Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
746/23.5T8BCL.G1
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
PROCURADOR
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- A obrigação de prestar contas está sujeita ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos, nos termos do artigo 309.º do Código Civil.
- Tendo a procuração outorgada aos réus como objeto a realização dos negócios de venda, promessa de venda ou permuta dos prédios identificados e tendo o réu a coberto de tal procuração, quer por si e na qualidade de procurador dos autores, quer somente na qualidade de procurador dos autores, vendido as quotas partes de que eram titulares nos prédios nela aludidos por escritura pública outorgada em 26/12/1997, o fim da procuração alcançou-se nesta data, tendo sido nesta data que o réu, na qualidade de procurador, cessou a sua gerência.
- Assim, é esta a data que releva para efeitos de fixar o início do prazo de prescrição, atento o disposto no artigo 306º, nº 1, do CC, irrelevando a data de conhecimento efectivo dos negócios por parte dos autores.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, titular do cartão de cidadão n.º ..., válido até 21.07.2031, NIF ...93 e marido BB, titular do cartão de cidadão n.º ..., válido até 21.07.2031, NIF ...05,ambos residentes em Rua ..., ... ..., vêm em LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO, ao abrigo do disposto no artigo 941.º do CPC, intentar AÇÃO ESPECIAL DE PRESTAÇÃO DE CONTAS, contra CC, NIF ...15 e residente na Rua ... – AB, ... ..., ....
Nos presentes autos, os autores vêm exigir a prestação de contas por parte do réu, alegando que lhe passaram uma procuração conferindo poderes para vender, prometer vender ou permutar os prédios que identifica, prédios esses que o réu veio a vender, sem dar conta do negócio aos autores.

O réu contestou a obrigação de prestar contas, por exceção e impugnação, tendo os autores apresentado a respetiva resposta.

Findos os articulados, foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
- “Em face de todo o exposto, impõe-se julgar procedente a exceção de prescrição invocada pelo réu, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 576º, nº 3, do C.P.C., se absolve o mesmo do pedido formulado pelos autores.”

Inconformados com a decisão, dela vieram recorrer os Autores formulando as seguintes conclusões:

1- Vem o presente recurso interposto de saneador- sentença que julgou procedente exceção de prescrição, quanto à obrigação de prestar contas, julgando irrelevante a data em que os AA. tiveram conhecimento da utilização pelo Réu de procuração, pois que a procuração data de há mais de 20 anos.

2- Insurgem-se os AA. contra a interpretação assim efetuada pelo douto tribunal recorrido, pois que alegam que só com as partilhas da mãe ocorridas em 2020 é que tiveram conhecimento que o Réu havia utlizado a procuração de 1997 para proceder a vários negócios relativos à venda de quotas partes dos prédios adquiridos por óbito do pai da A. mulher, DD.

3- Ao contrário do sufragado pelo douto tribunal recorrido, entende-se que a prescrição não podia correr enquanto os AA. não tivessem conhecimento dos factos, mormente que o Réu exerceu o mandato que a procuração lhe conferia.

4- Pelo que, a ser controverso a data do conhecimento, sempre imporia a produção de prova a fim de aquilatar qual a data efetiva em que os AA. tiveram conhecimento dos negócios realizados.

5- Ao proferir no imediato saneador sentença, julgando verificada prescrição por a procuração datar de 1997, violou o douto tribunal recorrido, entre outros, os art. 298, 306, 318, do C.C. e ainda 914 do C.P.C.
Termos em que se requer a Vossas Excelências, se dignem ordenar a revogação da sentença proferida, ordenando-se a produção de prova e seguindo os autos o ditado processual, assim fazendo Justiça.
*
Não houve contra-alegações.
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Colhidos os vitos legais cumpre decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, cumpre apreciar se deve ser revogada a decisão recorrida e determinar-se o prosseguimento dos autos para produção de prova relativa à data do conhecimento dos negócios a que se reporta a prestação de contas em apreço.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
 
Factos considerados provados:

1 - No dia 23/12/1997, os autores declararam constituir seu bastante procurador o réu, através de procuração outorgada na Secretaria do Segundo Cartório Notarial de ..., conferindo a este os poderes de “(…) fazer negócio consigo mesmo ou com qualquer outro comproprietário, e pelo preço e condições que achar convenientes, vender, prometer vender, ou permutar os seguintes bens imóveis, situados no lugar do ... da freguesia ...:
- 1/5 indiviso dos prédios urbanos inscritos na respectiva matriz sob os artigos ...9 e ...06, e
- 1/10 indiviso do prédio rústico, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...3; e, ainda, de
- 1/5 indiviso do prédio rústico, sito na freguesia ... do dito concelho ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...01, podendo para o efeito receber o preço ajustado, e dele dar a respectiva quitação, outorgar e assinar as respectivas escrituras (…)”;

2 – Por escritura pública outorgada em 26/12/1997 na Secretaria Notarial ..., o réu, por si e na qualidade de procurador dos autores, juntamente com EE, FF e GG, declarou vender a HH 9/10 indivisos do prédio rústico inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...3, pelo preço de duzentos mil escudos, e 4/5 indivisos do prédio rústico, sito na freguesia ... do dito concelho ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...01, pelo preço de cento e cinquenta mil escudos;

3 - Por via da escritura pública referida em 2, o réu, por si e na qualidade de procurador dos autores, juntamente com GG e HH, declarou vender a FF 4/5 indivisos do prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...06, pelo preço de dois milhões de escudos;

4 - Por via da escritura pública referida em 2, o réu, na qualidade de procurador dos autores, juntamente com FF, GG e HH, declarou vender a si próprio 4/5 indivisos do prédio urbano inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...9, pelo preço de dois milhões de escudos.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da prescrição do direito dos Autores/Recorrentes

A sentença recorrida considerou que está prescrita a obrigação de prestação de contas do réu, pelo que tem este a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, nos termos do artigo 304º, do Código Civil. E, em consequência, concluiu-se que não está o réu obrigado a prestar contas aos autores, tendo o Tribunal a quo decidido julgar procedente a exceção de prescrição invocada pelo réu e absolver o mesmo do pedido formulado pelos autores.
Com o presente recurso insurgem-se os AA. quanto ao assim decidido, alegando que ao contrário do sufragado pelo douto tribunal recorrido, entende-se que a prescrição não podia correr enquanto os AA. não tivessem conhecimento dos factos, mormente que o Réu exerceu o mandato que a procuração lhe conferia. Pelo que, a ser controverso a data do conhecimento, sempre imporia a produção de prova a fim de aquilatar qual a data efetiva em que os AA. tiveram conhecimento dos negócios realizados.
Concluem os Recorrentes que ao proferir no imediato saneador sentença, julgando verificada prescrição por a procuração datar de 1997, violou o douto tribunal recorrido, entre outros, os art. 298, 306, 318, do C.C. e ainda 914 do C.P.C.
Vejamos o que diz a sentença:
- “A ação especial de prestação de contas é uma das formas de exercício do direito de informação consagrado no artigo 573.º do Código Civil, que existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias e cujo fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efetuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou débito (vide Luís Filipe Pires de Sousa, in Acções Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, 1.ª ed. Pág. 123).
(…)
DA PRESCRIÇÃO DO DIREITO DOS AUTORES
A propósito da obrigação de prestar contas, escreveu-se de forma muito elucidativa no Acórdão do T.R.P. de 08/07/2004 (P0423549, disponível in www.dgsi.pt): “(…) o direito de exigir a prestação de contas está directamente relacionado com a qualidade de administrador em que alguém se encontra investido quanto a bens que não lhe pertencem ou que não lhe pertencem em regime de exclusividade.
Essa actividade de administrador de bens alheios é susceptível de gerar receitas, podendo também impor a realização de despesas. Do confronto das receitas e despesas decorrerá ou não o apuramento de um saldo que aquele será condenado a pagar.
Este entendimento é pacífico na jurisprudência, como salienta o Acórdão da Relação de Lisboa, de 15/12/1994, publicado na C.J., tomo V, pág. 140, citando vários acórdãos, entre eles o do S.T.J. de 14/01/1975, (B.M.J. n.º 243.º, 204), no qual se afirmou que o que justifica o uso da acção com processo especial de prestação de contas “é a unilateralidade do dever de uma das partes prestar contas à outra, por imperativo da lei ou disposição do contrato, relativamente a bens ou interesses que lhe foram confiados”.
O mesmo entendimento tem a doutrina, como se constata dos ensinamentos de Alberto dos Reis, (Processos Especiais, vol. 1.º, pág. 302 e ss.), onde escreveu: “pode formular-se este princípio geral: quem administra bens alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses”. E, posteriormente, na R.L.J., ano 82.º, pág. 413, escreveu: “a prestação de contas pressupõe que a pessoa a quem são pedidas as contas exerceu gerência ou administração de interesses da pessoa que as pede”. Importa, pois, determinar quando é que se pode afirmar que alguém está obrigado a prestar contas. Não existe norma legal que genericamente responda a esta questão. O que há é um alargado leque de preceitos espalhados, designadamente, no Código Civil e Código Processo Civil que, casuisticamente, impõem essa obrigação (cfr. artigos 95.º, 662.º, 988.º, 1161.º al. d), 1944.º, 2202.º-A, 2093.º e 2332.º do Código Civil, 843.º e 1126.º do C. de Proc. Civil).
Temos, assim, que a obrigação de prestar contas decorre directamente da lei. Mas pode também derivar do negócio jurídico ou mesmo do princípio geral da boa fé (cfr. neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 17/12/1994, CJ., tomo V, pag.99). Como ensina Alberto dos Reis (ob. cit., 314), “na petição (do processo especial de prestação de contas) hà-de o autor dizer a razão por que pede contas ao réu, ou por outras palavras, a razão por que se julga no direito de exigir a prestação de contas e por que entende que sobre o réu impende a obrigação de prestar contas”.”
Em face da factualidade provada, temos por certo que - tendo os autores instituído o réu como seu procurador, concedendo-lhe poderes para fazer negócio consigo mesmo ou com qualquer outro comproprietário, e pelo preço e condições que achar convenientes, vender, prometer vender, ou permutar os bens imóveis descritos – está em causa nos autos uma procuração, que é um negócio jurídico formal e unilateral, envolvente da outorga de poderes de representação (artigo 262º, do Código Civil).
Ora, tendo o réu praticado os atos para os quais lhe tinham sido atribuídos tais poderes representativos – as vendas dos aludidos prédios – está, em princípio, obrigado a prestar contas, obrigação essa que deriva do próprio negócio jurídico e do princípio geral de boa-fé – se vendeu bens em nome dos seus representados, deve prestar contas dessas vendas.
Com efeito, o réu está, em princípio, obrigado a prestar contas, porque a obrigação de prestar contas tem lugar quando alguém trata de negócios alheios ou de negócios simultaneamente alheios e próprios, como é o caso dos autos.”
Concordamos inteiramente com a fundamentação desta passagem da sentença, a qual, de resto, não suscita nos Recorrentes qualquer reparo, não estando, por isso, questionada no recurso.
O ponto de divergência dos Apelantes reside em saber a partir de quando é que se começa a contar o prazo de prescrição do direito dos Autores objecto dos presentes autos, para se saber se está ou não prescrito o direito dos autores de exigirem a prestação de contas, conforme alega o réu.
O fundamento da prescrição assenta na "negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei; negligência que faz presumir ter ele querido renunciado ao direito, ou pelo menos o torna (o titular), indigno de proteção jurídica (dormientibus non sucurrit ius)" .- cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 7ª reimpressão, Almedina, 1987, pag. 445.
De modo que, decorrido certo lapso de tempo sem que o titular do direito o exerça, deixa de ter protecção jurídica para o efeito, o que também vai ao encontro da necessidade de evitar a acrescida dificuldade de prova por parte do sujeito passivo da relação jurídica em causa, em razão do decurso do tempo.
Assim, decorrido esse período de tempo, ou seja, completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, como dispõe o art. 304º, nº 1, do Cód. Civil.
Prevendo a lei a existência de prescrição presuntiva e extintiva (cfr. art. 304º e 312º e ss do CC), a que aqui se bem a abordar é esta última, a qual tem o efeito extintivo do direito, deixando de ser exigível ao devedor o cumprimento da obrigação em causa, o que o habilita a opor essa excepção ao credor.
Nos termos do artigo 323º, nº 1, do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias (cfr. nº 2, do citado artigo).
É equiparado à citação ou à notificação, para efeitos do citado normativo, qualquer outro acto judicial pelo qual se dê conhecimento àquele contra quem o direito pode ser exercido (artigo 323º, n.º 4, do Código Civil).
O prazo geral da prescrição, fixado no art.º 309.º do C.C., é de 20 anos mas há situações em que a lei estabelece prazos mais curtos, designadamente as elencadas no art.º 310.º do mesmo Código.
No caso vertente, atenta a factualidade provada, não há discussão no presente recurso que o prazo de prescrição aqui aplicável é o de 20 anos, previsto no citado artigo 309º do Cód. Civil.
Neste conspecto, a sentença recorrida, citando jurisprudência dos Tribunais Superiores, pronunciou-se nos seguintes termos:
- “Ora, a obrigação de prestar contas está sujeita ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos, nos termos do artigo 309.º do Código Civil.
A propósito da prescrição da obrigação de prestar contas, escreveu-se no Acórdão do S.T.J. de 09/06/2009 (P225-A/2000.S1, disponível in www.dgsi.pt): “No que contende com os direitos que impõem a uma pessoa uma prestação de dar ou fazer, a regra geral aplicável é a de que o prazo da prescrição começa a correr a partir do momento em que a obrigação se tornou exigível e, no caso dos direitos ou créditos meramente eventuais, como acontece com a prestação de contas, a respectiva prescrição começa a correr desde o dia em que os obrigados cessam a gerência, mas, se o resultado for ilíquido, como sucede no caso concreto, a partir do dia em que as contas se tornarem líquidas, quer por consenso, quer por decisão transitada em julgado.
Assim sendo, o prazo da prescrição da obrigação de prestação de contas, em que o saldo não está líquido, porquanto importa descontar as despesas realizadas face às receitas obtidas, só começa a correr desde a altura em que o credor pode promover a liquidação da dívida, ou seja, desde o dia em que os obrigados cessam a gerência, e a prescrição do resultado líquido dessas contas, desde o dia em que se tornarem líquidas, quer por consenso, quer por decisão transitada em julgado (3).” (sublinhado nosso)
Ora, aplicando os ensinamentos do Acórdão ao caso concreto, impõe-se considerar que a procuração outorgada aos réus tinha como objeto a realização dos negócios de venda, promessa de venda ou permuta dos prédios identificados.
A coberto de tal procuração, o réu, quer por si e na qualidade de procurador dos autores, quer somente na qualidade de procurador dos autores, vendeu as quotas partes de que eram titulares nos prédios aludidos por escritura pública outorgada em 26/12/1997. Ou seja, o fim da procuração alcançou-se nesta data, tendo sido nesta data que o réu, na qualidade de procurador, cessou a sua gerência, isto é, terminou de tratar os negócios para os quais lhe tinham sido conferidos poderes de representação.
E é esta a data que releva para efeitos de fixar o início do prazo de prescrição, irrelevando a data de conhecimento efetivo dos negócios por parte dos autores. É que, conforme se refere no Acórdão do S.T.J. citado supra, o prazo da prescrição começa a correr a partir do momento em que a obrigação se tornou exigível, sendo tal facto preponderante, nos termos estabelecidos no artigo 306º, nº 1, do Código Civil, o que torna indiferente, para efeitos de contagem do prazo de prescrição, a data efetiva de conhecimento do direito por parte dos autores.
Assim, inexistindo qualquer resultado ilíquido do negócio, impõe-se concluir que o prazo de prescrição da obrigação de prestar contas começou a contar na referida data de 26/12/1997 [artigo 279º, alínea b), do Código Civil]. Sendo o mesmo de 20 anos, viu o seu termo em 26/12/2017.”
Somos aqui também a concordar com estas considerações jurídicas da sentença e, consequentemente, com a conclusão a que nela se chegou, que revelam uma correcta e adequada interpretação e aplicação das apontadas normas legais.
No mesmo sentido veja-se, também, o Ac da RG , de 23.04.2015, proc. 495/08.4TBMNC.G1, no qual se sustenta que (…) “O mandante tem o direito de exigir a prestação de contas, a qualquer momento, na vigência do contrato e após a sua cessação, como resulta da al. d) do artigo 1161 do C.C. Se o contrato de mandato for de execução continuada, como é o caso dos autos, o prazo prescricional conta-se a partir da sua cessação e não enquanto está pendente a sua execução. Pois é com a cessação que impende sobre o mandatário a obrigação de prestar contas. Durante a execução do mandato, o mandatário só está obrigado a prestar contas quando lhe forem exigidas pelo mandante.”
No presente caso, resulta dos factos provados que a escritura pública de alienação dos referidos prédios foi outorgada em 26/12/1997. Donde se conclui que, o fim da procuração alcançou-se nesta data e, por isso, foi também nesta data que o réu, na qualidade de procurador, “cessou a sua gerência, isto é, terminou de tratar os negócios para os quais lhe tinham sido conferidos poderes de representação.”
Tal data é a que releva para efeitos de fixar o início do prazo de prescrição, atento o disposto no citado artigo 306º, nº 1, do CC, sendo aqui irrelevante a data em que os Autores terão tido conhecimento efectivo dos negócios, pelo que não se impõe aqui produzir qualquer prova sobre a data desse conhecimento por parte dos Autores.
Deste modo, improcedem as conclusões do recurso, devendo ser confirmada a sentença recorrida.
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Sumário:

- A obrigação de prestar contas está sujeita ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos, nos termos do artigo 309.º do Código Civil.

- Tendo a procuração outorgada aos réus como objeto a realização dos negócios de venda, promessa de venda ou permuta dos prédios identificados e tendo o réu a coberto de tal procuração, quer por si e na qualidade de procurador dos autores, quer somente na qualidade de procurador dos autores, vendido as quotas partes de que eram titulares nos prédios nela aludidos por escritura pública outorgada em 26/12/1997, o fim da procuração alcançou-se nesta data, tendo sido nesta data que o réu, na qualidade de procurador, cessou a sua gerência.

- Assim, é esta a data que releva para efeitos de fixar o início do prazo de prescrição, atento o disposto no artigo 306º, nº 1, do CC, irrelevando a data de conhecimento efectivo dos negócios por parte dos autores.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Guimarães, 29.05.2024

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Maria Amália Santos
Conceição Sampaio