Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2866/21.1T8GMR.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CONCEITO DE RETRIBUIÇÃO
PRÉMIO DE ASSIDUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A LAT adota um conceito próprio de retribuição, com contornos mais abrangente que os constantes do CT.
Para efeitos de ressarcimento por sinistro laboral, consideram-se todas as prestações com caráter regular, desde que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
Demonstrando-se que nos últimos quase dois anos e meio antes do acidente, o sinistrado passou a receber um prémio de assiduidade de €130 cada mês que não desse qualquer falta ao trabalho, e que desde então, evitou faltar ao serviço, para receber, quase sempre, o prémio de assiduidade, o mesmo deve ser considerado como retribuição para afeitos da LAT.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho intentada por AA, solteira, maior, por si e em representação do seu filho menor BB, consigo convivente,  na qualidade, a primeira de unida de facto do falecido sinistrado CC e o segundo de filho do casal, contra as entidades responsáveis Companhia de Seguros EMP01..., S.A., e empregadora EMP02..., CRL., conforme resulta da tentativa de conciliação realizada em 20.04.2022, as partes não se conciliaram porque a ré empregadora não aceitou o pagamento de qualquer quantia aos beneficiários legais do falecido sinistrado, alegando que o prémio de assiduidade de € 130,00 X 13 meses (€1690,00) não tem caráter retributivo.
*
Nos termos do disposto nos artºs 117º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho, vieram os beneficiários legais do falecido sinistrado, com base na retribuição de € 665,00 x14 meses/ano, acrescida de € 76,81x11 meses/ano de subsidio de alimentação e €130,00x13 meses/ano de prémio de assiduidade, reiterar o pedido de pagamento:

- A autora AA a pensão anual e vitalícia de € 3.046,47 da responsabilidade da entidade seguradora e € 507,00 da responsabilidade da entidade empregadora, cuja remição requer com início em 21/05/2021, que deverá passar para € 4.061,96 e € 676,00, respetivamente, quando atingir a idade da reforma;
- para o seu filho menor a pensão anual, temporária e atualizável, de € 2.030,98 da responsabilidade da entidade seguradora e €338,00 da responsabilidade da entidade empregadora, com inicio em 21/05/2021, até perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou ensino superior, ou sem limite de idade no caso de doença física ou mental que afetem sensivelmente a sua capacidade de trabalho, ser-lhe paga adiantada e mensalmente, até ao terceiro dia de cada mês, e na sua residência, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, devendo os vencidos serem-lhe pagos de uma só vez, e com o primeiro que se vencer acrescidos em Junho e Novembro de cada ano de 1/14 do montante anual, a titulo de subsidio de férias e Natal;
- € 2.370,75 de despesas com o funeral do sinistrado, uma vez que houve transladação, conforme fatura/recibo;
- € 5.792,28 a titulo de subsidio por morte, sendo metade (€ 2.896,14) para si e a outra metade para o seu filho menor e
- € 40,00 a título de despesas de transportes em deslocação ao Tribunal.
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Em contestação mantiveram as rés a posição assumida na tentativa de conciliação, pugnando a ré empregadora pela sua absolvição, com fundamento no seu entendimento de que o prémio de €130,00 de assiduidade pago desde 2019 ao falecido sinistrado não integrava o conceito de retribuição.
Alegou, relativamente a esta questão (arts. 4 a 8) que no sentido de estimular a assiduidade do sinistrado ao trabalho, a segunda Ré, desde .../.../2019, concedeu-lhe um prédio de €130,00, em cada mês que não desse qualquer falta ao trabalho, prémio que o sinistrado passou a receber, sempre que as condições de atribuição desse prédio, de natureza aleatória, se cumpriram. O sinistrado, desde então, evitou faltar ao serviço, para receber, quase sempre, o prémio de assiduidade, nem sempre o conseguindo. Concluiu que o sinistrado, por via da natureza aleatória do prémio de assiduidade, não o podia receber, nem o recebeu, durante o seu período de férias, não sendo o mesmo contrapartida específica do modo de execução do seu trabalho, acrescendo que o valor do subsídio de férias e de Natal, relativos a 2019, 2020 e 2021, foram pagos pelo valor do vencimento mensal, respetivamente, €600,00, €635,00 e €665,00.
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No despacho saneador, considerando-se o prémio de assiduidade integrado no conceito de retribuição para efeitos infortunística, proferiu-se a seguinte decisão:

“Assim, e nos termos expostos, julgo a ação procedente por provada e, consequentemente:

I. condeno a seguradora Companhia de Seguros EMP01..., S.A, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho) e do que já tenha, entretanto, pago a título de pensão provisória, no pagamento,
a) à autora AA:
i) da quantia de € 2.896,14, a título de subsídio por morte;
ii) o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 3.046,47, desde 21/05/2021 e até perfazer a idade da reforma por velhice e de € 4.061,96 a partir daquela data ou no caso de verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, a ser paga na residência da beneficiária, em prestações mensais correspondentes a 1/14 da mesma, sendo nos meses de junho e novembro acrescidas de uma outra prestação também equivalente a 1/14 da pensão anual;
iii) da quantia de €40,00 a título de reembolso de despesas de transporte;
iv) da quantia de €2.370,75 a título de subsídio por despesas de funeral;
b) ao autor BB:
i) da quantia de € 2.896,14, a título de subsídio por morte;
ii) da pensão anual e temporária no montante de €2.030,98 desde 21/05/2021 até à data em que completar 18 anos de idade ou até aos seus 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, a ser paga na residência da beneficiária ou dos seus familiares, em prestações mensais correspondentes a 1/14 da mesma, sendo nos meses de junho e novembro acrescidas de uma outra prestação também equivalente a 1/14 da pensão anual, atualizada em:
- 01.01.2022 para €2.051,29 (Portaria 6/2022 de 04/01) e
- 01.01.203 para €2.223,60 (Portaria n.º 24-A/2023, de 9 de janeiro - 8,4%)
II. condeno a entidade empregadora EMP02..., CRL. No pagamento, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho):
a) à autora AA:
i) o capital de remição da pensão anual e vitalícia de €429,00, desde 21/05/2021 e até perfazer a idade da reforma por velhice e de €572,00 a partir daquela data ou no caso de verificação de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho, a ser paga na residência da beneficiária, em prestações mensais correspondentes a 1/14 da mesma, sendo nos meses de junho e novembro acrescidas de uma outra prestação também equivalente a 1/14 da pensão anual;
b) ao autor BB:
i) da pensão anual e temporária no montante de €286,00 desde 21/05/2021 até à data em que completar 18 anos de idade ou até aos seus 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, a ser paga na residência da beneficiária ou dos seus familiares, em prestações mensais correspondentes a 1/14 da mesma, sendo nos meses de junho e novembro acrescidas de uma outra prestação também equivalente a 1/14 da pensão anual, atualizada em:
- 01.01.2022 para € 288,86 (Portaria 6/2022 de 04/01 -1%) e
- 01.01.203 para €313,12 (Portaria n.º 24-A/2023, de 9 de janeiro - 8,4%)
(…)

Inconformada a 2ª ré interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

I – Vem o presente recurso interposto da sentença final, que julgou a presente ação procedente, por provada e, consequentemente, além de condenar a seguradora Companhia de Seguros EMP01..., S.A, relativamente à responsabilidade para si transferida pela segunda Ré, condena a entidade empregadora EMP02..., CRL., relativamente à responsabilidade não transferida do prémio de assiduidade concedido pela apelante ao trabalhador sinistrado.
II – O inconformismo da Ré relativamente à sentença recorrida prende-se, essencialmente, com os seguintes pontos, na parte condenatória que lhe diz respeito:
A – Erro de julgamento da decisão de facto; e
B – Erro na subsunção jurídica da matéria de facto provada.
III – O sinistrado CC, em 20 de maio de 2021, trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, mediante a retribuição de €665,00 X 14 meses/ano, acrescida de 76,81 X 11 meses/ano de subsídio de alimentação e €130,00 por mês de prémio de assiduidade, valor este que recebia em cada mês que não desse qualquer falta ao trabalho.
IV – No contrato de trabalho a termo certo, celebrado, no dia 1 de fevereiro de 2016, outorgado pela Ré e pelo sinistrado, junto como doc. ... com a petição inicial, sob a cláusula sétima (Retribuição), apenas ficou acordado o valor da retribuição mensal, acrescida do subsídio de alimentação.
V – Sob o artigo 3º da contestação, a apelante alegou: “No sentido de estimular a assiduidade do sinistrado ao trabalho, a segunda Ré, desde .../.../2019, concedeu-lhe um prémio de €130,00, em cada mês que não desse qualquer falta ao trabalho”.
VI – Entre a entidade empregadora e o sinistrado não se provou ter sido acordado, em .../.../2019, o pagamento de um prémio de assiduidade, no valor de €130,00, por cada mês completo de trabalho.
VII – Provou-se, por resultar confessado no referido artigo 3º da contestação da ora apelante que, no sentido de estimular a assiduidade do sinistrado ao trabalho, a entidade empregadora, desde .../.../2019, concedeu-lhe um prémio de €130,00, em cada mês que não desse qualquer falta ao trabalho.
VIII – Verifica-se assim erro de julgamento quanto à matéria de facto decidida sob a alínea K. dos factos assentes.
IX – Impõe-se, por isso, que a matéria de facto ora impugnada seja alterada, propondo-se, com base na prova produzida e confessada nos articulados, a redação seguinte: “K. Desde .../.../2019, no sentido de estimular a assiduidade do sinistrado ao trabalho, a entidade empregadora concedeu-lhe um prémio de €130,00, em cada mês que não desse qualquer falta ao trabalho”.
X – A douta sentença recorrida errou na decisão da matéria de facto supra impugnada e ainda na subsunção jurídica da matéria de facto, o que poderá ser alterado e suprido por este Venerando Tribunal.
XI – Com efeito, o Tribunal a quo decidiu a vexata questio de saber se o prémio de assiduidade integra ou não a retribuição para efeitos de reparação infortunística, pela positiva, encostando-se, a par e passo, ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23 de maio de 2011.
XII – O prémio de assiduidade não tem carácter retributivo, a não ser que o trabalhador prove o circunstancialismo previsto na alínea a) do número 3 do artigo 260º do Código do Trabalho, nos termos do qual não se aplica o disposto na alínea c) do número 1 do referido artigo às prestações que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele.
XIII – Aos Autores competia observar o ónus de alegar e provar as circunstâncias de que dependia a qualificação do prémio de assiduidade como retribuição, não constando da matéria de facto provada nos autos designadamente “os meses e anos em que o trabalhador sinistrado recebeu o referido prémio e se recebeu nas férias e nos subsídios e férias e respetivos montantes”.
XIV – No entanto, nada se provou a respeito desta exceção à regra do carácter não retributivo do prémio de assiduidade, o que se mostra reforçado, por este não estar previsto no contrato de trabalho, celebrado em 1 de fevereiro de 2016, e só ter sido concedido pela entidade patronal ao trabalhador sinistrado, em .../.../2019.
XV – O prémio de assiduidade constitui um incentivo pecuniário que visa combater o absentismo e premiar a assiduidade do trabalhador, que assim não integra a sua retribuição, o que sucederia apenas se o seu recebimento ocorresse em 11 dos 12 meses do ano, daí que não esteja coberto pelo princípio que garante a irredutibilidade desta.
XVI – A douta sentença recorrida aproximou o caso dos autos ao decidido no referido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23 de maio de 2011, como bem resulta do teor da alínea K., supra impugnado, prolatado à revelia da Jurisprudência dominante, e, sobretudo, perante um quadro factual e legal diverso.
XVII – Importa assim concluir, face ao que vem de alegar-se, na esteira da Jurisprudência vinda de citar, que o concreto e aleatório prémio de assiduidade concedido pela entidade patronal ao trabalhador sinistrado, nos termos confessados no artigo 3º da contestação daquela, não tem caracter retributivo, não tendo os Autores provado o circunstancialismo excecionado na alínea a) do número 3 do artigo 260º do Código do Trabalho.
Nestes termos, e nos melhores de direito, que por Vossas Excelências, muito sabiamente, serão supridos, decidindo alterar a decisão da matéria de facto provada atinente à alínea K., que se mostra impugnada no corpo das presentes alegações, no sentido propugnado na conclusão IX e, subsumindo a matéria de facto provada ao direito aplicável, julgar a presente apelação procedente, com a consequente substituição por outra decisão, que julgue a ação improcedente quanto ao pedido formulado pelos Autores contra a entidade empregadora, absolvendo-se a ora recorrente do pedido, farão, Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA.
*
Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
Refere-se que o facto de alegar que o prémio de assiduidade foi concedido, desde .../.../2019, em cada mês que não desse qualquer falta ao trabalho, não fundamenta que não tem natureza retributiva.
Foi acordado entre o falecido sinistrado e entidade patronal em 2019, o pagamento do prémio de assiduidade por cada mês completo de trabalho. Bastando, para isso, o cumprimento das condições definidas para a sua atribuição, que no caso era “cada mês completo de trabalho”. Pelo que, não deve ser atendida a pretensão da Ré Recorrente, mantendo-se a redação da decisão da matéria de facto provada atinente à alínea K).
A lei permite que a obrigatoriedade resulte do uso e da expetativa por ele gerada. E permite-o mesmo quando, sendo o prémio dependente do cumprimento das condições definidas para a sua atribuição, que no caso era “cada mês completo de trabalho”, a existência do prémio se revele uma constante. Da regularidade assim constatada, prolongada no tempo, como foi, a outra conclusão não pode conduzir que não seja a de que o prémio em causa integra a retribuição do falecido sinistrado.
Tendo o denominado prémio de assiduidade sido sempre pago ao falecido sinistrado, pelo menos ao longo do período de mais de dois anos que antecedeu o acidente mencionado, é de concluir que o mesmo tem caráter de regularidade – no sentido de permanência e normalidade temporal – pelo que integra o conceito de retribuição, tal como o reconheceu a sentença recorrida.
***
A Exmª PGA deu parecer no sentido da improcedência.
Factos:
A. CC nasceu em .../.../1985 e faleceu em .../.../2021.
B. A autora AA viveu em comunhão de mesa, leito e habitação com o CC desde 2016 até à data do acidente que o vitimou.
C. BB, nascido em .../.../2019, é filho de CC (CC) e de AA.
D. No dia 20 de maio de 2021, pelas 15:45 horas, na Estrada .../..., CC trabalhava com a categoria profissional de sapador florestal, sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora EMP02...;
E. (…) mediante a retribuição de € 665,00 X 14 meses/ano, acrescida de € 76,81 X 11 meses/ano de subsídio de alimentação e € 130,00 por mês de prémio de assiduidade;
F. (…) que consistiu numa queda juntamento com o trator que se encontrava a conduzir por uma ribanceira, cerca de três metros de altura, quando se encontrava a limpar os terrenos circundantes à estrada nacional que liga ... a ..., tendo falecido no local.
G. À data do acidente a ré empregadora tinha transferida para a ré seguradora a responsabilidade infortunística relativamente ao sinistrado pela retribuição de € 665,00 X 14 meses/ano, acrescida de € 76,81 X 11 meses/ano de subsídio de alimentação (no total anual de €10.154,91) por contrato de seguro titulado pela apólice ...51.
H. Na tentativa de conciliação realizada em 20.04.2022, as rés aceitaram existência do acidente descrito em A) a F), a caracterização como acidente de trabalho, a existência das lesões e de nexo causal com a morte;
I. (…) a ré empregadora não aceitou o pagamento de qualquer quantia aos beneficiários legais do falecido sinistrado, alegando que o prémio de assiduidade de € 130,00 X 13 meses (€1.690,00) não tem carater retributivo;
E (…) a ré empregadora aceitou pagar:
a) – à Beneficiária AA o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 3.046,47, com início em 21.05.2021;
b) - a BB a pensão anual e temporária de € 2.030,98, com início em 21.05.2021;
c) - € 2.370,75 de despesas com o funeral, uma vez que houve trasladação, a ser paga á Beneficiária AA, conforme fatura recibo que a mesma juntou aos autos;
d) - € 5.792,28 a título de subsídio por morte, sendo metade (€ 2.896,14) para a viúva e a outra metade para o seu filho menor.
    e) - € 40,00 a título de despesas de transportes.
J. A ré seguradora encontra-se a liquidar a pensão provisória pedida pelos beneficiários legais desde a fase conciliatória dos autos.
K.(alterado) Desde .../.../2019, o sinistrado, em cada mês que não desse qualquer falta ao trabalho, passou a receber um prémio de assiduidade de €130; não se tendo apurado se tal resultou de acordo expresso entre trabalhador e empregadora, se de concessão por parte da empregadora, no sentido de estimular a assiduidade do trabalhador ao trabalho.
L. (…) desde então, o sinistrado evitou faltar ao serviço, para receber, quase sempre, o prémio de assiduidade, nem sempre o conseguindo.
***
Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
A recorrente questiona o facto “K” e a natureza retributiva do prémio de assiduidade.
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Quanto ao facto “K”, refere a recorrente que Sob o artigo 3º da contestação, a Ré, ora apelante, alegou o seguinte:
“No sentido de estimular a assiduidade do sinistrado ao trabalho, a segunda Ré, desde .../.../2019, concedeu-lhe um prémio de €130,00, em cada mês que não desse qualquer falta ao trabalho”. Entende a ré que não resulta ter sido celebrado acordo quanto à atribuição do prémio, mas antes que foi pela ré atribuído, no sentido de estimular a assiduidade.
Teor do facto:
K. Foi acordado, em .../.../2019 entre o falecido sinistrado e a entidade empregadora o pagamento de um prémio de assiduidade no valor de €130,00, por cada mês completo de trabalho;
Pretende seja dada a seguinte redação:
“K. Desde .../.../2019, no sentido de estimular a assiduidade do sinistrado ao trabalho, a entidade empregadora concedeu-lhe um prémio de €130,00, em cada mês que não desse qualquer falta ao trabalho”.
Não tendo sido efetuado julgamento com produção de prova quanto ao prémio em causa, e no que respeita à sua origem, e sendo que das alegações dos autores se depreende, implicitamente, resultar o mesmo de acordo, não apresentam os autos elementos suficientes para se dar como demonstrada uma ou outra versão. Contudo, da alegação da ré resulta que na relação laboral entre as partes, o prémio de assiduidade passou a ser concedido, e não como mera liberalidade. Refere-se, a ré “concedeu-lhe”, sem outras referências, a não ser o objetivo pretendido, estimular a assiduidade. O prémio manteve-se desde a concessão até ao decesso do trabalhador. Tal “concessão” tem a significação de algo que se acrescenta, concedeu um prémio, como podia ter concedido um aumento de salário. A concessão integra-se no contrato, tornando-se devida. Assim saber se a origem do prémio resulta de acordo expresso ou de concessão por banda da empregadora, irreleva para a apreciação da sua natureza remuneratória ou não.
Altera-se o facto nos seguintes termos:
K. Desde .../.../2019, o sinistrado, em cada mês que não desse qualquer falta ao trabalho, passou a receber um prémio de assiduidade de €130; não se tendo apurado se tal resultou de acordo expresso entre trabalhador e empregadora, se de concessão por parte da empregadora, no sentido de estimular a assiduidade do trabalhador ao trabalho.
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Da natureza retributiva do prémio de assiduidade.

Vejamos à luz do regime do CT. O artigo 258º do CT refere:

1 - Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
3 - Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.

Nos termos do normativo, constitui retribuição tudo aquilo a que nos termos do contrato das normas e dos usos o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho (disponibilidade). Abrange, como explicita o nº 2 do normativo, a retribuição base, e todas as prestações regulares e periódicas feitas direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.
O nº 3 do normativo estabelece uma presunção no sentido de, até prova em contrário se presumirem retribuição todas as prestações da entidade patronal.
Assim incumbe à empregadora ilidir esta presunção, demonstrando que o acréscimo efetuado visa suportar encargos do trabalhador com despesas, tais como deslocações, alojamento, alimentação, entre outras.
Feita esta demonstração, e para efeitos do artigo 260º do CT, caberá ao trabalhador demonstrar em que medida o acréscimo não visa o pagamento de despesas – excede o custo destas -  e se integra na retribuição.
A “retribuição” representa a contrapartida da prestação de trabalho (da disponibilidade do trabalhador) em resultado do contrato, das normas ou dos usos, e caracteriza-se essencialmente pela sua obrigatoriedade (sem prejuízo quanto às componentes suplementares de apenas serem devidas enquanto se mantiverem as circunstâncias que lhes servem de fundamento); regularidade, e conexão com a força de trabalho prestada ou colocada à dispo­sição da entidade patronal.
Para que uma prestação possa qualificar-se como parte integrante da retribuição, deve ter as aludidas caraterísticas. Assume relevo o caráter periódico, pois que dessa periodicidade advém a expectativa legítima do trabalhador no seu recebimento.
A lei pretende afastar as atribuições patrimoniais que revistam natureza aleatória, e por isso, insuscetíveis de criar e fundar a convicção a expectativa legítima do seu recebimento por parte do trabalhador. Tanto mais que é sabido, que normalmente as pessoas adaptam o seu padrão de consumo em função das remunerações com que contam. Vd. Ac. RG de 21/1/2016, processo nº 139/13.2TTVRL.G1.

Quanto ao prémio de assiduidade, refere o artigo o artigo 260º do CT:
1 - Não se consideram retribuição:

c) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respetivos, não esteja antecipadamente garantido;

3 - O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 não se aplica:
a) Às gratificações que sejam devidas por força do contrato ou das normas que o regem, ainda que a sua atribuição esteja condicionada aos bons serviços do trabalhador, nem àquelas que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele;
(…)
Refere-se no Ac. RP de 18/2/2019, processo nº 641/16.4T8MTS.P2, onde se refere:
O carácter não retributivo do prémio de assiduidade decorre do disposto nos artigos 261º nº1, al. b) do CT/2003 ao prescrever que “Não se consideram retribuição as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respetivos, não esteja antecipadamente garantido”. O artigo 260, nº1, al. c) do CT/2009 tem idêntica redação.
Tal significa que o prémio de assiduidade não tem, por regra, carácter retributivo, a não ser que o trabalhador prove o circunstancialismo previsto no nº2 do artigo 261º do CT/2003 e na al. a) do nº3 do artigo 260º do CT/2009 [não se aplica o nº1 do artigo 261º do CT/2003 nem a al. c) do nº1 do artigo 260º do CT/2009 às prestações que, pela sua importância e carácter regular e permanente, devam, segundo os usos, considerar-se como elemento integrante da retribuição daquele].

Nada se provou a tal respeito, na medida em que não ficou a constar da matéria de facto os meses e anos em que o Autor recebeu o referido prémio e se o recebeu nas férias e nos subsídios de férias, e respetivos montantes. Deste modo, procede a pretensão da Ré no sentido de se considerar o prémio de assiduidade como não fazendo parte da retribuição do Autor…”
No ac. STJ de Acórdão de 21.09.2017, Processo nº 393/16.8T8VIS.C1.S1 alude-se a “trata-se dum incentivo pecuniário que visa combater o absentismo e premiar a assiduidade do trabalhador.”
Um trabalhador assíduo pode receber o prémio durante todos os meses de trabalho, ou na esmagadora maioria dele. Relevará, para efeitos se ser considerada retribuição, até por força do que resulta da norma da al. c) do nº 1 do artigo 260º, e última parte da al. a) do nº 3 do mesmo normativo, saber da regularidade e permanência da sua efetiva perceção.
No caso temos que o direito ao prémio, se preenchidas as condições de atribuição, vigorava desde 1/2019, tendo decorrido mais de dois anos até ao sinistro. Não se demonstrou, contudo, em que meses efetivamente foi percebido, conquanto resulte que o autor auferiu do prémio – factos “L” -.
À luz do CT e em face da parca factualidade, não pode o prémio considerar-se como retribuição.
*
Impõe-se, no entanto, verificar da sua integração na retribuição para efeitos de responsabilidade infortunística.
Para efeitos da LAT (lei dos acidentes de trabalho, L. nº 98/2009), prescreve o artigo 71º desta:
(…)
2 - Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
3 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
4 - Se a retribuição correspondente ao dia do acidente for diferente da retribuição normal, esta é calculada pela média dos dias de trabalho e a respetiva retribuição auferida pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente.
5 - Na falta dos elementos indicados nos números anteriores, o cálculo faz-se segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos.

11 - Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
Trata-se como se vê de um conceito mais lato, abrangendo todas as componentes, desde que não se destinem a custear custos aleatórios. Abrange assim o subsídio de alimentação, e outros acréscimos que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, ainda que superior à retribuição normal, conforme resulta do comando do nº 4.
O objetivo da LAT, ao consagrar este conceito mais amplo de retribuição, é garantir que o trabalhador, que restou diminuído na sua capacidade de ganho, seja ressarcido do que efetivamente auferia, que que efetivamente levava para casa, independentemente do nome ou da razão da atribuição da verba.
Integram-se nesse prejuízo todas as verbas que regularmente auferia, relativamente às quais tinha a legitima expetativa de recebimento. Não se incluem naturalmente as verbas que, e na estrita medida em que, se destinavam a suportar custos aleatórios.
Ora, o prémio em causa não respeita a custos aleatórios. Desde logo não respeita a qualquer custo, antes se tratando de um prémio tendo em vista incentivar a assiduidade, estimulando desse modo a prestação do trabalho.
Ainda que fosse considerado um “custo”, não poderiam considerar-se aleatório.
Serão “custos aleatórios os que tenham subjacente um acontecimento incerto, sujeito às incertezas do acaso, casual, fortuito, imprevisível” – Ac. RP de 23-1-2023, processo nº 3024/19.0T8PNF.P1. No acórdão da RL de 26 de março de 2014, processo nº 1837/12.3TTLSB.L1-4, alude-se a “custos de natureza acidental e meramente compensatória”.
As condições de atribuição do prémio não podem ser consideradas” aleatórias” - no sentido de furtuito ou imprevisível -. Trata-se antes de condição que, conquanto dependente de possíveis contingências (como ocorrências relativas à saúde), depende em boa medida do trabalhador. Aliás o prémio é estipulado nesse pressuposto, daí poder falar-se em “incentivo”. Não pode incentivar-se um ato que não pode praticar-se, porque acontecimento imprevisível ou fortuito o impede.
 Resulta assim que o prémio em causa e para efeitos de responsabilidade infortunística, se inclui no conceito de retribuição, tal como consta da norma do artigo 71º da LAT.
Consequentemente é de confirmar a decisão, pelos restantes fundamentos dela constantes, para que se remete.

DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o decidido.
Custas pelo recorrente.
9.11.23

Antero Veiga
Leonor Barroso
Francisco Pereira