a concludência dum comportamento, no sentido de permitir concluir «a latere» um certo sentido negocial, não exige a consciência subjectiva por parte do seu autor desse significado implícito, bastando que, objectivamente, de fora, numa consideração de coerência, ele possa ser deduzido do comportamento do declarante”, seguindo o critério de interpretação da declaração negocial constante do art.º 236.º do C.C. (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed. actualizada, pág. 425). Numa situação diferente mas ainda assim com alguns contornos semelhantes, considerou a Rel. de Lisboa, no Ac. de 13/03/2007, que tendo a seguradora emitido um recibo de pagamento através do qual reconheceu a autora como beneficiária do mesmo, numa altura em que já tinha conhecimento do teor do relatório elaborado pelo médico assistente do segurado, cujo conteúdo acerca dos seus antecedentes clínicos não coincide com o do questionário “não pode deixar de ver-se na emissão desse recibo a prática dum acto intencionalmente destinado a confirmar o negócio (contrato de seguro) anulável, porque praticado com conhecimento do vício de que o mesmo padecia e com a intenção de o reparar” e conclui “Assim sendo, ao emitir tal recibo, a Ré/Apelada confirmou tacitamente o contrato de seguro que celebrara com o falecido marido da ora Autora/Apelante, nos termos e para os efeitos do cit. art. 288º, nºs 1, 2 e 3, do Cód. Civil.” (Proc.º 10766/2006-1, Desemb. Rui Vouga, in www.dgsi.pt).”. Parafraseando-se aqui também o respectivo sumário “Consubstanciando o pagamento do prémio do seguro a prestação contratual do segurado, se a seguradora continuou a cobrar os respectivos prémios até – no nosso caso – até cerca de um ano e dois meses – depois de ter adquirido o conhecimento da inexactidão das declarações, o mesmo é dizer, da cessação do vício, deve entender-se que confirmou tacitamente o contrato de seguro que celebrara com aquele.” Por isso, mesmo que se considerasse não iniciado (por eventualmente ainda não cumprido) o negócio nem transcorrido o prazo de caducidade do direito de arguir a respectiva anulabilidade e, por isso, que esta poderia ainda ser eficazmente arguida, sempre seria de entender que, por entretanto confirmado, ele deverá ser conservado como válido, com e para os devidos efeitos contratualmente estipulados. * De resto, a circunstância de a apelante seguradora, não obstante as aludidas vicissitudes, mesmo depois de delas tomar conhecimento e do direito que daí lhe advinha, ter, por um lado, tratado e reagido como se ele fosse válido (ao recusar-se a não responder apenas com o argumento de que a doença e invalidez não preenchiam o âmbito da cobertura tal como delineado nas condições e na apólice e ao querer desvincular-se dele pela carta de 27-08-2015), e, por outro, continuado, maxime depois de ter enviado a carta de anulação de 21-09-2015, passiva e pacificamente, a emitir os recibos do prémio e a receber os correspondentes valores, embolsando-os e nunca tendo providenciado pela sua devolução, assim procedendo como se eles fossem devidos e, portanto, válido o contrato, não deixa de integrar manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium – artº 334º, do CC – na medida em que, com a sua conduta, criou e alimentou no autor segurado a expectativa legítima e a confiança justamente merecedora de proteção jurídica de que, com base na falta de declaração exacta das suas patologias comunicadas em 09-09-2014 (21), logo conhecida em 11-09-2014 (29), jamais aquela invocaria a invalidade do negócio, nesse pressuposto continuando por parte dele a satisfazer as prestações devidas (pagamento dos prémios).Neste juízo, guiamo-nos, quanto ao que deve entender-se por abuso de direito, pela compilação vertida no Acórdão do STJ, de 11-12-2012 [[xlviii]], para a qual remetemos, e de que apenas aqui citamos o respectivo sumário: “I - Uma das modalidades que pode revestir o abuso do direito encontra guarida no instituto jurídico denominado venire contra factum proprium. II - Esta vertente do abuso do direito inscreve-se no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adopta uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte, em função do modo como antes actuara. III - O conflito de interesses e a subsequente necessidade de tutela jurídica apenas surgem quando alguém, estando de boa fé, com base na situação de confiança criada pela contraparte, toma disposições ou organiza planos de vida de onde lhe resultarão danos se a sua legítima confiança vier a ser frustrada. IV - O abuso do direito é de conhecimento oficioso, pelo que deve ser objecto de apreciação e decisão, ainda que não invocado.”. * De tudo se conclui, finalmente, que, embora apartando-nos, nos termos referidos, da fundamentação de direito (e nos pontos assinalados também da de facto) pelo Tribunal a quo exposta no capítulo III da sentença recorrida, sempre a decisão proferida no seu capítulo IV, por outros eventuais motivos de alteração susceptíveis de ser atendidos não lhe dirigir a recorrente, deve ser confirmada, prejudicada ficando, assim, a apreciação do pedido subsidiário formulado na petição de restituição dos prémios pagos.V. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso da ré seguradora e, em consequência, negando provimento à sua apelação, confirmam a decisão recorrida. * Custas da apelação pela seguradora recorrente – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP). * Notifique.* * Guimarães, 30 de Novembro de 2022 Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores: Relator: José Fernando Cardoso Amaral Adjuntos: Maria João Marques Pinto de Matos José Alberto Martins Moreira Dias
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