Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
214/16.1T8CBT.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
CONTRADIÇÃO
FACTOS COMPLEMENTARES OU CONCRETIZADORES
ATENDIBILIDADE
CONTRADITÓRIO
OBRA DEFEITUOSA
CAUSA DOS DEFEITOS
RECONHECIMENTO DOS DEFEITOS
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
PEDIDO GENÉRICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO (AUTOR E RÉU)
Decisão: APELAÇÕES IMPROCEDENTES
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, enquanto a indicação do exato sentido decisório que decorreria da correta apreciação dos meios de prova em causa tem a sua relevância ligada à necessidade de ser claramente mostrado onde está o invocado erro de julgamento, constituindo, no seu conjunto, tais formalidades “uma garantia fundamental para o exercício de um contraditório esclarecido por banda da contraparte e para manter o julgador numa posição de imparcialidade ante a delimitação do objeto do recurso, que impende sobre o recorrente”, só assim se podendo “lograr obter uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos em causa”;

II – Quando não se deteta nenhuma contradição lógica, nenhum erro de raciocínio entre a decisão e os motivos expostos pelo julgador, sucedendo apenas que, perante a prova produzida, o julgador retirou conclusões distintas das referidas pelo recorrente, ou seja, interpretou e valorou a prova de modo que aquele não reconhece como o adequado, e, face aos factos assentes, decidiu em termos com os quais o mesmo também não concorda, não está em causa qualquer oposição entre as decisões de facto e de direito e os respetivos fundamentos, inexistindo, pois, a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, c), do CPC;

III – Desde que o autor tenha alegado na petição o núcleo essencial, caracterizador da causa de pedir, é perfeitamente possível que sejam ainda processualmente adquiridos, durante o processo, factos complementares ou concretizadores daquele núcleo essencial, factos, esses, que poderão servir legitimamente de suporte, por força do art. 5º, nº 2, b), do CPC, a uma decisão de procedência da ação;

IV – Em tais casos, para garantir o direito de defesa da contraparte necessário se torna que o Tribunal evidencie a relevância dos factos concretizadores, mas essa relevância pode ser eficazmente evidenciada de modo implícito, tal sucedendo quando as partes, embora não expressamente notificadas para se pronunciarem, virem o seu direito plenamente garantido pela estrutura contraditória da audiência final;

V - Sendo, por via de regra, bastante difícil a prova das causas do defeito por parte do dono da obra, e, diversamente, tendo o empreiteiro, “pela estreita relação que manteve com a coisa”, mais facilidade de provar que o defeito é estranho à realização da obra, “não é aceitável exigir que sobre o credor impenda o ónus de provar as causas do defeito”, devendo, pelo contrário, considerar-se, para efeito do aludido ónus, a causa do defeito como estranha à prestação do empreiteiro, como um facto extintivo do direito invocado, não fazendo, por isso, sentido exigir que o dono da obra concretize, no pedido formulado, as obras necessárias à reparação da origem do vício quando não está sequer obrigado a demonstrar a dita origem, podendo, por isso, deduzir um pedido genérico de reparação ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 citado art. 556º do CPC;

VI – Se o autor formulou um pedido genérico dizendo expressamente que pretendia que o seu quantum fosse relegado para liquidação ulterior, tem o tribunal, por desconhecer os concretos limites da pretensão daquele, de efetivamente remeter para posterior liquidação o valor de tal pedido, não podendo “liquidar oficiosamente um “quantum” que a parte entendeu dever ser diferido para a fase de ulterior de liquidação”, pelo que, ao proceder a uma condenação líquida, o tribunal está a condenar “em quantidade superior e em objeto diverso do que foi pedido”;

VII – Todavia, podendo verificar-se, ainda que indiretamente, por via de pedido de indemnização subsidiariamente formulado, qual o limite quantitativo de pedido genérico de reparação in natura e sabendo-se que em concreto, segundo o apurado e não impugnado por nenhuma das partes, em termos quantitativos, a condenação é de valor inferior àquele, forçoso é considerar não ter a condenação ultrapassado os limites do pedido, do mesmo modo se devendo considerar que não houve condenação em objeto diverso se o incluído na condenação não tem por conteúdo senão, como é o caso, factos concretizadores das, em parte, genericamente peticionadas obras para reparação in natura dos defeitos alegados, sendo, aliás, de todo contrário aos princípios da economia processual e da celeridade que presidem ao direito processual a duplicação de tarefas implicada num formal incidente de liquidação ulterior à sentença para efeito de obtenção de um resultado que, como é o caso, na prática, já foi alcançado no processo declarativo;

VIII – A impugnação da matéria de facto apenas pode e deve visar pontos de facto relevantes para a reapreciação das decisões de direito abrangidas pelo recurso interposto: de contrário, extravasando o objeto do recurso, será inócua, dela não se devendo, pois, conhecer;

IX - O dono da obra que pretende denunciar os defeitos, e, simultaneamente, exigir a sua reparação e eliminação, tem apenas de provar a existência daqueles, cabendo ao empreiteiro a prova de que tal exercício não foi feito no prazo estabelecido por lei ou acordado pelas partes se exceder aquele;

X - Quando, mais do que limitar-se a constatar a existência dos problemas, o dono da obra toma uma postura de um reconhecimento inequívoco da sua responsabilidade no surgimento daqueles problemas, independentemente de se lhe ter seguido ou não uma atuação no sentido da correção dos mesmos, pode dizer-se que houve da parte daquele uma “assunção da responsabilidade pela verificação desses defeitos”, pelo que, para além de um tal reconhecimento equivaler à denúncia (artigo 1220.º/2 do Código Civil), ele tem um efeito impeditivo do decurso de um prazo de caducidade para a instauração da ação destinada a exigir, após a denúncia, a eliminação dos defeitos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

A. M. intentou ação declarativa de condenação com processo comum contra A. J. pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 32.224,13 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 28.12.2013 até integral pagamento, que, até ao momento, perfazem a quantia de 3.743,30 €.
Alegou, para o efeito, que no âmbito da sua atividade industrial prestou ao Réu, sob orientação deste, serviços de construção civil em dois prédios que lhe pertencem, situados em Outeirinho e em Carvalhal, que ainda não foram pagos e perfazem o montante peticionado.
O Réu, A. J., contestou e reconveio (fls. 37 e ss.). Defendeu-se por exceção, invocando, em suma:
- a ilegitimidade ativa na medida em que contratou a “Sociedade de Construções S. C., Ld.ª” e não o Autor pessoa singular;
- que se encontra paga a totalidade do preço dos trabalhos executados;
- na casa ... há entrada de humidade e águas da chuva, na cave, na garagem, no rés-do-chão, numa sala e quarto do primeiro andar;
- na casa ..., não foi feito o isolamento entre o exterior e o teto da garagem, onde entram águas pluviais;
- logo que teve conhecimento destes defeitos que iam surgindo comunicou-os ao Autor, que sempre aceitou a reclamação mostrando-se disponível para os corrigir.

Impugnou os demais fundamentos do pedido.

Reconveio, pedindo, caso o Autor/Reconvindo seja considerado parte legítima, a condenação deste a:

-A proceder a todas as obras necessárias adequadas, designadamente as alegadas nos arts. 20 e 21 da contestação (reconvenção), e respeitantes aos defeitos e vícios alegados no art.º 19 do mesmo articulado;
- A proceder a todas as obras necessárias e adequadas, designadamente as alegadas no art.24 da contestação (reconvenção), e respeitantes aos defeitos e vícios alegados no art.º 23 do mesmo articulado; fixando-se um prazo de noventa dias, para a execução desses trabalhos.
Em alternativa, o A. condenado a pagar ao R. a quantia de 40.000 euros (quarenta mil euros), para este proceder às obras necessárias e adequadas à eliminação dos vícios e defeitos alegados; acrescida de juros legais que se vencerem após citação;
- Condenar o A. a pagar ao R. a quantia já liquidada de 14.400 euros, a titulo de indemnização por não poder alugar a casa ..., em virtude das patologias, vícios e defeitos de construção que apresenta, calculada esta indemnização até 31 de Dezembro de 2016;
E, ao mesmo titulo indemnizatório, na quantia de 600 euros (seiscentos euros) mensais, com inicio em 01 de Janeiro de 2017 e até que esses mesmos defeitos e vícios sejam corrigidos pelo A; tudo acrescido de juros que se vencerem desde a data de citação e até real e efectivo pagamento.
Respondeu o Autor, defendendo-se por exceção e por impugnação relativamente ao pedido reconvencional (fls. 63 e ss.).
Para além do mais já decidido no saneador, impugnou a existência de defeitos da obra, cuja execução, alegou, obedeceu a instruções dadas pelo Reconvinte, bem como alegou nunca ter aquele denunciado qualquer defeito, nem ele procedido a qualquer reconhecimento de algum nas obras que executou, razão pela qual sempre estaria caducado o direito de que aquele se arroga titular.
O Reconvinte contraditou a matéria de exceção invocada pelo Reconvindo (fls. 69 v.º e ss.).
No despacho-saneador (fls. 74 e ss.) foram julgadas improcedentes as exceções dilatórias de ilegitimidade ativa e da ineptidão do pedido reconvencional.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença contendo a seguinte disposição:
Em face do exposto, julgo:
A.
Parcialmente procedente o pedido formulado pelo Autor, condenando o Réu a pagar-lhe:
- a quantia de € 17.521,35 (dezassete mil, quinhentos e vinte e um euros e trinta a cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa peticionada, contados desde 29.12.2013, até efectivo e integral pagamento;
- a quantia de € 8.017,78 (oito mil, dezassete euros e setenta a oito cêntimos), sujeita à condição de o Autor/Reconvindo cumprir a obrigação determinada na alínea B. do presente dispositivo, acrescida de juros vincendos à taxa peticionada, contados desde o termo do prazo aí concedido para o cumprimento da mesma obrigação.
Improcedente a parte restante do pedido deduzido pelo Autor, do qual se absolve o Réu.
B.
Parcialmente procedente o pedido reconvencional formulado pelo Réu/Reconvinte, condenando o Autor/Reconvindo a proceder, a expensas suas, a todas as obras descritas no facto provado número vinte e dois da presente sentença, até “demãos de tinta” inclusive, fixando-se em cento e vinte dias contados do trânsito em julgado, o prazo para a execução dos trabalhos.
Parcialmente improcedente o pedido reconvencional, absolvendo o Autor/Reconvindo da sua parte restante.
Custas dos pedidos inicial e reconvencional por Autor/Reconvindo e Réu/Reconvinte na proporção dos respectivos decaimentos, sendo de € 25.539,13 o vencimento do Autor no pedido e fixando-se em € 8.017,78 o valor do vencimento do Reconvinte no pedido reconvencional (art.º 527º, n.º 1 do C.P.C.).

Inconformado com a sentença proferida, o Autor/Recorrido interpôs recurso, apresentando as respetivas alegações e enunciando as seguintes conclusões:

1. O presente recurso versa matéria de facto e de direito com reapreciação da prova gravada.
2. Em primeiro lugar, e de acordo com o vertido em I da motivação que precede, impõe- se a correção, que se requer, ao abrigo do art. 249 do CC e 613 e 614 do CPC, do lapso de escrita ostentado nos factos provados 1 e 2, quanto à propriedade dos imoveis, corrigindo-se que são propriedade do R. e não dos lá indicados A. J. e mulher, por ser o que resulta das competentes certidões prediais juntas à P.I., e tal lapso de escrita resultar em ambos os casos do texto e contexto, quer dos documentos quer da própria fundamentação.
3. De acordo com a motivação que se aduziu em II supra, impõe-se, face ao teor do documento (e-mail e respetivo anexo) nº5 junto com a P.I. e datado, respetivamente, de 29 e 28 de Dezembro de 2013, constante de fls.25 e 27 dos autos, bem como do que resulta da motivação da decisão da matéria de facto, concretamente do ponto III- a) impõe-se retificar a condenação do R. constante do primeiro paragrafo do dispositivo, que terá de passar dos 17.521,35€ lá consignados para o valor de 29.746,02€.
4. De facto, é o que resulta da prova produzida, designadamente dos documentos referidos na precedente conclusão 2, que admitidos pelo próprio R., conforme motivação, como seus, fazem prova plena do lá declarado, sendo certo que não se encontra na motivação de facto, ou de direito, como o Tribunal logrou alcançar aquele valor de apenas 17.521,35€.
5. Nesta parte, s.d.r. e s.m.o, o Tribunal, certamente por lapso, fez errado julgamento da matéria de facto, que redundou em contradição entre os próprios fundamentos e a decisão (do facto), nos termos do art. 615 nº1 alínea c) do CPC.
6. No que concerne aos ditos defeitos que levaram à procedência parcial do pedido reconvencional, também o A. não se conforma com o decidido (cfr. III supra).
7. Desde logo, s.d.r, a douta sentença não distingue, como devia, entre o ocorrido e até explicado na motivação de facto, na casa ... e na casa ....
8. Quanto à casa ..., verifica-se existir contradição entre a decisão da respetiva matéria de facto, e as concretas motivação e condenação atinentes, conforme se procurou evidenciar em a) de III, da motivação do presente recurso.
9. O Tribunal, provavelmente por lapso de copy-paste dá como provada a responsabilidade do A. por defeitos na casa ... que exclui expressa, explicita e convincentemente na motivação (cfr. factos 26, 29 e 30).
10. De acordo com a fundamentação avançada pelo próprio Tribunal, (cfr. V da motivação) este não deveria ter dado por provada a existência de qualquer defeito na casa ... (facto provado 26), muito menos imputável ao A., tal qual não deveria imputar a esta qualquer assunção de responsabilidade, porque este nunca a assumiu (facto 29 e 30).
11. Aqueles factos 26, 29 e 30 estão assim erradamente dados como provados, quanto à casa ..., pelo que se requer a respetiva correção por tal vicio integrar errado julgamento das matéria de facto, e contradição entre o que foi levado aos provados e a respetiva, clara e explicita motivação, padecendo assim o decidido, nesta parte, de contradição entre os fundamentos e o decidido, integrando a previsão do art. 615 nº1 al. c) do CPC.
12. Já no que concerne à casa ..., como se procurou evidenciar em III – b), o recorrente entende que o Tribunal incorreu em erro de julgamento por errada interpretação da prova e em errada interpretação e aplicação do direito aplicável, nomeadamente no que respeita à responsabilidade do A. por alegados defeitos.
13. De facto, o réu não cumpriu com o ónus de denúncia dos defeitos e de interposição da respectiva acção judicial, nos termos prescritos no art. 1225º do C.C., pelo que se impõe a absolvição do pedido reconvencional.
14. O facto de o A. ter conhecimento da existência de umas pingas, que verificou em 2011, na casa ..., não equivale a qualquer reconhecimento de defeito, ou de quem seja o responsável, tanto mais que, não se determinou, sequer, a origem dessas pingas – se de um defeito, se de causa diferente.
15. Apelar às simples declarações do réu, único interessado, para dar por provada a denúncia atempada dos defeitos, configura de si uma errada interpretação e valoração da prova e não é suficiente a fundamentar a decisão sobre a matéria de facto nesta parte.
16. E as próprias declarações do réu, nos trechos precisamente transcritos, não sustentam a conclusão do Tribunal, nem o facto provado nº 29, pois que, em momento algum, este refere ter denunciado os defeitos no prazo de quinze dias após o conhecimento.
17. Note-se que, refere o R. que avisava o A. por e-mail, e nenhum apareceu a sustentar qualquer denúncia.
18. Não resulta da prova produzida matéria suficiente a dar por provada a denúncia dos alegados defeitos nos termos em que o impõe o art. 1220º n. 1) do CC., nomeadamente a sua discriminação detalhada, pelo que, deve ser dado não provado o facto provado 29.
19. Em qualquer caso, aquela constatação, no ano de 2011, pelo A., mesmo a admitir-se como verdadeira, e não é - que não constitui uma assunção da responsabilidade pela verificação desses defeitos -, apenas libertaria o dono da obra de efetuar a denúncia dos defeitos reconhecidos, mantendo-se a obrigatoriedade do exercício dos respetivos e demais direitos, incluído o direito de acção, dentro dos prazos referidos nos arts 1224.º e 1225.º CC, o que o réu reconvinte não respeitou, pelo que, também terá, por esta via, de ser o A. absolvido do pedido reconvencional.
20. Por outro lado, ficou por demonstrar em que data se iniciaram ou surgiram os defeitos que o Reconvinte reclama (in casu, aqueles por que o Tribunal condena), bem como quando deles teve conhecimento réu e tal alegação é elemento constitutivo do direito do dono da obra, enquanto figurante na lide na veste de autor da acção.
21. Como tal, o réu não cumpriu com o ónus de alegação e prova, não só a existência dos defeitos que pretende ver eliminados como, também, a data do seu descobrimento, não podendo o A. ser sobrecarregado com a prova da caducidade do direito daquele, porque aquele não cumpriu com um ónus anterior.
22. Pelo que, também por esta via, deve ser absolvido do pedido reconvencional.
23. Por outro lado ainda, devem ser dados por provados os factos dados por não provados sob os nº 4, 5 e 17, pelos motivos expendidos em III, b), da presente motivação, concretamente, atendendo às declarações prestadas pelo R. em audiência na sua globalidade, ao depoimento do A e ao depoimento da testemunha António, todos no sentido de que era o réu reconvinte quem tudo mandava fazer e desfazer, contra projectos e opinião do próprio A. ou seus funcionários, dizendo que era quem pagava e, por isso, quem mandava.
24. O Tribunal valorou, erradamente, a prova produzida em audiência, nesta parte; aliás, ignorou-a, sem que motivasse razão para tal.
25. Assim, a prova efectiva é apta a ilidir a presunção de culpa do empreiteiro, consagrada no art. 799º, n.º 1 do CC., e demonstra, inequivocamente, que a execução da obra correu a cargo do próprio R., que ordenou todos os actos, pelo que, apenas a este podem ser imputados quaisquer defeitos.
26. Não pode, pois, o A. reconvindo ser condenado na reparação dos defeitos, por não lhe serem imputáveis, a qualquer título.
27. Acresce que, os defeitos “reclamados” circunscrevem-se àqueles que foram alegados pelo réu e são estes que constituem a causa de pedir da reconvenção.
28. O Tribunal não se limitou ao alegado e condenou, por apelo à perícia, na reparação de defeitos diferentes daqueles que o próprio réu “reclamou”
29. Ora, o Tribunal está vinculado às alegações das partes no que tange aos factos essenciais que constituem a causa de pedir, no caso sub judice, os concretos defeitos alegadamente existentes na obra.
30. Foi, assim, violado o art. 5º, nº 1 do CPC.
31. De igual modo, o pedido do reconvinte reportado a uma causa de pedir que não foi dada como provada, consiste na condenação do A. a proceder a todas as obras necessárias e adequadas, designadamente as alegadas nos artigos 20, 21 (e 24 - Carvalhal) da contestação.
32. Porém, o Tribunal condenou o A. a proceder a todas as obras descritas no ponto 22 da matéria de facto (casa ...), que são bem diferentes daquelas peticionadas pelo A. (Reconvinte e não Autor) (em 20 e 21 da contestação).
33. O Tribunal só poderia assim decidir se o Reconvinte tivesse, atempadamente, deduzido articulado superveniente, alterando a causa de pedir – o que não ocorreu.
34. Ao assim não proceder, o Tribunal atentou contra o disposto no art.609º do CPC.

Não houve contra-alegações.

Por seu turno, o Réu/Reconvinte também interpôs recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:

A-O A. constituiu uma empresa de construção civil, denominada “Sociedade de Construções S. C. Ldª”, da qual era gerente e sócio com a sua mulher.
Esta empresa foi constituída por volta de 2000/2002 e terminou em 2013 – 27.12.2013 – através dum procedimento especial de extinção.
Nesse período de tempo o R. negociou e contratou com essa empresa, através do seu gerente, A. M., que é irmão do R., a quem este chama familiarmente Nelo, obras e serviços de construção civil em duas casas de que é dono: Casa ... – (Casa de baixo) e casa ... (casa de cima).
No depoimento de parte, que foi gravado e aqui se junta transcrição escrita, o A. disse que constituiu de raiz a “Casa ...” nos anos 2007/2008.
Que fez obras de remodelação na casa ..., nos anos 2012/2013.
B-O R. nunca contratou nem encomendou ao A. M. (individualmente considerado) a execução de obras nas casas referidas em A.
Fê-lo sempre à sociedade de que este era dono.
Esta certeza resulta da existência da sociedade no período de tempo das construções, no depoimento gravado e transcrito das testemunhas arroladas pelo A – H. D. – e António – que disseram e repetiram que andaram nas obras das casas do R., por conta e ordem do patrão – Sociedade S. C. – que lhes pagou o ordenado ao fim do mês e a quem passavam recibo.
E ainda várias facturas juntas ao processo em papel timbrado da sociedade; da divida paga pelo R. em substituição da sociedade no ano 2001, conforme o provado no nº15 da sentença, no facto do A. M. registar em 2013, em nome da sociedade o veículo de matricula UZ, pago pelo R. e conforme o provado no n.º 17 da sentença; e ainda no doc. (mail) de fls.29 dos autos, enviado pela sociedade ao R. – número 32 da sentença.
A sociedade de construções S. C. Ldª existia e funcionava, como se demonstrou.
Só esta sociedade era credora do R., e nunca o A.- A. M..
Esta circunstância acarreta a imediata absolvição do R. do pedido formulado pelo A. M.; tudo nos termos constantes das alegações apresentadas, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas.
C-Do alegado na p.i, designadamente nos arts. 5-6 a 11, resulta uma ausência de causa de pedir, ou pelo menos uma manifesta ininteligibilidade da mesma, face aos pedidos formulados pelo A.
Não se consegue saber, nem se pode julgar provado, quais foram os trabalhos concretos que o A. prestou ao R; e muito menos que trabalhos foram prestados na casa ... e na casa ....
Não se consegue saber, nem se pode julgar provado, em que tempo foram prestados esses trabalhos, em cada uma das casas.
Não se pode saber, nem se pode julgar provado, quantos operários, e quanto tempo dispensaram á execução desses trabalhos, nas duas e em cada uma das casas.
Não há qualquer registo escrito do nome desses operários e do tempo que trabalharam. Essa ausência de causa de pedir, impede o R. de deduzir contraditório eficaz. Não pode contestar o que não foi alegado;
É nulo o processado.
D-Tentou o Sr. Juiz suprir a falta de causa de pedir, da ausência de factos, não alegados pelo A., acrescentando o nº5 dos factos provados na sentença.
Este “acrescento” não pôde ser contestado pelo R.
É claramente um excesso de pronúncia – al. d) do nº1 do art.º 615 do C. P. C., a exigir a nulidade do processado – nºs 1 e 2 do art.º 186 do C. P. C.
E- Sendo certo que foram feitas obras de remodelação na casa ... do A., não existem nos autos factos, nem provas de qual foi o seu custo.
Impõe este julgamento o depoimento de parte do A., cuja transcrição se junta, e foi dilucidado ao minuto.
Disse que foram 1.200 h de trabalho, de 3 /4 ou 5 homens, durante alguns meses, mas não era todos os dias;
Não há registo das horas gastas nesses trabalhos, nem das datas, nem dos dias.
O depoimento das testemunhas – António e H. D. – arroladas pelo A., e também já dilucidado ao minuto, foi no sentido de que trabalharam nas casas do R., mas sempre foram pagos ao mês e auferiam o salário mínimo. O volume de obra da casa ..., não alegado pelo A., mas acrescentado pelo Sr. Juiz, não justifica o custo peticionado na p.i.
O testemunho de A. G., também já dilucidado ao minuto, sendo ele técnico da obra, entre tantas coisas, disse que as obras efectuadas na casa ... do R., dois homens faziam em mês e meio no máximo.
Todas estas provas impõem que:
Está errado o julgamento dos factos 7. da sentença.
Esta factualidade que foi julgada provada pelo Mmo. Juiz, deve ser substituída pelo seguinte:
“Todos os trabalhos e serviços prestados ao A., foram projectados e aprovados pelas entidades administrativas”.
Os factos julgados provados no nº9 da sentença, devem ser substituídos nestes termos:
“O R. pagou ao A. todos os trabalhos e serviços que este lhe prestou na construção da casa ...”(casa de baixo)

Os factos julgados provados no nº10 da sentença, devem ter a seguinte redacção:

O A. prestou alguns trabalhos de mão de obra de construção civil na casa ..., em tempo indeterminado dos anos 2012/2013, trabalhos não concretamente apurados, nem em quantidade, nem em qualidade e custos
Os factos julgados provados no nº11 da sentença, devem ser julgados como não provados.
F-A sentença em recurso, no seu ponto 3 dos factos provados, diz “No ano de 2008, o R. acordou com o A. a construção de raiz, de uma casa no prédio identificado no facto provado no nº1, sita no lugar …– Celorico de Basto, de acordo com o projecto (art.º5 e 6 da p.i e contestação);
Nos factos julgados no ponto 7 da sentença, esta contradiz o que julgou provado no ponto 3., quando refere que o R. dizia ao A., para construir e reconstruir, “…..por vezes á revelia dos projectos de arquitectura e especialidades”.
Num lado tudo foi construído “de acordo com o projecto” (nº3 da sentença), outras vezes a sentença diz, que houve obras á revelia dos projectos (nº7 da sentença).
É evidente a contradição.
G-Inexiste prova, e a sentença não julgou nos factos provados que o R. não tenha pago ao A., as quantias que peteciona na p.i.
Cabia ao A. fazer prova desse não pagamento. Não o fez.
H-Por inexistência total de prova, os factos julgados provados no nº12 da sentença, devem ser remetidos para o elenco dos factos não provados.
O R. nunca reconheceu essa divida.
O A. não alegou um único facto que possa dar suporte ou justificá-la.
I-Os factos do nº16 da sentença devem ser alterados e complementados, por forma a que fiquem com a seguinte redacção:
“A quantia mencionada no facto provado anterior (facto 15) foi paga pelo Réu, por conta dos trabalhos que lhe foram prestados na obra da casa ...”
J-O depoimento da testemunha R. M., que não foi transcrito;
- O livro de facturas que juntou nos autos foi analisado pelo Sr. Juiz, designadamente da factura nº 0034 de 17 de Julho de 2013, impõem que os factos do nº17 da sentença, tenham a seguinte redacção:
“O Réu pagou a quantia de 8.250 euros, o custo do veículo de matricula UZ, que o A. registou em seu nome, como forma de pagamento de parte dos trabalhos de mão de obra prestados na casa ...”.
L-O R. pagou ao A. (á entidade que fez as obras) a quantia global provada na sentença de 28520,087 euros. (3.400+273,87+425,00+4.961,00+6.711,00+8.250).
M- As casas do R., a do Outeirinho e Carvalhal, por causa da construção e remodelação efectuada pelo A. ou sua empresa, demonstram patologias, vícios e defeitos nessa mesma construção, que foram atempadamente comunicadas ao construtor.
Essas patologias não foram sanadas; e constam dos relatórios periciais juntos ao processo, de forma descriminada.
O A. deve ser condenado a fazer todos os trabalhos, serviços e a utilizar todas as matérias primas e materiais necessários e adequados a corrigir todas essas patologias, no prazo fixado na douta sentença.
Ou, a pagar ao R., a quantia de 14.303,64 euros, acrescida de IVA, para que o R. possa realizar todos esses trabalhos, nos termos constantes da perícia.
N-Foi julgado provado na sentença, nº33, que o R. colocou a casa do lugar ..., numa empresa de mediação mobiliária – … – com vista a vendê-la.
Referiu a perícia que a casa, com as patologias de construção que mostrava, não é vendida pelo preço de mercado, caso não as tivesse.
Terá sempre o diferencial no preço, para menos, do custo necessário á reparação das patologias, que segundo a perícia é de 14.303,64 euros.
O A. deve ser condenado a pagar ao R. esse diferencial, que corresponde ao que receberá a menos, caso venda a casa.
O-O R. construiu de raiz a casa ....
Trata-se duma construção nova e moderna. Muito linda no dizer do depoimento da testemunha A. G., técnico da obra, gravado e tanscrito Desde a data de conclusão da obra, que se verificam as infiltrações de águas e humidades na casa, que a vão danificando e retirando toda a beleza.
Todos sabemos que quase inviabilizam a sua venda ou arrendamento.
Só por desgosto o R. pretende vendê-la. E muito sofre ao ver toda esta situação, que claramente é da responsabilidade do construtor.
Este, a titulo de danos morais, deve ser condenado a indemnizar o R., pelo menos na quantia de 5.000 euros, conforme o peticionado.
P-A sentença ora em recurso, entre outros, e como já se alegou, violou os arts. 186 nºs 1 e 2, 581 nº4 e 615 al. d) do nº1 do C. P. Civil e ao art.º 342 do C. Civil, sendo que fez uma errada interpretação dos factos, face ás provas produzidas, designadamente a prova testemunhal gravada, mas também a documental.
Na procedência desta apelação, deve por isso a sentença ser alterada, pela forma alegada neste recurso, com as alterações ao julgamento da matéria de facto apresentadas, e consequente subsunção ao direito.
Tendo o recorrente aceite, que houve trabalhos de mão de obra na casa ..., sendo que alguns não estão pagos; face á indeterminação da quantidade e qualidade de trabalhos efectuados, respectivos custos e mão de obra, conclusão da alínea E), deve o apuramento dessa factualidade ser remetida para liquidação em execução de sentença.
Termina pedindo seja o recurso julgado provado e procedente, e, em consequência, a decisão recorrida revogada,
Não foram apresentadas contra-alegações.

No despacho de admissão dos recursos, o Juiz a quo pronunciou-se sobre as arguidas nulidades nos seguintes termos:

Alegações de recurso apresentadas pelo Autor/Reconvindo a 11.09.2019 (fls. 383 e ss.):
I.
Por padecerem de manifesto lapso de escrita, verificável a partir dos documentos que lhes deram origem, determino a correcção da redacção dos factos provados números 1 e 2 da sentença proferida (artigos 613º e 614º do CPC), nos seguintes termos:
1. Encontra-se registada a favor de A. J., pela Ap. 2014 de 2012.10.09, a aquisição, por partilha subsequente a divórcio de D. B., do prédio urbano descrito sob o n.º .../19940512 da Conservatória do Registo Predial ..., como tendo área total de 418 m2 (131,87 m2 coberta e 286,13 m2 descoberta), inscrito na matriz sob o artigo …-P, composto de habitação de cave, rés do chão, primeiro andar e logradouro, situado no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Celorico de Basto (cfr. certidão do registo predial junta a fls. 18 e ss. dos autos).
2. Encontra-se registada a favor de A. J., pela Ap. 2014 de 2012.10.09, a aquisição, por partilha subsequente a divórcio de D. B., do prédio misto descrito sob o n.º …/19990413 da Conservatória do Registo Predial ..., como tendo área total de 4.950 m2 (919 m2 coberta e 4031 m2), composto de casa de rés do chão e primeiro andar com 919 m2, terra junta com 1781 m2 e Sorte de Mato... com 2250 m2, situado no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Celorico de Basto (cfr. certidão do registo predial junta a fls. 22 e ss. dos autos).

II e ponto 1. de III
Salvo melhor opinião, o que vem alegado sob a epígrafe “erro de cálculo / errada apreciação da prova” do título II das alegações de recurso do Autor (fls. 387 e ss.) constitui divergência quanto à valoração da prova que está na origem dos valores da condenação e quanto à fundamentação de direito (cfr. no parágrafo “Por conta do valor em apreço…” do tema “Da mora do Réu” da sentença recorrida) não constituindo nulidade, nos termos e para os efeitos previstos pela alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC.
Quanto à alegação feita no ponto 1 do título III, intitulado “contradição entre a matéria de facto e a respectiva motivação…” (fls. 388 v.º e ss.), lido na totalidade o teor dos factos provados números 26, 29 e 30 não se vislumbra contradição, devendo atentar-se na redacção da parte final do facto provado número 30 - O Autor mostrou-se disponível para corrigir os problemas resultantes dos trabalhos que efectuou nos prédios do Réu – o que afasta quaisquer outros, resultantes de trabalhos que o Autor não efectuou.
Termos em que considero não verificada a invocada nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º, do CPC.
****
Alegações de recurso apresentadas pelo Réu/Reconvinte a 06.09.2019 (fls. 355 e ss.):
I.
Invoca o Réu / Reconvinte contradição da fundamentação (alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do CPC) entre o teor dos factos provados números 3 e 7, na medida em que o primeiro alude à …construção de raiz (…) de uma casa (…) de acordo com o projecto… e o segundo refere a execução de serviços …à revelia dos projectos de arquitectura e de especialidades.
Salvo mais douta opinião, afigura-se claro que inexiste incongruência porque a redacção completa de cada um dos factos provados 3 e 7 revela que aquele diz respeito ao momento em que foi celebrado o acordo verbal entre Autor e Réu com vista à construção do prédio, e este ao que ocorreu, em desconformidade com o que havia sido acordado, durante a execução de alguns dos trabalhos em obra.
II.
Excesso de pronúncia (alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC) porque o facto provado número 5 inclui as expressões “mão de obra na execução de modificações em divisões interiores e reparações no telhado, caleiros e beirais da habitação (…) arranjos de passeios exteriores” que não foram alegadas pelo Autor.
Sendo certo que sob os artigos 5º e 6º da p.i. o Autor alegou ter prestado ao Réu …serviços de mão-de-obra na construção daquelas habitações (…) e em modificações das mesmas… no decurso da audiência de julgamento, com respeito pelo contraditório, foi produzida prova que teve por objecto, entre outros, os trabalhos discriminados no facto provado número cinco. Deste modo, para além de concretizar a alegação feita pelo Autor na petição inicial e relevar à prolação da decisão final sobre o litígio, a matéria de facto em apreço foi considerada por ambas as partes em audiência de julgamento, onde foi objecto de prova sujeita ao princípio da imediação e do contraditório.
A matéria, reputada essencial à boa decisão da causa, não surpreende qualquer das partes, nem constitui questão de que o juiz …não podia tomar conhecimento.
*
Termos em que, considero não verificadas as alegadas nulidades, por violação do disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC.
***
II. QUESTÕES PRÉVIAS

- Da possibilidade de conhecimento da nulidade resultante da invocada ineptidão da petição inicial

Defende o Réu:

Do alegado na p.i, designadamente nos arts. 5-6 a 11, resulta uma ausência de causa de pedir, ou pelo menos uma manifesta ininteligibilidade da mesma, face aos pedidos formulados pelo A.
Não se consegue saber, nem se pode julgar provado, quais foram os trabalhos concretos que o A. prestou ao R; e muito menos que trabalhos foram prestados na casa ... e na casa ....
Não se consegue saber, nem se pode julgar provado, em que tempo foram prestados esses trabalhos, em cada uma das casas.
Não se pode saber, nem se pode julgar provado, quantos operários, e quanto tempo dispensaram á execução desses trabalhos, nas duas e em cada uma das casas.
Não há qualquer registo escrito do nome desses operários e do tempo que trabalharam. Essa ausência de causa de pedir, impede o R. de deduzir contraditório eficaz. Não pode contestar o que não foi alegado;
É nulo o processado.

Que dizer?
É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial, dizendo-se inepta a petição inicial quando falte ou seja ininteligível a causa de pedir – art. 186º, nº 1 e 2, a, do CPC.
Tal nulidade é de conhecimento oficioso – art. 196º do CPC.
Todavia, nos termos do nº 2 do art. 200º do Cód. Civil, as nulidades a que se referem o artigo 186º e o nº 1 do artigo 193º são apreciadas no despacho saneador; só no caso de não haver despacho saneador pode conhecer-se delas até à sentença final.
“Neste contexto, a prolação do despacho saneador tem efeitos preclusivos quanto ao conhecimento das nulidades previstas nos art.´s 186º e 193º, nº 1, significando isso que, proferido o despacho saneador, fica encerrada a hipótese de o juiz suscitar aquelas nulidades.” (A. Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. I, pág. 240)
E não podendo o juiz suscitar após o saneador tais nulidades, de igual modo está vedado às partes argui-las, ex novo, no âmbito do recurso da decisão final que vier a ser proferida.
Trata-se de uma questão nova cujo conhecimento oficioso está já precludido, não podendo, por isso, ser apreciada por este Tribunal, o que se decide.

- Da rejeição parcial da impugnação da matéria de facto

A questão que, neste momento, se coloca é a de saber se há impugnação da matéria de facto (ou algo que a tal se assemelhe) que deva ser rejeitada.

Vejamos.

Antes de nos debruçamos sobre os ónus do impugnante, deve realçar-se que no recurso apresentado pelo Réu/Reconvinte, este, apesar de dizer que pretende recorrer de direito e impugnar a decisão de facto, não faz, nem nas suas conclusões, nem no corpo das suas alegações, qualquer distinção dos trechos em que visa uma coisa ou outra, nem agrupa as suas conclusões em função dessa dicotomia, falha que, como é evidente, não facilita a tarefa dos julgadores.
Assim, as conclusões A e B – onde o referido Recorrente conclui pela imediata absolvição do pedido –, são seguidas das conclusões C e D – onde argui a” nulidade de todo o processado por ausência de causa de pedir ou pelo menos manifesta ininteligibilidade da mesma” e a nulidade da sentença por excesso de pronúncia – e na conclusão E a J são indicados os pontos de facto indevidamente julgados e a decisão que, segundo ele, sobre tais pontos deveria recair, como se só nestas últimas aquele visasse a dita impugnação.
Apesar deste quadro pouco esclarecedor, o facto de nas conclusões A e B o Réu/Reconvinte proceder à invocação de meios de prova traduz aparentemente uma intenção de impugnação da matéria de facto, pelo que nessa qualidade consideraremos tal matéria.

Isto esclarecido, impõe-se, então, recordar que, nos termos do art. 640º, nº 1, do Cód. Proc. Civil:

“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

E, nos termos do nº 2, a), do referido artigo, no caso previsto na alínea b) do nº 1, incumbe também ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
O incumprimento de tais ónus implica, portanto, a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento.
A propósito da razão de ser destas imposições, diz Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, pág. 128 e 129: “Pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1.ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas. (…) Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Sublinha o citado Autor, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, pág. 165: “Os aspectos fundamentais a assegurar neste campo são os relacionados com a definição clara do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova que são indicados ou em meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido”.
A orientação predominante no Supremo Tribunal de Justiça é a de considerar que, não obstante a literalidade do preceito em análise, o cumprimento do ónus ali consagrado – exceção feita, por razões de objetividade e de certeza, relativamente aos concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação (Acórdão do STJ de 19.02.2015) – pode efetuar-se no corpo das alegações, devendo evitar-se a exponenciação de tal ónus ou uma interpretação demasiado rigorista do mesmo, devendo, na verificação do cumprimento do ónus de alegação previsto no art. 640º do CPC, os aspetos de ordem formal ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. entre outros, Acórdão do STJ de 28.04.2016 – Relator Abrantes Geraldes – e de 12.07.2018 – Relator Ferreira Pinto).
Por outro lado, essencial é que a especificação dos concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação se mostre “provida do recorte e clareza necessária à delimitação do objeto do recurso, nessa parte” (Acórdão do STJ de 17.03.2016 – Relator Tomé Gomes).

Na verdade, não se pode esquecer que “a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto” (Acórdão do STJ de 19.12.2015) e que a importância da indicação do exato sentido decisório que decorreria da correta apreciação dos meios de prova em causa está ligada à necessidade de ser claramente mostrado onde está o invocado erro de julgamento (Acórdão de 29.10.2015 – Relator Lopes do Rego).
As formalidades referidas, já entendidas nos termos latos que acima deixamos explanados, constituem “uma garantia fundamental para o exercício de um contraditório esclarecido por banda da contraparte e para manter o julgador numa posição de imparcialidade ante a delimitação do objeto do recurso, que impende sobre o recorrente”, só assim se podendo “lograr obter uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos em causa” (citado Acórdão do STJ de 17.03.2016 – Relator Tomé Gomes).

No caso em apreço, nas conclusões A e B, o Réu/Reconvinte insurge-se contra a sua condenação porquanto, no seu entender, em suma, da prova que indica resultaria que:

O R. nunca contratou nem encomendou ao A. M. (individualmente considerado) a execução de obras nas casas referidas em A.
Fê-lo sempre à sociedade de que este era dono.
(…)
A sociedade de construções S. C. Ldª existia e funcionava, como se demonstrou.
Só esta sociedade era credora do R., e nunca o A.- A. M..
Esta circunstância acarreta a imediata absolvição do R. do pedido formulado pelo A. M.
Ao contrário do que, nas respetivas conclusões, a respeito da impugnação que mais à frente se segue, faz, sobre esta matéria não indica o Recorrente, nem nas conclusões, nem no corpo das suas alegações (onde, a tal respeito, tece considerações sobre a ilegitimidade do Autor, antes e depois da prova produzida) qual ou quais os pontos de facto que pretende sejam alterados – e vários versam sobre (ou estão interligados a) esta questão – e, consequentemente, não indica o sentido da decisão que, sobre os pontos que deveria indicar e não indicou, se impunha ter sido tomada, pelo que o conhecimento da matéria a que aludem as conclusões A e B implicaria que este Tribunal de recurso tivesse de fazer opções sobre quais os pontos fácticos a considerar objeto da aludida impugnação e quais as decisões alternativas supostamente visadas na perspetiva do argumentado pelo Recorrente, o que, para além do mais, afetaria a referida posição de imparcialidade que o mesmo tem de manter ante a delimitação do objeto do recurso.
Não pode, pois, considerar-se que, quanto ao que ora está em causa, tenha o Réu/Recorrente procedido a uma impugnação com as características legalmente impostas, devendo, pois, simplesmente rejeitar-se a não devidamente concretizada pretensão nesse sentido.
Em segundo lugar, de acordo com a conclusão J – que visa a alteração do ponto fáctico nº 17 (dos factos provados) – o Recorrente assenta a sua pretensão relativa a este ponto, para além do mais, no depoimento da testemunha R. M., que não foi transcrito. Ora, não havendo, quer nas conclusões, quer no corpo das alegações, nem transcrição de qualquer segmento deste depoimento nem qualquer indicação das passagens da gravação deste depoimento em que, nesta parte, o Réu/Reconvinte funda o seu recurso, a decisão deve ser a de rejeição desta parte da impugnação.
Todavia, não deixará de acrescentar que, ainda que assim não fosse, a referida pretensão sempre teria de ser considerada manifestamente improcedente.

Senão vejamos.
Pretende o Recorrente que este ponto passe a ter a seguinte redação: “O Réu pagou a quantia de 8.250 euros, o custo do veículo de matricula UZ, que o A. registou em seu nome, como forma de pagamento de parte dos trabalhos de mão de obra prestados na casa ...”.
Mas não impugna a decisão tomada pelo juiz a quo no sentido de considerar não provado que: Ficou acordado entre Autor e Réu que o preço da compra do veículo identificado no facto provado número 17 seria descontado e abatido no preço dos serviços identificados nos factos provados números 9 a 12 (artigo 16º da contestação) - ponto de facto nº 6 dos “Factos não provados” –, serviços aqueles (os mencionados neste ponto) que incluem os trabalhos prestados na casa ....
Ora, assim sendo, impossível seria a este Tribunal vir a julgar procedente uma pretensão incompatível com uma outra decisão relativa à matéria de facto definitivamente fixada por ausência de impugnação a seu respeito.
Acresce que, mesmo que outro fosse o entendimento deste Tribunal relativamente ao que se acabou de dizer, nunca o livro de faturas junto os autos, onde consta a fatura nº 0034 de 17 de Julho de 2013 – o outro elemento que o Recorrente invoca para sustentar a sua pretensão –, seria suficiente para se alcançar a conclusão, por aquele, aventada.
Seja como for, tal alteração acabaria sempre por ser irrelevante certo que a alternativa propugnada nada nos diz a respeito da data em que tal forma de pagamento teria sido acordada, sendo que a mesma só teria potencial para afetar a decisão de condenação sob recurso caso tivesse ocorrido em data ulterior a 28.12.2013, data em que o Réu reconheceu expressamente estar em dívida, relativamente às obras nas suas duas casas, o montante de 33.884,89 €, conforme infra melhor veremos.
Por último, importa dizer que, embora no corpo das suas alegações o referido Recorrente se tenha referido a uma alteração ao ponto 33 dos factos provados, certo é que, nas respetivas conclusões, não expôs qualquer pretensão nesse sentido, desse modo tendo acabado por excluir tal ponto do objeto da sua impugnação, da eventual pretensão relativa a tal alteração não havendo, pois, que conhecer.

III. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do NCPC).

No caso vertente, as questões a decidir, no âmbito das duas apelações interpostas, são as seguintes:

- Saber se ocorreram as arguidas nulidades – condenação ultra petitium, excesso de pronúncia e oposição entre os fundamentos e a decisão – da sentença;
- Saber se ocorreu erro de julgamento na decisão relativa à matéria de facto e, consequentemente, erro na apreciação jurídica efetuada;
- Saber se, in casu, se verifica a exceção da caducidade do exercício do direito de exigir a reparação dos defeitos.

*
IV. FUNDAMENTOS:

Os Factos

A. É a seguinte a factualidade considerada provada pela primeira instância (já com a retificação dos pontos 1 e 2 pela mesma determinada no despacho de admissão do recurso):

1. Encontra-se registada a favor de A. J., pela Ap. 2014 de 2012.10.09, a aquisição, por partilha subsequente a divórcio de D. B., do prédio urbano descrito sob o n.º .../19940512 da Conservatória do Registo Predial ..., como tendo área total de 418 m2 (131,87 m2 coberta e 286,13 m2 descoberta), inscrito na matriz sob o artigo …-P, composto de habitação de cave, rés do chão, primeiro andar e logradouro, situado no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Celorico de Basto (cfr. certidão do registo predial junta a fls. 18 e ss. dos autos).
2. Encontra-se registada a favor de A. J., pela Ap. 2014 de 2012.10.09, a aquisição, por partilha subsequente a divórcio de D. B., do prédio misto descrito sob o n.º …/19990413 da Conservatória do Registo Predial ..., como tendo área total de 4.950 m2 (919 m2 coberta e 4031 m2), composto de casa de rés do chão e primeiro andar com 919 m2, terra junta com 1781 m2 e Sorte de Mato... com 2250 m2, situado no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Celorico de Basto (cfr. certidão do registo predial junta a fls. 22 e ss. dos autos).
3. No ano de 2008, o R. acordou com o A. a construção de raiz, por este, de uma casa no prédio identificado no facto provado número 1, sito no lugar ... – Celorico de Basto, de acordo com o projecto (artigos 5º e 6º da p.i. e 2º da contestação);
4. Entre 2008 e 2012, o Autor procedeu à construção de raiz da casa de habitação do prédio urbano referido no facto provado número 1, sito no lugar ... (artigos 5º e 6º da p.i. e da contestação);
5. No período compreendido entre Novembro de 2012 e meados de Julho de 2013, o Autor, a pedido do Réu, prestou-lhe serviços de mão-de-obra na execução de modificações em divisões interiores e reparações no telhado, caleiros e beirais da habitação, colocação de chapa de cimento no campo de futebol sobre a garagem, arranjos de passeios exteriores, do prédio descrito no facto provado número 2, sito no lugar ... (artigos 5º e 6º da p.i.);
6. Desde meados de 2013 que o Autor ou os seus colaboradores não prestaram mais serviços nos prédios aludidos nos factos provados números 1 e 2 (artigo 35º da p.i.);
7. Alguns dos serviços aludidos nos factos provados números 3 a 5 foram desenvolvidos sob orientação do Réu que dizia ao Autor, ou aos empregados deste, para destruírem ou reconstruirem, por vezes contra a opinião do Autor ou dos seus colaboradores, ou à revelia dos projectos de arquitectura e de especialidades (artigos 8º, 39º e 41º da p.i.);
8. O Réu enviou ao Autor, o documento que redigiu datado de 28.12.2013, junto a fls. 26 e 27 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (artigo 15º da p.i.);
9. O valor de € 21.000,00 a título de “débito anterior já com os acertos todos feitos” mencionado no documento junto a fls. 26 e 27 dos autos, respeita a trabalhos realizados pelo Autor na execução da obra de construção da casa sita no lugar ..., descritos no facto provado número 3 e 4 (artigo 16º da p.i.);
10. Os trabalhos identificados no facto provado número 5, prestados na casa sita no lugar ..., duraram 2135 horas (artigo 11º da p.i.);
11. O preço por hora previamente acordado entre Autor e Réu para a realização dos trabalhos identificados no facto provado número 5 foi de montante não inferior a 5,00 € (cinco euros) (artigo 12º da p.i.);
12. O Autor suportou, por conta dos trabalhos mencionados no facto provado número 5: € 134,00 de pagamentos de tinta; e € 7.290,00 de outro materiais (artigo 17º da p.i.);
13. O Réu pagou, por conta dos trabalhos descritos nos factos provados números 9 a 11, os montantes de: - € 3.400,00, € 273,87 e € 425,00; e - € 4.961,00, correspondente ao saldo entre o valor da indemnização relativa a um automóvel acidentado que o Réu entregou ao Autor, e as despesas ocasionadas pelo respectivo processo judicial que o Autor pagou a pedido do Réu (artigos 19º e 21º da p.i.);
14. Em 04.12.2014, o Réu fez uma transferência bancária no montante de € 4.500,00, da sua conta para a conta do Autor, para pagamento dos serviços descritos nos factos provados números 9 a 11 (artigo 14º da contestação);
15. No processo número 293196/09.0YIPRT do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, a “Sociedade de Construções S. C. Ld.ª” foi condenada a pagar à firma “X – Comércio de Materiais de Construção Ld.ª”, em Março de 2011, a quantia de € 6.711,00 euros (cfr. certidão judicial junta a fls. 115 e ss. dos autos);
16. A quantia mencionada no facto provado anterior foi paga à “X Ld.ª”, pelo Réu, com o conhecimento e a aceitação da “Sociedade de Construções S. C., Ld.ª” (artigo 13º da contestação);
17. O Réu comprou o veículo com a matrícula UZ que foi registado em nome do Autor (artigo 16º da contestação);
18. A casa sita no lugar ..., construída no prédio identificado no facto provado número 3, padece de infiltrações de humidade provenientes da varanda exterior nas paredes viradas a sul e a poente da sala do r/c até à altura de 1 metro, e no tecto da garagem da cave, encontrando-se também mal fixados apainelados em 3 vãos de janela em 2 quartos do 1º piso (artigo 19º da contestação);
19. A colocação dos apainelados nos vãos das janelas da casa sita no lugar ... foi feita por carpinteiro contratado pelo Réu (artigos 39º da p.i. e 23º da réplica);
20. Não foi colocado capoto na casa ... (artigo 19º da contestação);
21. Foi o Réu que decidiu não colocar capoto na casa ... (artigos 39 e 41º da p.i e 19º a 22º da réplica);
22. Para reparar e eliminar os problemas descritos no facto provado número 18, têm de ser executados os seguintes trabalhos de construção civil: remoção do cerâmico existente na varanda, picagem do cimento cola e da betonilha existentes e transporte para vazadouro; remoção da tela asfáltica; corte da parede da varanda e da habitação em 20 cm de altura e transporte a vazadouro, para permitir a dobra da tela; remoção dos alumínios existentes e das soleiras para permitir a dobra da tela asfáltica; realização de uma camada de regularização no piso e nas paredes em argamassa de cimento; fornecimento e aplicação de duas telas asfálticas cruzadas; realização de uma camada de betonilha; fornecimento e aplicação de cerâmica, incluindo base de colagem em cimento cola; fornecimento das soleiras nos vãos das portas de alumínio de acesso à varanda; realização de reboco areado nas paredes do perímetro da varanda numa altura de 20 cm; realização de pintura das paredes do perímetro da varanda; limpeza e lixagem das paredes e tecto interiores com manchas de humidade; aplicação de primário anti-fúngico; aplicação e três demãos de tinta; fixação com bucha química dos apainelados mal fixados (artigo 20º da contestação);
23. Os trabalhos mencionados no facto provado anterior têm um custo de € 6.668,64 mais IVA, sendo de € 150,00 mais IVA, o respeitante à fixação dos apainelados (artigo 22º da contestação);
24. A colocação de capoto (sistema etics de 7 cm) nas fachadas da casa ... tem um custo, sem IVA, de € 7.785,00 (artigo 22º da contestação);
25. Na casa sita no lugar ..., no prédio identificado no facto provado número 2, encontra-se edificada uma garagem com a área aproximada de 150 m2, encimada por um campo de futebol, no exterior, que não foram licenciadas (artigo 23º da contestação);
26. Na garagem identificada no facto provado anterior existem humidades: em parte da parede norte, entre as escadas e a esquina nascente, na zona em que essa parede tem encosto de terras; e na parede virada a nascente que surgem devido a infiltrações de água através de fissuras existentes pelo exterior (artigo 23º da p.i.);
27. Para eliminar as patologias mencionadas no facto provado número 26, é necessário: a) na parede virada a norte: escavação da terra que se encontra encostada à parede; remoção da tela pitonada e isolamento (caso exista); picagem do reboco e limpeza da parede; realização de novo reboco para criação de base de assentamento da tela asfáltica; aplicação de nova tela asfáltica; realização de reboco areado; realização de pintura da parede; aplicação de nova tela pitonada; aterro com as terras provenientes da escavação realizada; b) parede virada a nascente: reparação de todas as fissuras existentes nas paredes exteriores; nova pintura exterior com tinta (artigo 24º da contestação);
28. As obras mencionadas no facto provado anterior têm um custo de € 4.134,00 mais IVA (artigo 25º da contestação);
29. O Réu comunicou verbalmente ao Autor a existência dos problemas descritos nos factos provados números 18 e 26 nos quinze dias seguintes ao seu aparecimento (artigos 32º e 33º da contestação);
30. O Autor mostrou-se disponível para corrigir os problemas resultantes dos trabalhos que efectuou nos prédios do Réu (artigo 34º da contestação);
31. O Réu enviou ao Autor o email datado de 21.02.2016, com o teor reproduzido a fls. 28 e 29 dos autos (artigo 31º da p.i.);
32. O Autor enviou ao Réu o email datado de 21.02.2016, com o teor reproduzido a fls. 29 dos autos (artigo 30º da p.i.);
33. O Réu colocou a casa sita no lugar ..., numa empresa de mediação imobiliária – na … – com vista a vendê-la ou alugá-la (artigo 27º da contestação);
34. Sem os problemas descritos no facto provado número 18, a casa do lugar ... proporcionaria uma renda mensal de € 450,00 no mercado do arrendamento (artigo 29º da contestação).
35. O Autor é filho de António e de M. A. e nasceu a 04.08.1970 (cfr. certidão de assento de nascimento junta a fls. 12 e ss. dos autos);
36. O Réu é filho de António e de M. A. e nasceu a 02.04.1973 (cfr. certidão de assento de nascimento junta a fls. 15 e ss. dos autos).

B. E a seguinte a considerada não provada:

1. No período compreendido entre Novembro de 2012 e meados de Julho de 2013, o Autor, a pedido do Réu, prestou-lhe serviços de mão-de-obra na construção ou modificação da mencionada habitação descrita no facto provado número 1, sita no lugar ... (artigos 5º e 6º da p.i).
2. No ano de 2008, o R. acordou com o A., na qualidade de legal representante da “Sociedade de Construções S. C. Ld.ª”, a construção de raiz, por esta, de uma casa em prédio sito no lugar ... – Celorico de Basto (artigo 2º da contestação);
3. O prédio do lugar ... foi ampliado pela sociedade “S. C., Ld.ª” (artigo 6º da contestação);
4. O Autor e os seus colaboradores limitaram-se a cumprir as instruções do Réu, nos serviços que lhe prestaram (artigo 9º da p.i.);
5. Tudo o construído, reconstruido, demolido ou, por qualquer forma, intervencionado, foi sempre por ordem e sob vigilância do próprio Réu (artigo 38º da p.i.);
6. Ficou acordado entre Autor e Réu que o preço da compra do veículo identificado no facto provado número 17 seria descontado e abatido no preço dos serviços identificados nos factos provados números 9 a 12 (artigo 16º da contestação);
7. O valor descrito no facto provado número 14 destinou-se ao pagamento de serviços prestados pela firma “Sociedade de Construções S. C., Ld.ª” (artigo 14º da contestação);
8. O Réu endossou à “S. C. Ld.ª”, através do Autor, os seguintes cheques que esta recebeu: n.º 1333002118, do Banco …, no montante de € 7.500,00; n.º 9200000750, do Banco …, no montante de € 2.500,00; n.º 9500473074, do Banco …, no montante de € 3.750,00; n.º 8236491153, do banco …, no montante de € 2.000,00; n.º 1200846989, do Banco …, no montante de € 5.500,00; e n.º 1965657524, do Banco …, no montante de € 1.500,00 (artigo 15º da contestação);
9. O Réu, no exercício do seu comércio, vendeu à “Sociedade S. C. Ld.ª”, através do Autor, o veículo com a matrícula UZ pelo preço de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros).
10. A casa sita no lugar ..., construída no prédio identificado no facto provado número 3, padece de infiltrações de humidade num quarto do primeiro andar (artigo 19º da contestação).
11. Na casa ..., as esquadrias de madeira das janelas que deitam para o exterior estão danificadas pelas humidades (artigo 19º da contestação);
12. As esquadrias de madeira da casa ... têm de ser substituídas em todas as janelas e em algumas portas, uma vez que se encontram empenadas por força das humidades (artigo 21º da contestação);
13. Os trabalhos mencionados de reparação das patologias existentes na casa ... têm um custo de € 27.500,00 (artigo 22º da contestação);
14. Não foi feito o isolamento entre o campo de futebol exterior e o tecto da garagem da casa ... (artigo 23º da contestação).
15. Para eliminar as patologias mencionadas no facto provado número 26, é necessário: refazer todo o tecto da garagem e argamassas das paredes laterais; colocar tela isolante no tecto da garagem, por baixo do piso do campo de futebol (artigo 24º da contestação);
16. As obras mencionadas no facto provado anterior têm um custo, sem IVA, de € 12.500,00 (artigo 25º da contestação);
17. As infiltrações de humidade descritas nos factos provados números 18 e 26 resultam opções tomadas pelo Réu que instruiu os trabalhadores do Autor sobre o modo de realização dos trabalhos (artigos 7º e 39º da p.i. e 19º a 21º da réplica);
18. Devido às patologias identificadas no facto provado número 18, o Réu não pode habitar, não pode arrendar, nem pode vender a casa do lugar ... (artigo 26º da contestação);
19. A agência imobiliária referida no facto provado número 33 não conseguiu arranjar cliente para arrendar ou comprar a casa do lugar ... porque as pessoas que a visitaram desistiam do negócio devido às humidades existentes no interior e também ás patologias das madeiras (artigos 27º e 28º da contestação);
20. Se não padecesse dos problemas descritos no facto provado número 18, a casa do lugar ..., atentas as suas dimensões e localização, proporcionaria uma renda mensal de € 600,00 no mercado do arrendamento (artigo 29º da contestação).

O Direito

- Das invocadas nulidades da sentença

A primeira questão que importa resolver é a de saber se a sentença recorrida é nula.

Os dois Recorrentes imputam à sentença, por motivos diversos, os vícios do excesso de pronúncia e da contradição, mais lhe apontando, o Autor/Recorrente o vício da condenação ultra petitum.
Vejamos, então, se lhes assiste razão.
A sentença, como ato jurisdicional, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual é decretada, e então torna-se passível de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC.

O artigo 615º do Código de Processo Civil prevê de forma taxativa as causas de nulidade da sentença.

Assim, dispõe o n.º 1 deste preceito que:

“1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.

Analisemos em primeiro lugar a questão da nulidade por alegada “contradição” entre a decisão e os respetivos fundamentos.

Defende o Autor/Reconvindo a existência da referida nulidade nos seguintes termos:

3. De acordo com a motivação que se aduziu em II supra, impõe-se, face ao teor do documento (e-mail e respetivo anexo) nº5 junto com a P.I. e datado, respetivamente, de 29 e 28 de Dezembro de 2013, constante de fls.25 e 27 dos autos, bem como do que resulta da motivação da decisão da matéria de facto, concretamente do ponto III- a) impõe-se retificar a condenação do R. constante do primeiro paragrafo do dispositivo, que terá de passar dos 17.521,35€ lá consignados para o valor de 29.746,02€.
4. De facto, é o que resulta da prova produzida, designadamente dos documentos referidos na precedente conclusão 2 (será 3), que admitidos pelo próprio R., conforme motivação, como seus, fazem prova plena do lá declarado, sendo certo que não se encontra na motivação de facto, ou de direito, como o Tribunal logrou alcançar aquele valor de apenas 17.521,35€.
5. Nesta parte, s.d.r. e s.m.o, o Tribunal, certamente por lapso, fez errado julgamento da matéria de facto, que redundou em contradição entre os próprios fundamentos e a decisão (do facto), nos termos do art. 615 nº1 alínea c) do CPC.
Vejamos.
A razão de ser da nulidade da sentença prevista na alínea c) do nº 1 do art. 615º do CPC bem se compreende uma vez que os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário. Pelo que constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada.
A respeito da dita nulidade, explanam Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, II vol., pág. 670: “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa da nulidade da sentença”.
Importa, porém, desde logo advertir que, como se enfatiza no Acórdão da Relação do Porto de 02.05.2016 (Relator – Correia Pinto), tal falha, “enquanto vício de natureza processual, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal – ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente”.
Reportemo-nos, então, ao caso em apreço.

Verifica-se que a decisão em causa contém a seguinte condenação:

Em face do exposto, julgo:
A.
Parcialmente procedente o pedido formulado pelo Autor, condenando o Réu a pagar-lhe:
- a quantia de € 17.521,35 (dezassete mil, quinhentos e vinte e um euros e trinta a cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa peticionada, contados desde 29.12.2013, até efectivo e integral pagamento;
- a quantia de € 8.017,78 (oito mil, dezassete euros e setenta a oito cêntimos), sujeita à condição de o Autor/Reconvindo cumprir a obrigação determinada na alínea B. do presente dispositivo, acrescida de juros vincendos à taxa peticionada, contados desde o termo do prazo aí concedido para o cumprimento da mesma obrigação.
Improcedente a parte restante do pedido deduzido pelo Autor, do qual se absolve o Réu.

E que, do referido ponto III –a), da Motivação consta o seguinte:

O facto provado número 8, respeitante ao envio do documento reproduzido a fls. 26 e 27 dos autos (documento nº 5 a que alude o Autor nas suas conclusões de recurso), datado de 28.12.2013, releva, para além do seu próprio teor, da confirmação em julgamento, pelo Réu, da respectiva autoria e envio ao Autor.

Da sua leitura resulta, entre outros aspectos já assinalados, que:

a) o valor “total das contas em débito” do Réu ao Autor era de € 41.284,00, resultante do somatório de € 12.810,00 a título de valor por hora € 6,00 x 2.135, € 134,00 de pagamentos de “tinta ao …”, € 50,00 de “pagamento da transferência de seguro”, € 7.290,00 de “pagamento de materiais” efectuado e € 21.000,00 de “débito anterior já com os acertos todos feitos”;
Todavia, para perceber o sentido decisivo que a motivação da sentença recorrida extrai do documento nº 5 a que se refere o Autor/Recorrente, ao invés de nos cingirmos à leitura da referida alínea a), impõe-se prosseguir com a leitura das restantes alíneas do indicado ponto III da Motivação, cujo teor é o seguinte:
b) por conta do montante de € 41.284,00 do débito referido no parágrafo anterior, o Réu realizou pagamentos no valor total de € 4.098,87, através de duas transferências bancárias nos montantes de € 3.400,00 e de € 273,87 e de um cheque no valor de € 425,00;
c) sobre o valor de € 37.185,13 correspondente ao crédito apurado nas contas do Autor, o Réu considera ter a seu favor um crédito de € 3.342,24, correspondente ao somatório dos parcelares de: € 2.135,00 de diferença de € 1,00 no valor hora da realização dos trabalhos (entre € 6,00 cobrado e € 5,00 que considera ter sido acordado); € 260,00 da conta do pintor; € 339,40 de materiais que considera estar pago;
d) o valor de € 33.884,89, constituído pelo saldo resultante da operação descrita no parágrafo anterior que o Réu afirma “em débito” será pago “…após rectificações dos serviços que foram feitos e efectuados por ti…” com “várias anomalias” a necessitar reparação.
Assim, resultou do documento em apreço, elaborado pelo Réu, a prova das matérias constantes dos factos provados números 9, 10 e 12, e contribuiu também para demonstrar o facto provado número 11, na medida em que, na falta de outros elementos de prova para além das declarações divergentes de Autor e Réu (aquele no sentido de que o preço acordado foi de € 6,00/hora, este, no sentido de que tal preço foi de € 5,00) resulta aceite pelo Réu que tal preço foi de pelo menos € 5,00.
Lido na íntegra o aludido ponto III, verifica-se que o extraído, pelo juiz a quo, quanto ao valor em dívida pelo Réu reconhecido – nas palavras da motivação, o valor de € 33.884,89, constituído pelo saldo resultante da operação descrita no parágrafo anterior que o Réu afirma “em débito” – é o apontado na alínea d) das declarações ali contidas (em conformidade com os cálculos matemáticos assentes nas parcelas a que se alude no dito documento) e não o valor mencionado na alínea a) do referido ponto III.
E, desde já se diga, esta conclusão do juiz a quo não viola a força probatória legal do dito documento.
Na verdade, sendo certo que, nos casos em que a lei associa a determinado documento uma determinada força probatória, deve o julgador respeitar essa força, valorando-o em função do legalmente prescrito, e que, nos termos do nº 1 do artigo 376º do Cód. Civil, um documento particular cuja autoria não seja impugnada faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, não se pode, por outro lado, esquecer, para além do mais, que a declaração é indivisível nos termos prescritos para a prova por confissão – nº 2 do citado artigo 376º -, não podendo, pois, as declarações parcelares contidas no documento ser vistas de forma isolada e fragmentada, para delas retirar a interpretação mais favorável aos interesses do declaratário, como se vê ser a pretensão do Recorrente que, com esse intuito, esquece tudo o que no referido documento consta que conduz à declaração final ali contida no sentido de que os valores em débito atingem 33.884,89 €.
Por outro lado, de acordo com os factos considerados provados noutros pontos, após o referido reconhecimento, houve diversos pagamentos a que a sentença recorrida atendeu para alcançar os valores contidos na condenação.
Com efeito, lê-se na fundamentação jurídica da sentença recorrida:

Da matéria de facto provada resulta que:

a) Na execução da obra de construção da casa sita no lugar ... foram executados pelo Autor trabalhos cujo preço de € 21.000,00 não foi pago pelo Réu.
b) Na execução dos trabalhos na casa ... foram:
- prestadas 2135 horas que, ao preço de € 5,00, perfazem o montante total de € 10.675,00;
- o Autor suportou: € 134,00 de pagamentos de tinta; e € 7.290,00 de outros materiais. *
Perfaz, assim, € 39.099,00 (€ 21.000,00 + € 10.675,00 + € 134.00 + € 7.290,00) o valor dos trabalhos/materiais supra descritos, suportado pelo Autor por conta das aludidas obras.
Por conta do valor em apreço, o Réu efectuou ao Autor os pagamentos de € 3.400,00, € 273,87, € 425,00, € 4.961,00 e € 4.500,00, perfazendo um total de € 13.559,87.
Assim, encontra-se ainda por pagar o saldo de € 25.539,13 (€ 39.099,00 + € 13.559,87 favorável ao Autor.
Deste modo, com a mera retificação do lapso material contido na última frase no sentido de onde consta (€ 39.099,00 + € 13.559,87) dever constar (€ 39.099,00 - € 13.559,87), tudo se mostra claro e sem quaisquer contradições lógicas no decidido, assentando a diferenciação feita, na parte dispositiva da sentença, entre a quantia € 25.539,13 e a quantia de 17.521,35 € - equivalente a 8.017,78 € -, no valor do custo dos trabalhos que, segundo a sentença recorrida, o Autor terá de realizar, valor, esse, que, de acordo com o penúltimo parágrafo do item “Dos defeitos da obra” a que se refere a sentença recorrida, é de 6.518,64 €, mais IVA, o que, feito o necessário cálculo, corresponde ao aludido diferencial.
No final desta análise, o que se constata é ter o Autor extraído do dito documento conclusões diversas – e não qualquer contradição entre o sentido da motivação e a decisão final proferida –, bem como, ter aquele desprezado factualidade que o referido tribunal considerou relevante, em termos da subsunção jurídica dos factos, para efeito da determinação dos valores ainda em dívida.
Deve, aliás, dizer-se que, para haver nulidade da sentença, a contradição tem de se verificar entre os factos ou o direito e a decisão. E, no caso, como se viu, efetuados os cálculos, entre o valor dos trabalhos e outras despesas suportadas pelo Autor relacionadas com tais trabalhos e os pagamentos realizados pelo Réu, a partir dos “Factos provados” – e são estes que relevam – o montante que se alcança é exatamente o de 25.539,13 €, correspondente à soma das duas parcelas de 17.521,35 € e 8.017,78 € referidas no segmento condenatório em crise.
É certo que, mesmo ao nível da decisão da matéria de facto, esta pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, sendo que algumas “poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento” (Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 291), sendo possível conceber a existência de contradição entre a motivação e a decisão relativa à dita matéria.
Porém, no caso a que ora nos referimos, não se deteta nenhuma contradição lógica, nenhum erro de raciocínio entre a decisão relativa à matéria de facto – devendo, aliás, enfatizar-se que o Recorrente tampouco indica os concretos pontos de facto afetados pela suposta falha – e os motivos expostos pelo julgador da primeira instância: o que sucede, frisa-se mais uma vez, é que, perante a prova produzida, o julgador terá retirado conclusões distintas das do referido Recorrente, ou seja, interpretou e valorou a prova de modo que aquele não reconhece como o adequado, e, face aos factos assentes, decidiu em termos com os quais o mesmo também não concorda.
Mas se assim é, não está em causa qualquer oposição entre as decisões de facto e de direito e os respetivos fundamentos.

Por último, ainda no âmbito da nulidade por “contradição”, defende o mesmo Recorrente (Autor/Reconvindo) que:

8. Quanto à casa ..., verifica-se existir contradição entre a decisão da respetiva matéria de facto, e as concretas motivação e condenação atinentes, conforme se procurou evidenciar em a) de III, da motivação do presente recurso.
9. O Tribunal, provavelmente por lapso de copy-paste dá como provada a responsabilidade do A. por defeitos na casa ... que exclui expressa, explicita e convincentemente na motivação (cfr. factos 26, 29 e 30).
10. De acordo com a fundamentação avançada pelo próprio Tribunal, (cfr. V da motivação) este não deveria ter dado por provada a existência de qualquer defeito na casa ... (facto provado 26), muito menos imputável ao A., tal qual não deveria imputar a esta qualquer assunção de responsabilidade, porque este nunca a assumiu (facto 29 e 30).
11. Aqueles factos 26, 29 e 30 estão assim erradamente dados como provados, quanto à casa ..., pelo que se requer a respetiva correção por tal vicio integrar errado julgamento das matéria de facto, e contradição entre o que foi levado aos provados e a respetiva, clara e explicita motivação, padecendo assim o decidido, nesta parte, de contradição entre os fundamentos e o decidido, integrando a previsão do art. 615 nº1 al. c) do CPC.

Esquece, porém, aquele, que a condenação na realização das obras constantes do ponto 22 da sentença se reporta exclusivamente aos defeitos descritos no ponto 18 e exclusivamente respeitantes à casa sita no lugar ... nenhuma condenação contra ele tendo sido proferida no que toca aos defeitos existentes na casa ... (os elencados no ponto 26, ponto a que também alude o ponto 29), pelo que, lógica e necessariamente, o objeto do seu recurso não abarca a reapreciação do pedido relativo aos defeitos desta última, extravasando, por isso, a apreciação da suposta nulidade por oposição entre os indicados pontos provados – no que toca à casa ... – e a respetiva motivação, o que deve ser conhecido por este Tribunal.
Não se procederá, pois, à pretendida apreciação de tal nulidade (que, aliás, sempre redundaria na prática de um ato inútil).

Ainda no âmbito das supostas contradições da sentença recorrida, importa conhecer de um outro ponto.

Defende o Réu/Reconvinte que:

F-A sentença em recurso, no seu ponto 3 dos factos provados, diz “No ano de 2008, o R. acordou com o A. a construção de raiz, de uma casa no prédio identificado no facto provado no nº1, sita no lugar ... – Celorico de Basto, de acordo com o projecto (art.º5 e 6 da p.i e contestação);
Nos factos julgados no ponto 7 da sentença, esta contradiz o que julgou provado no ponto 3., quando refere que o R. dizia ao A., para construir e reconstruir, “…..por vezes á revelia dos projectos de arquitectura e especialidades”.
Num lado tudo foi construído “de acordo com o projecto” (nº3 da sentença), outras vezes a sentença diz, que houve obras á revelia dos projectos (nº7 da sentença).
É evidente a contradição.
Salvo o devido respeito, o que é evidente é não haver contradição: uma coisa é o que se acordou, outra aquilo que no desenvolvimento do acordado foi sucedendo, relativamente a alguns serviços, nada de ilógico tendo a assunção simultânea dos dois aludidos factos como provados, aqui se precisando apenas, para melhor compreensão do que se acabou de dizer, que o conteúdo do dito ponto 7 é o seguinte: Alguns dos serviços aludidos nos factos provados números 3 a 5 foram desenvolvidos sob orientação do Réu que dizia ao Autor, ou aos empregados deste, para destruírem ou reconstruirem, por vezes contra a opinião do Autor ou dos seus colaboradores, ou à revelia dos projectos de arquitectura e de especialidades (artigos 8º, 39º e 41º da p.i.).

Por se tratar de questão que, como infra melhor se verá, está intrinsecamente ligada à, pelo Autor/Reconvindo, suscitada nulidade da sentença por desconformidade entre o pedido reconvencional e a condenação a respeito de tal pedido contida na sentença objeto de recurso, passaremos, agora, a tratar da questão do excesso de pronúncia a propósito da introdução pelo tribunal de factos não alegados pelas partes, também suscitada pelo Réu/Reconvinte (embora a propósito de diversa factualidade).

Defende o Réu/Recorrente que:

Tentou o Sr. Juiz suprir a falta de causa de pedir, da ausência de factos, não alegados pelo A., acrescentando o nº5 dos factos provados na sentença.
Este “acrescento” não pôde ser contestado pelo R.
É claramente um excesso de pronúncia – al. d) do nº1 do art.º 615 do C. P. C., a exigir a nulidade do processado – nºs 1 e 2 do art.º 186 do C. P. C.
Que dizer?
Como se viu, de acordo com a segunda parte da alínea d) do nº 1 do art. 615º, a sentença é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A nulidade da sentença por excesso de pronúncia, resulta da violação do disposto no n.º 2 do art. 608.º do CPC, nos termos do qual o juiz “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Dando exemplos das já referidas patologias ao nível da decisão da matéria de facto que podem determinar a anulação do julgamento, refere Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 291, que “o conteúdo da decisão pode revelar-se excessivo, por envolver a consideração de factos essenciais para a integração da causa de pedir ou das excepções (art. 5º, nº 1) ou mesmo de factos complementares ou concretizadores fora das condições de admissibilidade previstas no art. 5º, nº 2, al. b).”
Será esse o caso da decisão recorrida?
Nos termos da aludida alínea b) do nº 2 do art. 5º, além dos factos articulados pelas partes e dos factos instrumentais que resultem da instrução da causa - nº 2, a) -, são ainda considerados pelo juiz “os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar”.
Para a aplicação deste preceito urge, portanto, distinguir entre factos essenciais, por um lado, e factos instrumentais, por outro, e, ainda, entre factos essenciais “tout court” e factos essenciais complementares ou concretizadores, que também se situam em planos distintos.
A primeira das distinções não suscita dúvidas, o mesmo não se podendo, porém, dizer da segunda.
Vejamos.
Os factos essenciais, propriamente ditos, apelidados de “nucleares”, “constituem o núcleo primordial da causa de pedir ou da exceção, desempenhando uma função individualizadora ou identificadora, a ponto de a respetiva omissão implicar a ineptidão da petição inicial ou a nulidade da exceção. Já os “complementares” e os “concretizadores”, embora também integrem a causa de pedir ou a exceção, não têm já uma função individualizadora. Assim, os factos complementares são os completadores de uma causa de pedir (ou de uma exceção) complexa, ou seja, uma causa de pedir (ou uma exceção) aglutinadora de diversos elementos, uns constitutivos do seu núcleo primordial, outros complementando aquele. Por sua vez, os factos concretizadores têm por função pormenorizar a questão fáctica exposta sendo, exatamente, essa pormenorização dos factos anteriormente alegados que se torna fundamental para a procedência da ação (ou da exceção) (Paulo Pimenta, in Cadernos do CEJ - “O Novo Processo Civil”, “Os temas da prova”, pág. 245)
A título de exemplos de uns e outros, refere o citado autor: “Numa excepção peremptória visando a anulação de negócio com fundamento em “erro sobre os motivos”, é facto “essencial nuclear” o relativo ao erro invocado, sendo “essencial complementar” o facto relativo à essencialidade do motivo, reconhecida por acordo”; “numa acção de impugnação pauliana, alegou-se que o crédito é anterior ao negócio impugnado, mas sem explicitação da data. Será “essencial concretizador” o facto relativo à indicação da data do negócio.”
Os factos essenciais complementares ou concretizadores são, portanto, factos que se encontram já (potencialmente) contidos na alegação inicial dos “factos essenciais”, propriamente ditos (José Vieira e Cunha, in Cadernos do CEJ - “O Novo Processo Civil”, “A audiência prévia no Código Revisto”, pág. 211).
Tendo presentes estas considerações, confrontemos, então, a factualidade considerada provada no ponto 5 dos “Factos provados” da sentença em crise com a matéria anteriormente alegada pelo Autor.

Como se viu, o Autor na petição inicial alegou que:

5. No período compreendido entre Novembro de 2012 a meados de Julho de 2013, o A., a pedido do réu, prestou-lhe serviços de mão-de-obra na construção daquelas habitações (casa ... e casa ...).
6. E em modificações das mesmas.

Por seu turno, a decisão recorrida considerou provado que:

5. No período compreendido entre Novembro de 2012 e meados de Julho de 2013, o Autor, a pedido do Réu, prestou-lhe serviços de mão-de-obra na execução de modificações em divisões interiores e reparações no telhado, caleiros e beirais da habitação, colocação de chapa de cimento no campo de futebol sobre a garagem, arranjos de passeios exteriores, do prédio descrito no facto provado número 2, sito no lugar ... (artigos 5º e 6º da p.i.);

A este propósito, consignou o Juiz a quo no despacho de admissão do recurso:

Excesso de pronúncia (alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC) porque o facto provado número 5 inclui as expressões “mão de obra na execução de modificações em divisões interiores e reparações no telhado, caleiros e beirais da habitação (…) arranjos de passeios exteriores” que não foram alegadas pelo Autor.
Sendo certo que sob os artigos 5º e 6º da p.i. o Autor alegou ter prestado ao Réu …serviços de mão-de-obra na construção daquelas habitações (…) e em modificações das mesmas… no decurso da audiência de julgamento, com respeito pelo contraditório, foi produzida prova que teve por objecto, entre outros, os trabalhos discriminados no facto provado número cinco. Deste modo, para além de concretizar a alegação feita pelo Autor na petição inicial e relevar à prolação da decisão final sobre o litígio, a matéria de facto em apreço foi considerada por ambas as partes em audiência de julgamento, onde foi objecto de prova sujeita ao princípio da imediação e do contraditório.
A primeira questão que se coloca é, pois, a de saber se serão efetivamente os factos considerados provados concretizadores da alegação efetuada?
Cremos que sim.
Com efeito, os trabalhos a que alude o ponto 5 dos “Factos provados” correspondem à densificação da alegação, imprecisa e insuficiente mas não omissa, quanto ao núcleo essencial individualizador da causa de pedir correspondente à realização, por empregados do Autor, de trabalhos no âmbito da construção/modificação da casa ..., em que assenta a parte do pedido relacionada com a dita casa.
Como se sublinha no Acórdão do STJ de 07.04.2016 (Relator Lopes do Rego), “desde que o A. tenha alegado na petição o núcleo essencial, caracterizador da causa de pedir, é perfeitamente possível que sejam ainda processualmente adquiridos, durante o processo, factos complementares ou concretizadores daquele núcleo essencial – e que poderão servir legitimamente de suporte a uma decisão de procedência da acção; ou seja: o que é decisivo para o juízo de procedência ou improcedência não é apenas – como o era na referida e há muito ultrapassada visão desproporcionadamente formalística e preclusiva do ónus de alegação da parte – o elenco de factos descritos inicialmente na petição, mas o conjunto de factos processualmente adquiridos até ao termo do processo, após realização das diligências de produção de prova.”
A questão seguinte é a de saber se aquisição processual de factos concretizadores daquele núcleo factual essencial colide com o direito de defesa da parte contrária.
Da mera leitura da motivação da decisão relativa à matéria de facto decorre que a matéria de facto considerada provada a respeito dos aludidos trabalhos realizados na casa ... foi objeto de ampla discussão, sobre ela se tendo produzido abundante prova – declarações de parte do Autor e do Réu e prova testemunhal –, tal como plasmado na motivação (o que é confirmado pela audição da prova gravada), não se podendo deixar de frisar que esta é matéria de conhecimento pessoal do Réu, nenhuma surpresa constituindo, pois, para ele, a sua discussão, tendo em conta a alegação pelo Autor anteriormente efetuada.
Podemos, pois, no presente caso, concluir como naqueloutro aresto no sentido de que o direito de defesa do Réu/Recorrente se mostra plenamente garantido pela estrutura contraditória da audiência final.
É que, se de acordo com o supra aludido normativo, “deve ser evidenciada pelo Tribunal a relevância dos factos complementares ou concretizadores que resultam da instrução da causa a fim de viabilizar o exercício do contraditório”, importa também ponderar que “essa relevância pode ser evidenciada de forma efetiva ainda que exercida de modo implícito, o que pressupõe um juízo de facto incidente sobre o modo como se desenrolou a instrução da causa” (Salazar Casanova, in “Poderes de cognição do juiz em matéria de facto”, Revista do CEJ nº 1 - 2014), sendo manifesto que, no caso, embora as partes não tenham sido expressamente notificadas para se pronunciarem sobre os mencionados factos resultantes da instrução da causa, a relevância destes foi evidenciada de forma real, incontestável, ao longo da audiência de julgamento: o mesmo é dizer que as partes sobre eles tiveram efetiva oportunidade de se pronunciarem.
Em conclusão, a resposta à aludida questão suscitada pelo Réu/Recorrente é negativa, não padecendo, pois, a sentença recorrida da apontada nulidade.

Passemos, agora, à nulidade por condenação em objeto diverso do pedido, arguida pelo Autor/Reconvindo, nulidade essa que está associada, na perspetiva daquele, a uma outra – que o mesmo não qualifica mas que, a existir, se traduziria num excesso de pronúncia – por terem sido integrados na sentença factos não alegados pelo Réu/Reconvinte.
Diz o Autor/Reconvindo que ao condená-lo a proceder a todas as obras descritas no ponto 22 da matéria de facto (casa ...), que, nas suas palavras, são bem diferentes daquelas peticionadas pelo A. (em 20 e 21 da contestação), o Tribunal atentou contra o disposto no art.609º do CPC.
Vejamos se assim é.
A condenação ultra petitum resulta da violação do princípio consagrado no nº 1 do art. 609º do CPC, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos e qualitativos do pedido
“A nulidade em causa deriva, assim, da conformidade com o princípio da coincidência entre o teor da sentença e o objecto do litígio (a pretensão formulada pelo autor, que se identifica pela providência concretamente solicitada pelo mesmo e pelo direito que será objecto dessa tutela), o qual, por sua vez, constitui um corolário do princípio do dispositivo (art. 3º, nº 1, do CPC)”. (STJ – 08.02.2018 - Graça Trigo)

Podemos dizer que a sentença recorrida condenou em objeto diferente do pedido?

No caso, pediu o Réu/Reconvinte fosse o Autor/Reconvindo condenado:

-A proceder a todas as obras necessárias adequadas, designadamente as alegadas nos arts. 20 e 21 da contestação (reconvenção), e respeitantes aos defeitos e vícios alegados no art.º 19 do mesmo articulado;

Nos aludidos artigos 20 e 21 da contestação mostrava-se alegado que:

20- Para reparar e eliminar estes defeitos e patologias, têm de ser reconstruídas as paredes e tectos da cave, garagem, sala de jantar e quarto.
Têm de ser submetidos a trabalhos de construção civil, de execução e substituição de argamassas, e pintadas, tudo conforme as melhores técnicas da arte;
21- As esquadrias de madeira têm de ser substituídas, em todas as janelas da casa e em algumas portas, uma vez que se encontram empenadas por força das humidades.
E no artigo 19:
19- Na casa do lugar ..., identificada na al. a) do art.º 4 da p.i:
Há grande entrada de humidade e até águas das chuvas, na cave, na garagem, do rés do chão, numa sala e quarto do primeiro andar.
- Não foi colocado capoto na casa;
- As esquadrias de madeira nas janelas que deitam para o exterior estão completamente danificadas pelas humidades.

Por seu turno, na sentença, julgou-se parcialmente procedente o pedido reconvencional formulado pelo Réu/Reconvinte, condenando o Autor/Reconvindo a proceder, a expensas suas, a todas as obras descritas no facto provado número vinte e dois da presente sentença, até “demãos de tinta” inclusive, fixando-se em cento e vinte dias contados do trânsito em julgado, o prazo para a execução dos trabalhos.

É o seguinte o teor do referido facto provado:

22. Para reparar e eliminar os problemas descritos no facto provado número 18, têm de ser executados os seguintes trabalhos de construção civil: remoção do cerâmico existente na varanda, picagem do cimento cola e da betonilha existentes e transporte para vazadouro; remoção da tela asfáltica; corte da parede da varanda e da habitação em 20 cm de altura e transporte a vazadouro, para permitir a dobra da tela; remoção dos alumínios existentes e das soleiras para permitir a dobra da tela asfáltica; realização de uma camada de regularização no piso e nas paredes em argamassa de cimento; fornecimento e aplicação de duas telas asfálticas cruzadas; realização de uma camada de betonilha; fornecimento e aplicação de cerâmica, incluindo base de colagem em cimento cola; fornecimento das soleiras nos vãos das portas de alumínio de acesso à varanda; realização de reboco areado nas paredes do perímetro da varanda numa altura de 20 cm; realização de pintura das paredes do perímetro da varanda; limpeza e lixagem das paredes e tecto interiores com manchas de humidade; aplicação de primário anti-fúngico; aplicação e três demãos de tinta; fixação com bucha química dos apainelados mal fixados (artigo 20º da contestação);

Por fim, é o seguinte o teor do referido número 18:

- A casa sita no lugar ..., construída no prédio identificado no facto provado número 3, padece de infiltrações de humidade provenientes da varanda exterior nas paredes viradas a sul e a poente da sala do r/c até à altura de 1 metro, e no tecto da garagem da cave, encontrando-se também mal fixados apainelados em 3 vãos de janela em 2 quartos do 1º piso (artigo 19º da contestação) -

Confrontando o teor do pedido com o teor da condenação ao mesmo respeitante, verifica-se que já havia no pedido formulado a especificação das obras de reconstrução das paredes e tetos da cave, garagem, sala de jantar e quarto, com referência à substituição de argamassas e pintura das mesmas, afigurando-se-nos constituir a condenação a realizar limpeza e lixagem das paredes e tecto interiores com manchas de humidade; aplicação de primário anti-fúngico; aplicação e três demãos de tinta, no que ao primeiro trabalho respeita, um menos em relação às peticionadas obras e, no que aos restantes concerne, uma mera pormenorização dos trabalhos referidos no pedido, sendo, pois, apenas em relação às restantes obras cuja realização pelo Autor/Reconvindo é determinada na condenação que a discussão da eventual desconformidade entre o objeto do pedido e o da condenação se justifica.
Assim circunscrita a problemática relevante, cremos que o cerne da questão está no facto de, na parte em que visa a condenação do reconvindo a “proceder a todas as obras necessárias e adequadas”, respeitantes aos defeitos e vícios alegados no art.º 19”, o aludido pedido reconvencional poder ser caracterizado como genérico – no sentido de que o seu objeto se mostra indicado “globalmente e não com especificação das suas unidades constitutivas” (Manuel de Andrade, citado por Castro Mendes in DPC, II, pág. 326) –, sendo, pelo contrário, a condenação inequivocamente “líquida” – no sentido de que o seu objeto se mostra especificado, o que poderá ser reconduzido a uma desconformidade entre a condenação e o pedido.
Porém, uma outra questão colocada por tal quadro – e prejudicial relativamente à anteriormente referida – tem de ser resolvida: a de saber se se está ou não perante a formulação ilegal, porquanto não permitida por lei (art. 556º, “a contrario”, do CPC), de um pedido parcialmente genérico (e, na hipótese afirmativa, quais as consequências que daí advirão).
Vejamos.

“A regra em processo civil é a que impõe ao autor, quando apresenta a petição inicial (ou a reconvenção), o ónus de averiguar aquilo que efectivamente pretende do réu (ou reconvinte), concretizando a sua pretensão” (A. Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, I, pág. 150), havendo unanimidade na doutrina e na jurisprudência quanto à taxatividade do nº 1 do referido art. 556º, segundo o qual é permitido formular pedidos genéricos nos casos seguintes:

a) Quando o objeto mediato da ação seja uma universalidade, de facto ou de direito;
b) Quando não seja ainda possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil;
c) Quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro ato que deva ser praticado pelo réu.

Todavia, tal não colide com a possibilidade de aí se integrarem “além dos casos compreendidos na letra, os que estejam contidos no seu espírito” (Alberto dos Reis, Comentário, III, pág. 172).
Afigura-se-nos estarem contidos nesse espírito da lei os casos em que o lesado pretende a resolução global do problema dos defeitos a ele não incumbindo a prova da origem do vício, bastando-se a lei com a demonstração da desconformidade entre o resultado devido e o resultado alcançado.
Na verdade, quanto às causas dos defeitos, como defende Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso, a pág. 359, sendo, por via de regra, bastante difícil a prova das causas do defeito por parte do dono da obra, e, diversamente, tendo o empreiteiro, “pela estreita relação que manteve com a coisa”, mais facilidade de provar que o defeito é estranho à realização da obra, “não é aceitável exigir que sobre o credor impenda o ónus de provar as causas do defeito”, devendo, pelo contrário, considerar-se, para efeito do aludido ónus, a causa do defeito como estranha à prestação do empreiteiro, como um facto extintivo do direito invocado.
E, assim sendo, cremos não fazer sentido exigir que o dono da obra concretize as obras necessárias à reparação da origem do vício quando, como se viu, o mesmo não está sequer obrigado a demonstrar a dita origem, podendo, por isso, deduzir um pedido genérico de reparação ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 citado art. 556º.
Deve, aliás, dizer-se que, no mesmo sentido, em situações algo similares e como se salienta no Acórdão desta Relação de 21.01.2016 (Relator - Jorge Miguel Pinto de Seabra), se tem entendido, nos casos de responsabilidade civil resultante de acidentes de viação, que “ignorando o Autor o grau de incapacidade permanente decorrente das lesões que sofreu no sinistro (e não está ele obrigado a conhecer o grau da sua incapacidade permanente ou a efectuar, sob suas expensas, um exame médico legal prévio à propositura da acção, que o habilite a conhecer esse facto)” pode ele, “ao abrigo do preceituado no art. 471º, n.º 1 al. b)- do anterior CPC (vigente à data da propositura da presente acção) – e pode, hoje, à luz do preceituado no art. 556º, n.º 1 al. b)- do actual CPC –, deduzir o aludido pedido genérico ou ilíquido”, ali se apontando, neste sentido, J. LEBRE de FREITAS, “ Código de Processo Civil Anotado ”, Coimbra Editora, 2001, pág. 239-240 e MIGUEL TEIXEIRA de SOUSA, “ As Partes, o Objecto e a Prova na Accção Declarativa ”, Lex, 1995, pág. 126-127.
No fundo, em ambos os casos estão situações em que o demandante não está ainda habilitado – nem, face à globalidade do sistema jurídico vigente, lhe é exigível que esteja – a indicar aquilo que o réu deve ser obrigado, em concreto, a prestar-lhe (Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, III, pág. 20).
Ultrapassada tal questão, em princípio, “podendo o Autor formular um tal pedido genérico (como, no caso, podia, face ao exposto), daí decorre que, inexistindo liquidação de tal pedido em momento prévio à prolação da sentença na acção declarativa (liquidação esta a cargo do lesado/credor/interessado), tenha o julgador que remeter essa liquidação para [...] momento ulterior – vide art. 471º, n.º 2 do CPC (na anterior versão) ou art. 556º, n.º 2 do actual do CPC. Cfr., neste sentido, J. LEBRE de FREITAS, op. cit., pág. 241 e M. TEXEIRA de SOUSA, op. cit., pág. 127” (citado acórdão desta Relação).
Consequentemente, como se entendeu no Acórdão da Relação do Porto de 23.09.2019, Relator – Manuel Domingos Fernandes, se “conforme resulta do disposto no n.º 2 do já citado artigo 609.º do CPCivil, tendo os Autores formulado pedidos genéricos (pedindo que o seu quantum seja relegado para liquidação em execução de sentença), e inexistindo liquidação de tais pedidos genéricos em momento prévio à prolação da sentença na acção declarativa (liquidação esta a cargo lesado/credor/interessado), o tribunal, por desconhecer os concretos limites da pretensão dos Autores (aos quais terá que se sujeitar, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo), tem de remeter para posterior liquidação o valor de tais pedidos”, isto é, se não pode “liquidar oficiosamente um “quantum” que a parte entendeu dever ser diferido para a fase de ulterior de liquidação”, então “é manifesto” que, ao proceder a uma condenação líquida, o tribunal está a condenar “em quantidade superior e em objecto diverso do que foi pedido”, o que conduziu a que no citado acórdão se tivesse concluído que o tribunal “violou claramente o disposto no n.º 1 do artigo 609.º do CPC, de onde resulta que a sentença é, nessa parte, nula, atento o disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. e) do CPC”.

Diferente, porém, se nos afigura o caso dos autos.

Não podemos deixar de ter presente que os trabalhos de construção civil (concretamente, remoção do cerâmico existente na varanda, picagem do cimento cola e da betonilha existentes e transporte para vazadouro; remoção da tela asfáltica; corte da parede da varanda e da habitação em 20 cm de altura e transporte a vazadouro, para permitir a dobra da tela; remoção dos alumínios existentes e das soleiras para permitir a dobra da tela asfáltica; realização de uma camada de regularização no piso e nas paredes em argamassa de cimento; fornecimento e aplicação de duas telas asfálticas cruzadas; realização de uma camada de betonilha; fornecimento e aplicação de cerâmica, incluindo base de colagem em cimento cola; fornecimento das soleiras nos vãos das portas de alumínio de acesso à varanda; realização de reboco areado nas paredes do perímetro da varanda numa altura de 20 cm; realização de pintura das paredes do perímetro da varanda) incluídos na parte da condenação que agora nos ocupa correspondem aos trabalhos necessários e adequados à reparação da causa de parte das humidades (nas paredes viradas a sul e a poente da sala do r/c até à altura de 1 metro, e no tecto da garagem da cave – com exclusão, portanto, das paredes do primeiro andar a que aludia a contestação) objeto do pedido em questão, porquanto se apurou terem os apontados vícios origem em infiltrações de humidade provenientes da varanda exterior, sendo aqueles trabalhos os essenciais e apropriados à eliminação de tais infiltrações, tornando-se, também, por outro lado, evidente que sem a eliminação dessa causa não se logra alcançar, de forma definitiva (como naturalmente pretendido pelo Reconvinte), a dita reparação “in natura”.

Importa também realçar que o Reconvinte nunca manifestou pretender obter a liquidação do pedido em momento ulterior e, por outro lado, que alegou, no art. 22 da contestação, que os trabalhos a que alude o pedido em causa têm um custo não inferior a 27.500 €, peticionando esse mesmo valor no pedido subsidiário formulado, por força deste último, indiretamente quantificando, pois, o valor da totalidade das obras (incluindo as não especificadas) para reparação dos defeitos.

Podendo, assim, verificar-se, por essa via, qual o limite quantitativo do pedido e sabendo-se que em concreto, segundo o apurado e não impugnado por nenhuma das partes, em termos quantitativos, os trabalhos mencionados no ponto 22 dos “Factos provados” têm, de acordo com o ponto 23 dos “Factos provados”, um custo de € 6.668,64 mais IVA, sendo de € 150,00 mais IVA, o respeitante à fixação dos apainelados, forçoso é considerar não ter a condenação ultrapassado os limites do pedido.
Acresce que as obras incluídas na condenação não são mais do que factos concretizadores das peticionadas obras para reparação in natura dos defeitos alegados, pelo que a sua inclusão na sentença não integra um excesso de pronúncia, certo que a factualidade a elas atinente foi implicitamente incluída nos temas da prova nºs 5 e 7 (que se apresentam formulados de forma abrangente), tendo sido objeto dessa mesma prova – nenhuma das partes tendo reagido, nomeadamente, à sua inclusão no objeto da perícia –, no âmbito de uma instrução em que o exercício do contraditório foi amplamente garantido e, assim sendo, a aquisição processual de tais factos concretizadores do núcleo factual essencial alegado quanto à necessidade de debelar e corrigir os defeitos, a que alude a contestação, não colide com o direito de defesa do Reconvindo, estando, pois, a coberto do disposto no art. 5º, nº 2, b), do CPC.
Por último, cremos ser de todo contrário aos princípios da economia processual e da celeridade que presidem ao direito processual a duplicação de tarefas implicada num formal incidente de liquidação ulterior à sentença para efeito de obtenção de um resultado que, como é o caso, na prática, já foi alcançado no processo declarativo.

Deve, aliás, dizer-se que, mesmo a entender-se estar em causa a formulação ilegal de um pedido genérico, cremos que a solução não deveria passar pela anulação da decisão da primeira instância.
No sistema anterior, Manuel Salvador, in Rev. dos Tribunais, ano 88º, pág.´s 5 e ss, citado por A. Geraldes, obra citada, pág. 154, defendia que “tratando-se de um pedido ilegalmente genérico, mas que pudesse ser convertido em específico através de liquidação, a nulidade (decorrente do vício de ineptidão por o pedido faltar em parte, certo que se ignora o respetivo quantum – pág. 54) sanava-se com a prolação do despacho saneador e o juiz devia decidir de mérito, podendo, se fosse o caso, proferir uma sentença genérica, nos termos do art. 661º, nº 2”; de contrário, não podendo o pedido genérico ser convertido em específico, o juiz devia julgar improcedente a ação.
Por seu turno, Alberto dos Reis, in Comentário, III, pág. 186, entendia que se tratava de uma nulidade simples, que, por isso, teria que ser arguida pelo demandado, não podendo o tribunal dela conhecer no despacho saneador, ficando, pois, a mesma sanada, podendo o juiz na decisão final julgar a ação procedente ou improcedente, consoante o erro comprometesse ou não o êxito da ação.
Para Abrantes Geraldes, obra citada, pág.´s 156 e 157, o desrespeito do aludido preceito deveria ser solucionado, na fase liminar com um despacho de aperfeiçoamento, sendo o demandante livre de aceitar ou não o convite à correção; não tendo sido formulado qualquer convite e não tendo o aludido desrespeito sido tampouco detetado no despacho saneador, caso o pedido genérico, apesar de não permitido por lei, fosse suscetível de ser concretizado ou quantificado através dos mecanismos processuais existentes, “devia ser proferida condenação genérica, se não fosse viável a concretização”; de contrário, não podendo ser liquidado, deveria julgar-se improcedente a ação.
Com as alterações ao CPC introduzidas pelos DL nºs 329-A/95 e 180/96, defendeu o citado autor que, após a fase dos articulados, “confrontado com um pedido genérico ilegal deve o juiz convidar o autor a corrigir a petição inicial, uma vez que o desrespeito pela norma taxativa do art. 471º (parcialmente correspondente ao atual art. 556º do CPC) não determina um vício de tal modo grave que deva conduzir à total inutilização da actividade processual através de imediata absolvição da instância” (autor e obra citados, pág. 158), impondo-se, portanto, o “aproveitamento da instância” de harmonia com os princípios da economia processual, prevalência da substância sobre a forma, eficiência do sistema, cooperação mútua.
Cremos que esta solução continua a ser defensável e a mais adequada a uma visão menos formalista do processo.
E, assim sendo, não tendo tal convite sido formulado, como no caso em apreço o não foi, na mesma medida em que, não tendo a primeira instância formulado o convite ao aperfeiçoamento, que também nesse caso se impõe, “(…) poderá dizer-se que a 2ª instância não pode onerar a parte com o risco da improcedência decorrente da insuficiência da matéria de facto” (Miguel Teixeira de Sousa, in “A proibição da oneração da parte pela Relação com o risco de improcedência: um novo princípio processual?”, blog IPPC, entrada de 29/01/14), também se nos afigura defensável argumentar, para o caso do pedido genérico ilegal, que “Se esse risco deve ser combatido na 1.ª instância com o convite dirigido à parte para aperfeiçoar o seu articulado, então a Relação não pode fazer recair sobre essa parte esse mesmo risco. Numa época em que se generaliza a construção de novos princípios processuais, talvez se possa falar do princípio da proibição da oneração da parte pela Relação com o risco da improcedência”.
Ora, estando a formulação de um pedido genérico de reparação “in natura” de danos, regra geral, associada à falta de alegação dos concretos trabalhos de reparação a efetuar, também se pode dizer, como em casos paralelos se tem dito, que “a lei fornece a solução para evitar esta oneração pela Relação do risco da improcedência: a solução é a anulação pela Relação da decisão proferida pela 1.ª instância com base na deficiência do julgamento da matéria de facto (art. 662.º, n.º 2, al. c), nCPC), desde que essa deficiência seja entendida, não por referência à matéria de facto constante da causa, mas por referência à matéria de facto que podia constar da causa se a parte tivesse seguido o convite que lhe deveria ter sido dirigido pela 1.ª instância.(…)” (Acórdão desta Relação de 14.03.2018, Relatora – Margarida Almeida Fernandes), de modo a ser efetuado o convite para proceder à alegação dos factos em falta e à inclusão dos mesmos no pedido.
No mesmo sentido, veja-se ainda o Ac. da R.P. de 26/02/2015, ali também citado, onde se lê: “(…) constatada essa insuficiência (…), o tribunal, mesmo sendo um tribunal de recurso, não pode proferir um acórdão de improcedência da reconvenção por falta de prova dos factos constitutivos do direito invocado pela ré (art. 342/1 do CC), sem antes convidar a ré a aperfeiçoar a reconvenção, completando a causa de pedir (situação a que, depois, naturalmente terá que ser dado seguimento pelo tribunal de primeira instância)”.
Assim sendo, resta dizer que, a considerar-se ser esta orientação alternativa a correta, no caso concreto, sempre a necessidade de tal convite se deveria entender como ultrapassada certo que a factualidade relevante já foi legalmente integrada na decisão recorrida e na condenação efetuada, decisões que não foram postas em causa pelo Reconvinte, que assim tacitamente assumiu a dita factualidade como aquela que alegaria e integraria no pedido caso lhe tivessem dado oportunidade para o efeito, cabendo, pois, à Relação substituir-se à primeira instância e, também ela, concretizar, de acordo com a prova produzida, o genericamente alegado e pedido.

Em conclusão, não se conhece da nulidade da contradição relativa aos factos atinentes à casa ... e julgam-se improcedentes as demais arguidas nulidades.

- Impugnação da matéria de facto:

Passemos, agora, a conhecer das impugnações não rejeitadas por falta de cumprimento dos ónus formais às mesmas respeitantes.

Defende o Réu/Reconvinte que:
Está errado o julgamento dos factos 7. da sentença. (7. Alguns dos serviços aludidos nos factos provados números 3 a 5 foram desenvolvidos sob orientação do Réu que dizia ao Autor, ou aos empregados deste, para destruírem ou reconstruirem, por vezes contra a opinião do Autor ou dos seus colaboradores, ou à revelia dos projectos de arquitectura e de especialidades (artigos 8º, 39º e 41º da p.i.);

Esta factualidade que foi julgada provada pelo Mmo. Juiz, deve ser substituída pelo seguinte:

“Todos os trabalhos e serviços prestados ao A. (manifestamente o que se queria dizer era R, tratando-se de um mero lapso de escrita), foram projectados e aprovados pelas entidades administrativas”.
Mais uma vez, tal como tem vindo a suceder em diversos recursos por nós julgados, deparamo-nos com uma errónea compreensão do conteúdo da faculdade da impugnação da matéria de facto e da finalidade da aludida faculdade que, ao contrário do que comumente ocorre, não pode ser vista como um fim em si mesma, mas antes como um meio destinado a alcançar a finalidade de alteração da parte dispositiva da sentença que o prejudica – sendo essa parte dispositiva o objeto do recurso – em função do direito aplicável, sob essa perspetiva devendo ser aferida a sua utilidade.
Na verdade, assim como no momento da elaboração da sentença o juiz tem de “ponderar a fixação dos factos e a decisão das questões de direito, procedendo a uma descrição da realidade resultante da produção de prova, baseada em princípios de racionalidade e em que a matéria de facto revele a realidade a integrar juridicamente” (Acórdão desta Relação de 14.11.2019, Relatora – Raquel Tavares), sob pena de uma atuação em prejuízo dos princípios da proibição da prática de atos inúteis e da celeridade, também as partes, no que à impugnação da matéria de facto concerne, têm de orientar as suas opções quanto à factualidade a impugnar em função do fim último do seu recurso e da subsunção jurídica para o efeito pelas mesmas propugnadas ou aceites, o que é muito diferente de atacar atomisticamente a decisão relativa à matéria de facto sem qualquer preocupação pela relevância do ataque feito.

No caso em apreço, de acordo com a decisão da primeira instância, a absolvição parcial do pedido reconvencional, no que toca à reparação dos defeitos, assentou no seguinte:

Invoca o Réu a existência de defeitos nas obras executadas pelo Autor como causa justificativa da recusa no pagamento do valor remanescente do preço.

Da matéria de facto provada verifica-se que:
a) A casa sita no lugar ...:
- padece de infiltrações de humidade provenientes da varanda exterior nas paredes viradas a sul e a poente da sala do r/c até à altura de 1 metro, e no tecto da garagem da cave;
- encontram-se mal fixados apainelados em 3 vãos de janela em 2 quartos do 1º piso, apainelados estes cuja colocação foi feita por carpinteiro contratado pelo Réu;
- não foi colocado capoto na casa ..., por decisão do Réu. b)
A casa sita no lugar ... apresenta as seguintes humidades na garagem:
- em parte da parede norte, entre as escadas e a esquina nascente, na zona em que essa parede tem encosto de terras; e
- na parede virada a nascente que surgem devido a infiltrações de água através de fissuras existentes pelo exterior.
*
Do elenco de defeitos vindos de descrever, resultam imputáveis à acção do Autor as infiltrações de humidade provenientes da varanda exterior nas paredes viradas a sul e a poente da sala do r/c até à altura de 1 metro, e no tecto da garagem da cave da casa ....
Todos os demais problemas verificados são alheios aos trabalhos realizados pelo Autor nos identificados prédios do Réu, já que:
- a má colocação dos apainelados na casa ... é da responsabilidade do carpinteiro directamente contratado pelo Réu;
- a não colocação do capoto na casa ... deve-se a decisão do próprio Réu; e
- as infiltrações de humidades constatadas na garagem da casa do lugar ... provêm das paredes norte (na zona em que essa parede tem encosto de terras) e da parede virada a nascente devido a fissuras existentes pelo exterior, paredes essas que não foram edificadas pelo Autor nem objecto das obras de modificação que este realizou no prédio a pedido do Réu.
Ora, não tendo o Recorrente atacado, no que a tal respeita, os fundamentos jurídicos da decisão recorrida ou proposto qualquer subsunção jurídica alternativa assente na ora visada alteração, nem, por outro lado, impugnado nenhum dos pontos fácticos em que assentou tal decisão que pudesse tornar relevante a impugnação ora em causa, não se vê que utilidade poderia ter a reapreciação do aludido ponto impugnado, atentando, pelo contrário, a execução de tal tarefa, contra o princípio da economia processual.
Acresce que, confrontando o teor do ponto impugnado com a decisão para o mesmo propugnada pelo referido Recorrente e sendo certo que, como se viu supra, o recorrente deve indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as concretas questões de facto impugnadas, desde logo se constata que a última extravasa o objeto do ponto de facto impugnado – que, como a própria sentença indica entre parênteses versa sobre matéria alegada em diversos artigos da petição inicial –, visando o Recorrente não apenas que se considere não provado ou restringido o facto provado pela primeira instância – únicas hipóteses de respostas alternativas suscetíveis de serem indicadas –, mas sim uma decisão positiva de conteúdo em parte inverso ao dos factos alegados, o que não lhe é facultado pelo direito de impugnação em causa, situação que, mais não houvesse, também nos conduziria a não conhecer desta parte da impugnação.
Assim sendo, deste ponto não se conhecerá.

E o mesmo se diga da seguinte pretensão do Réu/Reconvinte.

Segundo este, os factos julgados provados no nº9 da sentença (9. O valor de € 21.000,00 a título de “débito anterior já com os acertos todos feitos” mencionado no documento junto a fls. 26 e 27 dos autos, respeita a trabalhos realizados pelo Autor na execução da obra de construção da casa sita no lugar ..., descritos no facto provado número 3 e 4 (artigo 16º da p.i.) ), devem ser substituídos nestes termos:
“O R. pagou ao A. todos os trabalhos e serviços que este lhe prestou na construção da casa ...”(casa de baixo)
Que dizer?
Cansamo-nos de repetir: o que o impugnante tem de indicar é a decisão que, no seu entender, tem de ser proferida sobre as questões de facto impugnadas e não a decisão que sobre outras questões gostaria de ver proferidas.
No ponto particular da impugnação que agora nos ocupa, o que se verifica é que o Réu/Reconvinte pretende que a propósito da impugnação de matéria respeitante à versão factual alegada pelo Autor, seja dada como provada – em termos mais que genéricos, diga-se de passagem – matéria relativa à exceção perentória do pagamento por si alegada na contestação sob os artigos 13 a 16, matéria essa que, como indicado na própria sentença, foi objeto da decisão incorporada nos pontos 15 a 17 dos “Factos provados” e 6 a 9 dos “Factos não provados”.
Extravasa, por isso, o Recorrente os limites do direito de impugnação que lhe assiste, não devendo, pois, este Tribunal conhecer deste ponto.
Deve, aliás, dizer-se que o facto contido no ponto 9 resulta da confirmação a esse respeito feita pelo próprio Autor quando confrontado, em audiência de julgamento, com o dito doc. de fls. 26 e 27 dos autos, sendo, por isso, de todo injustificada qualquer impugnação sobre o aludido ponto, pelo que sempre seria de considerar estar a mesma condenada ao indeferimento.

Entende ainda o Réu/Reconvinte que:

- Os factos julgados provados no nº10 da sentença (10. Os trabalhos identificados no facto provado número 5, prestados na casa sita no lugar ..., duraram 2135 horas (artigo 11º da p.i.)), devem ter a seguinte redacção:
O A. prestou alguns trabalhos de mão de obra de construção civil na casa ..., em tempo indeterminado dos anos 2012/2013, trabalhos não concretamente apurados, nem em quantidade, nem em qualidade e custos.
- Os factos julgados provados no nº11 da sentença (11. O preço por hora previamente acordado entre Autor e Réu para a realização dos trabalhos identificados no facto provado número 5 foi de montante não inferior a 5,00 € (cinco euros) (artigo 12º da p.i.), devem ser julgados como não provados.

Segundo aquele:
Impõe este julgamento o depoimento de parte do A. que, segundo ele, disse que foram 1.200 h de trabalho, de 3 /4 ou 5 homens, durante alguns meses, mas não era todos os dias, a circunstância de não haver registo das horas gastas nesses trabalhos, nem das datas, nem dos dias (…) e os depoimento das testemunhas – António e H. D. – arroladas pelo A., que, também segundo ele, foi no sentido de que trabalharam nas casas do R., mas sempre foram pagos ao mês e auferiam o salário mínimo e o testemunho de A. G. (…) sendo ele técnico da obra, entre tantas coisas, disse que as obras efectuadas na casa ... do R., dois homens faziam em mês e meio no máximo. Acrescenta que o volume de obra da casa ..., não alegado pelo A., mas acrescentado pelo Sr. Juiz, não justifica o custo peticionado na p.i.

Apreciando:
Parece o Réu esquecer que a motivação da decisão relativa a estes dois pontos de facto resultou do documento junto a fls. 26 e 27 dos autos – e por ele expressamente reconhecido como da sua autoria e dirigido ao Autor a quem o enviou (como decorre da audição, a que procedemos na íntegra, do seu depoimento) –, no qual o mesmo, em 28.12.2013, faz o reconhecimento expresso da existência de um débito ao seu irmão no montante global de 33.884,89 €, assentando inequivocamente o referido valor em débito ali reconhecido, para além do mais, no cálculo pelo próprio Réu efetuado e ali também demonstrado a partir do número de horas que veio a ser considerado provado pelo tribunal recorrido – 2.135 horas –, ao preço de 5 € a hora (diferentemente do preço de 6 € pretendido pelo Autor), o que, para além do mais, denota a inexistência de qualquer estranheza ou discordância da sua parte relativamente ao número indicado, numa altura em que, pela proximidade em relação ao momento em que as ditas horas de trabalho foram executadas, natural seria estar na posse de elementos que lhe permitissem contrariar ou, pelo menos, questionar a quantidade de horas que lhe terá sido indicada pelo ora Autor, como, aliás, fez, de forma assertiva, no que concerne ao preço/hora acordado, não sendo, pois, a falta de registo de horas, a ausência de outra prova sobre o preço/hora de trabalho, a incompletude dos depoimentos, do Autor e das testemunhas pelo Réu ora indicadas, a esse respeito prestados (que também ouvimos na íntegra), sobre factos ocorridos há mais de cinco anos, ou até a eventual aparente incongruência entre tais depoimentos e o número de horas pelo Réu anteriormente aceite, circunstâncias suscetíveis de nos conduzirem à pretendida alteração, não havendo razões para considerar ter havido qualquer erro de julgamento relativamente a tais factos.
Considera ainda o Réu, na conclusão H, que, por inexistência total de prova, os factos julgados provados no nº12 da sentença (12. O Autor suportou, por conta dos trabalhos mencionados no facto provado número 5: € 134,00 de pagamentos de tinta; e € 7.290,00 de outro materiais (artigo 17º da p.i.), devem ser remetidos para o elenco dos factos não provados.
De novo, esquece o Réu a existência do aludido documento de fls. 26 e 27 e o reconhecimento por ele feito sobre a autoria de tal documento a que acima já nos referimos, tendo sido em tal documento que assentou – e bem – a decisão do tribunal recorrido, na medida em que, tal como o número de horas de trabalho e o preço das mesmas ali serviu de base ao cálculo do débito reconhecido, os valores mencionados no aludido ponto 12 ali se mostram indicados pelo Réu (e por ele associados aos trabalhos realizados “na minha casa”, querendo com isso referir-se, como claramente resulta do seu depoimento, à casa ...) e por aquele foram expressamente tomados em consideração para concluir pelo valor que reconheceu em dívida, tanto bastando para servir de base à convicção expressa pela primeira instância, nenhumas razões existindo para a repudiar.
Por último, entende o Réu/Recorrente que os factos do nº16 da sentença (16. A quantia mencionada no facto provado anterior foi paga à “X Ld.ª”, pelo Réu, com o conhecimento e a aceitação da “Sociedade de Construções S. C., Ld.ª” (artigo 13º da contestação) devem ser alterados e complementados, por forma a que fiquem com a seguinte redacção:
“A quantia mencionada no facto provado anterior (facto 15) foi paga pelo Réu, por conta dos trabalhos que lhe foram prestados na obra da casa ...”
Para melhor compreensão da pretensão em causa, aqui se recorda o teor do nº 15: No processo número 293196/09.0YIPRT do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Felgueiras, a “Sociedade de Construções S. C. Ld.ª” foi condenada a pagar à firma “X – Comércio de Materiais de Construção Ld.ª”, em Março de 2011, a quantia de € 6.711,00 euros (cfr. certidão judicial junta a fls. 115 e ss. dos autos);
Não indica o Recorrente, na conclusão a que ora nos referimos, as provas que imporiam tal alteração, mas no corpo das suas alegações argumenta a este propósito nos seguintes termos:
Veja-se que este pagamento foi feito á X Ldª, pelo Réu, com conhecimento e aceitação da “Sociedade de Construções S. C. Ldª”.
É um pagamento efectuado em 21 de Março de 2011.
É mais um facto, escrito e documental da existência desta nesta data da Sociedade de Construções do A., com quem o R. negociou as obras, como já se alegou atrás de forma exaustiva.
Reconhece-se com alguma estranheza, o á vontade com que o A. neste processo, enumera e reconhece a promiscuidade existente entre a sua pessoa individual e da sociedade que formou, a S. C. Ldª, para “fazer empreitadas”.
Não se coibiu de dizer e depor, que “pedia” facturas em nome da sociedade, para descontar o IVA e para outras operações ilegais de fuga ao fisco.
Basta ver o seu depoimento de parte.
Quando lhe convinha, o A. dizia que negociava e contratava em nome da sociedade; Outras vezes em nome individual.
Esta promiscuidade tudo suportava, conforme os interesses conjunturais do A.
Mas como se vê, já no inicio do ano de 2009, a X Ldª, demandou em Tribunal a Sociedade.
A esta foram vendidos e facturados materiais de construção que não foram pagos.
Neste ano de 2009, e seguintes, pelo depoimento do A., a casa ... do R., já estava construída, acabada e paga – vidé depoimento que se junta.
Porque haveria de ser A. M., como pessoa singular, a construir a casa e a prestar trabalhos e serviços de construção civil, quando tinha a sua sociedade formada para esse efeito? Quem pode acreditar numa coisa dessas?
Ninguém.
E por isso entendemos que deve ser acrescentado aos factos provados do nº16 da sentença, que o Réu pagou, por conta dos trabalhos que lhe foram prestados, a quantia de 6.711,00 euros, derivados do pagamento que fez á firma X – Comércio de Materiais de Construção Ldª, em substituição da entidade que fez as obras.
Este número 16 da sentença, deve ser alterado pela forma atrás descrita.
Neste arrazoado, também não se consegue vislumbrar, para além da vaga referência ao depoimento de parte do Autor – cujo segmento relevante não transcreve nas alegações, nem localiza na gravação – que provas imporiam a preconizada alteração, pelo que, também neste ponto, cremos que, em rigor, seria de rejeitar a impugnação.
Não se deixará, porém, de frisar, para demonstrar o infundado da impugnação em causa, que a pretendida alteração não corresponde ao alegado no artigo 13º da contestação, onde não se distingue entre trabalhos feitos na casa ... e trabalhos feitos na casa ... e apenas se diz que a aludida quantia paga pelo Réu à X “nunca foi devolvida pela sociedade de Construções ao Réu, e foi considerada para pagamento de parte dos serviços do contrato de empreitada”, o que induz a ideia de que, mesmo na versão do Réu, não teria havido um acordo prévio no sentido de este efetuar tal pagamento “por conta” de uma dívida, mas antes que, por falta da devida “devolução” de tal quantia, esta assim terá acabado por ser “considerada” ulteriormente (não diz por quem), única hipótese que, aliás, se mostra consentânea com a visada intenção de descontar tal quantia aos trabalhos que lhe foram prestados na obra da casa ..., na medida em que estes trabalhos foram posteriores ao pagamento da aludida quantia. E, assim sendo, a dita quantia nunca poderia ter sido “paga por conta” de tais trabalhos.
Por outro lado, não se pode esquecer que em 2011 – data do aludido pagamento – só poderiam estar em causa materiais relativos à Casa ... – os trabalhos da casa ... são ulteriores –, impondo-se mais uma vez recordar que no documento de fls. 26 e 27 – e conforme melhor explicitado no depoimento do Réu –, quanto a essa obra do …, o próprio Réu havia afirmado, em 12.2013, que o montante de 21.000 ali referido era “já com os acertos todos feitos”, pelo que, naturalmente, a haver alguma dedução do aludido montante pago pelo Réu e referido no ponto 15, tal dedução também já teria sido feita, nada tendo sido carreado para os autos – nomeadamente pelo declarado pelo Autor em audiência de julgamento – que contrariasse esta primeira aparência e, muito menos, que sustentasse a existência de um posterior acordo ou de uma eventual comunicação de compensação efetuada pelo Réu. Acresce que as regras da experiência que o Recorrente parece pretender invocar em seu favor não permitem de todo concluir, a partir do facto de o Réu ter pago uma dívida que aparentemente seria da sociedade do Autor, que tal quantia terá sido paga por conta destes ou daqueles trabalhos.

Por seu turno, sustenta o Autor/Reconvindo que houve erro na apreciação da prova no que toca à decisão relativa à matéria de facto, devendo ser dado (como) não provado o facto provado 29. - O Réu comunicou verbalmente ao Autor a existência dos problemas descritos nos factos provados números 18 e 26 nos quinze dias seguintes ao seu aparecimento (artigos 32º e 33º da contestação).
Mais uma vez, importa ater-nos ao que releva.
Tal como se frisou a propósito das nulidades da sentença, o recurso interposto pelo Autor/Reconvindo não tem por objeto a reapreciação do pedido reconvencional assente nos defeitos da casa ... (nem nunca poderia ter porquanto o Reconvindo foi absolvido dessa parte do pedido reconvencional, não sendo, pois, vencido no que a tal respeita).
Ora, sendo certo que o Autor/Reconvindo não foi condenado a reparar defeitos na casa ..., para nada releva a reapreciação da questão da comunicação ou não dos defeitos relativos a esta casa (e elencados no ponto 26 a que se alude no ponto impugnado ora em apreço). A impugnação relativa ao ponto 29 é, pois, no que a tais defeitos se refere, inócua para efeito das pretensões recursivas do Autor, dela não devendo este Tribunal conhecer, sob pena de violação do princípio da economia processual. O mesmo vale para a má fixação dos apainelados na casa ... (cuja reparação não integra a condenação).
Para que fique bem claro: pelas razões acabadas de explanar, apenas reapreciaremos a questão da comunicação dos defeitos relativos à casa ... (e referidos no ponto 18 dos “Factos provados” - A casa sita no lugar ..., construída no prédio identificado no facto provado número 3, padece de infiltrações de humidade provenientes da varanda exterior nas paredes viradas a sul e a poente da sala do r/c até à altura de 1 metro, e no tecto da garagem da cave, encontrando-se também mal fixados apainelados em 3 vãos de janela em 2 quartos do 1º piso), com exclusão, quanto a esta, da questão da má fixação dos apainelados.

Não diz o Autor/Reconvindo, nas suas conclusões, que provas impõem a alteração visada, argumentando, porém, no corpo das suas alegações, que:

De facto, como resulta das declarações prestadas pelo réu A. J., que importa revisitar na íntegra – cfr. acta de 05/02/2019, cujas declarações se encontram gravadas entre os min. 00:00 e 01:09:49 – temos, com maior relevância, que:
• ao min. 24.47: a 25.00: refere que “eu quando tinha alguma reclamação a fazer era por e-mail”.

Nenhum e-mail foi junto aos autos com discriminação de qualquer defeito
Desde logo a transcrição do concreto excerto das declarações prestadas pelo Réu A. J. a que alude o Recorrente não se mostra rigorosamente efetuada, verificando-se, da audição feita, que aquilo que o Réu, no momento em que lhe foi exibido o documento junto a fls. 28 (de 2016), pretendeu foi vincar que era para o “email da empresa” do irmão (sociedade já inexistente) – e não para este como pessoa singular – que efetuava as comunicações, o que notoriamente fez, de forma artificial, para sustentar a sua versão sobre com quem foram celebrados os acordos a que se referem os autos, o que retira ao declarado o significado e a importância que para este efeito da reclamação, o Autor, oportunisticamente, dali pretende retirar.
Olhemos, antes, para o que a este respeito se escreveu na motivação.
No que toca aos factos provados números 29 e 30, sobre a denúncia pelo Réu dos problemas das moradias e disponibilidade do Autor para reparar as humidades no prédio do … (trata-se de manifesto lapso – o tribunal recorrido quer referir-se à casa ..., como tal se devendo entender), as declarações de parte do Réu em abono da versão que trouxe ao processo, encontraram respaldo não apenas no teor do mencionado documento junto a fls. 26 e 27 (cuja parte final refere, expressamente os “valores em débito (…) serão pagos após rectificações dos serviços que foram feitos e efectuados por ti, como sabes, existem várias anomalias, agradeço que sejam reparadas o mais breve possível…”), mas também, parcialmente, nas declarações de parte do Autor (…)
E, com efeito, ouvidas as declarações deste último, verifica-se que, para além do mais, o mesmo reconheceu que o irmão se queixava que “estava a cair um bocadito da água”, “que estava a estragar o teto da cave”, “temos que tirar a água”, “eu ia lá em baixo (querendo como isto referir-se à casa ...) tentar retirar”, referindo mais tarde que isso terá sido em 2011/2012,“ele dizia que a responsabilidade era minha”, sendo só a partir de 2013, após aquela primeira reclamação verbal, que a comunicação entre ambos passou a ser efetuada só por email, não sendo, pois, de exigir do Réu/Reconvindo a apresentação de email contendo a reclamação inicial. Para além disso, referiu o Autor expressamente que a “pinga” vinha da “terraça” (e, efetivamente, as infiltrações de que padece a casa ... tem origem em humidade provenientes da varanda exterior).
Sendo certo que, como na audição destas declarações, se torna notório, o Autor está sempre a tentar admitir apenas o mínimo necessário a não ser desacreditado no futuro confronto com a restante prova produzida, não se pode considerar que o admitido seja insuficiente para, em conjugação com o teor do documento junto a fls. 26 e 27, onde o Réu se refere à existência de anomalias, a tal respeito usando a expressão “como sabes” – sem que haja notícia de qualquer reação por parte do Autor/Reconvindo a tal menção –, credibilizar as declarações a este propósito prestadas pelo Réu/Reconvinte no sentido de que reclamou de todas as humidades que se propagavam na referida casa ....

De eliminar apenas a referência nos quinze dias seguintes ao seu aparecimento – porque efetivamente não se deteta nas declarações do Réu menção ao período concreto de tempo dentro do qual terá reclamado após o aparecimento das humidades.

Pretende ainda o Autor/Reconvindo que sejam dados por provados os factos dados por não provados sob os nº 4, 5 e 17 (…) atendendo às declarações prestadas pelo R. em audiência na sua globalidade, ao depoimento do A e ao depoimento da testemunha António, todos no sentido de que era o réu reconvinte quem tudo mandava fazer e desfazer, contra projectos e opinião do próprio A. ou seus funcionários, dizendo que era quem pagava e, por isso, quem mandava.
Relativamente às declarações prestadas pelo Réu em audiência, nem nas conclusões, nem no corpo das alegações, refere o Recorrente os concretos trechos (quer por via da indicação da sua localização, quer por via da transcrição dos segmentos que entende relevantes) que, em conjunto com a demais prova que indica, impõem a alteração preconizada, pelo que, incumprindo o ónus que, como já se expôs, sobre ele recaía, viu precludido o direito de invocar tal meio de prova em benefício das visadas alterações.
Todavia, como não é caso de rejeição – uma vez que quanto às suas próprias declarações e ao depoimento da testemunha António, o Autor cumpriu tal ónus – não se deixará de evidenciar que, analisados todos os aludidos meios de prova, não se vê que o tribunal recorrido tenha incorrido em erro de julgamento no que a esta matéria respeita.

Recordemos, então, o teor dos pontos não provados impugnados:

4. O Autor e os seus colaboradores limitaram-se a cumprir as instruções do Réu, nos serviços que lhe prestaram (artigo 9º da p.i.);
5. Tudo o construído, reconstruido, demolido ou, por qualquer forma, intervencionado, foi sempre por ordem e sob vigilância do próprio Réu (artigo 38º da p.i.);
17. As infiltrações de humidade descritas nos factos provados números 18 e 26 resultam de opções tomadas pelo Réu que instruiu os trabalhadores do Autor sobre o modo de realização dos trabalhos (artigos 7º e 39º da p.i. e 19º a 21º da réplica);

E para melhor compreensão do seu alcance, tenha-se ainda em consideração o que consta do ponto 7 dos “Factos provados”:

7. Alguns dos serviços aludidos nos factos provados números 3 a 5 foram desenvolvidos sob orientação do Réu que dizia ao Autor, ou aos empregados deste, para destruírem ou reconstruirem, por vezes contra a opinião do Autor ou dos seus colaboradores, ou à revelia dos projectos de arquitectura e de especialidades (artigos 8º, 39º e 41º da p.i.);

Na verdade, afigura-se-nos que o conteúdo deste último ponto de facto é o que melhor traduz o quadro que a este respeito a conjugação da análise do relatório pericial com a audição da prova produzida nos transmite, no sentido de que o Réu efetivamente teve uma intervenção direta e impositiva na orientação de alguns trabalhos, não podendo, porém, dizer-se que assim tenha sucedido em relação a todos eles – como se não estivesse em causa, no que à casa ... (situação que, como supra já se enfatizou, para a presente reapreciação releva, porquanto só à reparação destas o Reconvindo foi condenado) concerne, um acordo para construção de uma obra, como resulta dos pontos 3 e 4 dos Factos provados, pontos esses que o Autor/Reconvindo nem sequer impugnou –, menos ainda, no que toca às técnicas construtivas adotadas e, concretamente, no que àquelas relacionadas com as infiltrações na casa ... referidas no ponto 18 respeita, não sendo as declarações do Autor e da testemunha António, cuja rigidez do discurso é notória, suscetíveis de abalar a conclusão nesse sentido firmada (muito menos a contrariando o declarado pelo Réu).
Assim, podemos dizer que nos revemos nas considerações a este propósito tecidas na motivação, quando ali se diz:
Com relevo para os factos provados números 7 e 21, o conjunto da prova constituído pelos projectos de construção das moradias juntos de fls. 130 a 184, pelo relatório e esclarecimentos periciais de fls. 185 e ss. e 238 e ss., declarações / depoimento de parte e testemunhos colhidos no decurso da audiência de julgamento, deixou claro que o Réu acompanhava com assiduidade a realização dos trabalhos, deslocando-se às obras várias vezes por semana e que tinha não só conhecimento, como era quem tomava a decisão sobre a realização de alterações relativamente ao projectado (de que são exemplo a construção de partes que não se encontram previstas no projecto de arquitectura, a não utilização do capoto como elemento de revestimento das paredes da casa de …, ou a alteração da disposição de paredes de cómodos da casa ...).
Todavia, a prova não evidenciou que tenha sido o Réu a determinar soluções técnicas de construção adoptadas na execução de paredes estruturais ou lajes de cobertura, nem de impermeabilização usadas em varandas e em paredes de apoio de terras, como as que estão na origem das infiltrações de humidade detectadas pelos Srs. Peritos no local.
Nem os testemunhos colhidos deram nota de que o Réu, comerciante de automóveis de profissão, tenha tido na obra grau de intervenção semelhante ao de um capataz de construção civil, determinando as soluções construtivas adoptadas como pretende exagerada a descrição contida na p.i. e na réplica (cfr. factos não provados números 4 e 5), sendo certo que o Autor, em contrapartida, é um experiente empreiteiro com dezenas de anos de trabalho no ramo e conhecedor das boas regras de construção. (sublinhado nosso)

Improcedem, pois, exceção feita à eliminação da referência contida no final do ponto 29 dos “Factos provados” – nos quinze dias seguintes ao seu aparecimento –, as impugnações apresentadas.

- Dos alegados erros na subsunção dos factos ao direito

Em grande parte, Autor e Réu assentavam os respetivos recursos na alteração da matéria de facto fixada pela primeira instância.
Julgadas improcedentes as impugnações – com exclusão da efetuada ao ponto 29 dos “Factos provados” – não se verificam os propugnados erros de direito alicerçados na modificação de tal quadro e que a tinham como pressuposto.
Importa, sim, apreciar as questões jurídicas suscitadas por cada um dos Recorrentes na parte em que estes imputam erros na subsunção ao direito dos próprios factos provados fixados pela primeira instância, delas se passando, pois, a conhecer.
Não vem posta em causa a qualificação jurídica dos contratos efetuada pela primeira instância.
Defende o Réu que cabia ao Autor fazer prova do não pagamento das quantias peticionadas.
Obviamente, sem qualquer razão, porquanto, como se sabe, o pagamento integra matéria de exceção cujo ónus da prova recai sobre o réu.

Na qualidade de Reconvinte defende ainda que o A. deve ser condenado a fazer todos os trabalhos, serviços e a utilizar todas as matérias primas e materiais necessários e adequados a corrigir todas as patologias das casas do … e …, no prazo fixado na douta sentença ou a pagar ao Reconvinte a quantia de 14.303,64 euros, acrescida de IVA, para que o Reconvinte possa realizar todos esses trabalhos, nos termos constantes da perícia.

O referido Recorrente despreza, porém, ostensiva e injustificadamente, a factualidade fixada pela primeira instância e que por ele não foi posta em causa neste recurso, que, de acordo com a sentença recorrida, conduziu à exclusão de qualquer responsabilidade do Autor/Reconvindo pelos defeitos que excedem os referidos na condenação a esse respeito proferida.

Para que se tenha bem presente, transcreve-se o que a esse respeito se mostra consignado na sentença recorrida:

Do elenco de defeitos vindos de descrever, resultam imputáveis à acção do Autor as infiltrações de humidade provenientes da varanda exterior nas paredes viradas a sul e a poente da sala do r/c até à altura de 1 metro, e no tecto da garagem da cave da casa ....
Todos os demais problemas verificados são alheios aos trabalhos realizados pelo Autor nos identificados prédios do Réu, já que:

- a má colocação dos apainelados na casa ... é da responsabilidade do carpinteiro directamente contratado pelo Réu;
- a não colocação do capoto na casa ... deve-se a decisão do próprio Réu; e
- as infiltrações de humidades constatadas na garagem da casa do lugar ... provêm das paredes norte (na zona em que essa parede tem encosto de terras) e da parede virada a nascente devido a fissuras existentes pelo exterior, paredes essas que não foram edificadas pelo Autor nem objecto das obras de modificação que este realizou no prédio a pedido do Réu.

Ora, se é certo, como é, que, relativamente à casa ..., todos os demais (isto é, todos aqueles cuja reparação não está incluída na condenação) problemas verificados são alheios aos trabalhos realizados pelo Autor nos identificados prédios do Réu, sem necessidade de quaisquer outras considerações resta julgar improcedente a pretensão recursiva de alargamento da condenação aos demais defeitos alegados, pela mesma razão não podendo haver lugar ao pagamento da pretendida indemnização na parte que a tais defeitos “alheios” ao Autor respeita, sendo que a procedência parcial da primeira alínea do pedido reconvencional (reparação dos defeitos) obsta à condenação na segunda alínea do mesmo pedido formulado na reconvenção (de pagamento ao Reconvinte do correspondente à reparação dos defeitos) no que ao valor dos custos da reparação que integra a condenação parcial da primeira alínea respeita.

Incompreensivelmente defende ainda o Réu/Reconvinte:

N-Foi julgado provado na sentença, nº33, que o R. colocou a casa do lugar ..., numa empresa de mediação mobiliária – … – com vista a vendê-la.
Referiu a perícia que a casa, com as patologias de construção que mostrava, não é vendida pelo preço de mercado, caso não as tivesse.
Terá sempre o diferencial no preço, para menos, do custo necessário á reparação das patologias, que segundo a perícia é de 14.303,64 euros.

E conclui:

O A. deve ser condenado a pagar ao R. esse diferencial, que corresponde ao que receberá a menos, caso venda a casa.
Dizemos incompreensivelmente porque, para além do mais, o ora Recorrente não formulou qualquer pedido nesse sentido. É, pois, manifesta a inviabilidade desta pretensão.
O mesmo se diga quanto à pretensão exposta na conclusão O, onde o Recorrente defende que o Autor, a titulo de danos morais, deve ser condenado a indemnizar o R., pelo menos na quantia de 5.000 euros, conforme o peticionado, quando, na realidade, também nada peticionou a esse título.

Por seu turno, argumenta o Autor/Reconvindo que, mesmo perante os factos considerados provados pela primeira instância, se mostra caducado o direito do Réu/Reconvinte, já que, independentemente do considerado provado pela primeira instância, aquele não exerceu o seu direito de ação dentro dos prazos referidos nos arts 1224.º e 1225.º do CC, o que conduz à absolvição do Autor/Reconvindo do pedido reconvencional.
Acrescenta ainda que ficou por demonstrar em que data se iniciaram ou surgiram os defeitos que o Reconvinte reclama (in casu, aqueles por que o Tribunal condena), bem como quando deles teve conhecimento réu e tal alegação é elemento constitutivo do direito do dono da obra, enquanto figurante na lide na veste de autor da acção (…) não podendo o A. ser sobrecarregado com a prova da caducidade do direito daquele, porque aquele não cumpriu com um ónus anterior, pelo que, também por esta via, deve ser absolvido do pedido reconvencional.

Vejamos.

Uma vez que estamos perante um imóvel de longa duração, em causa está o regime do art. 1225º do Cód. Civil, que preceitua:

“1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
2 - A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.
3 - Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221.º”

E, segundo o nº 2 do art. 1220º do Cód. Civil, equivale à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito.
Assim, estando em causa imóveis de longa duração, o empreiteiro é responsável pelos defeitos por eles apresentados no decurso de cinco anos a contar da entrega, devendo a respetiva denúncia ser feita dentro do prazo de um ano e a correspondente ação a exigir a eliminação dos defeitos intentada no ano seguinte à denúncia.

Estão, assim, previstos dois prazos distintos para o exercício do direito em questão:

- um de um ano para a denúncia dos defeitos, a contar do descobrimento destes;
- outro de um ano, a contar dessa denúncia, para pedir a eliminação dos defeitos.

Deste modo, a denúncia dos defeitos que surjam no decurso de cinco anos após a entrega do imóvel deve ser feita no prazo de um ano a partir da sua descoberta e a ação com vista à eliminação dos defeitos deve ser proposta no prazo de um ano a contar da denúncia.
Quer isto dizer que se o dono da obra denuncia defeitos, então, o prazo para a instauração da ação passa logo a ser de um ano a contar da data da denúncia efetuada, sob pena de caducidade do direito; por outro lado, descobertos os defeitos, a denúncia deve ser feita no prazo de um ano a contar desse descobrimento, também sob pena de caducidade.
Por seu turno, o prazo de cinco anos estabelecido no art. 1225º, nº 1 do C.C. fixa o período em que o defeito da obra se deve manifestar, como acima já se referiu, e não já a data limite para o exercício dos direitos por parte do dono da obra.

Isso mesmo se frisa no Ac. da Relação do Porto de 23.02.2012, acessível em www.dgsi.pt/jstj, apoiado no Ac. S.T.J. de 24/09/2009 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Lopes do Rego), acessível no mesmo sítio, onde se escreveu: “entendemos que o nosso ordenamento jurídico autonomizou o prazo de garantia do da propositura da acção (e da denúncia dos defeitos), donde se justifica considerar que:

i) o limite temporal para o exercício dos direitos do proprietário do imóvel com defeitos, a ser actuados dentro de certo prazo, configura uma questão de caducidade;
ii) o regime estabelecido para o exercício de tais direitos implica a clara distinção de três planos, a saber: 1) o plano da garantia legal de 5 anos que é conferida ao titular do imóvel com defeitos, a contar da entrega, 2) o plano do exercício do direito potestativo à denúncia dos defeitos, com vista à obtenção da sua eliminação, a exercitar no prazo de um ano a contar do seu conhecimento e, finalmente, 3) o plano do exercício, em juízo, do direito à eliminação dos defeitos denunciados, no prazo de um ano subsequente à denúncia;
iii) desta distinção decorre que o exercício da acção não tem de decorrer necessariamente dentro dos 5 anos subsequentes à entrega do imóvel, bastando que o vício (defeito) se revele no decurso do referido prazo de garantia”.
O não cumprimento dos referidos prazos (para a denúncia e para a instauração da ação) acarreta a caducidade dos direitos conferidos ao dono da obra.
E, como se sabe, só impede a caducidade a prática do ato a que a lei ou a convenção atribua efeito impeditivo (art. 331º, n.º 1, do CC).
Importa, porém, recordar que a ultrapassagem dos prazos de caducidade constitui ónus probatório do demandado, cabendo-lhe a este provar que o direito foi exercitado para além do prazo, em conformidade com o disposto no art. 343º, nº 2, do CC.
“O dono da obra que pretende denunciar os defeitos, e, simultaneamente, exigir a sua reparação e eliminação, tem apenas de provar a existência de defeitos, cabendo ao empreiteiro a prova de que tal exercício não foi feito no prazo estabelecido por lei ou acordado pelas partes se exceder aquele.” (Acórdão da Relação de Coimbra de 17.12.2014 – Anabela Luna de Carvalho).
Nesse sentido, os Acórdãos do STJ, de 26-10-2010, Pr. 571/2002.P1.S1, (Relator: Urbano Dias) e de 15-11-2012, Pr:25106/10.4T2SNT.L1.S1 (Relator: Granja da Fonseca), citados no referido acórdão e ainda Acórdão desta Relação de 14.02.2019, Relator – Alcides Rodrigues.
Daí que, a nosso ver, no presente caso, independentemente da prova da verificação de quaisquer circunstâncias impeditivas da caducidade, nunca se poderia ter por verificada a invocada exceção.
Na verdade, o que para o aludido efeito o Autor/Reconvindo alegou foi apenas nunca ter o Reconvinte denunciado qualquer defeito, não tendo sequer alegado a data da entrega da obra, entendida esta como “uma entrega com a obra terminada, sem qualquer necessidade, previsível, de efetuar qualquer trabalho no âmbito da mesma empreitada” (Acórdão da Relação de Coimbra de 17.12.2014 – Anabela Luna de Carvalho e Acórdãos desta Relação de 14.02.2019, Relator – Alcides Rodrigues, e de 28.11.2019, elaborado pela ora Relatora), momento essencial para se proceder ao cálculo dos prazos legalmente fixados, nem tendo alegado seja o que for quanto à data do conhecimento pelo Reconvinte dos invocados defeitos (facto cuja alegação e prova só seria prescindível se tivesse vingado a versão do Reconvindo quanto à ausência de denúncia de defeitos), o que sempre impediria uma conclusão no sentido de ter sido ultrapassado o prazo de denúncia dos mesmos (ao que acresce ter-se provado que, ao invés do pelo Reconvindo defendido, o Reconvinte procedeu à efetiva denúncia daqueles).
Assim sendo, não assiste qualquer razão ao referido Recorrente quando defende que ficou por demonstrar em que data se iniciaram ou surgiram os defeitos que o Reconvinte reclama (in casu, aqueles por que o Tribunal condena), bem como quando deles teve conhecimento réu e tal alegação é elemento constitutivo do direito do dono da obra, enquanto figurante na lide na veste de autor da acção.
Mas ainda que assim não fosse de considerar e eventualmente fosse de concluir pela aparente ultrapassagem de algum dos aludidos prazos de caducidade, sempre haveria que julgar improcedente tal exceção, por força do disposto no art. 331º, nº 2, do Cód. Civil, segundo o qual, no caso de direitos disponíveis e estando fixado, por disposição legal, um prazo de caducidade, o reconhecimento (expresso ou tácito, desde que nesta última eventualidade decorra de factos que inequivocamente o exprimam) do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido é impeditivo da caducidade.

Senão vejamos.

Como se recorda no Acórdão do STJ de 09.07.2015 (Relator – Paulo Sá), citando Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, Coimbra, 4.ª ed, p. 92, “podem ocorrer dois tipos de reconhecimento pelo empreiteiro da existência de defeitos na obra: um, que é o mais vulgar e que se analisa num mero «acto demonstrativo da percepção dos defeitos da obra», e outro, muito menos vulgar, que é o da «assunção da responsabilidade pela verificação desses defeitos»”, sendo que no art.º 1220.º/2 é ao primeiro dos sentidos que o legislador se refere, fazendo-o equivaler à denúncia dos defeitos, e “apenas liberta o dono da obra de efectuar a denúncia dos defeitos, mantendo-se a obrigatoriedade do exercício dos respectivos direitos dentro dos prazos referidos nos arts 1224.º e 1225.º CC»”.

Na verdade, como se exemplifica no Acórdão desta Relação de Guimarães de 23.06.2016 (Relator - João Diogo Rodrigues), o empreiteiro pode constatar uma desconformidade na obra, mas negar a sua responsabilidade na ocorrência da mesma.

Nesse caso, o reconhecimento do defeito, em princípio, só desonera o dono de obra, da denúncia mas não da propositura atempada da ação de responsabilização do empreiteiro tendente à afirmação dos já referidos direitos.

Ao segundo tipo de reconhecimento, que – prossegue o aludido acórdão do STJ – “é o da «assunção da responsabilidade pela verificação desses defeitos», há que atribuir efeitos muito mais extensos, pois que este, quando feito de forma inequívoca pelo empreiteiro – e ainda que este não pratique os actos equivalentes à realização do direito, por exemplo, eliminando os defeitos ou entregando obra nova – não apenas liberta o dono da obra de proceder à denúncia dos defeitos – quando, porventura, o não houvesse ainda feito – como o liberta do respeito pelo prazo de propositura da acção para fazer valer os seus direitos”.

Isto porque, “perante um reconhecimento inequívoco, ainda que, porventura, não seguido de uma realização equivalente, “não há razão nenhuma para manter a protecção a uma situação de incerteza que já não se verifica pelo reconhecimento efectuado”.

Assim, conclui, “este outro mais extenso acto de reconhecimento «não determina a contagem de novo prazo de caducidade, passando o exercício desse direito a estar sujeito apenas ao prazo de prescrição ordinário».

Em apoio desta posição invoca ainda PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, Coimbra Editora, Coimbra, em anotação ao art 331º, VAZ SERRA, “Prescrição e Caducidade”, BMJ n.º 118, e RLJ Ano 107.º n.º 3515, p 20 e ss.

Como argumentava este último autor, “se o direito é reconhecido pelo beneficiário da caducidade, não faria sentido que se compelisse o titular a pedir o reconhecimento judicial do mesmo direito ou a praticar, no prazo legal, qualquer outro acto sujeito a caducidade […]. O reconhecimento impeditivo da caducidade, ao contrário do interruptivo da prescrição, não tem como efeito abrir-se um novo prazo de caducidade: reconhecido o direito, a caducidade fica definitivamente impedida, tal como se tratasse do exercício da acção judicial. Pois, com efeito, se o direito é reconhecido, fica definitivamente assente e não há já que falar em caducidade […] O reconhecimento impede a caducidade de um direito disponível porque, feito ele, seria violento e absurdo que o titular do direito tivesse, não obstante o reconhecimento do seu direito, de praticar o acto sujeito a caducidade. Assim, tratando-se de prazo de caducidade do direito de propor uma acção judicial, não seria razoável que o titular desse direito tivesse de propor a acção no prazo legal apesar de a parte contrária haver já reconhecido o direito”.

E, como no citado acórdão se acentua, “tem sido decidido de forma quase uniforme pelo Supremo Tribunal de Justiça, e de que é exemplo o acórdão deste alto Tribunal de 8 de Março de 2008, em www.dgsi.pt, a “(...) proposta de reparação traduz inequivocamente o reconhecimento, por parte da ré/construtora, da existência dos defeitos que se propôs eliminar”.

No caso, para o que à apreciação do presente recurso releva, sabe-se que:

O Réu comunicou verbalmente ao Autor a existência dos problemas descritos no facto provado número 18 - a casa sita no lugar ..., construída no prédio identificado no facto provado número 3, padece de infiltrações de humidade provenientes da varanda exterior nas paredes viradas a sul e a poente da sala do r/c até à altura de 1 metro, e no teto da garagem da cave – e o Autor mostrou-se disponível para corrigir os problemas resultantes dos trabalhos que efetuou no aludido prédio do Réu.
Assim sendo, na hipótese que nos ocupa, mais do que limitar-se a constatar a existência dos referidos problemas, o Autor/Reconvindo tomou uma postura de um reconhecimento inequívoco da sua responsabilidade no surgimento daqueles problemas, pelo que, independentemente de se lhe ter seguido ou não uma atuação no sentido da correção dos mesmos, pode dizer-se que houve da parte daquele uma “assunção da responsabilidade pela verificação desses defeitos”, pelo que, como tem sido jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Ac. do S.T.J. de 8.3.2007, proc. 372/07 – 7ª secção (Alberto Sobrinho), Ac. do S.T.J. de 9.12.2008,proc. n.º 3507/08 – 1ª secção (Moreira Alves) Ac. do S.T.J. de 19.3.2009, proc. 09A0334 (Fonseca Ramos), Ac. do S.T.J. de 28.4.2009, proc.s n.º 3604/08 e 08B3604 – 7ª secção (Maria dos Prazeres Beleza), Ac. do S.T.J. de 14.5.2009, n.º 1905/04.5TBGDM.S1. – 6ª secção (Sousa Leite), citados no referido acórdão do STJ), no caso, “para além de um tal reconhecimento equivaler à denúncia (artigo 1220.º/2 do Código Civil), ele tem um efeito impeditivo do decurso de um prazo de caducidade para a instauração da acção destinada a exigir, após a denúncia, a eliminação dos defeitos”.
Com efeito, como se frisa no já citado acórdão desta Relação de 23.06.2016, “este reconhecimento (…) não tem de ter exactamente o mesmo valor do acto que deveria ser praticado em seu lugar, como defende alguma doutrina, que assume nesta matéria uma interpretação absolutamente restritiva do aludido preceito; designadamente, quando se trate de uma ação judicial a intentar, exigindo que esse reconhecimento equivalha aos exatos termos da sentença que naquela deva ser proferida. Se assim fosse, como refere Pedro Romano Martinez, “as situações de impedimento da caducidade seriam diminutas; verificar-se-iam, por exemplo, para dispensar a denúncia, como expressamente dispõe o art.º 1220.º, n.º 2.
Mas mais importante que a questão literal é o facto de aquela interpretação restritiva levar a aceitar como válidas situações de manifesto abuso de direito”, pelo que “dever-se-á admitir que o reconhecimento do defeito, com promessas de solucionar o diferendo, constitui um impedimento da caducidade, pois não está em contradição com a letra do n.º 2 do art.º 331º, e permite evitar que se considerem válidas situações violadoras do princípio da boa fé, designadamente da regra do venire contra factum proprium”.
Nenhuma razão assiste, pois, ao Recorrente quando diz que, mesmo tendo havido o reconhecimento que houve, se mantém a obrigatoriedade do exercício dos respetivos e demais direitos, incluído o direito de acção, dentro dos prazos referidos nos arts 1224.º e 1225.º CC, o que o réu reconvinte não respeitou, pelo que, também terá, por esta via, de ser o A. absolvido do pedido reconvencional.

Improcedem, pois, as duas apelações em causa.

Sumário:

I - A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, enquanto a indicação do exato sentido decisório que decorreria da correta apreciação dos meios de prova em causa tem a sua relevância ligada à necessidade de ser claramente mostrado onde está o invocado erro de julgamento, constituindo, no seu conjunto, tais formalidades “uma garantia fundamental para o exercício de um contraditório esclarecido por banda da contraparte e para manter o julgador numa posição de imparcialidade ante a delimitação do objeto do recurso, que impende sobre o recorrente”, só assim se podendo “lograr obter uma tutela jurisdicional efetiva dos direitos em causa”;
II – Quando não se deteta nenhuma contradição lógica, nenhum erro de raciocínio entre a decisão e os motivos expostos pelo julgador, sucedendo apenas que, perante a prova produzida, o julgador retirou conclusões distintas das referidas pelo recorrente, ou seja, interpretou e valorou a prova de modo que aquele não reconhece como o adequado, e, face aos factos assentes, decidiu em termos com os quais o mesmo também não concorda, não está em causa qualquer oposição entre as decisões de facto e de direito e os respetivos fundamentos, inexistindo, pois, a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, c), do CPC;
III – Desde que o autor tenha alegado na petição o núcleo essencial, caracterizador da causa de pedir, é perfeitamente possível que sejam ainda processualmente adquiridos, durante o processo, factos complementares ou concretizadores daquele núcleo essencial, factos, esses, que poderão servir legitimamente de suporte, por força do art. 5º, nº 2, b), do CPC, a uma decisão de procedência da ação;
IV – Em tais casos, para garantir o direito de defesa da contraparte necessário se torna que o Tribunal evidencie a relevância dos factos concretizadores, mas essa relevância pode ser eficazmente evidenciada de modo implícito, tal sucedendo quando as partes, embora não expressamente notificadas para se pronunciarem, virem o seu direito plenamente garantido pela estrutura contraditória da audiência final;
V - Sendo, por via de regra, bastante difícil a prova das causas do defeito por parte do dono da obra, e, diversamente, tendo o empreiteiro, “pela estreita relação que manteve com a coisa”, mais facilidade de provar que o defeito é estranho à realização da obra, “não é aceitável exigir que sobre o credor impenda o ónus de provar as causas do defeito”, devendo, pelo contrário, considerar-se, para efeito do aludido ónus, a causa do defeito como estranha à prestação do empreiteiro, como um facto extintivo do direito invocado, não fazendo, por isso, sentido exigir que o dono da obra concretize, no pedido formulado, as obras necessárias à reparação da origem do vício quando não está sequer obrigado a demonstrar a dita origem, podendo, por isso, deduzir um pedido genérico de reparação ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 citado art. 556º do CPC;
VI – Se o autor formulou um pedido genérico dizendo expressamente que pretendia que o seu quantum fosse relegado para liquidação ulterior, tem o tribunal, por desconhecer os concretos limites da pretensão daquele, de efetivamente remeter para posterior liquidação o valor de tal pedido, não podendo “liquidar oficiosamente um “quantum” que a parte entendeu dever ser diferido para a fase de ulterior de liquidação”, pelo que, ao proceder a uma condenação líquida, o tribunal está a condenar “em quantidade superior e em objeto diverso do que foi pedido”;
VII – Todavia, podendo verificar-se, ainda que indiretamente, por via de pedido de indemnização subsidiariamente formulado, qual o limite quantitativo de pedido genérico de reparação in natura e sabendo-se que em concreto, segundo o apurado e não impugnado por nenhuma das partes, em termos quantitativos, a condenação é de valor inferior àquele, forçoso é considerar não ter a condenação ultrapassado os limites do pedido, do mesmo modo se devendo considerar que não houve condenação em objeto diverso se o incluído na condenação não tem por conteúdo senão, como é o caso, factos concretizadores das, em parte, genericamente peticionadas obras para reparação in natura dos defeitos alegados, sendo, aliás, de todo contrário aos princípios da economia processual e da celeridade que presidem ao direito processual a duplicação de tarefas implicada num formal incidente de liquidação ulterior à sentença para efeito de obtenção de um resultado que, como é o caso, na prática, já foi alcançado no processo declarativo;
VIII – A impugnação da matéria de facto apenas pode e deve visar pontos de facto relevantes para a reapreciação das decisões de direito abrangidas pelo recurso interposto: de contrário, extravasando o objeto do recurso, será inócua, dela não se devendo, pois, conhecer;
IX - O dono da obra que pretende denunciar os defeitos, e, simultaneamente, exigir a sua reparação e eliminação, tem apenas de provar a existência daqueles, cabendo ao empreiteiro a prova de que tal exercício não foi feito no prazo estabelecido por lei ou acordado pelas partes se exceder aquele;
X - Quando, mais do que limitar-se a constatar a existência dos problemas, o dono da obra toma uma postura de um reconhecimento inequívoco da sua responsabilidade no surgimento daqueles problemas, independentemente de se lhe ter seguido ou não uma atuação no sentido da correção dos mesmos, pode dizer-se que houve da parte daquele uma “assunção da responsabilidade pela verificação desses defeitos”, pelo que, para além de um tal reconhecimento equivaler à denúncia (artigo 1220.º/2 do Código Civil), ele tem um efeito impeditivo do decurso de um prazo de caducidade para a instauração da ação destinada a exigir, após a denúncia, a eliminação dos defeitos.

V. DECISÃO:

Pelo exposto, julgam-se totalmente improcedentes as apelações de Autor e Réu, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas de cada uma das apelações pelo respetivo apelante.
Guimarães, 16.01.2020

Margarida Sousa
Afonso Cabral Andrade
Alcides Rodrigues