Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANIZABEL SOUSA PEREIRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA NULIDADE DO CONTRATO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/04/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário (da relatora): I- No contrato de mediação imobiliária, os modelos de contratos com cláusulas contratuais gerais de mediação imobiliária só podem ser utilizados pela empresa após aprovação prévia dos respetivos projetos pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, I. P. (IMPIC, I. P.),pelo que a sua falta gera nulidade do contrato ( cfr. art. 16º, nº 4 a 7 da lei 15/2013 de 08.02). II- É legítima a invocação de tal vício pelo outorgante que se responsabilizou pelo pagamento da remuneração/comissão devida e paga de modo antecipado aquando da celebração do contrato-promessa (não se tratando de remuneração específica). III- Não age com abuso de direito ao arguir a nulidade desse contrato, aquele outorgante que a invoca quando ainda se não mostra vencida a totalidade da dívida por a comissão/remuneração só ter de ser paga no momento da conclusão do negócio objeto da mediação. IV- Apesar de a mediadora ter desenvolvido ações de angariação de interessados na sequência das quais inclusive foi realizado contrato-promessa, mas não tendo ocorrido a conclusão e perfeição do contrato visado e não se tendo alegado e provado que as partes tivessem pensado e querido estabelecer “uma” contrapartida “específica” por tais ações da mediadora, a contraparte nada deve restituir como valor equivalente por força da nulidade do contrato de mediação simples. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: * 1. RelatórioM. F. e marido P. N. intentaram ação declarativa em processo comum contra “O. T. – Mediação Imobiliária Unipessoal, Lda.” peticionando a condenação da ré no pagamento aos autores da quantia de 5.500,00 €, acrescida de juros, contados da citação e até efectivo pagamento, à taxa legal de 4%, e ainda nas custas. Para tanto, alegam que são proprietários de uma fração autónoma que pretendiam vender, e que celebraram com a ré, mediadora imobiliária, mas de forma meramente verbal e sem acordo quanto à fixação da remuneração, um acordo de mediação imobiliária para venda da sua fração, na execução do qual celebraram com terceiro angariado pela ré um contrato promessa de compra e venda que o tal terceiro veio mais tarde a incumprir, mas ao abrigo do qual passou o sinal de €10.000,00. Entendem, em consequência, que a quantia de €5.500,00, retirada pela ré, a título de remuneração da mediação, do sinal passado pelo terceiro, deve ser devolvida aos autores, ou por via da nulidade que invocam do contrato por falta de redução a escrito ou porque o negócio (compra e venda) não foi realizado, não sendo devida qualquer remuneração. Contestou a ré a obrigação de pagamento do peticionado e pediu a condenação dos autores como litigantes de má-fé. Exceciona a ré, alegando ter celebrado por escrito assinado pelos autores, que junta por cópia, um acordo de mediação – o segundo para a fração em causa, desta feita sem exclusividade – onde expressamente se prevê que o vencimento da remuneração (em montante equivalente ao montante peticionado pelos autores) ocorreria na data da celebração do contrato-promessa com o tal terceiro que a ré angariou e que, efetivamente, incumpriu o contrato promessa (não celebrando o definitivo), alegando ainda o abuso de direito ao invocarem a nulidade do contrato por falta de forma escrita, quando assim não ocorre. * Foi proferido despacho saneador, bem como o despacho a que alude o art.º 596º, do NCPC. * Posteriormente e após reclamação, foi proferido despacho a convocar a audiência prévia, a qual foi realizada e conforme consta da ata de 30-10-2019, cumprido o contraditório, os AA alegaram que:- o contrato de mediação datado de 24-10-2017 apesar de assinado pelos AA apenas com as identificações dos outorgantes, foi assinado antes do contrato datado de 27-01-2017, pelo que este substituiu aquele e tornou-se num “ documento fantasma”, mas e ainda assim, suposta a sua realização- que não ocorreu, na versão dos AA- invocaram a nulidade do contrato de mediação datado de 24-10-2017 por não ter sido depositado para aprovação prévia conforme art. 16º e 17º da Lei 15/2013; - quanto ao alegado abuso de direito, consideram que a ré não invoca, realmente, o abuso de direito, limitando-se na atribuição, aos autores, de um comportamento contrário à verdade e, assim, passível de ser sancionado com uma condenação por litigância de má fé; - pedem a condenação da Ré como ligante de má fé. * Analisados os termos em que foi apresentada a resposta, entendeu-se que o objeto do litígio tal como fixado no despacho saneador enquadra o litígio tal qual as partes o apresentaram em juízo, pelo que se determinou a sua manutenção nos termos anteriormente fixados, apenas se acrescentaram temas da prova.* Procedeu-se a julgamento, com observância de todas as formalidades legais, conforme consta das respetivas atas. * Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “Julga-se a ação procedente e, em consequência, condena-se a ré no pagamento aos autores da quantia de cinco mil e quinhentos euros, acrescida de juros de mora calculados à taxa supletiva prevista para as obrigações civis e contados desde a data da citação da ré até efetivo e integral pagamento. Absolvem-se autores e ré do pedido de condenação como litigantes de má-fé. Custas da ação pela ré (artigo 527.º do Código do Processo Civil). Custas dos incidentes de litigância de má-fé por autores e ré que se fixam em 2UC para cada parte (tabela II anexa ao RCP e seu artigo 7.º) Notifique e registe.” * Inconformada com esta decisão, veio a R interpor recurso, e formula as seguintes conclusões aperfeiçoadas (que se transcrevem): “ 1) Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Ponte de Lima, no processo supra referido, de acordo com a qual a Ré, ora Recorrente, foi condenada a pagar aos Autores a quantia de cinco mil e quinhentos euros: “Julga-se a ação procedente e, em consequência, condena-se a ré no pagamento aos autores da quantia de cinco mil e quinhentos euros, acrescida de juros de mora calculados à taxa supletiva prevista para as obrigações civis e contados desde a data da citação da ré até efetivo e integral pagamento. Absolvem-se autores e ré do pedido de condenação como litigantes de má-fé.” – (Cfr. com sentença recorrida). 2) Não pode, todavia, e salvo o devido respeito, a apelante conformar-se com a decisão do tribunal a quo, insurgindo-se contra os seguintes pontos: Matéria de facto dada como provada; Apreciação e interpretação da matéria de facto dada como provada; Aplicação do direito à matéria de facto dada como provada. Na verdade, atenta toda a prova produzida, quer documental, quer testemunhal em sede de audiência de julgamento, de forma incompreensível e até contraditória com a própria fundamentação da motivação, foram dados como provados factos que, salvo o devido respeito por melhor opinião, deveriam ter merecido resposta negativa, 3 outros, ao invés, que foram julgados não provados quando deveriam ter sido julgado provados, e que a sê-lo, teriam levado certamente a uma decisão diversa. Tendo a prova sido devidamente gravada, o presente recurso pode ser, e é, de facto e de direito. 3) Em sede de contestação foram alegados factos e invocado o instituto de abuso de direito, sucede que a sentença proferida à luz dos factos dados como provados não se pronunciou acerca do abuso de direito. Assim, o Tribunal não conheceu de questões sobre as quais se devia ter pronunciado, criticamente, razão pela qual nos termos do artigo 615º, alínea d) do Código de Processo Civil deve ser declarada nula. 4) Atendendo à prova produzida, não pode conformar-se a Apelante, com a resposta dada a determinados pontos da matéria de facto. Assim, entende a Apelantes que o Tribunal “a quo” decidiu mal ao dar como provados os seguintes factos: “ H) Após a assinatura do contrato, a ré não entregou aos autores a quantia de €10.000,00, que a promitente-compradora havia deixado àquela para pagamento do sinal aos autores. I)A ré entregou apenas €4.500,00 aos autores e reteve €5.500,00, fazendo-os seus.” 5) O Tribunal “a quo” salvo melhor opinião não considerou efectivamente a prova produzida em sede de audiência e julgamento. A matéria dada como provada sob as alíneas H e I deveria ter sido dada como não provada. 6) ISTO PORQUE, conforme está espelhado no exame critico da prova exercido pelo Tribunal “a quo” (pelo menos no que a este aspecto toca) - presente em toda a sentença, a versão apresentada pelos Autores, que foi desenvolvida e floreada, à medida que o processo foi sendo tramitado, não merece qualquer credibilidade: - Os Autores não admitiram a existência do contrato de mediação mobiliária outorgado por escrito entre os 1ºs e a Ré datado de 24/10/2017. Tendo a Ré apresentado o referido contrato vieram dizer que as assinaturas apostas pelos autores no documento (referido em Q) foram apostas quando este só continha as respetivas identificações, o que fizeram na presença da funcionária da ré, S. C.; tratando-se de um documento fantasma destinado ao lixo!!! - Com a junção aos autos por parte da Ré de documento a comprovar o abaixamento do preço assinado pelos Autores, vieram aqueles em nova versão dos factos atribuir um novo sentido ao termo vulgarmente entendido por “contrato”. - Os Autores acusam a Ré de não lhes ter entregue a totalidade do sinal, ou seja os dez mil euros e de lhes ter ficado com parte daquele, cinco mil e quinhentos euros. 7) Sendo que esta versão dos factos não é sustentada por nenhuma testemunha, apenas, pelo de depoimento da Autora. O exame crítico da sentença é exemplar nessa análise. No entanto, e sem grande fundamentação, entendeu o Tribunal a quo quanto a estes pontos em concreto (H e I da matéria de facto dada como provada e não provada no ponto 2) que, “Por fim, quanto à matéria dada como provada sob as alíneas H e I e dada como não provada sob o ponto 2: a celebração do contrato-promessa de compra e venda foi possível, como bem explicou o legal representante da ré, após difícil negociação. Foi absolutamente essencial para a sua celebração a descida da remuneração da ré mediadora, que se passou a fixar nos €5.500,00 e não no valor que acordara por escrito. Os autores bem sabiam que tal montante correspondia à remuneração e, dados os termos do acordo que lhes fora explicado, que tal montante era devido à ré no momento da assinatura do contrato-promessa. Todavia, quanto à efetiva entrega da ré aos autores em numerário da quantia de €10.000,00 e posterior entrega dos autores à ré da quantia de €5.500,00, os depoimentos não foram claros. Não só essa oscilação de notas entre mãos é pouco plausível como não foi suficientemente explicada, tudo levando a concluir que o pagamento da remuneração da ré se fez por simples retenção material de parte do valor entregue pela promitente-compradora a título de sinal, destinado, como a ré admite, aos autores.” – (Negrito e sublinhado nosso). 8) Salvo o devido e merecido respeito, a fundamentação da matéria de facto dada como provada em H) e I) é contraditória. E tal contradição resulta da própria sentença. Ora se o Tribunal a quo ficou convencido que (…) a celebração do contrato-promessa de compra e venda[só] foi possível, como bem explicou o legal representante da ré, após difícil negociação. [ e se] Os autores bem sabiam que tal montante correspondia à remuneração e, dados os termos do acordo que lhes fora explicado, que tal montante era devido à ré no momento da assinatura do contrato-promessa.”, o expectável é que os Autores tivessem entregue à Ré os cinco mil e quinhentos euros, que lhe eram devidos. 9) Até porque, conforme se deu como não provado em 2) os Autores nunca protestaram que a Ré indevidamente lhes tivesse ficado com quaisquer quantias. 10) Nunca, após a outorga do contrato promessa referido em F) e G), e antes da data da escritura definitiva, os Autores interpelaram a Ré para a entrega de quaisquer quantias por ela recebidas a título de sinal. Logo, não é concebível que a Ré tenha retido e feitos seus cinco mil e quinhentos euros. 11) A regras da experiência dizem que os Autores tendo recebido em numerário fizeram à Ré o pagamento em numerário. Tanto é confirmado pela testemunha I. B., como pelo legal representante da Ré que explicaram de forma clara e coerente, que após a assinatura do contrato, a Ré, na pessoa do seu sócio gerente entregou aos autores a quantia de €10 000,00, que a promitente- compradora havia deixado àquela para pagamento do sinal, e que, na sequência disso, os Autores do numerário recebido pagaram à Ré a quantia de €5.500,00, conforme combinado. A testemunha I. B. é peremptória quando a instâncias do Meritíssimo Juíz esclarece que esteve presente no momento em que a Ré, na pessoa do sócio gerente, entregou o valor do sinal – dez mil euros em numerário – aos Autores. E que os mesmos, após receberem os dez mil euros em numerário procederam ao pagamento da Ré conforme combinado. 12) Tal depoimento é corroborado pela testemunha P. P., comercial da Ré à data dos factos, que esclarece que, os Autores após saírem da reunião com o socio gerente e com a directora processual, I. B., o fizeram de forma ordeira e satisfeita. 13) Também a testemunha M. C. confirma que “As relações [entre Autores e Ré] estavam boas, até porque eles andavam á procura e lembro-me que tinham andado, a S. C. a saber de propriedades que se enquadrassem dentro daquilo que eles procuravam, porque eles tinham que ir, não iam morar debaixo da ponte.” Também o sócio gerente da Ré é claro quando afirma que não reteve quaisquer quantias referente ao sinal de dez mil euros: 14) É, assim claro que os factos vertidos sob os pontos H) e I) da fundamentação de facto, terão que ser dados como “não provados” uma vez que não só a Ré fez prova concreta e directa sobre estes factos, como a prova que fez é solida, coerente e não apresenta contradições. Realça-se que, quem fala a verdade fala sempre a mesma coisa, e não vai adequando a “estória” ao longo da tramitação processual. 15) Devendo, consequentemente, deste modo dar-se como não provados os factos vertidos sob os pontos H) e I) dos factos provados. 16) ACRESCE AINDA, e apesar de invocado, não ponderou a sentença se a conduta dos Autores constituía ou não abuso de direito. Efectivamente, com relevância para o objecto do processo foi dado como provado os factos vertidos em M) e AA). 17) É facto que a escritura definitiva não se realizou porque a promitente compradora, notificada para comparecer, faltou no dia, hora, e local para outorga da escritura prometida. No entanto o motivo pelo qual a promitente compradora faltou à escritura entre outros imputa-o aquela promitente à conduta dos Autores que, à revelia do acordado entre ambos, substituíram o exaustor, o frigorifico, e a máquina de lavar roupa existentes no imóvel por outros em mau estado de conservação. Isso resulta claro do documento n.º 7 junto. 18) Conforme refere a testemunha L. V., “Pronto, depois sempre ficou decidido, mas depois entre aí e setembro eu queria ver o apartamento outra vez, andei a tentar muito tempo para conseguir ver o apartamento e eles nunca estavam disponíveis para me mostrar o apartamento, e então, dois dias antes da escritura, em junho, decidiram então, num sábado ir mostrar o apartamento. Foi ver o apartamento, e não estava como eu o tinha visto, os eletrodomésticos, estava tudo trocado, tudo velho, era só buracos nas paredes.” 19) Depoimento este corroborado pela testemunha M. A., “Até que depois eles chegaram, conseguiram chegar a uma data de visita, foram lá, ficaram muito chateados, o J. M., foi várias vezes à loja, lá dizer, a reclamar, porque não estava nada, que o apartamento não estava nas condições que ele tinha visto quando da primeira visita, eram os eletrodomésticos que eram diferentes, era buracos na parede, lâmpadas, não havia lâmpadas, não havia casquilhos, pronto ele estava mesmo muito chateado com aquilo. (…) Sim, era essa parte, eles não iam comprar porque ficaram chateados com aquilo que viram, não tinha sido aquilo que tinha sido acordado.” 20) Também as testemunhas M. C., e I. B., bem como o socio gerente da Ré corroboram o depoimento prestado pela testemunha L. V.: “Aqui é que a dona L. V. e o senhor P. resolveram fazer uma revisita ao imóvel, e nós estivemos oito dias atrás dos vendedores a conseguirmos que se marca-se uma hora para a visita o que foi muito difícil até que veio um dia que se conseguiu, e outra vez eu acompanhei os clientes ao apartamento e sou testemunha, o apartamento não foi vandalizado mas não era nada daquilo que eles tinham visto, o frigorifico era um frigorifico muito inferior, velho, cheio de ferrugem, a máquina de lavar estava toda deteriorada, cheia de ferrugem, até havia fios só nos tetos, nem havia candeeiros nem casquilhos de lâmpadas, nem lâmpadas nas casas de banho até prateleiras dos armários não estavam lá, (…)” 21) Assim, e face ao supra exposto deveria ao invés do vertido em M) ter sido dado como provado que: M) Posteriormente, com data de 18.07.2018, a promitente- compradora deixou, no cartório notarial, mas dirigida aos autores, uma comunicação, sob o ‘Assunto’: “Resolução de contrato-promessa de compra e venda”, por intermédio da qual informou não pretender celebrar a escritura, ao mesmo tempo que, na explicação da posição assumida, e entre o mais, imputava à ré o facto de não lhe ter sido fornecida, por esta, determinada documentação, e imputava aos Autores o facto de à revelia do acordado entre ambos, no âmbito da promessa de compra e venda outorgada, terem substituído o exaustor, o frigorifico, e a máquina de lavar roupa existentes no imóvel por outros em mau estado de conservação. 22) Refere a sentença, quanto a nós, com bastante imprecisão, “Nenhuma prova foi apresentada quanto ao vertido em 5 (aliás, o teor da carta redigida pela promitente-compradora indiciará até algo de diferente): indicia efectivamente algo bastante diferente, no dizer da carta - falta de correcção por parte dos promitentes vendedores que substituiram equipamentos novos por velhos, quando acordado era vender o imóvel com os electrodomésticos nele existentes! 23) Desde já se diga que, constitui abuso de direito por exceder, manifestamente os limites impostos pela boa fé a invocação da nulidade do contrato de mediação imobiliária a que se reporta o artigo 16º, n.º 4 da Lei 15/2003, de 8 de Fevereiro, quando as partes se comportam durante a duração do contrato como se o mesmo fosse válido, beneficiando o cliente dos serviços da mediadora, só reclamando a referida nulidade, para tentar obter da Ré a restituição daquilo que lhe foi devidamente pago. Na verdade, sempre a pretensão da cliente em prevalecer-se dos seus efeitos nela fundados redundaria em abuso de direito (artº 334º, CC), uma vez que a insuficiência aludida não obstou à actividade mediadora nem à celebração do contrato-promessa de compra e venda com o terceiro angariado. 24) Como é consabido, o actual artigo19º, da Lei 15/2013, de 08/02 veio regular a matéria atinente ao contrato de mediação, estipulando no seu nº 1, que “a remuneração é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”; - No seu nº 2 que “se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra” 25) A possibilidade de ser devida a remuneração com o contrato- promessa deixou de ser tratada como “excepção” à regra de que “só é devida” com a conclusão do contrato definitivo, e passou a prever-se que, alternativamente, “uma remuneração” que também pode, ser devida, se houver contrato- promessa, logo que a celebração deste ocorra, e neste caso, se aquela tiver sido prevista no contrato de mediação. Ao fixar este regime, “terá sido intenção do legislador, por um lado, acentuar que, por princípio legal, a referida remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do contrato definitivo mas que, ainda, assim, é admissível a estipulação de “uma remuneração” específica que, sinalagmaticamente, seja por elas querida e estabelecida, em função do “estado de evolução do negócio” como justa contrapartida do serviço prestado/actividade exercida pela mediadora até ao momento do contrato promessa. A 2ª parte do mesmo n.º 1, alternativamente admita a estipulação de uma remuneração na altura do contrato-promessa, para ela ser válida e eficaz são necessários requisitos acrescidos. 26) A questão essencial é, assim, de pura interpretação e enquadramento jurídico dos factos tidos por demonstrados, à luz do regime regulador dos contratos de mediação. Do contrato de mediação em vigor: - consta do referido documento outorgado por autora e réus, entre o mais, o seguinte, designadamente sob a “Cláusula 5.ª (Remuneração)”: 1 - A remuneração será devida à Mediadora, se esta ou se uma das sociedades de mediação que integram a Rede X em Portugal conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no art.º 19.º da Lei 15/2013, de 08 de Fevereiro. 2 - O segundo contraente obriga-se a pagar à mediadora a título de remuneração: [caixa assinalada com um x] A quantia de 5% (cinco porcento), até ao mínimo de 5.000,00€ (cinco mil euros) sobre o valor de venda efetivamente realizada, acrescida do IVA à taxa legal em vigor. (…) 3 – O total da remuneração é devido aquando da celebração do contrato-promessa de com compra e venda. (…)” Na cláusula 2ª e quanto à Identificação do objecto do negócio pode ler-se que: A mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de 98 000, 00 €, desenvolvendo para o efeito acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imoveis. – (cfr. com documento… junto aos autos). 27) Ora, sendo certo que a remuneração devida aquando da celebração do contrato promessa não se identifica com a remuneração devida com a conclusão e perfeição do negócio, sendo uma outra, que considera o estado de evolução do negócio mediado e que seja especificamente estipulada e fixada pelas partes em função dele, e bem assim, que não se admite (como antes se admitia) que pura e simplesmente se estabeleça uma antecipação de pagamento da prestação devida pela concretização do negócio que não atenda ao carácter prematuro do momento da celebração da promessa, na lógica da mediação imobiliária, o certo é que o teor das cláusulas contratuais em apreço nos autos comportam, tão somente, a interpretação de que o que se pretendeu remunerar terá sido evolução do negócio mediado, a angariação de um comprador, e não a sua conclusão ou perfeição. 28) Como muito bem refere a sentença: “(…) a celebração do contrato-promessa de compra e venda foi possível, como bem explicou o legal representante da ré, após difícil negociação. Foi absolutamente essencial para a sua celebração a descida da remuneração da ré mediadora, que se passou a fixar nos €5.500,00 e não no valor que acordara por escrito. Os autores bem sabiam que tal montante correspondia à remuneração e, dados os termos do acordo que lhes fora explicado, que tal montante era devido à ré no momento da assinatura do contrato-promessa. – (cfr. com sentença recorrida). 29) Considerando a matéria de facto dada como provada e aqui não impugnada, como conclusões a extrair da matéria factual relevante, temos que: a) No caso em apreço as partes não acordaram uma remuneração para a concretização do negócio e outra para a actividade mediadora, observada na altura da celebração do contrato-promessa, mas sim, um valor a pagar pelo cliente cujo prazo de vencimento se fixou para o momento da celebração do contrato promessa, sendo que, perante o novo regime, introduzido pela citada Lei n.º 15/2013, tudo apontando para que se vise remunerar a rápida evolução do negócio, b) Até porque de outra forma, e uma vez que se está perante um contrato de mediação simples (em regime de não exclusividade) outorga-lo ou não seria indiferente para a Ré, uma vez que, mesmo que conseguisse um interessado que outorgasse contrato promessa de compra e venda, os Autores nos termos do artigo 19º, n.º 3 da Lei 15/2013 eram livres de incumprirem o referido contrato, não tendo a mediadora direito a qualquer remuneração. 30) Ora da matéria de facto dada como provada, da motivação do Tribunal e do próprio contrato resulta que a remuneração devida com a celebração da promessa foi especificamente acordada e, para além disso, foi prevista especificamente para essa situação, não meramente se identificando com a remuneração devida pela concretização do negócio ou com o efeito de antecipação do pagamento, foi estabelecida entre as partes (Autores e Ré) uma remuneração específica para a obtenção de uma promessa obrigacionalmente vinculativa respeitante ao negócio mediado. 31) Notoriamente isso decorre do clausulado do contrato – na cláusula 2ª a mediadora obriga-se a conseguir um interessado na compra pelo preço de venda de 98 000, 00 €, não a celebração do negócio de compra e venda. A interpretação realizada pelo Tribunal a quo, salvo o devido e merecido respeito, não é consonante nem com a vontade das partes, nem com os factos dados como provados, designadamente em P) e DD), nem tão pouco com a própria fundamentação da sentença, pois que do teor literal das cláusulas, das regras de interpretação dos contratos e das circunstâncias fácticas apuradas, resulta que as partes quiseram convencionar uma remuneração específica conexa com a outorga do contrato-promessa realizado, aliás é o que resulta do clausulado: 32) No n.º 1 estipula-se que a remuneração será devida à Mediadora, se esta ou se uma das sociedades de mediação que integram a Rede X em Portugal conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato (…) Sendo que o negócio visado pelo presente contrato é o estabelecido na cláusula 2ª – conseguir um interessado na compra. No n.º 2 é fixado o preço, 5% sobre o valor da venda efectivamente realizada (e não sobre os valores declarados em sede de escritura definitiva), e no n.º 3 é estabelecido o momento do nascimento da obrigação. 33) Os factos demonstram à evidencia que, os Autores apenas contactaram a Ré volvidos, vários meses após a celebração do contrato de mediação e após terem inclusivamente pago os serviços da Ré (defende a Recorrente), com o objectivo de lhe pedir a devolução da comissão que lhe havia sido paga. 34) Mais demonstram que a escritura definitiva não se realizou porque a promitente compradora, notificada para comparecer, faltou no dia, hora, e local para outorga da escritura prometida porquanto, conforme resulta do documento junto aos autos sob o n.º 7 da petição inicial imputa aos Autores a conduta de terem substituído os electrodomesticos existentes no imóvel por outros velhos e degradados. 35) Em suma os promitentes vendedores, ora Autores, actuaram como bem quiseram, ou seja aproveitaram os serviços da mediadora que angariou o cliente, não cumpriram com o acordado com o promitente vendedor, omitiram ao Tribunal que entre Autores e Ré foi subscrito e assinado um contrato de mediação e agora pretendem a restituição do preço pago, petição essa deferida pelo tribunal a quo. 36) Não parece haver, então, qualquer dúvida de que a Ré cumpriu a sua parte no contrato de mediação: encontrou interessado na compra, por um valor aceite pelos Autores, e foi celebrado o contrato-promessa relativo a essa compra e venda entre os Autores e aquele interessado” sendo que, acrescentaremos nós, apenas alguns meses após o próprio pagamento da prestação devida optaram, sem conhecimento da Ré, por retirar do imóvel bens inviabilizando a celebração do contrato prometido. 37) Assim sendo, e por tudo o exposto, a remuneração fixada foi destinada a remunerar, não a conclusão e perfeição do negócio, tendo sido antes especificamente fixada em função e para incentivo de uma eficaz e rápida evolução do negócio mediado, aliás como muito bem resulta da motivação da matéria de facto da sentença recorrida. Como bem resulta do documento junto pelos Autores sob o n.º 7 e do depoimento da testemunha L. V., foi a conduta destes, que inviabilizou a concretização do contrato definitivo. 38) Face ao supra exposto, deve assim ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se, em consequência, a sentença recorrida por violação, nomeadamente, dos artigos 19º da Lei 13/2015 e 334º do Código Civil. * Os AA apresentaram contra-alegações, pugnando, em síntese pela improcedência do recurso interposto, e manutenção da sentença recorrida. Antes, porém, ainda alegaram razões para o recurso no seu entendimento ser rejeitado.* O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.* O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto. Antes, porém, foi proferido despacho de aperfeiçoamento das conclusões de recurso, na sequência do qual foram juntas as conclusões de recurso ainda que não perfeitas mas ainda assim e porque percetíveis, consideradas sintetizadas, considerando-se, assim, observado o legalmente previsto no nº3 do art. 639º do CPC e resolvida a questão prévia suscitada pelos recorridos acerca da rejeição do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II. Questões a decidir.Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em: 1- Analisar se a sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia ( não conheceu da questão do abuso de direito invocada na contestação); 2- se se verificam os ónus da impugnação da matéria de facto, que permitam o seu conhecimento; 3– Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada; 4 - E, como consequência, se deve ou não ser mantida a decisão recorrida, o que passará pela análise das seguintes questões da ação e deste recurso: . se ocorre nulidade do contrato de mediação celebrado entre as partes, nos termos do art. 16º,nº4, 6 e 7 da Lei 15/2013 ( com a redação já dada pelo DL 102/2017); . se a arguição de tal vício integra um abuso de direito ou não, nomeadamente caso se considere não vencida a dívida por a comissão/remuneração só ter de ser paga no momento da conclusão do negócio objeto da mediação. * III. Fundamentação de facto.Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes: Factos Provados Estão provados os seguintes factos articulados pelas partes e os instrumentais que resultaram da instrução da causa, com interesse para a decisão (artigo 5.º do CPC): A. Em 27.01.2017 a ré, como mediadora imobiliária, e autores, como proprietários, outorgaram documento intitulado de “contrato de mediação imobiliária” – pré-redigido pela ré em formulário constituído por duas páginas com espaços propositadamente deixados em branco para identificação do aderente ou aderentes, e identificado no cabeçalho com a marca “X Imobiliária” e desenho do respetivo logótipo – pelo qual aquela se obrigava perante os autores a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra, por €100.000,00, de uma fração autónoma, destinada a habitação, com a área de 89 m2, de tipologia 2, num prédio sito no Beco …, nº. .., em Ponte de Lima, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo …. B. Aí se previa uma validade de 9 meses a partir da data da celebração (isto é, até 27.10.2017), com renovações automáticas por iguais períodos de tempo, se não fosse denunciado por qualquer das partes, por carta registada com aviso de receção, remetida para a outra com a antecedência mínima de 10 dias relativamente ao seu termo. C. Os autores comunicaram à ré, por carta registada com aviso de receção, remetida em 26.09.2017, por esta recebida em 27.09.2017, que não pretendiam renovar o contrato de mediação. D. A ré, em finais de outubro de 2017, informou ter conhecimento de uma pessoa interessada na aquisição e perguntou se os autores estariam disponíveis para permitir uma visita à fração. E. Os autores anuíram e, após visita da interessada à fração, a ré informou os autores de que a visitante oferecia €96.000,00 pela casa, que já se tinha ausentado, mas que deixaria, caso os autores concordassem, um contrato-promessa já assinado e dinheiro, para pagamento do sinal. F. Tendo acabado por concordar com o preço e com o teor do contrato-promessa, os autores assinaram-no na ausência da promitente-compradora (que previamente assinara o contrato), no dia 3.11.2017, nas instalações da ré. G. Estipulava o contrato-promessa de compra e venda, no que agora releva: i) Que a promitente-compradora entregaria aos promitentes-vendedores, os aqui autores, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 10.000,00 €; e ii) Que a escritura pública de compra e venda seria outorgada no prazo de 270 dias, contados da data do contrato, isto é, até 31.07.2018 - doc. 2, cláusulas 3ª., corpo e nº. 1, e 4ª, corpo. H. Após a assinatura do contrato, a ré não entregou aos autores a quantia de €10.000,00, que a promitente-compradora havia deixado àquela para pagamento do sinal aos autores. I. A ré entregou apenas €4.500,00 aos autores e reteve €5.500,00, fazendo-os seus. J. A promitente-compradora foi avisada da marcação da escritura de compra e venda para o dia 16.07.2018, no cartório notarial de S. B., em Ponte de Lima. K. No dia 16.07.2018, os autores compareceram perante a Senhora Notária, a quem apresentaram a pertinente documentação (certidão da conservatória do registo predial, caderneta predial, licença de utilização e certificado energético), para o efeito de outorgarem a escritura de compra e venda da fração. L. No dia mencionado, a Senhora Notária, a pedido dos autores, fez mais de uma chamada pela promitente-compradora, quer pelas 10:00 horas, quer pelas 10:30 horas, mas esta não compareceu no cartório notarial para o efeito de outorgar a escritura, tendo os autores entendido o contrato por definitivamente incumprido. M. Posteriormente, com data de 18.07.2018, a promitente-compradora deixou, no cartório notarial, mas dirigida aos autores, uma comunicação, sob o ‘Assunto’: “Resolução de contrato-promessa de compra e venda”, por intermédio da qual informou não pretender celebrar a escritura, ao mesmo tempo que, na explicação da posição assumida, e entre o mais, imputava à ré o facto de não lhe ter sido fornecida, por esta, determinada documentação. N. Apesar de interpelada pelos autores, a ré recusa-se a entregar a estes os €5.500,00 que lhe foram deixados pela promitente-compradora, para o sinal e princípio de pagamento do preço do negócio. O. Em finais de outubro de 2017, a ré negociou com os autores novo acordo de mediação imobiliária, em regime de não exclusividade, por ser o regime que mais conviria aos autores, que não pretendiam vincular-se de forma exclusiva aos serviços da ré. P. Tendo a ré comunicado e explicado o sentido das cláusulas associadas ao tipo de contrato de mediação imobiliária em regime de não exclusividade. Q. Em consequência, em 24 de outubro de 2017, autor e ré outorgaram, para a mesma fração autónoma, documento intitulado de “contrato de mediação imobiliária” – pré-redigido pela ré em formulário constituído por duas páginas com espaços propositadamente deixados em branco para identificação do aderente ou aderentes, e identificado no cabeçalho com a marca “X Imobiliária” e desenho do respetivo logótipo – pelo qual a ré se obrigava perante os autores a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra, agora por €98.000,00, da mesma fração autónoma identificada em A, em regime de não exclusividade. R. Naquele dia 24 de outubro de 2017, o autor marido deslocou-se às instalações da ré para assinar o documento de mediação imobiliária em regime de não exclusividade na presença do sócio gerente da ré e da comercial S. C.. S. Tendo levado consigo o original do referido contrato para a esposa, a autora, assinar. T. Tendo, no entanto, os autores entregue à comercial da ré S. C. apenas a cópia do documento já assinado por ambos. U. Em face de tal, a comercial pediu aos autores para entregar nas instalações da ré o original do documento, o que os autores nunca fizeram. V. Consta do referido documento outorgado por autora e réus, entre o mais, o seguinte, designadamente sob a “Cláusula 5.ª (Remuneração)”: “1- A remuneração será devida à Mediadora, se esta ou se uma das sociedades de mediação que integram a Rede X em Portugal conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no art.º 19.º da Lei 15/2013, de 08 de Fevereiro. 2- O segundo contraente obriga-se a pagar à mediadora a título de remuneração: [caixa assinalada com um x] A quantia de 5% (cinco porcento), até ao mínimo de 5.000,00€ (cinco mil euros) sobre o valor de venda efetivamente realizada, acrescida do IVA à taxa legal em vigor. (…) 3 – O total da remuneração é devido aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda. (…)” W. Tal documento foi levado a plataforma informática própria da ré em pretensão de cumprimento do estipulado no artigo 20º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 15/2003 de 8 de Fevereiro. X. Em finais de outubro de 2017, L. V. e o companheiro J. M. procuraram os serviços da ré porque a primeira pretendia adquirir um imóvel para habitação. Y. A ré contactou os autores para agendar uma visita destes ao apartamento, combinado com eles a melhor hora e dia, uma vez que aqueles ainda residiam no apartamento. Z. Foi em resultado da intervenção da ré foi que foi celebrado um contrato promessa entre os autores como promitentes-vendedores e L. V., como promitente-compradora. AA. A escritura definitiva não se realizou porque a promitente compradora, notificada para comparecer, faltou no dia, hora, e local para outorga da escritura prometida. BB. Foi a ré quem diligenciou pela marcação da escritura no Cartório Notarial da Dra. S. B. em Ponte de Lima, tendo, nas diligencias preparatórias, comunicado à Exma. Sra. Notária a intervenção de mediação imobiliária. CC. Foi a ré que informou autores e promitente compradora da data, hora e local da outorga da escritura definitiva. DD. O preço dos serviços da ré foi negociado diretamente com os autores. EE.A ré não obteve aprovação prévia do IMPIC para utilização do “modelo de contrato” datado de 24.10.2017, que pré-redigiu e disponibilizou aos autores. * Factos não provados1. A informação prestada pela ré em D ocorreu no dia 2.11.2017. 2. A ré reteve a quantia de €5.500,00 sem qualquer explicação e apesar dos protestos dos autores. 3. Autores e ré ajustaram nova mediação sem nada terem acordado especificamente, fosse sobre o que fosse, designadamente sobre o regime, o prazo de validade, a exclusividade, ou a remuneração, muito menos o tendo feito por escrito. 4. O referido em W ocorreu no dia 24 de outubro de 2017. 5. Foram disponibilizados pela ré à promitente-compradora todos os elementos documentais referentes à fração em causa. 6. O pagamento dos honorários ao mandatário judicial da ré e de outras despesas pela ré despendidas e que se venham a despender com este processo, calculam-se pelo menos em € 2.000,00. 7. As assinaturas apostas pelos autores no documento referido em Q foram apostas quando este só continha as respetivas identificações, o que fizeram na presença da funcionária da ré, S. C.. 8. S. C., alegando que as assinaturas teriam de ser apostas no documento pela ordem por que os nomes constavam do cabeçalho, solicitou aos autores novas assinaturas em outro exemplar, mas guardando o ‘primeiro’ numa pasta de que era portadora. 9. O “documento” apelidado de “Contrato de Mediação Imobiliária” referido em Q deveria ter sido destruído, já que um outro havia sido assinado para substituir aquele. 10. Ao invés, é esse “documento fantasma” – que ficara na pasta da S. C. –, assinado pelos autores sem que do mesmo constasse qualquer expressão manuscrita, para além das identificações, destinado ao lixo, que constitui o documento referido em Q. 11. Os autores, pessoas de modesta condição social, não sabiam, ainda hoje não sabem, o que é o regime de exclusividade, tema que não foi falado, muito menos explicado pela ré aquando da celebração do contrato, em 27.01.2017. 12. Durante todo o período de duração do contrato, a ré não angariou nenhum cliente, não visitou vez nenhuma vez o prédio objeto do contrato, nunca prestou qualquer informação aos autores, o que tudo constituiu o somatório de factos e razões que levaram os autores a terminar com o contrato celebrado em 27.01.2017. * IV. Do objecto do recurso. 1- Analisar da existência de omissão de pronúncia: A recorrente invoca a alínea d) do art. 615º do CPC e sustenta que é nula a sentença por omissão de pronúncia, na medida em que não conheceu de questão que foi invocada na contestação ( o abuso de direito). Os recorridos discordam sustentando que para além de a alegação da Ré na contestação não consubstanciar a invocação do abuso de direito conforme previsto na lei, configurando antes a invocação da litigância de má fé, ainda assim a sentença pronunciou-se na página 14 sobre tal questão. Vejamos. Dispõe o artigo 615º, nº1, alínea d), do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Esta nulidade está diretamente relacionada com o artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” Tal norma reporta-se à falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar e não de argumentações, razões ou juízos de valor aduzidos pelas partes, aos quais não tem de dar resposta especificada ou individualizada, conforme tem vindo a decidir uniformemente a nossa jurisprudência. Daí que possa afirmar-se que a nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras). Com efeito, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Como já ensinava Alberto dos Reis, ob. cit., p. 143, “ São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” Ou seja, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado (cfr. nomeadamente Acs. da Relação de Lisboa de 10.2.2004, e de 6.3.2012, acessíveis em www.dgsi.pt). A não concordância da parte com a subsunção dos factos às normas jurídicas e/ou com a decisão sobre a matéria de facto de modo algum configuram causa de nulidade da sentença. Ora, no caso dos autos, não cabe qualquer razão à apelante. Com efeito, não se verifica qualquer omissão de pronúncia, pois que, como resulta claramente da sentença, entendeu o Juiz aquo, após conhecer da nulidade do contrato de mediação celebrado entre as partes, que não haveria lugar à remuneração, pois esta apenas existiria com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, o que não ocorreu in casu. Daí o Juiz aquo ter consignado que “ Diferentemente sucederia se o contrato de compra e venda tivesse sido efetivamente celebrado. Nesse caso, mesmo perante nulidade, teria a ré direito ao montante equivalente à sua remuneração acordada por força da aplicação do instituto do abuso de direito na invocação da nulidade (artigo 334.º do CC). Têm, portanto, os autores, em face da nulidade do contrato, o direito à quantia peticionada.” A ser assim, como sem dúvida resulta que é, temos que a sentença não deixou de conhecer qualquer questão que devesse conhecer. Improcede, pois, a invocada nulidade. * 2- Apreciar sobre o (in)cumprimento do ónus de impugnação de facto:Suscitaram os apelados a questão da rejeição da impugnação da matéria de facto por a apelante não ter procedido à indicação exata das passagens da gravação em que se funda, limitando-se a fazer referência ao início e final dos depoimentos no registo Citius, mas sem fazer igual referência, como lhe competia, às concretas passagens dos depoimentos, com a indicação por exemplo do minuto e segundo de cada uma delas. O artigo 640.º CPC, sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;(…) As consequências do incumprimento dos ónus previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º CPC tem sido objeto de larga discussão na jurisprudência, como nos dão conta os acórdãos do STJ, de 15.02.2018, Tomé Gomes, in dgsi.pt.de 2015.11.26, e ainda de António Leónidas Dantas, www.dgsi.pt.jstj, proc. 291/12.4TTLRA.C1.S1, e de 2015.10.29, Lopes do Rego, www.dgsi.pt.jstj, proc. 233/09.4TBVNG.G1.S1. Deste último destacamos as seguintes passagens que sintetizam aquela que consideramos ser a melhor doutrina nesta matéria: “ Percorrendo, deste modo, os regimes processuais que têm vigorado quanto a este tema, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes; e um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes. Ora, se é certo que – relativamente ao cumprimento de tais ónus, primário e secundário – não se permite a formulação de um sistemático convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, não poderá deixar de ser avaliada diferentemente a falha da parte consoante ocorra num ou noutro âmbito: como é óbvio, a ausência de objecto delimitado e de fundamentação minimamente concludente da impugnação deduzida deverá ditar, de forma inevitável e em termos proporcionais, a liminar rejeição do recurso quanto à matéria de facto. Pelo contrário, o incumprimento do referido ónus secundário, tendente apenas a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contem a gravação da audiência, deverá ser avaliado com muito maior cautela: é que, por um lado, o conceito usado pela lei de processo (exacta indicação das passagens da gravação) é, até certo ponto, equívoco, pressupondo a necessidade de distinguir entre a (insuficiente) mera indicação e a indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados; por outro lado, por força do princípio da proporcionalidade, não parece justificável a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa - não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado (…). Saliente-se que, na interpretação da norma que consagra este ónus de indicação exacta a cargo do recorrente que impugna prova gravada, não pode deixar de se ter em consideração a filosofia subjacente ao actual CPC, acentuando a prevalência do mérito e da substância sobre os requisitos ou exigências puramente formais, carecidos de uma interpretação funcionalmente adequada e compaginável com as exigências resultantes do princípio da proporcionalidade e da adequação - evitando que deficiências ou irregularidades puramente adjectivas impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais. Esta pretendida eliminação de factores de rigidez, formalismo exacerbado e prevalência da forma sobre o fundo – expressamente afirmada no preâmbulo da Proposta de Lei 113/XII - é aflorada, por exemplo, nas normas constantes dos arts. 146º, nº2, e 193º, impondo ao juiz o poder-dever de facultar o suprimento de vícios formais, devidos a culpa leve e cujo suprimento não perturbe o andamento do processo, bem como o de suprir oficiosamente o erro na mera qualificação jurídica do meio processual utilizado pela parte (praticado um acto em tempo e revestindo o mesmo os requisitos ou pressupostos essenciais, não deve obstar ao seu aproveitamento o simples facto de a parte o ter qualificado juridicamente de modo errado ou inadequado); veja-se ainda a possibilidade adicional e reforçada de suprimento prevista transitoriamente no art. 3º da Lei 41/2013.” Por outro lado, esta ideia base, segundo a qual não deve adoptar-se uma interpretação rígida e desproporcionadamente exigente de ónus ou cominações de natureza essencialmente formal ou secundária – devendo adoptar-se interpretação conciliável com as exigências de um princípio fundamental de proporcionalidade e adequação – vem encontrando acolhimento claro na jurisprudência recente do Supremo ( v.g. ACSTJ de 15.02.2018) e das Relações ( v.g. AC RP de 08-03-2016), nomeadamente a propósito do grau de exigência e intensidade do ónus do recorrente que presentemente nos ocupa. Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que, apesar de não ter sido cumprido o ónus estabelecido na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º CPC — «indicação com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso —, os termos da pretensão da apelante em relação à matéria de facto são perfeitamente apreensíveis. Através do resumos dos depoimentos que a apelante efetuou e algumas transcrições que fez com referência às passagens que indicou não por indicação dos minutos de cada um dos depoimentos, mas às horas e minutos do dia em que teriam sido realizados, pelo que é possível perceber quais as exatas passagens em que funda a sua discordância do julgamento de facto, possibilitando ao Tribunal a sua localização e aos apelados o exercício do contraditório. A rejeição da apreciação da matéria de facto por inobservância de uma formalidade secundária, sem qualquer reflexo relevante nos termos da impugnação, afigura-se desproporcionado e pouco consentâneo com a garantia de um segundo grau de jurisdição que o legislador consagrou. De todo o modo, se a falta de indicação com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso obstar à apreensão do mesmo, não se deve rejeitar a reapreciação da matéria de facto sem previamente ser formulado à parte um convite ao aperfeiçoamento, por força do princípio da cooperação consagrado no artigo 7.º CPC (cfr. acórdão do STJ, de 2015.05.26, Hélder Roque, www.dgsi.pt.jstj, proc. 1426/08.7TCSNT.L1.S1.). Nessa conformidade, nada obsta ao conhecimento da impugnação da matéria de facto, não resultando da argumentação dos apelados qualquer motivo para rejeição do recurso. * Já a respeito da conclusão 22º a qual se refere ao “ vertido em 5” e que julga-se que se trata do facto nº 5 dado como não provado, dir-se-á que a recorrente não indica mais nada a respeito, nomeadamente se pretende que tal facto seja dado como provado ou eliminado, pelo que nesta parte será de rejeitar o recurso, por não se observar o citado art.- 640º do CPC.2- Da impugnação de facto: Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o art. 662.º, n.º 1, do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa». Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente. O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, de acordo com os seguintes parâmetros a que alude resumidamente o recente AC desta RG de 29-10-2020 ( relator: Alcides Rodrigues): - só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; - sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; - nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes). - a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância. - a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas. - ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão. - se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum. Resulta das conclusões de recurso da R/apelante que esta entende que os factos dados como provados sob os pontos H) e I) e M) foram incorretamente julgados, devendo ser dados como não provados os pontos H) e I) e a alínea M) deverá sofrer alteração na redação. Cumpre, pois, verificar se a prova obtida se apresenta de molde a alterar a factualidade impugnada, nos termos pretendidos pela apelante. Desde já se deixa consignado que analisámos toda a prova testemunhal aludida pela recorrente e recorridos e ainda documental dos autos. Vejamos então, cada uma das situações a conhecer: pontos H), I) e M) provados. Nesses pontos, foi dado como Provado o seguinte: “H. Após a assinatura do contrato, a ré não entregou aos autores a quantia de €10.000,00, que a promitente-compradora havia deixado àquela para pagamento do sinal aos autores. (E a Réu/apelante pretende que se dê como não provado.) I. A ré entregou apenas €4.500,00 aos autores e reteve €5.500,00, fazendo-os seus.. (E a Réu/apelante pretende que se dê como não provado.) M. Posteriormente, com data de 18.07.2018, a promitente-compradora deixou, no cartório notarial, mas dirigida aos autores, uma comunicação, sob o ‘Assunto’: “Resolução de contrato-promessa de compra e venda”, por intermédio da qual informou não pretender celebrar a escritura, ao mesmo tempo que, na explicação da posição assumida, e entre o mais, imputava à ré o facto de não lhe ter sido fornecida, por esta, determinada documentação. ( A R pretende se dê como provado: “ M) Posteriormente, com data de 18.07.2018, a promitente-compradora deixou, no cartório notarial, mas dirigida aos autores, uma comunicação, sob o ‘Assunto’: “Resolução de contrato-promessa de compra e venda”, por intermédio da qual informou não pretender celebrar a escritura, ao mesmo tempo que, na explicação da posição assumida, e entre o mais, imputava à ré o facto de não lhe ter sido fornecida, por esta, determinada documentação, e imputava aos Autores o facto de à revelia do acordado entre ambos, no âmbito da promessa de compra e venda outorgada, terem substituído o exaustor, o frigorifico, e a máquina de lavar roupa existentes no imóvel por outros em mau estado de conservação.” Começando pela análise deste último facto, a apelante, além do mais, baseia-se na parte restante do teor do documento que serviu de base à fundamentação pelo tribunal daquele facto dado como provado, pelo que e sem mais e por um argumento de maioria de razão apenas se dirá que deverá ser efetuado o pretendido aditamento, porquanto retrata a parte restante do teor do documento em causa. Salienta-se e sublinha-se que assim é porquanto o facto respeita ao teor do documento em causa, daí que deverá constar da factualidade dada como provada com essa referência, tudo ainda que a apelante na contestação tenha alegado e afirmado ( cfrr. Art. 34 e 44º da contestação) perentoriamente que o incumprimento ocorrido foi por falta da promitente compradora. Ainda, assim e conforme se analisará mais à frente, do facto em análise apenas se retira o teor do documento e já não a conclusão nele contida a respeito da conduta dos AA e retirada da perspetiva da promitente compradora em causa ( porquanto tal matéria não foi alegada como tal nem faz parte do objeto do processo). * Quanto à restante impugnação de facto, dir-se-á o seguinte.Ora, revistos todos os meios de prova produzidos, formula este Tribunal da Relação uma convicção em tudo coincidente à do Tribunal a quo. Com efeito, a fundamentação constante da sentença recorrida é clara e consistente, tendo o tribunal a quo esclarecido como formou a sua convicção, como valorou a prova, como a articulou, e qual a análise crítica a que a submeteu. E assim, atentos todos os depoimentos prestados, ponderando as razões de facto expostas pela recorrente em confronto com as razões de facto consideradas na decisão, formamos convicção coincidente com a convicção do tribunal recorrido. Importa salientar, como já tivemos oportunidade de analisar supra, que também na reapreciação da prova que é feita em sede de recurso, é formulado um juízo global que abarca todos os elementos em presença, sendo a prova produzida analisada, de forma directa e indirecta, no seu conjunto. Por outro lado, tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas), também a recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia, não bastando nomeadamente para o efeito reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos. Como se afirma no Ac. desta Relação de Guimarães de 17/12/2018, disponível in www.dgsi.pt: “Para demonstrar a existência de erro na apreciação da matéria de facto, o recorrente tem de contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo (v.g. a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário), apresentando as razões objectivas pelas quais se pode verificar que a mesma foi incorrectamente realizada, não bastando para o sucesso da sua pretensão a mera indicação, ou reprodução, dos meios de prova antes produzidos e ponderados na decisão recorrida”. Ora, com o respeito que é devido, os trechos dos depoimentos parcialmente transcritos nas alegações do recurso ou o resumo dos mesmos, não podendo ser valorados de per si, mas concatenados com o conjunto da prova produzida, não permitem a demonstração dos factos pretendida pela recorrente. Vejamos, então, cada uma das situações a conhecer. No ponto H e I dos factos provados foi dado como provado que: “H. Após a assinatura do contrato, a ré não entregou aos autores a quantia de €10.000,00, que a promitente-compradora havia deixado àquela para pagamento do sinal aos autores. I. A ré entregou apenas €4.500,00 aos autores e reteve €5.500,00, fazendo-os seus.” Entende a R/recorrente que estes factos devem ser dados como não provados, porquanto, aduz, das declarações do legal representante da R, e do depoimento das testemunhas I. B. e P. P. e M. C. decorre que aquela quantia ( de 5.500 euros) foi entregue pelos AA à R depois desta lhes ter entregue o sinal dos 10.000 euros em notas e que tinha consigo desde que a promitente compradora assinou o contrato. O tribunal entendeu que “ quanto à efetiva entrega da ré aos autores em numerário da quantia de €10.000,00 e posterior entrega dos autores à ré da quantia de €5.500,00, os depoimentos não foram claros. Não só essa oscilação de notas entre mãos é pouco plausível como não foi suficientemente explicada, tudo levando a concluir que o pagamento da remuneração da ré se fez por simples retenção material de parte do valor entregue pela promitente-compradora a título de sinal, destinado, como a ré admite, aos autores”. Ora, as testemunhas P. P. e M. C. não estiveram presentes sequer na reunião para assinatura do contrato promessa pelos AA, e na qual estiveram presentes estes e a testemunha I. B. e o legal representante da Ré. E nisto todos os depoimentos coincidem. Também coincidem os depoimentos e declarações de parte ( da A e R) a respeito de que antes dessa reunião, o contrato promessa já estava assinado pela promitente compradora e esta já tinha entregue à R ( através da sua funcionária) a quantia do sinal em causa: 10 mil euros em dinheiro. A testemunha I. B. que contou o dinheiro afirmou que eram notas de montantes pequenos. Esta testemunha I. B. ( e o legal representante) afirmaram que os 10 mil euros foram entregues aos AA e estes na posse dessa quantia voltaram a contar o dinheiro e entregaram a quantia de 5.500 euros à R como contrapartida da mediação. Em declarações a autora mulher afirmou que como ficou acordado que a comissão para a imobiliária fixar-se-ia em 5.500 euros, e sendo o sinal de 10 mil euros, nessa reunião apenas lhe foi entregue num envelope a quantia de 4.500 euros, esclarecendo que inicialmente contava levar consigo para casa o sinal todo, mas cedeu ao ocorrido nada dizendo em contrário. Ou seja, está aceite pelas partes que a quantia de 5.500 euros que ficou na posse da Ré seria a comissão e a única contrapartida a pagar à ré pela mediação, e estando a falar-se de quantia em dinheiro ( ao que parece em notas pequenas) é legítima a conclusão retirada pelo tribunal de que não é verosímil a alegada oscilação de notas entre mãos, como não foi suficientemente explicada pela testemunha I. B. e legal representante quando se referiam a que eles contaram o dinheiro, o qual foi entregue aos AA e, logo após, voltaram os autores a contar o mesmo dinheiro para voltarem a entregar dinheiro à Ré, tudo levando a concluir e sem grande apelo às regras da experiência comum e normalidade dos comportamentos, que o pagamento da remuneração da ré se fez por simples retenção material de parte do valor entregue pela promitente-compradora a título de sinal, destinado aos autores. Trata-se do recurso pelo tribunal a uma presunção, presunção que decorre da experiência comum e da prática comercial e se afere por critérios de normalidade e razoabilidade e que serviu para afastar a verosimilhança do depoimento da testemunha I. B. ( e declarações do legal representante da R) a respeito da oscilação dos dinheiros. E não se diga que há qualquer contradição entre o que se deu como provado e a convicção do tribunal quando afirma que “ Os autores bem sabiam que tal montante correspondia à remuneração e, dados os termos do acordo que lhes fora explicado, que tal montante era devido à ré no momento da assinatura do contrato-promessa”, pois que aquela detenção ou retenção por parte da ré não invalida que os AA não considerassem que se tratava do pagamento da dita comissão que foi negociada, não correspondendo sequer ao valor acordado no contrato escrito. Assim, impõe-se a manutenção das respostas àqueles pontos H) e I) dos factos provados, por se entender que a resposta dada pelo tribunal a tais pontos tem-se por ajustada. Nesta conformidade, indefere-se a impugnação de todos os pontos fácticos, com exceção do pretendido aditamento ao ponto M) dos factos provados, o qual passará a ter a seguinte redação: “M) Posteriormente, com data de 18.07.2018, a promitente-compradora deixou, no cartório notarial, mas dirigida aos autores, uma comunicação, sob o ‘Assunto’: “Resolução de contrato-promessa de compra e venda”, por intermédio da qual informou não pretender celebrar a escritura, ao mesmo tempo que, na explicação da posição assumida, e entre o mais, imputava à ré o facto de não lhe ter sido fornecida, por esta, determinada documentação, e imputava aos Autores o facto de à revelia do acordado entre ambos, no âmbito da promessa de compra e venda outorgada, terem substituído o exaustor, o frigorifico, e a máquina de lavar roupa existentes no imóvel por outros em mau estado de conservação.” * A factualidade (provada) a atender para efeito da decisão a proferir é a já constante de III, com aquele aditamento ao ponto M) dos factos provados.* 3. Reapreciação de direito.Prima facie, relembremos os termos em que foi proposta a presente ação. Os AA, invocando a invalidade do contrato de mediação imobiliária por falta de forma escrita, peticionaram a condenação da R. na restituição da remuneração ou da comissão estipulada no montante de € 5.500 euros, a qual também nunca seria devida porquanto não caberia remunerar a ré por não ter sido cumprido o negócio visado ( a compra e venda). A ré, na contestação, defendeu que para além de ter existido contrato escrito e celebrado entre as partes, ainda com a celebração do contrato-promessa, ficou cumprida, perfeita e totalmente, a sua obrigação, nos termos da cláusula 5ª do contrato de mediação e de acordo com a 2ª parte, do nº 1, do artº 19º, da Lei 15/2013, de 08 de Fevereiro, pelo que desde esse momento venceu-se o seu direito à remuneração (então paga pelos AA), isto independentemente do desfecho do contrato prometido e das vicissitudes ao mesmo associadas. Alegou ainda o abuso de direito na arguição da nulidade do contrato, porquanto os AA alegaram que não existia contrato escrito e sabiam que estava em vigor entre as partes um contrato de mediação desde 24.10. Na sentença considerou-se que o contrato era nulo e todas as suas cláusulas nos termos do nº4, 6 e 7 do DL 15/2013. Ainda considerou-se que apesar dessa nulidade em nada ter obstado ao efetivo exercício pela R da sua atividade, não poderá haver remuneração devida porquanto ainda não se mostra vencida, pois não estando acordado pelas partes o pagamento da comissão, no seu todo, de modo específico no momento do contrato promessa, ela só será devida no momento da conclusão do negócio objeto de mediação. Assim sendo, concluiu-se na sentença que, perde razão de ser a invocação de qualquer abuso de direito ( nomeadamente na vertente de venire contra factum proprium, pois este só faria sentido ser invocado e analisado e procedente caso a obrigação( a dívida) estivesse vencida, e o outorgante invocasse a nulidade do contrato com o fito de não querer pagar, o que ocorreria se o contrato de compra e venda tivesse sido celebrado). Mas a R. não se conforma com este resultado e contrapõe que, embora o dito contrato seja nulo, a Ré tem direito à remuneração específica e convencionada contratualmente, desde logo pela outorga do contrato promessa e, por outro lado, os AA não têm legitimidade para a arguição dessa nulidade porque atuam em manifesto abuso de direito. Isto porque, no fundo, se comportaram para consigo, ao longo de vários meses, como se o contrato fosse válido e, agora, para se eximirem ao pagamento da remuneração que lhe é devida, vêm invocar aquela nulidade. Para além de que e ainda a escritura pública de compra e venda não se realizou pois a promitente compradora faltou à mesma e porque os AA substituíram os eletrodomésticos. Advoga que toda esta conduta deverá ser repudiada pelo direito. Já veremos se assim é, mas antes de analisar essa temática, importa conferir primeiro em que termos se vence e deve estipular a obrigação de remuneração nos contratos de mediação imobiliária, uma vez que dúvidas não há, perante os factos provados, de que, no caso vertente, as partes celebraram um contrato de mediação em 24.10.2017, sendo certo que conforme ressuma da fundamentação da sentença, o contrato é nulo unicamente porque tendo sido celebrado no âmbito de um quadro negocial padronizado, com recurso a cláusulas contratuais gerais, não foi enviada uma cópia do projeto do mesmo ao IMPIC,I.P para aprovação prévia, como comanda o artº 16º nº 4 a 6, com referência ao nº 7, da Lei nº 15/2013, com as alterações pelo DL 102/2017, de 23.08. Tem-se reconhecido de forma unânime que se trata de uma nulidade atípica, nomeadamente por não poder ser invocada pela empresa de mediação, o que a afasta do regime geral. Outra questão que suscita o significado dessa atipicidade, conforme alerta Higina Orvalho Castelo ( in RJAMI Anotado, ed.2020, p. 107) é saber “ que consequências tem tal regime de nulidade na contraprestação pecuniária quando o contrato desejado seja efetivamente celebrado na sequência da atividade da mediador”? (...) “as repostas não são unânimes: para uns a compensação nos termos do art. 289º.nº1 do CC deve corresponder ao valor dos serviços que em concreto o mediador tiver prestado; para outros, a mesma compensação deve corresponder à remuneração acordada”. Para aquela mesma autora, o melhor critério para aferir o valor correspondente a que alude o art. 289º do CC é faze-lo corresponder à remuneração acordada, “ pois foi esta que o cliente entendeu que a atividade bem sucedida do mediador para si valia” ( in ob cit. p. 110). Sem embargo, e como supra referimos, importa conferir primeiro em que termos se vence e deve estipular a obrigação de remuneração nos contratos de mediação imobiliária. Como é sabido, e resulta da lei, este tipo de contratos são onerosos; ou seja, as partes que os celebram têm reciprocidade de obrigações e vantagens económicas. E uma dessas vantagens é, para o mediador, o direito à remuneração. A remuneração, com efeito, é um dos seus elementos característicos e, se não for convencionada por escrito, pode determinar a nulidade do próprio contrato (artigo 16.º, n.º 2, al. c), e n.º 7, da Lei 15/2013). O direito à remuneração, porém, em regra, depende de uma circunstância futura, incerta e diversa da prestação principal da mediadora, que se traduz no encargo ou incumbência de “procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos, ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto imóveis”- artigo 2.º, n.º 1, Lei n.º 15/2013 E, sobre a remuneração da angariação, estabelece o artigo 19º nº1 da mesma Lei que “a remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação mobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra”. “A conclusão do contrato visado ( e perfeito) não marca apenas o momento em que a remuneração é devida, sendo mais do que isso, uma circunstância sem a qual não nasce para o mediador o direito à remuneração. Nas palavras de Lacerda Barata “ está em causa mais do que a mera exigibilidade; é a própria constituição do direito que se trata”. Repare-se que não sendo celebrado o contrato visado ( ou o contrato-promessa quando a remuneração nesse momento esteja prevista no contrato de mediação), o mediador não tem direito a ser remunerado” ( in Higina Castelo, ob cit., p. 138 e ssgs). Voltando ao caso dos autos, defende a ré apelante que não é devida a restituição da remuneração, desde logo, porque com o contrato promessa celebrado com a pessoa por si angariada, se deve considerar estar perfeito e concretizado o contrato objeto da mediação, sendo logo devida a remuneração acordada. Mas a tese da R, desde logo, contende com uma outra questão prévia: será que a atual norma do artº 19º admite a constituição da dívida no momento do contrato promessa? Desde logo, entendemos que no âmbito da atual lei 15/2013, já não é permitido, como acontecia no artigo 18º do DL 224/2004, fixar o pagamento da totalidade da remuneração com o contrato promessa, pois o artigo 19º da lei vigente estabelece claramente que a remuneração é devida apenas com a concretização do negócio visado com a mediação, podendo apenas as partes, se houver contrato promessa e se o desejarem, fixar uma remuneração a ser paga nesse momento, que não poderá ser a remuneração que é devida a final, com a perfeição do negócio objeto da mediação (cfr neste sentido ac. RL de 7/2/2017, p. 2287/16; Ac RL de 20-02-2020 e ainda AC RG de 09-07-2020, sendo que este último aresto expõe de forma desenvolvida e exaustiva as duas teses ( jurisprudenciais e doutrinais) em confronto, optando pela aqui seguida ). Neste último aresto conclui-se lapidarmente da seguinte forma: “ propendemos, pois, no sentido de que a norma da 1ª parte do nº 1, do artº 19º, é cogente (imperativa): a remuneração é devida apenas com a celebração e perfeição do negócio visado. E inclinamo-nos também no sentido de que, embora a 2ª parte do mesmo nº 1, alternativamente admita a estipulação de uma remuneração na altura do contrato-promessa, para ela ser válida e eficaz são necessários requisitos acrescidos. Com efeito, ela só se torna constitutiva do direito/obrigação nas condições ali mencionadas se do contrato resultar que tal remuneração é outra, que não se identifica com a devida a final, que especificamente visa, justa e justificadamente, compensar o estado de evolução do negócio mediado/o desempenho até então da mediadora e, portanto, que foi essa a vontade e a finalidade dos contratantes, maxime a de o cliente comungar do risco da actividade da mediadora e, portanto, independentemente de o seu interesse último na conclusão do negócio definitivo se vir a frustrar. A não ser assim, a estipulação será nula e prevalecerá a 1ª parte do nº 1 do artº 19º: remuneração só é devida com a celebração do contrato visado. Discorda-se, pois, da argumentação, procedente do anterior regime, segundo a qual, no contrato de mediação simples, como este é, para que a remuneração seja devida basta verificar-se a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tal houver sido acordado, a celebração do contrato-promessa, apenas se exigindo um nexo causal entre a actividade de mediação e o contrato celebrado a final.” Seguindo esta interpretação normativa, a consequência parece, desde logo, evidente. Na verdade, considerando que, no caso vertente, a estipulação decorrente da clausula 5ª,nº3 (interpretada no sentido de que a remuneração era devida com o contrato-promessa e a despeito do desfecho que viesse a ter o contrato-prometido), não obedece aos parâmetros legalmente exigidos tal como acabámos de os definir, é de reconhecer que a mesma é nula, nos termos e com os efeitos previstos nos artºs 280º, 286º e 289º, do Código Civil, por violação da norma imperativa prevista no artº 19º, nº 1, a Lei nº 15/2013, de 08.02. Consequentemente, é de restituir aos AA toda a remuneração que pagaram antecipada mas indevidamente. Assim sendo, o direito à remuneração da R apelante nunca chegou a vencer-se. O facto de os AA terem pago a totalidade da remuneração no contrato promessa naturalmente não obsta a este entendimento. Em suma: nos termos da prova produzida foi paga a totalidade da comissão pelos AA à ré aquando do contrato promessa, sendo certo, por outro lado, que o contrato definitivo não se chegou a realizar com a promitente compradora angariada pela ré, por esta, depois de outorgado o contrato promessa, não ter comparecido na data da escritura e, assim, não se chegou a celebrar o contrato prometido. Contudo, e sem mais, apenas resulta da prova produzida conjugada com o disposto no art. 19º nº1 da Lei 15/2013 que a remuneração só será devida no momento da conclusão do negócio objeto de mediação. Ora, dúvidas não haverá que tal negócio coincidirá com a escritura de compra e venda- contrato prometido aludido no contrato promessa, pois que, esse foi o negócio acordado entre as partes para a mediação, surgindo o contrato promessa ulteriormente como meramente instrumental. Assim sendo, perde razão de ser a objeção feita nas alegações de que só depois de vencida a dívida, invocaram os AA a nulidade do contrato com o fito de não quererem pagar. Afastada está, por isso, a figura do abuso de direito, sendo por isso legítima a invocação de nulidade do contrato por parte dos AA, conforme sustentado na sentença. Por outro lado, e conforme ressuma da sentença, apenas faria sentido a análise da existência de abuso de direito caso o contrato fosse nulo e o direito à remuneração já estivesse vencido, nomeadamente caso se tivesse realizado o contrato prometido ( a escritura de compra e venda), ou seja, caso tivesse ocorrido a conclusão do negócio visado. * Chegados aqui resta-nos analisar se a apelante terá razão quando afirma que constando da cláusula 5ª do contrato – o segmento “ o total da remuneração é devido aquando da celebração do contrato promessa” – no contrato de mediação, a interpretação da cláusula – a fazer de acordo com as regras dos artºs 236º e sgs, CC, e segundo a dominante teoria da impressão do destinatário, comporta o sentido de que as partes quiseram especificamente clausular uma remuneração para o momento do contrato-promessa e quiseram remunerar especialmente a evolução do negócio mediado, o rápido cumprimento com sucesso das funções mediadas, a simples angariação de um comprador e o alcance imediato da promessa vinculante do mesmo, e que se tenha prescindido da conclusão ou perfeição do contrato definitivo visado?A resposta a esta pergunta terá de ser negativa. Aliás saliente-se que as partes estipularam no nº1 da cl.5ª que “ a remuneração será devida à mediadora se esta…conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as exceções previstas no art. 19º da Lei 15/2013, de 08 de fevereiro”. E no nº3 da cl.5ª estipularam que “ o total da remuneração é devido aquando da celebração do contrato-promessa”. Ora, destas estipulações contratuais, e sem mais, apenas uma conclusão se perfila, dentro do que um declaratário normal pretenderia estipular naquelas circunstâncias: o nº 1 apenas se poderá entender como o momento (final) em que nasce a obrigação (principal), daí dizer-se “a remuneração é “devida” (aliás, em conformidade com a primeira parte do nº 1, do artº 19º) e o nº2 alude aos “termos” do pagamento da “remuneração acordada” (remuneração global e única). Estas expressões não são significativas de uma vontade de recuar a constituição do direito ( à remuneração) ao momento da celebração do contrato promessa. Assim sendo, aquele segmento-“ o total da remuneração é devido” no nº3 da cl.5º- apenas poderá ser entendido como reportado à oportunidade em que a remuneração “é paga” (em momento anterior, com o contrato promessa). Até pela terminologia utilizada se chega à mesma conclusão: no nº1 faz-se referência à “remuneração” ( “ é devida”) e no nº3 faz-se referência ao “ total da remuneração” ( “é devido”). Acresce que é sintomático o facto de, após o contrato promessa a Ré ter continuado a prestar a sua colaboração, e ter marcado a escritura, conforme ponto BB dos factos provados, inclusive comunicou à notária a intervenção da mediação e ainda informou os AA e promitente compradora da data, hora e local da outorga definitiva da escritura ( facto provado CC.). Em suma: não resulta do contrato nem dos factos conhecidos e provados a conclusão pretendida pela apelante ( cfr. conclusão 24º) de que as partes tivessem pensado e querido estabelecer “uma” contrapartida “específica” por a mediadora ter conseguido a celebração, quiçá mais célere, do contrato-promessa, designadamente que o pagamento houvesse sido previsto em função do “estado de evolução do negócio mediado”, sendo certo que incumbiria à Ré mediadora tal alegação e prova. Aliás, a ré, na sua contestação, nada aludiu a tal problema. Limitou-se a dizer que cumpriu integralmente a sua prestação e, por isso, tem direito à remuneração, mas nada alegou quanto aos requisitos aludidos para consubstanciar as exceções do art. 19º, argumentando apenas que se o contrato definitivo se não consumou tal se deveu ao incumprimento da promitente compradora ( cfr. art. 33º e 44º da contestação). Agora no recurso ( conclusão 34º e ssgs) pretende que se pondere a alusão a que a promitente compradora fez na sua carta: ao facto de não comparecer na escritura porque os AA substituíram os eletrodomésticos da casa. Ora, conforme ficou provado no ponto M) ( e com o aditamento ora ordenado) apenas se retira o que consta do teor dessa carta e o que a promitente compradora alegou para justificar a sua ausência na escritura. Contudo, tal facto ( concernente apenas ao teor da carta) não prova o que a R pretende: que o incumprimento do contrato definitivo se deveu à conduta dos AA. Diga-se ainda que o que consta do teor da dita carta abrange não só a alegada conduta dos AA, e ainda a alegada conduta da ré mediadora ( a promitente compradora imputava à ré o facto de não lhe ter sido fornecida determinada documentação). Sem embargo, o teor de tal carta ( ou facto M)) não passa de várias imputações feitas pela promitente compradora, e não tem a virtualidade de, “de per si”, provar os factos concretos ali alegados. Acresce que se bem que a ré cumpriu a sua obrigação de “ conseguir o interessado” aludido no nº1 da cl.5ª, contudo e, como se sabe, tal não é, por si só, critério legal para a constituição do direito à remuneração. Nem tal se questiona. É preciso, sim, que se conclua o negócio visado. Daí a discussão sobre a natureza da obrigação (de meios ou de resultado). No caso sub judicio, não resulta do texto convencional, ainda que por via interpretativa, que, no contrato firmado, se tenha querido remunerar a simples angariação do interessado comprador e não a conclusão e perfeição do contrato visado, conforme sustentado na conclusão 27º e 37º. Em suma: nem por via interpretativa se poderá dar por assente que foi especificamente clausulada uma remuneração para o momento do contrato-promessa, pelo que forçoso é concluir que se tratou apenas de uma antecipação de pagamento (artº 440º, CC) e, portanto, não se tendo concretizado o negócio visado, deve a mediadora restituir aos clientes ( ora AA) o que deles recebeu, sem que o seu direito de crédito se tenha chegado a constituir ( ou a vencer-se). Mais uma vez se reafirma que por isso afastada está a ponderação da figura do abuso de direito, porquanto perde razão de ser a objeção feita pela apelante na conclusão ( aperfeiçoada) 23º e ssgs de que só depois de vencida a dívida, invocaram os AA a nulidade do contrato com o fito de não quererem pagar, sendo, assim, legítima a invocação de nulidade do contrato por parte dos AA. Por outro lado, diga-se, como aliás consta da sentença, que mesmo que o contrato de mediação fosse considerado válido, a Ré não teria direito a qualquer remuneração, porque o negócio visado não foi concluído e tão-pouco foi celebrado sob o regime de exclusividade, valendo mutatis mutandis todas as considerações supra analisadas. Não se nos impondo tecer quaisquer considerações quanto à bondade e acerto da decisão da primeira instância no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes, temos que a apelação terá de inevitavelmente improceder, mantendo-se e confirmando-se a sentença recorrida. Nestes termos, improcede o recurso da R. * VI. Decisão.* * Por tudo o exposto, acordam as Juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pela R. * Guimarães, Assinado electronicamente por: Anizabel Sousa Pereira Rosália Cunha e Lígia Venade |