Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDA PROENÇA FERNANDES | ||
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS DENÚNCIA PRESSUPOSTOS LEGAIS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/03/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I. O senhorio pode denunciar o contrato de arrendamento para fins não habitacionais com duração indeterminada, nomeadamente para demolição, mas essa possibilidade não depende apenas da vontade do senhorio em proceder a uma demolição, sendo necessário que estejam preenchidos determinados requisitos substanciais e procedimentais que caso não estejam cumpridos implicam, nos termos do art. 1080.º, do Cód.Civil a ilicitude da denúncia. II. Ora, os requisitos substantivos da denúncia por razão de demolição do prédio ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos, encontram-se no art. 1103.º do Cód. Civil e no DL n.º 157/2006 de 08 de agosto (com as suas sucessivas alterações) constituindo este último a legislação especial a que se refere o n.º 11 do art. 1103.º do Cód. Civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório. D. C. e marido C. F., residentes na Rua …, Vila Nova de Famalicão intentaram a presente acção de processo comum contra G. J., com domicílio profissional na Av. …, da freguesia de …, Vila Nova de Famalicão pedindo que a presente acção seja julgada provada e procedente e, por via dela, declarada a validade da denúncia do contrato de arrendamento celebrado com o réu, em que a autora esposa sucedeu como senhoria, relativa a uma divisão autónoma, sita no rés-do-chão, destinada a serviços, com a letra C, que é parte integrante do prédio urbano, de rés-do-chão, constituído por divisões com utilização independente, destinadas a habitação, comércio e serviços, sito na Avenida …, nºs 42, 50, 54, 56, da freguesia de …, do concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o nº .../20111129 – freguesia …, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...º, da referida freguesia, sendo o réu condenado a despejar de imediato o locado, deixando-o livre e devoluto de pessoas e bens, mediante o pagamento da indemnização devida por parte da autora. Fundaram a sua pretensão na necessidade de demolição do prédio para nele efectuar uma abertura que permita o acesso à via pública do prédio, de que também é proprietária a autora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º ... e na matriz sob o artigo ...º, localizado a sul do arrendado e que não tem ligação à via pública, para nele restaurar construções existente e instalar a sua habitação. Alegaram ter obtido o deferimento do pedido de licenciamento das obras que pretendem realizar pela Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, bem como ter comunicado e confirmado junto do réu, por cartas registadas com aviso de recepção, a denúncia do contrato de arrendamento e solicitado a desocupação e entrega livre de pessoas e bens do locado, juntando os documentos necessários, sem êxito. Em contestação o réu invoca a ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade da causa de pedir, impugna o fundamento para a denúncia invocado pelos autores e pugna pela inverificação dos pressupostos legais para operar a dita denúncia. Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a invocada ineptidão da petição inicial. Realizado julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “VII. Dispositivo Por tudo o exposto, o Tribunal julga a presente ação improcedente, por via da ineficácia da denúncia efetuadas pelos autores e, por consequência, absolve o réu G. J. do pedido. Custas pelos autores. Registe. Notifique.”. * Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os autores, que a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem):“CONCLUSÕES 1. De acordo com o disposto no artigo 615.º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. 2. No caso dos autos, os factos dados como provados determinariam, obrigatoriamente, que a sentença fosse no sentido da procedência total da ação. 3. Verifica-se, assim, a contradição entre a fundamentação de facto e a decisão proferida ou, por outras palavras, os factos dados como provados determinariam, pós a sua subsunção jurídica, a verificação da totalidade dos requisitos de que depende a eficácia da denuncia e, consequentemente a procedência da ação. Seria o resultado lógico em face dos factos dados como provados. 4. A sentença assim proferida está inquinada de nulidade. 5. Sem prescindir, o exercício do direito de denúncia pelo senhorio nos contratos de duração indeterminada mereceu da parte do legislador um especial tratamento nas alterações introduzidas na lei do arrendamento pela Lei 13/2019 de 12 de fevereiro ao aditar ao Código Civil o art. 1110º-A. 6. Nos contratos não habitacionais de duração indeterminada passou a conceder-se ao senhorio o direito à denúncia apenas nos casos previstos no artigo 1101º, alíneas b) e c) do Código Civil. 7. Versando a nova lei sobre o conteúdo da relação de arrendamento o seu regime aplica-se aos contratos futuros e aos contratos de pretérito que subsistam à data da sua entrada em vigor. 8. Assiste aos Autores o direito de denunciarem o contrato com fundamento na primeira parte da alínea b) do artigo 1101º, aplicável por força do disposto no artigo 1110º-A, ambos do Código Civil, 9. Sendo certo que, face aos factos dados como provados, estão verificados, porque cumpridos, todos os requisitos de que depende a validade da denuncia. 10. O Tribunal recorrido decidiu pela improcedência da ação por, segundo o mesmo, os Autores não cumpriram com os requisitos previstos no nº 2 do artigo 1103.º do Código Civil, uma vez que do termo de responsabilidade do diretor de obra, «não constar que a operação urbanística reúne os pressupostos legais de uma obra de demolição e as razões que obrigam à desocupação do locado (embora, quanto a esta, se retire que a integral demolição pressuponha necessariamente a desocupação do locado)». 11. Ora todos esses elementos de facto constam das comunicações enviadas pelos Autores ao Réu, designadamente nos documentos nºs 8 e 9 juntos com a Petição Inicial. 12. Foram cumpridos todos os pressupostos determinantes da validade da denuncia, pelo que a sentença recorrida, para além de nula, viola o disposto nos artigos 1101º, alínea b), 1103º e 1110º-A do Código Civil. Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente com as legais consequências, designadamente revogada a sentença recorrida, tal como é, aliás, de justiça.”. * O recorrido contra-alegou, terminando com as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem:“EM CONCLUSÃO: A - A Mma Juiz “a quo” apreciou criteriosa, livre e objectivamente todos os meios de prova, nomeadamente, todos os documentos juntos aos autos, a inspeção judicial ao local e, bem assim, o depoimento do Sr. Arquiteto A. P., testemunha arrolada pelos AA.., que lhe mereceu total credibilidade por revelar pleno conhecimento da matéria e possuir razão de ciência sobre o objeto do litígio, B – Face à apreciação livre, imparcial e imediata de todos esses elementos e meios de prova, outra não poderia ser a decisão sobre a matéria de facto assente pela Mma Juíz. C – Àquela matéria factual a douta sentença faz também correcta aplicação dos comandos jurídicos respetivos. D – Não merece, assim, qualquer censura a douta decisão recorrida que não violou qualquer norma adjectiva ou substantiva. Termos em que, não tanto pelo que se deixa alegado, mas fundamentalmente pelo que V. Exªs, como sempre, doutamente suprirão, negando provimento ao recurso, será feita a costumada e sã JUSTIÇA.”. * O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.* Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II. Questões a decidir.Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, consistem em saber: 1. da invocada nulidade da sentença; 2. da verificação de todos pressupostos legais para operar a denúncia. * III. Fundamentação de facto.Na decisão sob recurso foram dados como provados os seguintes factos: “1. A autora adquiriu, por sucessão testamentária de R. C., tio daquela, em 30 de outubro de 2018, o prédio urbano, de rés-do-chão, constituído por divisões com utilização independente, destinadas a habitação, comércio e serviços, sito na Avenida …, nºs 42, 50, 54, 56, da freguesia de …, do concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º .../20111129 – freguesia …, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo … (que teve origem no artigo ...º), da referida freguesia. 2. Pela ap. 3742 de 2018/10/30 foi registada na descrição referida em 1 a aquisição do prédio a favor da autora, por sucessão testamentária. 3. Sempre a autora, por si e antepossuidores, esteve na posse do mesmo prédio, por mais de 10, 20, 30, 40, 60 anos, ininterruptamente, transformando-o e colhendo os seus frutos e utilidades, e suportando os respetivos encargos, nomeadamente os de natureza fiscal, com o conhecimento de todas as pessoas do lugar e freguesia da sua situação, sem oposição de ninguém e com a consciência de não lesar o direito de ninguém, tudo com animo de quem exerce o direito de propriedade. 4. O prédio tem a configuração constante da planta junta sob o doc. 4, onde se encontram assinaladas as várias divisões de utilização independente, designadas por “A”, “B” e “C”. 5. Entre o réu e os anteriores proprietários do prédio, foi celebrado um contrato de arrendamento, em meados do ano de 1986; 6. Mediante o qual foi dado de arrendamento ao réu, para o exercício da atividade de barbearia, a parte do prédio urbano correspondente à divisão autónoma, sita no rés-do-chão, destinada a serviços, designada na certidão matricial e na planta junta sob o doc. 4, pela letra “C”, pelo prazo de um ano e mediante o pagamento da renda pelo réu que, após sucessivas atualizações, se encontra fixada no montante de 55,08 € mensais. 7. A autora pretende demolir a parte do prédio arrendado ao réu, para nele efetuar uma abertura que permita o acesso à via pública do prédio, de que também é proprietária, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o n.º ... e na matriz sob o artigo ... 8. Prédio este localizado a sul do prédio referido em 1, com o qual confronta, e que não tem qualquer ligação à via pública. 9. No identificado prédio existem construções anteriores a 1968 que os autores pretendem restaurar e instalar a sua habitação. 10. O filho dos Autores, I. M., sofre de paralisia cerebral, o que lhe determina uma incapacidade permanente global de 96%, que lhe provoca falta de mobilidade, obrigando-o a utilizar cadeira de rodas, circunstância que o impede de aceder atualmente ao prédio referido em 7. 11. A autora requereu junto da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão licença para a demolição da parte do prédio ocupada pelo réu. 12. O procedimento administrativo com vista ao licenciamento do projeto de demolição a executar foi recebido na Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão em 19 de fevereiro de 2020 e foi objeto de parecer favorável e despacho de deferimento proferido em 19 de agosto de 2020. 13. Mediante carta registada com aviso de receção, datada de 25 de setembro de 2020, os autores comunicaram ao réu a denúncia do contrato de arrendamento, tendo por fundamento a demolição integral do prédio objeto do contrato de arrendamento, solicitando a desocupação e entrega livre de pessoas e bens do locado até ao dia 31 de março de 2021. 14. Em tal comunicação, os autores juntaram comprovativo do deferimento do pedido de licença para a demolição do prédio objeto do contrato de arrendamento; memória descritiva e justificativa, bem como termo de responsabilidade do diretor de obra, legalmente habilitado, na qual declara responsabilizar-se pela direção da obra de demolição para efeitos de acesso mecânico e construção do portão e pelo cumprimento das obrigações previstas no art. 14.º da lei n.º 31/2009, de 30 de julho, bem como a caderneta predial. 15. A obra de demolição do arrendado foi deferida pela Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, tendo sido emitido o alvará de licenciamento n.º 106/2021, de 26 de fevereiro de 2021. 16. Por carta registada com aviso de receção, datada de 10 de março de 2021, os autores comunicaram ao réu a confirmação da denúncia do contrato de arrendamento. 17. Em tal comunicação, os autores juntaram cópia da comunicação da denúncia efetuada na carta de 25 de setembro de 2020, um cheque do montante de 660,99 €, emitido a favor do réu, e alvará de licenciamento de obra n.º 106/2021, emitido pela Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão. 18. Em resposta a esta carta, o réu remeteu aos autores uma outra carta em que alega não aceitar a denuncia, devolvendo o cheque que havia recebido. 19. Até à presente data, o réu não procedeu à entrega do locado aos autores. 20. Em consequência das obras de demolição licenciadas, desaparecerá a totalidade do locado.”. * Foi considerado inexistirem factos por provar, com relevância para a boa decisão da causa.* IV. Fundamentação de direito.Delimitadas que estão, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de as apreciar. 1.Comecemos pela invocada nulidade da sentença. Invocam os apelantes a nulidade da sentença, prevista pelo art. 615º nº 1 al.c) do CPC, por entenderem que existe contradição entre a fundamentação de facto e a decisão proferida, pois que os factos dados como provados determinariam, obrigatoriamente, que a sentença fosse no sentido da procedência total da acção. Sobre tal nulidade não se pronunciou o Tribunal a quo, entendendo este Tribunal ser desnecessária tal pronúncia. Vejamos, então. As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstas no art. 615º do CPC. Tais vícios, designados como “error in procedendo”, respeitam apenas à estrutura ou aos limites da sentença. Como se escreveu nos Acórdãos desta Relação de 4/10/2018, e do STJ de 17/10/2017, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má percepção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito. Com excepção das previstas na al. a) do n.º 1 do artigo 615.º e no artigo 666.º, n.º 1, segunda parte, estas nulidades respeitam ao teor do acto decisório, nomeadamente ao cumprimento das normas processuais que determinam a estrutura, objecto e limites do julgamento; porém, não quanto ao mérito desse julgamento. A fundamentação da sentença tem regulamentação específica na norma do artigo 607º do CPC, que dispõe: (…) “2. A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar. 3. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. 4. Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.” Dispõe o Artigo 615º, nº1, alínea c), que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Assim, entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Ou seja, se na fundamentação da sentença, o juiz segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição – cfr. Acórdãos da Relação de Coimbra de 11.1.94, Cardoso Albuquerque, BMJ nº 433, p. 633, do STJ de 13.2.97, Nascimento Costa, BMJ nº 464, p. 524 e de 22.6.99, Ferreira Ramos, CJ 1999 – II, p. 160. Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, ou seja, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos – cfr. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, 2000, pg. 298. Por outras palavras, se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma. Quando na c), do nº 1, do art. 615º do CPC, se dispõe que a sentença será nula se os fundamentos estiverem em oposição com a decisão o que está em causa é a oposição entre a fundamentação jurídica exposta pelo julgador e depois a decisão que toma em sentido contrário ou divergente, e não a qualquer vício da decisão da matéria de facto, pois que são duas situações distintas. Com efeito, como se afirma no sumário do Ac. do STJ de 03.03.2021, disponível in www.dgsi.pt: “…III. A nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. IV. Verifica-se tal nulidade quando existe contradição entre os fundamentos e a decisão e não contradição entre os factos provados e a decisão, ou contradições da matéria de facto, que a existirem, configuram eventualmente erro de julgamento.”. Ora, o que é invocado pelos apelantes, pode consubstanciar um erro na subsunção dos factos às normas jurídicas ou um erro na interpretação destas, mas tal, como se disse já, será um erro de julgamento e não oposição nos termos acima aludidos. Nesta medida, improcede a invocada nulidade. * Mais invocam os apelantes que lhes assiste o direito de denunciarem o contrato com fundamento na primeira parte da alínea b) do artigo 1101º, aplicável por força do disposto no artigo 1110º-A, ambos do Código Civil, uma vez que, face aos factos dados como provados, estão verificados, porque cumpridos, todos os requisitos de que depende a validade da denúncia. Fundamentam tal no facto de constarem das comunicações enviadas pelos autores ao réu, designadamente nos documentos nºs 8 e 9 juntos com a petição inicial, aquilo que o Tribunal a quo entendeu não constar do termo de responsabilidade do director de obra (que a operação urbanística reúne os pressupostos legais de uma obra de demolição e as razões que obrigam à desocupação do locado).Não lhes cabe razão. Desde logo porque, o fundamento para a improcedência da acção não residiu apenas no facto de não constar do termo de responsabilidade do director de obra que a operação urbanística reúne os pressupostos legais de uma obra de demolição e as razões que obrigam à desocupação do locado, mas também e principalmente, porque não está preenchido o fundamento material para a denúncia invocado pelos autores, uma vez que apenas são consideradas obras de demolição aquelas previstas no art. 7º do DL nº 157/2006 (que prevê o regime jurídico aplicável à denúncia do contrato para demolição ou para realização de obra de remodelação ou restauro profundos) a que se refere o n.º 11 do artigo 1103.º do Código Civil (ambos já com as alterações resultantes da Lei 13/2019 de 12 de Fevereiro). De facto, ainda que considerados os documentos invocados pelos apelantes, temos que continua a não constar do termo de responsabilidade do director de obra, que a operação urbanística reúne os pressupostos legais de uma obra de demolição. E isto porque, como se diz na decisão apelada, a declaração de que a operação urbanística reúne os pressupostos legais de uma obra de demolição não se reconduz ao mero conceito legal de demolição (previsto na alínea g) do artigo 2.º do DL 555/99 de 16 de Dezembro que define «Obras de demolição» como as obras de destruição, total ou parcial, de uma edificação existente) mas ao conceito que integra o fundamento material visado na alínea b) do artigo 1101.º do Cód. Civil. Tal norma determina que o senhorio pode denunciar o contrato com duração indeterminada, nomeadamente para demolição. Mas essa possibilidade não depende apenas da vontade do senhorio em proceder a uma demolição, sendo necessário que estejam preenchidos determinados requisitos substanciais e procedimentais que caso não estejam cumpridos implicam, nos termos do art. 1080.º, do Cód.Civil a ilicitude da denúncia. Ora, os requisitos substantivos da denúncia por razão de demolição do prédio ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos, encontram-se no art. 1103.º do Cód. Civil e no DL n.º 157/2006 de 08 de agosto (com as suas sucessivas alterações) constituindo este último a legislação especial a que se refere o n.º 11 do art. 1103.º do Cód. Civil. Dispõe o art. 1º al a) de tal diploma legal, com a epígrafe “âmbito” que: “1 - O presente decreto-lei aprova o regime jurídico aplicável: a) À denúncia do contrato para demolição ou para realização de obra de remodelação ou restauro profundos, nos termos do n.º 11 do artigo 1103.º do Código Civil; …”. Por seu turno, o art. 7º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “denúncia para demolição”, prevê: “1 - A denúncia do contrato pelo senhorio, nos termos da alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil, pode ocorrer quando a demolição: a) Seja ordenada nos termos do n.º 3 do artigo 89.º do regime jurídico da urbanização e da edificação ou do artigo 57.º do regime jurídico da reabilitação urbana; b) Seja necessária por força da degradação do prédio, a atestar pelo município; c) Resulte de plano de ordenamento do território aplicável, nomeadamente de plano de pormenor de reabilitação urbana. …” Daqui resulta que, como bem se afirma na decisão apelada, a denúncia não é inteiramente livre, no sentido de depender da mera vontade de o senhorio demolir o locado, mas só é possível quando a demolição se justifique por uma das indicadas razões. Ora, quando no art. 8.º nº 1 do mesmo diploma se dispõe que a denúncia do contrato é feita mediante comunicação ao arrendatário e da qual conste, de forma expressa e sob pena de ineficácia, o fundamento da denúncia (reprodução da norma vertida no artigo 1103.º, n.º 1, do CC) e no nº2 al. b) se prevê que a comunicação referida é acompanhada, sob pena de ineficácia da denúncia, de termo de responsabilidade do técnico autor do projecto legalmente habilitado que ateste que a operação urbanística a realizar constitui uma obra de remodelação ou restauro profundos ou uma obra de demolição, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 4.º e do n.º 2 do artigo 5.º-A ou no n.º 1 do artigo anterior, quer-se significar que o termo de responsabilidade do técnico autor do projecto tem de atestar que: - ou a operação urbanística de demolição foi ordenada nos termos do n.º 3 do artigo 89.º do regime jurídico da urbanização e da edificação ou do artigo 57.º do regime jurídico da reabilitação urbana; - ou é necessária por força da degradação do prédio, atestada pelo município; - ou ainda que resulta de plano de ordenamento do território aplicável, nomeadamente de plano de pormenor de reabilitação urbana. Nesta medida, como se diz na decisão apelada “o artigo 8.º do DL n.º 157/2006 densifica o conceito vertido no artigo 1103.º, n.º 2, alínea b) do Cód. Civil quando se refere à obrigatoriedade de o autor do projecto atestar que a operação urbanística reúne os pressupostos legais de uma obra de demolição. Significa ele que o termo de responsabilidade tem de atestar (em conformidade com o disposto na legislação especial a que a alude o n.º 11 do artigo 1103.º do CC), que a demolição integra uma obra de demolição a que alude o n.º 1 do artigo 7.º do DL n.º 157/2006”. No caso dos autos, não integrando a demolição pretendida pelos autores/apelantes nenhuma das hipóteses vertidas no n.º 1 do artigo 7.º do DL n.º 157/2006, de 08 de agosto e acima assinaladas, e não tendo consequentemente estes cumprido o requisito a que alude o artigo 1103.º, n.º 2, alínea b), do Cód. Civil e artigo 8.º, n.º 2, alínea b), do citado DL 157/2006, tanto basta para que se conclua pela ineficácia da denúncia promovida pelos autores/apelantes. Improcede, pois, a apelação. * V. Decisão.Perante o exposto, acordam os Juízes desta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida. Custas do recurso pelos apelantes. * Guimarães, 03 de Novembro de 2022 Assinado electronicamente por: Fernanda Proença Fernandes Anizabel Sousa Pereira Jorge dos Santos (O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das citações/transcrições efectuadas que o sigam) |