Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2586/20.4T8BCL-A.G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO DE BENS
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DOAÇÃO POR CONTA DA QUOTA DISPONÍVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Para o cálculo da legítima deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança (artigo 2162º, nº1, do Código Civil).
II - Na referência a bens doados abrangem-se todas as doações em vida do autor da sucessão, quer aos designados legitimários (e sujeitas ou não à colação) quer a quaisquer outras pessoas.
III - Dado que também as liberalidades em vida feitas a terceiros, são tidas em conta no cálculo da legítima, nos termos do artigo 2162º do Código Civil, alargando, por sua vez, o valor da herança, só poderão ser imputáveis na quota disponível, por força do princípio da intangibilidade da legítima objetiva, estando, porém, por essa razão, sujeitas à redução por inoficiosidade quando excedam o valor da quota disponível.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

Os interessados AA e marido BB vieram reclamar da relação de bens invocando, em síntese, os seguintes fundamentos:

- não têm na sua posse os valores referidos nas verbas 1 a 3, os quais devem ser eliminados da relação de bens;
- o prédio descrito na verba 5, a si doado pelos inventariados, tem a área total de 1 915 m2 e nele construíram a sua casa de habitação e anexos, apenas tendo sido outorgada a doação depois de concluídas as construções, pelo que a verba n.º 6 da relação de bens, não tem qualquer logradouro, pois todo o terreno pertence ao imóvel descrito na verba n.º 5;
- não foi relacionada a doação feita à cabeça-de-casal AA e ao seu marido CC em 08/02/2008 pela inventariada DD, o que deve acontecer.
- a reclamante despendeu a quantia de 460,00 € com a aquisição da sepultura/jazigo onde estão sepultados os inventariados, que suportou as despesas havidas com o funeral do inventariado EE, no montante de 1 595,00 €, tendo sido reembolsada pela Segurança Social da quantia de 1 257,66 €, que suportou as despesas com o funeral da inventariada DD, no valor de 1.560,00 €, tendo-lhe igualmente sido reembolsada da quantia de 1 257,66 €, que despendeu o montante de 226,56€ com o IUC de veículos da herança e a quantia de 292,96€ com o IMI de imóveis da herança, valores esses que devem ser relacionados como passivo da herança.
*
A cabeça de casal pronunciou-se, impugnando o alegado pelos reclamantes, aceitando apenas as despesas suportadas a título de IMI e IUC.
*
Produzida a prova foi proferida a seguinte decisão:
«Em conformidade com todo o exposto, julga-se parcialmente procedente a reclamação apresentada e, consequentemente, decide-se ordenar que a cabeça de casal, no prazo de dez dias, apresente nova relação de bens em que sejam relacionadas:
- como dívida, as benfeitorias realizadas pelos reclamantes AA e marido no prédio mencionado na verba n.º 5 da relação de bens, bem como seu valor;
- a doação, por conta da quota disponível, do montante de 1 865,99 € atribuída pela inventariada à cabeça de casal;
- como dívidas aos reclamantes AA e marido, os montantes de 226,56€ e 292,96€, a título de despesas suportadas por aqueles, respectivamente, com o IUC de veículos e IMI de imóveis pertencentes ao acervo hereditário.
Mais se condena a cabeça de casal e a reclamante nas custas processuais relativas ao presente incidente, na proporção, respectivamente, de em 1/6 e 5/6, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs.»
*
Inconformados com esta decisão os reclamantes vieram interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

A) - Uma das questões sobre as quais incide o presente recurso diz respeito à configuração do prédio descrito na verba n.º 6 da relação de bens.
B) - Tal questão é suscetível de afetar a utilidade prática dos atos a realizar ou determinar na conferência de interessados.
C) - Justifica-se plenamente a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, o que expressamente se requer.
D) - À data do óbito do Inventariado marido existiam, titulados em nome do mesmo, os saldos descritos nas verbas nºs 1 a 3 da relação de bens.
E) - Não consta dos autos que à data do respetivo óbito existissem quaisquer saldos bancários em nome da Inventariada mulher.
F) - Estando os Inventariados casados segundo o regime da comunhão geral de bens, os valores monetários descritos nas verbas nºs 1 a 3 da relação de bens constituíam património comum do casal, pelo que metade desses valores, existentes à data do óbito do Inventariado marido, correspondia à meação da Inventariada mulher.
G) - Tendo a Recorrente mulher tomado conta da sua mãe desde 2010 até à data da sua morte e estando esta acamada, cega e totalmente dependente do auxílio de terceiros para todos os atos da sua vida diária – pontos 3, 4 e 5 dos factos provados -, é perfeitamente legítimo que aquela se servisse dos valores pertencentes à Inventariada para prestar tais cuidados, até porque esta não era titular de quaisquer outros saldos bancários.
H) - Sendo certo que é dever dos filhos prestar assistência aos pais, não deve ser exigido àqueles suportar os custos de tal assistência quando os pais dispõem de meios para tal.
I) - Defender o contrário seria impor um sacrifício desproporcionado a uma filha que, durante 6 anos, cuidou de uma mãe totalmente dependente de terceiros.
J) - Apenas deveriam ter sido relacionadas as verbas nºs 1 a 3 na parte correspondente à meação do Inventariado marido.
K) - Relativamente à discussão sobre as verbas nºs 5 e 6 da relação de bens, os Recorrentes consideram incorretamente julgados os pontos 21 e 22 dos factos provados e o ponto h) dos factos não provados.
L) - A prova documental e o depoimento das testemunhas FF, GG e HH impunham decisão diversa da recorrida.
M) - Pertencendo os prédios em causa aos mesmos proprietários, o rústico sempre constituiu logradouro e eirado do urbano, constituindo uma unidade económica.
N) - Os Recorrentes construíram, com autorização dos Inventariados, a sua casa de habitação no referido prédio rústico, passando este a prédio misto, composto de casa de dois pavimentos, logradouro e junto terreno de lavradio.
O) - Tal prédio viria a ser doado aos aqui Recorrentes, através de escritura de 05/12/2007, constante da relação de bens como verba n.º 5.
P) - Após a morte dos Inventariados, a cabeça-de-casal, em 17/06/2020, apresentou Mod. 1 do IMI referente ao artigo ...16 Urbano da União de freguesias ... e Igreja Nova, declarando que o prédio tem a área total de 732m2, dos quais 566m2 constituem logradouro, e juntando um levantamento topográfico com a indicação a tracejado dos limites do prédio, nomeadamente a alegada delimitação com o prédio doado aos Recorrentes – verba n.º 5 – situado a Poente.
Q) - As testemunhas FF, GG e HH, valoradas pelo Tribunal a quo, ao descrever o prédio dos Inventariados, reportaram o seu conhecimento ao período em que existia um estabelecimento de café a funcionar no local.
R) - Resulta dos mesmos depoimentos que tal café encerrou definitivamente ainda antes da doação feita aos Recorrentes, pelo que as testemunhas se focaram num período anterior à mesma.
S) - Ora, nesse período não havia quaisquer dúvidas de que todo o terreno envolvente da casa, incluindo o terreno que viria a ser doado aos Recorrentes, estava afeto ao prédio urbano.
T) - Nenhuma das testemunhas se referiu à composição e configuração do imóvel a que alude a verba n.º 6 da relação de bens em momento posterior à doação, pelo que os seus depoimentos não podem sustentar a matéria constante do ponto 21 dos factos provados.
U) - Para apurar se o terreno declarado pela cabeça-de-casal como logradouro da verba n.º 6 faz efetivamente parte desse prédio é absolutamente irrelevante saber se o mesmo, antes da doação feita aos Recorrentes, estava afeto à casa dos Inventariados.
V) - A questão que efetivamente se coloca é a de saber o que é que foi doado aos Recorrentes.
W) - Na escritura de doação de 05/12/2007 é dito que os Inventariados fazem doação aos Recorrentes de um prédio misto composto por casa de dois pavimentos (construída pelos Recorrentes), logradouro e junto terreno de lavradio.
X) - Os Inventariados doaram, para além da casa e respetivo logradouro, o terreno de lavradio que se encontrava junto.
Y) - Os Inventariados, ao doarem tal prédio aos Recorrentes, não deixaram qualquer área adstrita ao prédio urbano que possuíam (verba n.º 6), sendo assim legítimo concluir, face ao teor da escritura de doação, que os mesmos pretendem doar toda a parte rústica aos Recorrentes.
Z) - Quanto ao ponto 22 dos factos provados, não existe nos autos qualquer prova de que entre o prédio descrito na verba n.º 5 da relação de bens e o prédio descrito na verba n.º 6 exista um murete encimado por uma rede.
AA) - A fotografia junta pela cabeça-de-casal com a resposta à reclamação apenas atesta que existe um murete encimado por rede, não provando que o mesmo delimite os dois prédios.
BB) - Nenhuma das testemunhas ouvidas nos autos referiu que os prédios estavam delimitados por um murete.
CC) - No levantamento topográfico que instruiu o Modelo 1 do IMI apresentado pela cabeça-de-casal, a delimitação feita por esta não coincide com o local onde está implantado o murete e a rede.
DD) - Como claramente resulta da fotografia junta pela cabeça-de-casal, o murete não separa totalmente a área da casa doada aos Recorrentes do restante terreno, pois existe uma abertura.
EE) - Face aos referidos meios de prova, impunha-se que o Tribunal a quo julgasse não provados os factos constantes dos pontos 21 e 22 dos factos provados e provado o facto constante do ponto h) dos factos não provados.
FF) - Sem conceder, não existe nos autos qualquer prova da existência de um logradouro com a área de 566m2.
GG) - A única referência nos autos a essa área é feita através de uma declaração Mod. 1 do IMI e dos documentos que a instruem, designadamente um levantamento topográfico.
HH) - Tal declaração não foi apresentada pelos Inventariados, mas sim pela própria cabeça-de-casal e apenas 5 meses antes da instauração do presente processo de inventário.
II) - A cabeça-de-casal declarou, perante o Serviço de Finanças, o que bem entendeu, assim como indicou no levantamento topográfico os limites que bem entendeu, pelo que tais documentos não têm qualquer relevância probatória.
JJ) - Nenhuma das testemunhas ouvidas nos autos corroborou a existência atual de tal área de logradouro nem confirmou a delimitação constante do levantamento topográfico que instruiu o Mod. 1 do IMI.
KK) - Na fundamentação de facto da douta decisão recorrida, o Tribunal a quo não faz qualquer referência à área do logradouro.
LL) - Face à prova produzida, o prédio da verba n.º 6 da relação de bens deveria ser descrito sem qualquer logradouro.
MM) - Caso se considere que tal logradouro existe deve ser retirada a menção à respetiva área, por total ausência de prova quanto a essa matéria.
NN) - Neste caso, a questão do apuramento dos limites dos prédios descritos nas verbas nºs 5 e 6 deveria ser remetida para os meios comuns, até porque, no entender dos Recorrentes, serão aí aplicáveis as regras do direito de demarcação.
OO) - Sendo certo que a doação, na parte realizada ao marido da cabeça-de-casal, não está sujeita à colação, tal não invalida que a mesma deva ser relacionada, pois, em teoria, pode vir a apurar-se nos autos que tal doação constitui uma liberalidade inoficiosa.
PP) - Deve determinar-se que seja relacionada a doação, por conta da quota disponível, do montante de 3.731,97€ atribuída pela inventariada à cabeça-de-casal e ao seu marido CC
*
A cabeça de casal contra alegou pugnando pela manutenção do decidido.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

São as seguintes as questões decidendas:
- da impugnação da decisão da matéria de facto;
- do mérito da decisão sobre a reclamação à relação de bens.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO

3.1. DE FACTO
3.1.1. Factos Provados

Foram dados como provados os seguintes factos:
1 - EE faleceu no dia .../.../2013, no estado de casado com DD.
2 - DD faleceu no dia .../.../2016, no estado de viúva de EE.
3 - A reclamante AA tomou conta da sua mãe DD, desde 2010 até à data do respectivo óbito, residindo a inventariada com a reclamante. 4 - A inventariada DD estava acamada, cega e totalmente dependente do auxílio de terceiros para todos os actos da sua vida diária.
5 - Consta de atestado médico multiusos, emitido em 2 de Março de 2015, que a inventariada DD possuía uma incapacidade de 95%. 6 - A reclamante AA tinha cartão multibanco das contas bancárias de cada um dos inventariados para as movimentar, nomeadamente para pagar as despesas daqueles.
7 - Em 14 de .../.../2013, a reclamante AA transferiu a quantia de 10 944,25 € (dez mil novecentos e quarenta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos) existente na conta bancária à ordem n.º ...20, do Banco 1..., S.A., titulada pelo inventariado EE, para uma conta bancária sua.
8 - Em 21 de .../.../2013, a reclamante AA transferiu a quantia de 6 562,24 € (seis mil quinhentos e sessenta e dois euros e vinte e quatro cêntimos). existente na conta bancária à ordem n.º ...20, do Banco 1..., S.A., titulada pelo inventariado EE, para uma conta bancária sua.
9 - À data do óbito do inventariado EE, existia ainda, na conta bancária à ordem n.º ...20, do Banco 1..., S.A., por aquele titulado, a quantia de € 475,37 (quatrocentos e setenta e cinco euros e trinta e sete cêntimos).
10 - Consta da actual descrição da Conservatória do Registo predial ... sob o número ...30, da Freguesia ..., que o respectivo prédio tem uma área de 1 915m2 e é compostos por casa de 2 pavimentos (s.c. 124m2), logradouro (287,4m2) e eirado de lavradio (1 373,20 m2); três cobertos (com 34,80 m2, 70,90 m2 e 24,70 m2, respectivamente) para apoio à actividade agrícola e que ao mesmo corresponde a matriz de natureza urbana n.º ...09 e a matriz de natureza rústica n.º ...29.
11 - Consta da caderneta predial urbana do artigo matricial n.º ...09 da União das Freguesias ... e Igreja Nova, que proveio do artigo matricial n.º ...39 da extinta Freguesia ..., que o prédio é composto por casa de ..., com uma divisão para garagem, e andar, com 5 divisões para habitação, tendo uma área total de 411,40 m2.
12 - Consta da caderneta predial rústica do artigo matricial n.º ...29 da União das Freguesias ... e Igreja Nova, que proveio do artigo matricial n.º ...17 da extinta Freguesia ..., que o prédio de cultura e eirado possui uma área de 965,40 m2.
13 - Pela Ap. ...8/13, foi averbada uma rectificação à descrição predial do imóvel descrito na Conservatória do Registo predial ... sob o nº ...30, da Freguesia ....
14 - Antes dessa rectificação, constava da descrição da Conservatória do Registo predial ... sob o nº ...30, da Freguesia ..., que o respectivo prédio tinha a área total de 1380 m2, sendo 120 m2 de área coberta e 1260 m2 de área descoberta.
15 - Por Escritura Pública de Justificação, celebrada a 17 de Dezembro de 1992, no ... Cartório Notarial ..., EE e mulher DD declararam, entre o mais, o seguinte:
“Que, são actualmente com exclusão de outrem, donos e legítimos possuidores do seguinte prédio: Eirado, de cultura e ramada, com a área de mil trezentos e oitenta metros quadrados, situado no Lugar ..., Freguesia ..., concelho ..., que confronta do norte com II, do sul e nascente com caminho e do poente com JJ, não descrito na Conservatória do Registo predial ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...17 (…)”.
16 - O escrito referido em 15) deu origem à descrição predial ...30/Igreja Nova com o seguinte teor: “... – Lavradio – 1380 m2 – Norte – II, sul e nascente – caminho e poente – JJ (…)”.
17 - Através da Ap. ...5-03, passou a constar de tal descrição o seguinte: “Misto – casa de 2 pavimentos – sup. Coberta – 120 m2, logradouro – 295 m2, lavradio – 965 m2 (…) Artigos ...39 urbano e ...17 rústico.”.
18 - Por escritura de doação outorgada em 5 de Dezembro de 2007, no Cartório Notarial ..., exarada a folhas 41 a 42, do livro de notas para escrituras diversas nº 202A, EE e mulher DD doaram a AA e marido BB, por conta das quotas disponíveis dos doadores, o prédio misto composto por casa de dois pavimentos, logradouro e junto terreno de lavradio, situado no Lugar ..., Freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo predial ... sob o nº ...30/Igreja Nova e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...39 e na matriz rústica sob o artigo ...17.
19 - Em 13 de Agosto de 2019, AA deu entrada no Serviço de Finanças ... de um requerimento com o seguinte teor:
“Vem requerer a V. Excia. que proceda à rectificação da área do prédio rústico inscrito na matriz predial da União de freguesias ... e Igreja Nova sob o artigo ...29, pois, devido a erro de medição, a área que consta da matriz não corresponde à sua área real, conforme levantamento topográfico que se junta.
Para o efeito, declara-se que o referido prédio não sofreu qualquer alteração dos seus limites, encontrando-se murado, e que a Requerente não é proprietária de mais nenhum outro prédio da mesma natureza confinante com o referido prédio rústico.
Vem ainda requerer a V. Excia. se digne mandar actualizar a composição do mesmo prédio, uma vez que nele se encontram edificadas três construções para apoio à actividade agrícola, de modo que fique a constar o seguinte:
- O prédio rústico inscrito na matriz predial da União de freguesias ... e Igreja Nova sob o artigo ...29, é composto por cultura e eirado, com a área descoberta de 1.373,20 m2, coberto com a superfície coberta de 34,80 m2, outro coberto com a superfície coberta de 70,90 m2, e ainda outro coberto com a superfície coberta de 24,70 m2, perfazendo a área total de 1.503,60 m2, a confrontar do norte com II, do sul com caminho público, do nascente com caminho público, herdeiros de EE e herdeiros de KK e do poente com JJ. (…)”.
20 - A 17/06/2020, a cabeça-de-casal AA apresentou no Serviço de Finanças ... referente ao artigo ...16 Urbano, declarando que o mesmo tinha uma área total de 732 m2, sendo 166 m2 de área coberta.
21 - No espaço envolvente à edificação existente no prédio referido no ponto 20) existe um tanque com água, um espigueiro em tijolo, anexos, acessos à vida pública para ele deitam as escadas exteriores de acesso ao piso superior da casa e as escadas de aceso ao terraço.
22 - Entre o imóvel composto de casa de ... e andar, logradouro e junto eirado de lavradio, no Lugar ..., Rua ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...09 e na rústica sob o artigo ...29 da União de freguesias ... e Igreja Nova, descrito na Conservatória do Registo predial ... sob ao número ...30/Igreja Nova (verba n.º 5 da relação de bens) e o prédio referido em ponto 20 existe um murete encimado por uma rede.
23 - A cabeça de casal AA e o seu marido CC receberam, a título de empréstimo, a quantia de 7 481,97€ (1 500 000$00) da inventariada DD.
24 - Consta de documento denominado de Declaração datada de 08 de Fevereiro de 2008 o seguinte:
“DD casada com EE, residente no Lugar ..., Freguesia ..., do concelho ..., declara para todos os efeitos tidos por convenientes, que em relação ao empréstimo da quantia de Esc. 1.500.000$00 ao seu genro CC e à sua filha AA, ficou entre todos acordado que estes não teriam que restituir tal quantia, e que a mesma não venceria qualquer tipo de juros, devendo entrar como doação por conta da quota disponível (sem entrar em contas).
Depois de ter sido lido, explicado o conteúdo e por ser esta a expressão da sua vontade vai assinar, na presença de testemunhas.
... de Fevereiro de 2008”,
encontrando-se apostas três assinaturas manuscritas com os nomes DD, LL, BI n.º ..., e MM, BI n.º ....
25 - Em virtude do referido em 24), a cabeça de casal AA e o seu marido CC depositaram, a 15 de Dezembro de 2008 e em conta bancária dos inventariados, a quantia de 4 000,00 €, a título de restituição parcial do valor emprestado.
26 - A reclamante AA recebeu da Segurança Social a quantia de 1 257,66 €, a título de subsídio de funeral devido pelo falecimento do inventariado EE.
27 - A reclamante AA recebeu da Segurança Social a quantia de 1 257,66 €, a título de subsídio de funeral devido pelo falecimento da inventariada DD.
28 - A reclamante AA despendeu o montante de 226,56€ com o IUC de veículos da herança, e a quantia de 292,96 € com o IMI de imóveis da herança.

3.1.2. Factos Não provados:

a) A reclamante AA havia sido investida como co-titular da conta bancária de que aqueles eram titulares, de modo a poder movimentar a mesma e utilizar os fundos nela depositados para fazer face às diversas despesas dos inventariados e aos encargos havidos com a sua assistência.
b) Quando o inventariado EE faleceu, em .../.../2013, a inventariada DD, a fim de evitar que a conta bancária fosse bloqueada, pediu à reclamante AA que transferisse os valores nela depositados para uma conta sua.
c) A inventariada DD necessitava dos valores em causa para prover ao seu sustento e suportar as despesas que o seu estado de saúde implicava.
d) Após ter o inventariado EE falecido, a inventariada DD auferia uma pensão de reforma por velhice de cerca de 330,00€ mensais, e de uma pensão de sobrevivência, por óbito do seu marido de cerca de 160,00€.
e) A inventariada DD tinha encargos com alimentação, vestuário e higiene, necessitando ainda de fraldas, resguardos, colchão anti-escaras, assistência médica ao domicílio e, quando a reclamante AA tinha de se ausentar, assistência de uma outra terceira pessoa.
f) Quando pediu à reclamante para transferir os valores existentes para a sua conta, a inventariada decidiu ainda que os montantes que não fossem afectos ao seu sustento ficaram para os reclamantes como compensação pelas obras realizadas na sua habitação para receber os inventariados.
g) Os filhos dos inventariados sempre souberam que a reclamante AA geria o dinheiro dos seus pais e foram informados que os valores existentes à data do óbito do inventariado EE foram transferidos para a sua conta, de forma a esta assegurar as despesas havidas com a sua mãe e como compensação pelas obras acima descritas, sendo que nenhum dos herdeiros se opôs ou manifestou qualquer discordância.
h) O prédio urbano descrito sob a verba nº 6 da relação de bens, a que se reporta a caderneta predial urbana do artigo matricial ...16 da União de freguesias ... e Igreja a Nova, é apenas composto por uma casa de dois pavimentos com 80 m2.
i) A reclamante AA despendeu a quantia de 460 € com a aquisição da sepultura/jazigo onde estão sepultados os inventariados.
j) A reclamante AA suportou as despesas havidas com o funeral do inventariado EE, no montante de 1 595 €.
l) A reclamante AA suportou as despesas com o funeral da inventariada DD, no valor de 1 560 €.
m) Nas circunstâncias referidas no ponto 24) dos factos provados, em virtude de tal doação e com conhecimento das demais irmãs, a inventariada DD contemplou todas elas com metade da quantia referida no ponto 23).
*
3.2. DE DIREITO

3.2.1 Impugnação da decisão da matéria de facto

Existem requisitos específicos para a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, os quais, se não observados conduzem à sua rejeição.

Assim, o artigo 640º, CPC impõe ao recorrente o ónus de:

a) especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Impõe-se que nas conclusões o recorrente indique concretamente os pontos da matéria de facto que impugna e o que entende que deve ser assente, apresentando a sua pretensão de forma inequívoca, de forma a que se possa, com clareza, separar a mera exposição da sua apreciação sobre a prova da reivindicação da alteração da matéria de facto, e saber claramente em que sentido pretende que a matéria de facto provada seja alterada.
Pois bem.
Consideram os Recorrentes que foram incorretamente julgados como provados os factos 21 e 22 e como não provado o facto h).
Os factos têm a seguinte redação:
Factos provados
21 - No espaço envolvente à edificação existente no prédio referido no ponto 20) existe um tanque com água, um espigueiro em tijolo, anexos, acessos à vida pública para ele deitam as escadas exteriores de acesso ao piso superior da casa e as escadas de aceso ao terraço.
22 - Entre o imóvel composto de casa de ... e andar, logradouro e junto eirado de lavradio, no Lugar ..., Rua ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...09 e na rústica sob o artigo ...29 da União de freguesias ... e Igreja Nova, descrito na Conservatória do Registo predial ... sob ao número ...30/Igreja Nova (verba n.º 5 da relação de bens) e o prédio referido em ponto 20 existe um murete encimado por uma rede.
Facto não provado
h) O prédio urbano descrito sob a verba nº 6 da relação de bens, a que se reporta a caderneta predial urbana do artigo matricial ...16 da União de freguesias ... e Igreja a Nova, é apenas composto por uma casa de dois pavimentos com 80 m2.
Esta factualidade contende com as verbas 5 e 6 da relação de bens.
Entendem os impugnantes que a prova documental e o depoimento das testemunhas FF, GG e HH impunham decisão diversa.
Assim não é.
Do depoimento das testemunhas FF, GG e HH, resulta precisamente a confirmação desta factualidade, que não é afastada pela circunstância de se reportarem ao tempo de funcionamento de um estabelecimento de café que frequentavam, pois que os registos fotográficos que foram juntos ilustram a mesma realidade, sendo incontroversa a existência de um murete encimado por uma rede, que outra função não se descortina que não seja a de delimitar os prédios.
De igual modo, a planta de localização (junta a fls. 113) e o levantamento topográfico (junto a fls. 113v a 114), confirmam a descrição feita pelas testemunhas.
Na verdade, compulsados os documentos, nenhum se encontrou que pudesse suportar a posição factual defendida pelos Recorrentes na sua impugnação.
Em suma, os impugnantes não aportaram argumentos válidos nem provas bastantes que conduzam a diferente decisão, indicando passagens de depoimentos que foram tidos em conta pelo tribunal na sua motivação e procedendo a uma exegese dos documentos que o seu teor não comporta.
Improcede, assim, a impugnação da decisão da matéria de facto.
*
b) Do mérito da decisão sobre a reclamação de bens

O processo de inventário tem por função, entre o mais, fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens (artigo 1082.º, alínea a), do Código do Processo Civil).
Como se afirma no Acórdão da Relação de Lisboa de 15.09.2020, através da instauração do processo de inventário visa-se, em termos essenciais, proceder à definição dos sucessores do de cujus; à divisão do património hereditário; e ao apuramento da responsabilidade pelo passivo da herança[1].
Para tanto, é necessário efetuar-se a descrição e uma avaliação dos bens, tudo com o objetivo final da partilha equitativa pelos respetivos interessados, pondo-se fim a uma universalidade de bens, substituindo-a pela formação de quinhões ou quotas individuais e concretizadas que, a final, passarão da esfera jurídica do autor da herança para a dos seus herdeiros.
Tal concretiza-se com a apresentação da relação de bens, cuja elaboração cabe ao cabeça de casal, podendo os interessados dela reclamar, caso com ela não concordem (artigos 1098.º, n.ºs 1 a 7, e 1104.º, n.º 1, alínea d) do Código do Processo Civil).
A reclamação contra a relação de bens traduz-se num incidente processual e consubstancia a forma de reação dos interessados em discutirem a composição da relação de bens apresentada, designadamente pela existência de bens a partilhar que não foram contemplados (reclamação por insuficiência de bens, que eventualmente pode ter lugar simultaneamente com o incidente de sonegação de bens – artigos 2096.º do Código Civil e 1105.º, n.º 4, do Código do Processo Civil); a existência de bens que deviam estar subtraídos à partilha (reclamação por excesso da relação de bens), a inexatidão da identificação dos bens incluídos na relação e, ainda, a impugnado o valor atribuído a tais bens.
No caso, os Recorrentes discordam da decisão sobre a reclamação à relação de bens quanto às verbas 1 a 3, 5 e 6, considerando, ainda, que deve ser aditada a doação feita ao marido da cabeça de casal.
Quanto às verbas 1 a 3.
Consideram os Recorrentes que estando os inventariados casados segundo o regime da comunhão geral de bens, os valores monetários descritos nas verbas nºs 1 a 3 da relação de bens constituíam património comum do casal e nesse sentido, metade desses valores, existentes à data do óbito do inventariado marido, correspondia à meação da inventariada mulher. Acrescentam que, tendo a Recorrente mulher tomado conta da sua mãe é legítimo que aquela se servisse dos valores pertencentes à inventariada para prestar tais cuidados. Concluem, assim, que apenas deveria ter sido relacionada metade dos valores em causa.
Salvo o devido respeito, o quadro factual não permite concluir nos termos em que o fazem os reclamantes.
É para nós incontestável que se a filha AA tomou conta da sua mãe, que se encontrava acamada, cega e totalmente dependente do auxílio de terceiros para todos os atos da sua vida diária, tinha todo o direito e legitimidade para se servir dos valores pertencentes à inventariada necessários à prestação dos cuidados.
Coisa diferente é apropriar-se de montantes depositados em nome de um dos inventariados, após o seu óbito, não se demonstrando que tais montantes se destinaram a prover à satisfação das necessidades do cônjuge sobrevivo e com conhecimento e consentimento dos demais interessados.
De notar, que a situação descrita pela reclamante justificativa das transferências bancárias operadas da conta do inventariado para a sua conta, não logrou demonstração, não tendo sido impugnada essa factualidade que se manteve inalterada.
Quanto às verbas nº 5 e 6.
A questão que verdadeiramente se coloca, e que muito pertinentemente foi apreendida pelo tribunal a quo, é se ao prédio descrito na verba n.º 5 da relação de bens pertence o terreno que envolve o imóvel descrito na verba n.º 6.
Consideram os Recorrentes que face à prova produzida, o prédio da verba n.º 6 da relação de bens deveria ser descrito sem qualquer logradouro, mas caso se considere que tal logradouro existe deve ser retirada a menção à respetiva área, devendo a questão do apuramento dos limites dos prédios descritos nas verbas nºs 5 e 6 ser remetida para os meios comuns, até porque, no entender dos Recorrentes, serão aí aplicáveis as regras do direito de demarcação.
Ora, relativamente à composição e morfologia dos imóveis, a factualidade que a propósito se apurou faz naufragar a pretensão dos reclamantes.
O imóvel constante da verba n.º 6 da relação de bens é composto por um terreno envolvente que lhe dá acesso à via pública, existem anexos e construções de apoio e, ainda, acessos à habitação que deitam para tal terreno envolvente.
Como bem se refere na decisão recorrida, sendo o logradouro o termo empregue para terreno ou espaço anexo a uma habitação, usado para serventia ou com outras funcionalidades, é patente que tal espaço, pertence ao dito imóvel – artigo 204.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, 2.ª parte, do Código Civil.
Ademais, tal espaço apresenta-se devidamente delimitado do outro prédio, pois entre eles existe um murete encimado por uma rede, que os divide. Não existe confundibilidade entre ambos.
Sufraga-se o que se expressou na decisão, que a função primária do inventário é fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens, pelo que devendo o bem ser relacionado, como é o caso, e sendo o mesmo identificável e possível a aferição da sua situação jurídica, como se pretende que suceda com a descrição dos mesmos na relação de bens, nada mais há a determinar - artigo 1082.º, alínea a), e 1098.º, n.º 4, do Código do Processo Civil.

Quanto à quantia monetária entregue à cabeça de casal AA e seu marido CC

Quanto a esta questão, na decisão recorrida entendeu-se que deverá ser considerado o valor de 3 731,97€, como doação, sujeita à colação já que a cabeça de casal era, à data, presuntiva herdeira legitimária – artigos 2104.º, 2105.º, 2016.º, 2131.º, 2132.º, 2133.º, n.º 1, alínea a), 2134.º e 2157.º do Código Civil.
Quanto a este entendimento estão de acordo os reclamantes.
Todavia, adverte a decisão, a doação foi efetuada à cabeça de casal e seu cônjuge, o que está sujeito a um regime especial.
Com efeito, resulta do regime legal que se a doação tiver sido feita a ambos os cônjuges, fica sujeita a colação apenas a parte do que for presuntivo herdeiro, no caso, metade do valor doado – artigos 1722.º, n.º 1, alínea b), e 2107.º, n.º 2, do Código Civil.
Desta feita, só metade do valor doado, ou seja, 1 865,99 €, sendo este o valor sujeito a colação, e que deverá ser relacionado.
Decorre, no entanto, normativamente dos artigos 2213.º, n.ºs 1 e 2, e 2114.º, n.º 1, do Código Civil, que a colação pode ser dispensada pelo doador no ato da doação ou posteriormente, sendo que se tiver sido acompanhada de alguma formalidade externa, só pela mesma forma, ou por testamento, pode ser dispensada a colação, cujo efeito é a sua imputação na quota disponível.
No caso, pelo doador foi emitida declaração escrita em que expressamente consigna que a doação deve “entrar como doação por conta da quota disponível (sem entrar em contas)”. Significando a expressão que a doação é feita com dispensa de colação, pelo que a doação não tem que ser conferida para qualquer igualação.[2]
Por essa razão, determinou o tribunal a quo fosse relacionada a doação, no valor de 1 865,99 €, efetuada à cabeça de casal e dispensada da colação.
No entender dos Recorrentes, sendo certo que a doação, na parte realizada ao marido da cabeça-de-casal, não está sujeita à colação, tal não invalida que a mesma deva ser relacionada.
Argumentam que, em teoria, pode vir a apurar-se nos autos que tal doação constitua uma liberalidade inoficiosa, podendo assim, relativamente a tal doação, haver lugar ao incidente previsto nos artigos 1118º e 1119º do Código de Processo Civil, sendo que, para o efeito, importa que a doação esteja devidamente relacionada.
A questão convoca a distinção entre os institutos da colação e da inoficiosidade.
O instituto da inoficiosidade é de interesse e ordem pública: visa proteger com, sem ou mesmo contra a vontade do doador a legítima dos herdeiros forçados.
A colação não é de interesse e ordem pública: pode ser afastada por vontade do doador, como será o caso de este dispensar o donatário da obrigação de conferir.
A finalidade de um e outro instituto são bem diversas. Enquanto a colação visa a igualação de todos os herdeiros, a inoficiosidade visa a preservação do princípio da intangibilidade da legítima.[3]
A legítima é a porção de bens que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos seus herdeiros legitimários (artigo 2156º do Código Civil).
Impõe a lei que para o cálculo da legítima se atenda ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança (artigo 2162º, nº1, do Código Civil).
Afirma Rabindranath Capelo de Sousa que “abrangem-se aí todas as doações em vida do autor da sucessão, quer aos designados legitimários (e sujeitas ou não à colação) quer a quaisquer outras pessoas.[4]
Dado que também as liberalidades em vida feitas a terceiros,são tidas em conta no cálculo da legítima, nos termos do artigo 2162º do Código Civil, alargando, por sua vez, o valor da herança, só poderão ser imputáveis na quota disponível, por força do princípio da intangibilidade da legítima objetiva, estando, porém, por essa razão, sujeitas à redução por inoficiosidade quando excedam o valor da quota disponível[5]. E, no entender de Pamplona Corte-Real, aqui se esgota a relevância sucessória das doações feitas a terceiros em vida do autor da sucessão.[6]
A inoficiosidade caracteriza-se, assim, pela ofensa da legítima dos herdeiros legitimários por via de liberalidades do autor da herança que excedam o âmbito da sua quota disponível, sendo suscetível de abranger as que ocorram entre vivos, como é o caso das doações, ou por morte, como é o caso dos legados (artigo 2168º do Código Civil).
As liberalidades inoficiosas são redutíveis a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tanto quanto seja necessário para que a legítima seja preenchida (artigo 2169º do Código Civil).
Relativamente aos donatários herdeiros a respetiva doação será imputada na quota disponível (artigo 2114º do Código Civil). Se exceder essa quota, porém, o excesso deverá ser imputado na legítima do donatário. E se exceder a quota disponível e a legítima, está sujeita a redução por inoficiosidade nos termos gerais.
As liberalidades feitas a terceiros também estão sujeitas a redução, nos termos do artigo 2169º, devendo obedecer-se à ordem de redução prevista nos 2171º a 2174º do Código Civil.
Nos casos em que os donatários são pessoas estranhas à herança, o inventário é meio processual próprio para serem reduzidas doações por inoficiosidade.[7]
Do que se deixa exposto, na situação em apreço, não há lugar à colação mas pode, com efeito, haver eventual redução da doação motivada pela sua inoficiosidade.
Face ao exposto, deve ser relacionado como doação a CC, por conta da quota disponível, o valor de 1 865,99 €.
Termos em que procede, nesta parte, a apelação.
*
IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, devendo ser relacionado como doação, por conta da quota disponível, o valor de 1 865,99 €, atribuído pela inventariada a CC.
No mais, mantém-se a decisão recorrida.
As custas serão suportadas na proporção de 2/3 pelos Recorrentes e 1/3 pelos Recorridos.
Guimarães, 30 de Novembro de 2022

Assinado digitalmente por:                                                   
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Elisabete Coelho de Moura Alves
2º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes


[1] Disponível em www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido, Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 2ª ed., págs. 313-314.
[3] Notas sobre a Colação, Jorge Leite, Coimbra 1977 – pág.7
[4] Lições de Direito das Sucessões, vol. II, 2ª ed., pág. 162, nota 858.
[5] Ana Isabel Cardoso Rosado, Redução por inoficiosidade como forma de tutela da intangibilidade quantitativa da legítima, Dissertação de Mestrado em Direito e Prática Jurídica, 2019, pag. 60.
[6] In As Liberalidades em vida e o fenómeno sucessório: breves notas em matéria de imputação e colação, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 1985, pág.8.
[7] Neste sentido, acórdão da Relação de Guimarães, de 19.03.2020, disponível em www.dgsi.pt.