Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA AMÁLIA SANTOS | ||
Descritores: | SEGURO DE VIDA CLÁUSULAS DEVER DE INFORMAR | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/12/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I – Existe, no contrato de seguro, na modalidade de seguro de vida, um verdadeiro dever de informar o tomador do seguro, por parte da seguradora, das cláusulas de exclusão da cobertura do seguro, nos termos do artigo 6º do Decreto-Lei 446/85, de 25/10, dos artºs 18º a 23º do DL nº 72/2008, de 16.04 (LCS), assim como do Decreto-Lei nº 222/2009, de 11/09. II – O não cumprimento desse dever, relativamente a uma cláusula de exclusão da cobertura do seguro, relacionada com uma das causas da morte do segurado (por cirrose hepática), determina a invalidade de tal cláusula e a sua exclusão do contrato. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relatora: Maria Amália Santos 1ª Adjunta: Desembargadora Ana Cristina Duarte 2º Adjunto: Desembargador Francisco Xavier * Vieram Sílvia M e Sara A, na qualidade de únicas e universais herdeiras de António J, falecido, pedir a condenação da Ré "S Seguros - Companhia de Seguros de Vida, S.A": - a pagar à primeira Autora a quantia de € 6.383,90, relativa às prestações pagas por esta desde o óbito de António J ao "Banco S, S.A" para amortização do "empréstimo n.º 31003000491073750", acrescida de juros vencidos até 01.11.2014 que ascendem a € 222,17, e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento, calculados sobre o capital e à taxa legal; - a pagar à primeira Autora a quantia respeitante às prestações que a este venham a ser cobradas no decurso da presente acção pelo "Banco S, S.A" do "empréstimo n.º 31003000491073750", valor acrescido de juros, à taxa legal, desde a data de cada cobrança até efectivo pagamento; - a pagar ao "Banco S, S.A" o valor a indicar por este, correspondente ao saldo em dívida à data do trânsito em julgado da presente sentença referente ao contrato denominado "empréstimo n.º 31003000491073750"; - a pagar às Autoras, na proporção dos respectivos quinhões hereditários e observada a meação do cônjuge falecido, a quantia de € 4.920,72, correspondente ao remanescente ao capital em dívida à data do óbito de António J, 21.02.2013, acrescida dos respectivos juros, calculados à taxa legal desde essa data até efectivo pagamento, ascendendo a € 333,26 na data da propositura da acção. * Alegaram para o efeito que a Autora e o falecido marido António J, pai da 2ª Autora, de quem as Autoras são únicas e universais herdeiras, contraíram um empréstimo no montante de € 90.000,00 junto do "Banco S, S.A" para aquisição de prédio urbano, tendo celebrado com a Ré contrato de seguro do ramo vida, com as coberturas de morte e de invalidez permanente, tendo como beneficiário o B.S.T. para garantia do capital e juros em dívida do referido empréstimo. António J morreu a 21.02.2013, vítima de doença. Participado o óbito à Ré, esta não assumiu a responsabilidade pelo pagamento do montante do empréstimo, alegando que a doença que vitimou o falecido resultou do consumo de bebidas alcoólicas ou de outro tipo de drogas ou medicamentos não prescritos pelo médico, o que as Autoras mantêm ser falso. Ainda que a doença letal tivesse sido causada pelo consumo de bebidas alcoólicas, nunca foi explicado à Autora ou ao falecido que tal facto, nos termos das cláusulas de adesão do contrato de seguro, excluía a responsabilidade civil da Ré. * Contestou a Ré, admitindo a celebração do contrato de seguro e a participação do falecimento do segurado António J. Excepcionou que a causa da morte foi cirrose hepática que conduziu à hemorragia digestiva por ruptura das varizes esofágicas e úlcera, o que tem origem no consumo excessivo de álcool, circunstância que, de acordo com o ponto 1.7.1.3 das condições especiais da apólice, exclui o sinistro da cobertura do seguro. Impugnou a alegada falta de comunicação da cláusula contratual em apreço, sustentando que foi devidamente explicada à Autora e falecido marido por ocasião da celebração do contrato. * Tramitados regularmente os autos, foi proferida a seguinte decisão: A - Julgo parcialmente procedente o pedido formulado pelas Autoras (…), condenando a Ré: i. a pagar ao "Banco S, S.A" o valor a indicar por este, correspondente a metade do saldo em dívida à data do trânsito em julgado da presente sentença, referente ao contrato denominado "empréstimo n.º 31003000491073750"; ii. a pagar à lª Autora metade do valor das prestações (capital e juros contratuais) por esta pagas ao "Banco S, S.A" para amortização do "empréstimo n.º 31003000491073750", desde 21.02.2013 até ao cumprimento pela Ré do determinado no anterior parágrafo, acrescida de juros vencidos e vincendos, contados à taxa legal, desde a data do pagamento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento; iii. a pagar às Autoras, na proporção dos respectivos quinhões hereditários e observada a meação do cônjuge falecido, a quantia de € 2.460,36 (dois mil, quatrocentos e sessenta euros e trinta e seis cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal desde 21.02.2013 até efectivo e integral pagamento. B. Julgo improcedente a parte restante do pedido, do qual se absolve a Ré. * Não se conformando com a decisão proferida, vieram as AA dela interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões: 1. Com o presente recurso pretendem as recorrentes ver reapreciadas as seguintes questões: a) Alteração da matéria de facto: ponto 4 dos factos provados; b) A invalidade da cláusula de exclusão excecionada pela ré por violação dos deveres de comunicação, informação e esclarecimento. DA MATÉRIA DE FACTO: 2. O ponto 4 dos factos provados da sentença recorrida deveria ter a seguinte redação: 4. A Autora e o seu falecido marido não intervieram na elaboração, limitando-se a aderir ao clausulado de que lhes foi entregue cópia sem interferir participar ou discutir na conformação do conteúdo das condições especiais e gerais anexas do contrato referido no facto provado número 3. 3. Assim, não deveria ter sido considerado como provado que: a) Do contrato de seguro celebrado entre a autora e o seu falecido marido fazia parte a cláusula de exclusão 1.7.1.3; b) Que foi entregue à autora e ao marido uma cópia das cláusulas especiais e gerais. 4. Na ausência de qualquer outra prova sobre a matéria - designadamente testemunhal - impõe a alteração da matéria de facto (com base n)os documentos juntos aos autos de fls. 75 a 81 e de fls. 232 a 255, principalmente se confrontados um com o outro. 5. Não resulta da prova produzida que as cláusulas que constam de fls. 232 a 255 são as que foram acordadas no momento da celebração do contrato de seguro pois, enquanto que o documento de fls. 75 a 81 está assinado e rubricado pela autora e pelo falecido marido, no documento de fls. 232 a 255 não consta qualquer assinatura ou rubrica. Estranhamente, não foram juntas as páginas 1 a 7 e 15 a 38 do documento de fls. 75 a 78 onde, segundo a ré, constava informação pré-contratual e as cláusulas especiais e gerais. 6. As páginas 8 a 14 do documento junto a fls. 75 são diferentes das páginas 8 a 14 do documento junto a fls. 232, sendo certo que, neste documento, aparece aposta data (10.06.2010) posterior ao início da vigência do contrato (08.06.2010). Assim, este documento foi elaborado depois da celebração do contrato de seguro, pelo que, do mesmo não resulta, sem mais, que estas fossem as cláusulas efetivamente acordadas pelas partes. 7. O M. Juiz "a quo" concluiu que foi entregue uma cópia do clausulado à autora e ao marido apenas porque existe uma cláusula, inserta no documento de fls. 80, com esse teor. No entanto, porque também esta é uma cláusula contratual geral, para ser válida teria o réu de provar que comunicou e informou a autora e o marido que estavam a declarar que lhes tinha sido entregue uma cópia, não apenas do documento que estavam a assinar, mas também de outro documento que continha as condições gerais e especiais do contrato. 8. Acresce que a declaração de fls. 80 está inserida depois das assinaturas o que implica a exclusão da assinatura nos termos da al. d), do n.º 1, do artº 8.º do Dec. Lei 446/85. 9. Por outro lado, esta é uma cláusula de confirmação que é absolutamente proibida nos termos da alo e), do artº 21.º do mesmo diploma. DA INVALIDADE DA CLÁUSULA DE EXCLUSÃO: 10. Nos autos, no que respeita ao cumprimento dos deveres de comunicação e informação, apenas foi provado que foi entregue uma cópia do clausulado à autora e ao se falecido marido. 11. A ré não logrou provar que o conteúdo das cláusulas de exclusão, designadamente da cláusula 1.7.1.3 tenha sido lido ou explicado à autora e ao seu marido. 12. No entanto, o M. Juiz "a quo" entendeu que só existe dever de esclarecimento relativamente às cláusulas de exclusão quando é efetuado um pedido expresso nesse sentido pelo aderente. Como a autora não logrou provar qualquer solicitação de esclarecimento, os deveres de comunicação e de informação consideram-se cumpridos com a entrega de cópia das condições gerais e especiais. 13. A posição do M. Juiz "a quo” é, desde logo, expressamente contrariada pelo n.º 2 do artº 22.º do Dec. Lei n.º 72/2008, de 16/04, nos termos do qual, antes da celebração do contrato, cabe ao segurador “não só responder a todos os pedidos de esclarecimento efetuados pelo tomador do seguro, como chamar a atenção deste para o âmbito da cobertura proposta, nomeadamente exclusões (..).» 14. O artº 5.º do Dec. Lei n.º 446/85 impõe um dever de comunicação que não está condicionado a qualquer pedido do aderente para o efeito. No artº 6.º do mesmo diploma, depois de se impor ao contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais, o dever de informar, o n.º 2 prescreve que «deve ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados». Significa que o legislador, de forma inequívoca, impõe um dever de informação espontâneo a que acresce "ainda" o dever de esclarecimento quando solicitado. 15. Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 02-12-2013, processo n.º 306/1O.0TCGMR.G1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt «Nos casos em que não se verifica qualquer esclarecimento verbal que assinale o conteúdo e os efeitos da cláusula litigiosa (...), não estão cumpridos os deveres de comunicação e de informação.» (...) « .... cabendo às empresas utilizadoras deste tipo de contratação esclarecer os aderentes dos vários limites introduzidos à cobertura e provar, quando demandadas em tribunal, que efetivamente cumpriram os deveres de comunicacão e informacão.»(. .. ) «A comunicação deve abranger a totalidade das cláusulas e ser feita de modo adequado e pessoal (. .. [», 16. Assim, a entrega de um duplicado do clausulado, sem mais, não é suficiente para se considerarem cumpridos os deveres de informação e comunicação. 17. SEM PRESCINDIR, mesmo que se considere que bastava a entrega de duplicado para o cumprimento de tais deveres, a ausência da prova do momento em que tal aconteceu (antes, durante ou após a adesão ao contrato), impede a ponderação do requisito da antecedência necessária ao conhecimento efetivo e completo do clausulado - cfr. art.? 5.º, n.º 2 do Dec. Lei 446/85. 18. Pelo exposto, tendo em conta a violação dos deveres de comunicação e informação, mesmo que se considere que a ré entregou cópia do clausulado, são as respetivas cláusulas de exclusão inválidas e inoponíveis às autoras. 19. A sentença recorrida fez uma errada aplicação do disposto nos art.ºs 5.º, 6.º, 8.º e 21.º, al. e) do Dec. Lei n.º 446/85, de 25/10, art.ºs 18.º, 19.º 21.º e 22.º, do Dec. Lei 72/2008, de 16.04 e, art.? 2, n.º 2, do Dec. Lei n.º 222/2009, de 11/09. Pedem, a final, que seja revogada a sentença recorrida e substituída por decisão que julgue a ação inteiramente procedente. * Pelo recorrido foram apresentadas contra-alegações nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida. * Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações das recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são: - a de saber se deve ser alterada a matéria de facto, nos termos pretendidos pelas recorrentes, com a consequente alteração da decisão, em conformidade; - se mesmo com a matéria de facto dada como provada, deveria ser julgada totalmente procedente a acção. * Foram dados como provados na 1ª Instância, os seguintes factos: 1. Por escritura pública outorgada a 08.06.2010, no Cartório da Notária Maria O, sito em Guimarães, Marco A e mulher, Luzia M declararam vender a António J e mulher, Sílvia M, pelo preço já recebido de € 115.000,00, e estes declararam aceitar, o prédio urbano composto de casa de cave, rés-do-chão, andar e logradouro, sito no lugar de Novais, lote n.º n, freguesia de Prazins (Santo Tirso), do concelho de Guimarães, descrito na Ia Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n. ° *** - Prazins (Santo Tirso) (cfr. escritura pública junta de fls. 20 a 21 dos autos); 2. Por escrito particular intitulado "mútuo com hipoteca e fiança" datado de 08.06.2010, com as assinaturas autenticadas de Sílvia M e marido, António J, na qualidade de primeiros outorgantes, e por Humberto J em representação do "Banco S, S.A.", na qualidade de segundo outorgante, este declarou conceder àqueles, que se confessaram devedores, um empréstimo no montante de € 90.000,00, pelo prazo de 384 meses, nas condições constantes das cláusulas do documento anexo I, junto de fls. 26 a 34 dos presentes autos, e os primeiros constituíram a favor do segundo, que a aceitou, hipoteca sobre o prédio referido no facto provado número 1 (cfr. documento particular autenticado, junto de fls. 22 a 37 dos autos); 3. Entre a Ré, como seguradora, e a Autora e marido António J, como segurados, foi celebrado o contrato de seguro de vida titulado pela apólice n.º 15.379932, tendo como coberturas a morte e a invalidez total e permanente, e por beneficiário o "Banco S, S.A.", associado ao contrato de crédito à habitação n." 31003000491073750, conforme proposta em que figura como entidade distribuidora o "Banco S " e como entidade responsável pelas coberturas e garantias a "Santander T", junta de fls. 75 a 81 dos autos; 4. A Autora e o seu falecido marido não intervieram na elaboração, limitando-se a aderir ao clausulado, de que lhes foi entregue cópia, sem interferir, participar ou discutir, na conformação do conteúdo das condições especiais - entre estas, a descrita sob o ponto 1.7.1.3 das condições especiais da cobertura principal de morte, nos termos da qual (...) a Seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras, caso o falecimento da pessoa segura seja devido a: (...) Doenças ou acidentes que sobrevenham em resultado do consumo de bebidas alcoólicas ou de consumo de qualquer tipo de drogas e/ou medicamentos não prescritos pelo médico - e gerais anexas do contrato referido no facto provado número 3, juntas de fls. 232 a 255 dos autos (artigos 31 ° a 33° da p.i. e 20° da contestação); 5. António J morreu no dia 21 de Fevereiro de 2013, no estado civil de casado com Sílvia M (certidão de assento de óbito junta a fls. 39 dos autos); 6. Por escritura pública de habilitação de herdeiros outorgada a 15.03.2013 no Cartório do Notário Carlos M, em Guimarães, as Autoras Sílvia M e Sara A foram habilitadas únicas e universais herdeiras na sucessão aberta por óbito de António J (escritura pública junta a fls. 40 e ss.); 7. O marido da Autora era um consumidor excessivo de bebidas alcoólicas (artigos 16° e 21 ° da contestação); 8. Foi elaborado pelo "Centro Hospitalar Universitário V", onde António da Silva Ribeiro esteve internado de 15.02.2013 a 21.02.2013, data em que faleceu, o relatório datado de 27.02.2013, referente à sua situação clínica, junto a fls. 44 e traduzido a fls. 45 dos autos; 9. No momento da sua morte, António J padecia de cirrose hepática que teve origem em alcoolismo crónico pelo consumo descrito no facto provado número 7 e em hepatite B crónica que contraiu (artigos 24°, 26°, 27° e 28° da p.i. e 16°, 17°, 18° e 19° da contestação); 10. A hemorragia digestiva alta por ruptura de varizes esofágicas fase III que constituiu a causa imediata da morte de António J, e a úlcera do cárdia Forrest I1b de que padecia, foram provocadas pela cirrose hepática referida no número anterior (artigos 24°, 26°, 27° e 28° da p.i. e 16°, 17°, 18° e 19° da contestação); 11. À data do óbito referido no facto provado número 5, a Autora e o falecido marido tinham amortizado a quantia de € 4.920,72 do empréstimo referido no facto provado número 2 (artigo 40° da p.i.); 12. À data do óbito referido no facto provado número 5, a Autora e o falecido marido tinham para com o "Banco S", por conta do contrato de empréstimo referido no facto provado número 2, um saldo devedor de capital de € 85.079,28 (artigo 41 ° da p.i.); 13. Desde o falecimento do seu marido até 15.10.2015, a Autora pagou ao "Banco S", em cumprimento do referido contrato de empréstimo, o valor de € 6.383,76 (artigos 42° e 43° da p.i.); 14. A Ré enviou à Autora as cartas, datadas de 20.03.2013, 18.07.2013 e 13.08.2013, reproduzidas por documentos juntos de fls. 82 a 84. * E foram dados como Não Provados os seguintes: 1. A Autora e o seu falecido marido não interferiram, participaram ou discutiram, o conteúdo das condições particulares do contrato referido no facto provado número 3 (artigos 32° e 33° da p.i.); 2. Quando da celebração do contrato referido no facto provado número 3, não foi comunicado ou explicado à F Autora e ao marido António J, o teor das cláusulas de exclusão da responsabilidade da Ré, nomeadamente em caso de morte provocada pela ingestão excessiva de bebidas alcoólicas (artigo 34° da p.i.); 3. O conteúdo das cláusulas de exclusão da responsabilidade da Ré, nomeadamente em caso de morte provocada pela ingestão excessiva de bebidas alcoólicas, foi lido ou explicado à F Autora e a António J, quando da celebração do contrato referido no facto provado número 3 (artigo 34° da contestação); 4. António J era um consumidor moderado de bebidas alcoólicas (artigo 25° da p.i.); 5. António J padecia, à data da sua morte, de hemocromatose (artigo 26° da p.i.); 6. A doença que vitimou António J não resultou do consumo excessivo de bebidas alcoólicas (artigo 28° da p.i.). * Da impugnação da matéria de facto: Consideram as recorrentes que o ponto 4 dos factos provados deveria ter uma redação diferente da que lhe foi dada na sentença recorrida, uma vez que a ré não fez prova que do contrato celebrado com a autora e o seu falecido marido constasse a cláusula 1.7.1.3 e, muito menos, que foi entregue cópia aos contraentes do clausulado junto a fls. 232 a 255. Mas sem razão. Consta do ponto 4 da matéria de facto provada que “A Autora e o seu falecido marido não intervieram na elaboração, limitando-se a aderir ao clausulado de que lhes foi entregue cópia sem interferir, participar ou discutir na conformação do conteúdo das condições especiais - entre estas a descrita sob o ponto 1.7.1.3 das condições especiais da cobertura principal de morte nos termos da qual a Seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras caso o falecimento da pessoa segura seja devido a: (…) Doenças ou acidentes que sobrevenham em resultado do consumo de bebidas alcoólicas ou de consumo de qualquer tipo de drogas e/ou medicamentos não prescritos pelo médico - e gerais anexas do contrato referido no facto provado número 3. juntas de fls. 232 a 255 dos autos” Justificou o tribunal a sua convicção, para dar como provado aquele facto, do seguinte modo: “No que se refere ao facto provado número 4 - referente à conformação do teor do clausulado especial e geral da apólice do contrato de seguro - teve-se presente o conteúdo do documento junto pela Ré de fls. 232 a 255 dos autos, constituído pela reprodução das condições gerais e das condições especiais vigentes do contrato, das quais resulta que se trata de um impresso pré-formado, tipificado, aplicável a um universo amplo de aderentes sem alteração da redacção…”. E acrescenta, mais à frente: “Atento o teor da declaração impressa constante de fls. 80 dos autos, numa das folhas integrantes da proposta do contrato, com o teor "As pessoas seguras/Tomador subscrevem o presente Contrato e declaram: (...) Que lhes foi entregue as Condições Gerais e Especiais do seguro de Vida Crédito à Habitação que constitui parte integrante desta Proposta de seguro que subscrevem. Com a entrega das Condições Gerais e Especiais foram prestadas todas as informações e os esclarecimentos solicitados sobre o teor das cláusulas do contrato de seguro a que pretendem aderir..., reputou-se provado que foi entregue às pessoas seguras - Autora e António Ribeiro - cópia das cláusulas contratuais especiais e gerais do contrato…”. E nenhum reparo temos a fazer à decisão proferida sobre a matéria de facto impugnada, atentos os documentos analisados e que serviram para formar a convicção do tribunal. Trata-se de documentos pré-elaborados, de carácter uniforme, aplicável a todos os contratos de seguro, e destinados a um universo não determinado de contraentes – revestidos, portanto, das caraterísticas das cláusulas contratuais gerais -, não se vendo razão alguma para que a seguradora retirasse do seu texto uma determinada cláusula, “a priori”, precisamente aquela que veio a ser invocada nos autos. E o mesmo se passa com a não entrega da cópia do clausulado aos contraentes, no momento da feitura do contrato, quer atenta a declaração por eles assinada a fls. 80 – onde consta expressamente que a receberam -, quer por se mostrar pouco razoável que os próprios contraentes aceitassem não receber uma cópia do contrato celebrado. Conclui-se do exposto que a matéria de facto não merece ser alterada, sendo com base nela que se irá apreciar a outra questão colocada, a da validade da cláusula 1.7.1.3 das condições especiais, à luz da restante matéria de facto provada. * Não se coloca em causa nos autos que estejamos perante um contrato de seguro válido, na modalidade de seguro de vida, celebrado entre as partes. E foi no âmbito desse contrato de seguro que vieram as Autoras pedir a condenação da Ré "S Seguros - Companhia de Seguros de Vida, S.A.", a pagar-lhes, assim como ao "Banco S, S.A." – com reflexo na dívida que têm para com aquele banco -, montantes respeitantes ao contrato de empréstimo segurado pela ré, em cumprimento do acordado e clausulado. Ficou efetivamente provado que entre a Autora Sílvia M e o então marido António J, como pessoas seguras, e a Ré "S Seguros" foi celebrado o contrato de seguro de vida titulado pela apólice nº 15.379932, tendo como coberturas a morte e a invalidez total e permanente, e por beneficiário o "Banco S, S.A.", associado ao contrato de crédito à habitação nº 31003000491073750, conforme proposta subscrita e junta a fls. 75 a 81 dos autos. Como decorre das considerações tecidas na sentença recorrida, às quais aderimos, “o contrato de seguro é aquele pelo qual uma pessoa transfere para outra o risco da eventual verificação de um dano (sinistro), na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento de uma remuneração (prémio). Trata-se de um contrato aleatório por via do qual uma das partes (seguradora) se obriga, mediante o recebimento de um prémio, a suportar um risco, liquidando o sinistro que venha a ocorrer (Pedro Romano Martinez, in "Direito dos Seguros", Principia, pág. 51). Também na jurisprudência, o contrato de seguro vem sendo definido como aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante o pagamento por outra de determinado prémio, a indemnizá-la ou a terceiro pelos prejuízos decorrentes da verificação de certo evento de risco (cfr. Ac. do STJ de 17.11.2005, in CJ STJ, XXX, 3°, pág. 120). Trata-se portanto da modalidade contratual pela qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto (assim também, José Vasques, Contrato de Seguro, Coimbra, 1999, pág. 94). A sua característica marcante é a transferência para a companhia seguradora da responsabilidade de suportar o risco material de verificação de um acontecimento futuro e incerto, também descrito como aleatório. O interesse e a necessidade social desta transferência de risco foi elemento potenciador do desenvolvimento económico, permitindo o uso corrente de meios que comportam um relativo grau de incerteza ou de perigo, para os quais os segurados não disporiam, no caso de verificação de acontecimento pouco frequente, mas possível, de recursos necessários para fazer face aos encargos do mesmo resultantes (…). Autores e Ré "S Seguros" celebraram contrato que se enquadra, formal e materialmente, na definição legal, jurisprudencial e doutrinal de contrato de seguro, vinda de expor (…). O conteúdo do contrato encontra-se, regra geral, dividido em três partes: a) "condições gerais", que definem o tipo de seguro contratado; b) "condições específicas", que normalmente servem para a seguradora excluir do âmbito do seguro certos riscos; e c) "condições particulares" que em regra respeitam à identificação do segurado e ao objeto do seguro. Perante a prova da verificação do evento incerto previsto no contrato e de que o segurado cumpriu as suas obrigações contratuais e legais, a seguradora está sujeita ao pagamento dos montantes devidos, em conformidade com o contratado. No caso vertente, os eventos que determinam a transferência do risco para a seguradora, usualmente designados "cobertura contratual do seguro", são a morte ou a invalidez total e permanente de 66% de qualquer uma das pessoas seguras. O seguro de vida é o seguro efectuado sobre a vida de uma ou várias pessoas seguras, que permite garantir, como cobertura principal, o risco de morte ou de sobrevivência ou ambos. Este tipo de seguro inclui muitas vezes outras garantias, por isso mesmo designadas complementares dos seguros de vida porque não podem ser autonomamente contratadas, surgindo apenas associadas a contratos de seguro de vida. São três as modalidades legalmente previstas de coberturas complementares relativas a danos corporais: a) a morte por acidente; b) a incapacidade para o trabalho profissional; c) a invalidez em consequência de acidente ou doença (sobre o tema v. Moitinho de Almeida, in "O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado", Livraria Sá da Costa Editora, Lisboa, págs. 314/318, e José Vasques, in Contrato de Seguro, Coimbra, 1999, págs. 75/77). No caso vertente, a verificação do acontecimento morte ou invalidez total e permanente igual ou superior a 66% de uma das pessoas seguras gera, nos termos contratualmente previstos, a obrigação da Ré pagar o montante do contrato de empréstimo nº 31003000491073750 contraído por António J e pela Autora Sílvia junto do "Banco S, S.A", aos beneficiários do contrato. Por isso, o contrato celebrado entre eles e a Ré é um contrato de seguro do ramo vida que inclui a cobertura por morte e a cobertura complementar de invalidez das pessoas seguradas. Verificada qualquer uma das duas situações abrangidas pelas coberturas do contrato celebrado, o pagamento pela seguradora será feito ao beneficiário do contrato de seguro: a pessoa singular ou colectiva a favor de quem reverte a prestação da seguradora decorrente do contrato de seguro ou de uma operação de capitalização (art. 10º do Decreto-Lei n." 176/95, de 26/07). Este é, normalmente, o próprio segurado, mas pode ser um terceiro. A designação do beneficiário é um direito próprio e exclusivo do tomador do seguro, que só por ele pode ser exercido e surge explicitamente naqueles contratos em que a prestação da seguradora deva ser feita a pessoa diferente do segurado. Os beneficiários designados no contrato em apreço são: a) o "Banco S, S.A" pelo valor de capital que estiver em dívida no contrato de mútuo celebrado entre os tomadores e o beneficiário, com o limite de € 90.000,00; e b) relativamente à eventual diferença entre o montante de € 90.000,00 coberto pelo contrato de seguro e o valor do capital em dívida ao "Banco S, S.A", os beneficiários, nos termos constantes da proposta subscrita pela Autora e falecido marido, são os herdeiros legais dos segurados, em conjunto, na proporção do respectivo título sucessório. Devidamente caracterizado o contrato de seguro celebrado pelas partes, constata-se que se verificou, na vigência do contrato, um dos eventos - a morte da pessoa segurada António J - contratualmente previstos para que opere a cobertura do seguro celebrado. Não obstante, importa atentar no circunstancialismo provado da defesa por excepção da Ré, relativamente à causa da morte de António J, para determinar se a Ré é, ou não, responsável pelo pagamento do valor do empréstimo nº 31003000491073750, contraído junto do "Banco S" (…). Defendendo-se por excepção, a Ré invoca a causa da morte de António J foi cirrose hepática que conduziu à hemorragia digestiva por ruptura das varizes esofágicas e úlcera, o que tem origem no consumo excessivo de álcool, circunstância que, de acordo com o ponto 1.7.1.3 das condições especiais da apólice, exclui o sinistro da cobertura do seguro. A este respeito ficou provado que o falecido marido da Autora padecia, no momento da sua morte, de cirrose hepática que teve origem em alcoolismo crónico pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas e em hepatite B crónica que contraiu. Foi o concurso destas duas circunstâncias que determinou a falência hepática de António Ribeiro e, consequentemente, a ruptura de varizes esofágicas fase III que constituiu a causa imediata da morte. Embora não tenha resultado apurado o concreto contributo de cada uma daquelas causas da falência hepática, é certo que nenhuma delas pode ser excluída do processo causal da morte do segurado. Assim, num critério equitativo, deverá reputar-se igual a contribuição de cada uma das patologias hepáticas (cirrose alcoólica e hepatite B) para a verificação do acontecimento morte, coberto pelo contrato de seguro. Em conformidade, conclui-se que o consumo de bebidas alcoólicas exclusivamente imputável ao segurado contribuiu para o seu decesso, em medida igual à doença hepatite B contraída em circunstâncias desconhecidas. Havendo um concurso de causas para o dano, a obrigação de indemnização a cargo da Ré só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não sofreria se não fosse a causa pela qual a Ré responde (artº 563°, do Código Civil). Termos em que, caso se conclua pela validade da cláusula de exclusão descrita sob o ponto 1.7.1.3 das condições especiais da cobertura principal de morte - de acordo com a qual a seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras se o falecimento da pessoa segura for devido a doenças ou acidentes que sobrevenham em resultado do consumo de bebidas alcoólicas - deverá a indemnização prevista pelo contrato ter presente que este consumo contribuiu na proporção de metade para a sua morte, devendo ser valorada em idêntica proporção do dano total (…). * Depois de dissertar sobre o contrato de seguro e sobre a modalidade do seguro em causa nos autos, concluiu-se na decisão recorrida pela existência de um contrato de seguro válido entre as partes, na modalidade de seguro de vida, e pela ocorrência do evento coberto (a morte do segurado) que fez desencadear o cumprimento, pela ré, da prestação a que se obrigou, entrando-se depois na questão colocada pela ré seguradora, para se escusar daquele pagamento, da verificação de uma cláusula de exclusão do âmbito de cobertura do seguro, o que exclui a sua responsabilidade. Considerou-se então na decisão recorrida: “…Mantiveram as Autoras que nunca foi explicado à Autora Sílvia ou ao falecido que o consumo excessivo de álcool, nos termos das cláusulas de adesão do contrato de seguro, excluía a responsabilidade civil da Ré. A cláusula de exclusão em apreço, descrita sob o ponto 1.7.1.3 das condições especiais da cobertura principal de morte, foi incluída no contrato sem intervenção da Autora e o seu falecido marido na sua elaboração, limitando-se estes a aderir ao clausulado, sem interferir, participar ou discutir, na conformação do seu conteúdo. Constitui, por isso, uma cláusula contratual geral sobre a qual -, nos termos previstos pelo artigo 5° da Lei n.º 446/85 de 25.10 - Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, na redacção actual conferida pelo DL n.º 323/2001, de 17/12 -, impende o dever de comunicação ao aderente, de modo adequado e com antecedência, para que se tomem do conhecimento por quem use de comum diligência. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva impende sobre a Ré (…). Acresce que, nos termos previstos pelo artigo 18° do DL nº 72/2008 de 16.04 - Regime Jurídico do Contrato de Seguro - cabe ao segurador prestar todos os esclarecimentos exigíveis e informar o tomador do seguro das condições do contrato, nomeadamente: ( ... ) c) Das exclusões e limitações de cobertura ( ... ). As informações em apreço devem, nos termos previstos pelo artigo 21 ° do DL n. ° 72/2008, ser prestadas de forma clara, por escrito e em língua portuguesa, antes de o tomador do seguro se vincular. Está ainda previsto o dever especial de esclarecimento - cfr. artigo 22° do mesmo diploma legal - nos termos do qual cabe ao segurador não só responder a todos os pedidos de esclarecimento efectuados pelo tomador do seguro, como chamar a atenção deste para o âmbito da cobertura proposta, nomeadamente exclusões ... (cfr. n." 2). E caso se trate de um seguro de grupo, tais obrigações impendem sobre o tomador/beneficiário, nos termos previstos pelos artigos 78° e 87° do mesmo diploma legal, impendendo, neste caso, sobre este o ónus de provar o seu cumprimento. No caso vertente, provou-se que foi entregue à Autora e ao seu falecido marido cópia escrita das cláusulas contratuais especiais e gerais, não tendo resultado provada a sua leitura ou a prestação/solicitação de quaisquer esclarecimentos sobre o seu teor. Face ao Regime Jurídico do Contrato de Seguro actualmente vigente, densificado nos supra transcritos normativos (artigos 18°, 21° e 22°) afigura-se ter sido intenção do legislador impor à seguradora a obrigação de entrega aos tomadores/segurados de uma cópia escrita, em língua portuguesa, com redacção suficientemente clara e contendo todas as menções descritas no artigo 18° do RJCS, antes de estes se vincularem, o que foi cumprido com a entrega da cópia das cláusulas contratuais especiais e gerais. Para além dessa obrigação, o dever especial de esclarecimento relativamente às cláusulas de exclusão da cobertura emergente de pedido pelo tomador do seguro/segurado, pedido esse que, tanto quanto resulta da matéria de facto, não foi efectuado. Assim, afigura-se que no caso vertente foram cumpridas as exigências do RJCS e também do LCCJ relativamente aos deveres de informação e de esclarecimento que impendem sobre a Ré seguradora. Termos em que se reputa válida a cláusula em apreço de exclusão a responsabilidade da Ré…”. * É contra este segmento da decisão recorrida que se insurgem as recorrentes, considerando que, face à matéria de facto provada, tal cláusula do contrato é inválida e deve ser dele excluída, devendo, consequentemente, a ré suportar as prestações a que se obrigou, quer perante as AA, quer perante o banco financiador do contrato de crédito à habitação. E com razão, adiantamos já. Resulta da matéria de facto provada que “A Autora e o seu falecido marido não intervieram na elaboração, limitando-se a aderir ao clausulado, de que lhes foi entregue cópia, sem interferir, participar ou discutir, na conformação do conteúdo das condições especiais - entre estas, a descrita sob o ponto 1.7.1.3 - e gerais anexas ao contrato referido no facto provado número 3, o que nos permite concluir que as AA celebraram com a ré um contrato de adesão, constituindo a cláusula contratual em questão uma cláusula contratual geral, definida, à luz do artº 1º, nº 1, do Decreto-lei n.º 446/85, de 25.10, como a cláusula que é elaborada sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam, respectivamente, a subscrever ou aceitar. Como resulta da sentença recorrida, no caso sub judice, as condições do contrato de seguro estavam já elaboradas quando a autora e o seu falecido marido aderiram ao mesmo, não tendo tido estes a possibilidade de influenciar o seu conteúdo, razão pela qual lhe é aplicável o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais - artigo 1.º do Decreto-Lei 446/85, de 25/10 -, assim como o Regime Jurídico do Contrato de Seguro - Decreto lei n.º 72/2008, de 16/06 -, e ainda o Decreto-Lei n.º 222/2009, de 11/09, que estabelece medidas de proteção do consumidor na celebração de contratos de seguro de vida associados ao crédito à habitação. No que respeita ao dever de comunicação a cargo do segurador, o Dec. Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, prevê esse dever no artº 5º, estabelecendo no seu nº 1 que “As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las”, acrescentando, depois, o artº 6º daquele diploma legal, quanto ao dever de informação que “O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique (nº1); “Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados” (nº2). A ausência de comunicação das cláusulas contratuais nos termos expostos e a violação do dever de informação, impõe a não-inclusão da cláusula no contrato, conforme estipulado no artigo 8.º do mesmo diploma legal. Não obstante a existência deste regime jurídico, que se mantém válido e em vigor, pelo DL nº 72/2008, de 16.04, o legislador aprovou o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, onde, no seu preâmbulo, e a propósito do dever de informação e esclarecimento, se pode ler: “Procedeu-se a uma uniformização tendencial dos deveres de informação prévia do segurador ao tomador do seguro, que são depois desenvolvidos em alguns regimes especiais, como o seguro de vida. Na sequência dos deveres de informação é consagrado um dever especial de esclarecimento a cargo do segurador. Trata-se de uma norma de caracter inovador, mas em que o respetivo conteúdo surge balizado pelo objetivo principal do contrato de seguro, o do âmbito de cobertura”. A Lei do Contrato de Seguro (LCS) veio, efetivamente, consolidar um regime geral de deveres pré-contratuais de informação específicos da relação de contrato de seguro, a cumprir quer pelo segurador perante o tomador de seguro (arts. 18.° a 23.° da LCS), quer pelo tomador de seguro ou pelo segurado ao segurador (arts. 24.° a 26.° da LCS). Antes da vigência da LCS, o regime dos deveres de informação encontrava-se plasmado nos artigos 176.° a 178.° do RGES para o Ramo «Não Vida» e nos artigos 179.° a 181.° do mesmo diploma para o Ramo «Vida». Com a reforma do regime do contrato de seguro operada pela LCS, visou-se, conforme se refere no preâmbulo, a «adaptação das regras em vigor, procedendo à actualização e concatenação de conceitos de diversos diplomas e preenchendo certas lacunas». Foi seguindo os propósitos referidos que, no que respeita aos deveres de informação pré-contratuais do segurador para com o tomador de seguro, se procedeu, como se referiu, a uma «uniformização tendencial» dos mesmos para a generalidade dos contratos de seguros. Este diploma, no que respeita aos deveres de informação, dispõe no seu artigo 18º que “Sem prejuízo das menções obrigatórias a incluir na apólice, cabe ao segurador prestar todos os esclarecimentos exigíveis e informar o tomador do seguro das condições do contrato, nomeadamente (…) Das exclusões e limitações de cobertura”, acrescentando-se no artº 19º, nº2, que “Sendo o tomador do seguro considerado consumidor nos termos legalmente previstos, às informações indicadas no artigo anterior acrescem as previstas noutros diplomas, nomeadamente no regime de defesa do consumidor», acrescentando-se ainda no artº 21º que “As informações referidas nos artigos anteriores devem ser prestadas de forma clara, por escrito e em língua portuguesa, antes de o tomador do seguro se vincular”, prevendo-se também no artº 22º que “Na medida em que a complexidade da cobertura e o montante do prémio a pagar ou do capital seguro o justifiquem e, bem assim, o meio de contratação o permita, o segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o tomador do seguro acerca de que modalidades de seguro, entre as que ofereça, são convenientes para a concreta cobertura pretendida (nº1); “No cumprimento do dever referido no número anterior, cabe ao segurador não só responder a todos os pedidos de esclarecimento efetuados pelo tomador do seguro, como chamar a atenção deste para o âmbito da cobertura proposta, nomeadamente exclusões (...) (nº2).» Resulta assim, cremos que de forma inequívoca, do regime jurídico do contrato de seguro, instituído pelo DL nº 72/2008, de 16.04, que foi intenção do legislador impor, de forma expressa, à seguradora, o dever de «chamar a atenção», independentemente de qualquer pedido de esclarecimento do tomador, das cláusulas de exclusão da cobertura do seguro, no âmbito do que se tem denominado de “deveres pré-contratuais de informação”, regidos pelos princípios da lealdade e da boa-fé na contratação, sobretudo quando os contraentes se posicionam em diferentes níveis nessa contratação, como é o caso das seguradoras e dos seus segurados. Os deveres de informação pré-contratuais visam, assim, permitir às partes decidir livre e conscientemente se e como pretendem contratar, sendo pressuposto e garantia do princípio da liberdade contratual (arts. 405º do CC e 11º da LCS). Ora, atendendo aos contratos de seguro em particular, que apresentam características e colocam questões específicas para as partes contratantes, o legislador entendeu ser para eles necessária uma regulamentação própria de deveres pré-contratuais de informação. Conforme referido, os arts. 18º a 23º da LCS estabelecem um regime de deveres de informação pré-contratuais do segurador na sua relação com o tomador de seguro, por força de exigências especiais de protecção da parte que está numa posição contratual mais fraca, decorrentes do modo de formação normal dos contratos de seguro. Assim, para além da consagração de um dever geral de esclarecimento e de informação sobre um núcleo mínimo de elementos essenciais do contrato, a LCS veio, nos termos do art. 21.° (sob a epígrafe «modo de prestar informações») descrever e concretizar ainda o modo de cumprimento dos deveres de informação a cargo do segurador perante o tomador de seguro. Mas a intenção do legislador, de protecção do contraente mais fraco, sobretudo no domínio dos contratos de crédito à habitação, a que se encontram “agregados”, por norma, os seguros de vida, foi mais longe, e quis aumentar a proteção dos consumidores no caso de celebração de contratos de seguro associados ao crédito à habitação, com a aprovação do Decreto-Lei nº 222/2009, de 11/09, de cujo preâmbulo consta, como intenção do legislador o seguinte: “…torna-se necessário instituir regras mínimas de funcionamento, de modo a assegurar o cumprimento do imperativo constitucional de proteção dos direitos dos consumidores (…). Importa, assim (…) garantir a transparência na prestação aos consumidores de informação completa e verdadeira, que contribua para o exercício efetivo da liberdade de contratar (…) e para a compreensão e o exercício informado dos direitos que lhes assistem, na pendência dos contratos. Deste modo, em acréscimo aos deveres de informação que já obrigam, genericamente, as empresas de seguros e as instituições de crédito (…), o presente decreto-lei cria novos deveres de informação e de esclarecimento na esfera das instituições de crédito que pretendam associar contratos de seguro de vida ao crédito à habitação.» Embora este diploma regule essencialmente os deveres das instituições de crédito quando proponentes do contrato de seguro, é manifesta a intenção do legislador em assegurar uma proteção mais ampla ao segurado, que é a parte mais vulnerável deste sinalagma. Tal resulta, por exemplo, no n.º 2, do artº 2, com a seguinte redação: «o presente Decreto Lei tem como objetivo estabelecer medidas que visam proteger o consumidor do crédito à habitação na sua relação com a instituição de crédito e com a empresa de seguros, assegurando uma maior transparência no processo de formação desses contratos, uma maior adequação dos mesmos à finalidade de garantia do empréstimo e o reforço da informação ao consumidor» Do exposto resulta, com clareza, que o legislador foi criando, com a instituição dos regimes jurídicos mencionados, e ciente do papel mais frágil do contraente consumidor perante grandes empresas titulares de contratos de adesão, deveres especiais de informação e pormenorizando a forma de cumprimento do dever de comunicação. É, pois, manifesta a evolução legislativa, sempre no mesmo sentido, isto é, do reforço das garantias do segurado no momento da celebração do contrato, de forma muito especial nos casos de celebração de contratos de seguro associados ao crédito à habitação. Como se decidiu no Ac do STJ de 02-12-20l3 (disponível em www.dgsi.pt) «Dada a disparidade de poder entre as partes do contrato de adesão, assume um papel decisivo a garantia do "modelo de informação" ou "imperativo de transparência”, cuja finalidade é potenciar a formação consciente e ponderada da vontade negocial, parificando posições de disparidade cognitiva, quer quanto ao objeto, quer quanto às condições do contrato (…). Os estudos da análise económica revelam que o aderente, dada a impossibilidade de participação na modelação do conteúdo, não encontra motivação para se deter no estudo das condições gerais do contrato nem para comparar as condições oferecidas pela contraparte com as das empresas concorrentes, o que provoca um nivelamento por baixo do conjunto das condições gerais, não funcionando, neste contexto, o mecanismo individual de autotutela dos interesses nem o mecanismo coletivo da concorrência. Por outro lado, a contratação em massa, dirigida a um conjunto indeterminado de destinatários, permite às empresas impor a sua vontade, e obter, para além da redução dos custos com a celebração dos contratos, outras vantagens económicas, através da deslocação indevida dos riscos para os aderentes e do aumento potencial das cláusulas abusivas. Diz-se a este propósito que "a parte mais forte ficou em condições de legislar por contrato, de uma maneira substancialmente autoritária". E, no que respeita ao dever de informação, acrescenta-se: “A comunicação deve abranger a totalidade das cláusulas e ser feita de modo adequado e pessoal” esclarecendo ainda que “Sabe-se pela experiência da vida que o mais comum é os aderentes confiarem nas explicações de um funcionário do profissional-utilizador, sem lerem as cláusulas escritas do acordo, por falta de tempo e de capacidade para compreender os seus efeitos. E que tal atitude, de tão generalizada que é, não pode considerar-se falta de diligência comum ou razoável”. Ou seja, no que respeita aos contratos de seguro, em particular nos de vida associados ao crédito à habitação, o legislador teve a percepção que a disparidade entre as partes ainda é maior em resultado da realidade socioeconómica e psicológica associada aos contratos de seguro do ramo vida e o contexto em que são celebrados: por um lado, os segurados tendem a não prestar muita atenção ao conteúdo do contrato de seguro, pois é visto como um elemento meramente acessório em relação ao empréstimo, e, por outro lado, as seguradoras, não raras vezes, aproveitando-se desta situação, inserem cláusulas contratuais gerais prejudiciais aos interesses do segurado. Assim, foi precisamente com o intuito de suprir a desigualdade estrutural entre as partes dos contratos de adesão que o legislador impôs às seguradoras, utilizadoras de cláusulas contratuais gerais, deveres especiais de comunicação e de informação. Ora, tais deveres não se podem considerar satisfeitos, à luz do que acabamos de dizer, apenas com a comunicação ao contraente, por parte da seguradora, de uma cópia do clausulado, e com a disponibilidade para prestar esclarecimentos, desde que solicitados pelo segurado (como se decidiu na sentença recorrida). Tal interpretação conflitua, desde logo, com o disposto no artº 22.º nº 2 do citado DL 72/2008, de 16.04, o qual é claro sobre o conteúdo do dever de informação, ao estabelecer que no cumprimento do dever referido no número anterior, cabe ao segurador não só responder a todos os pedidos de esclarecimento efetuados pelo tomador do seguro, como chamar a atenção deste para o âmbito da cobertura proposta, nomeadamente exclusões. Assim, é a lei que expressamente impõe que a seguradora se antecipe às eventuais dúvidas do segurado e "chame a atenção” para as cláusulas, nomeadamente, as que implicam exclusão de responsabilidade. É, pois, contrário à letra e, sobretudo ao seu espirito, considerar que os deveres de informação se mostram satisfeitos com a entrega de um duplicado ao tomador do seguro e com a disponibilidade da seguradora para o informar caso ele solicite informações. A jurisprudência vem entendendo (como é o caso do Ac do STJ acima citado) que os deveres de informação implicam um verbalizar, um esclarecimento real, oral e expresso do "funcionário, do profissional-utilizador", sem necessidade de serem impulsionados pelo cliente. Como se refere ainda no Ac citado, “…A comunicação das cláusulas deve ser clara e precisa e a informação completa, abrangendo as características do bem ou do serviço, a extensão dos riscos cobertos e a medida exata dos direitos e obrigações previstos no contrato. O direito à informação é um direito fundamental dos consumidores (…), assumindo um conteúdo mais vasto, que implica um dever de aconselhamento. Este dever de conselho pode ser definido como uma obrigação de assistência que supõe não só uma grande lealdade, mas um verdadeiro serviço prestado ao aderente, e incluiu um dever de chamar a atenção deste para cláusulas cujo conteúdo possa não corresponder às suas necessidades e situação pessoal ou que sejam "perigosas" para os seus interesses». Também na doutrina, ALMENO DE SÁ ("Cláusulas Contratuais Gerais e Diretivas Sobre Cláusulas Abusivas", 2001, pág. 241-242) refere que «não é o cliente quem deve, por iniciativa própria, tentar efetivamente conhecer as condições gerais; é ao utilizador que compete proporcionar-lhe condições para tal», e sempre num momento anterior ao da vinculação definitiva (no mesmo sentido se pronunciaram MENEZES CORDEIRO, “Tratado de Direito Civil” 1, parte Geral, T.l, ANA PRATA, "Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais" e SOUSA RIBEIRO, in "Direito dos Contratos, Estudos") Para Ana Prata (ob. cit), a diligência média exigida ao aderente varia em função das características do sujeito, da sua preparação cultural e da sua maior ou menor vulnerabilidade. No contexto da contratação de massas, pode dizer-se que a comum diligência exigida tem de ser de baixo nível, por força da impossibilidade prática de o aderente influir no conteúdo do contrato e de uma atitude generalizada de confiança ou conformismo, que faz com que as pessoas se demitam de um esforço que sabem ser inglório. Não se pode dizer que o aderente, deixando de ler todas as cláusulas, ou não as meditando com o devido cuidado, revela negligência que o torne desmerecedor de proteção particular: o facto é tão geral que não significa negligência, aferida esta pelo padrão médio de um homem comum. Sobre o ónus da prova a cargo do proponente sobre esse dever de informar, assim como sobre as consequências da falta do mesmo, sumariou-se no Ac STJ, de 17-02-2011 (também disponível em www.dgsi.pt): III - Tendo em consideração a superioridade em que por via de regra o proponente do contrato de adesão se encontra perante o cliente que ao mesmo adere, a lei procura, através de mecanismos legais - entre nós o DL 446/85 - que a decisão deste último seja tomada no pleno conhecimento de todos os termos contratuais, onerando o primeiro com o ónus da prova que os comunicou de forma cabal ao aderente. IV - Sendo omitido aquele ónus em relação a cláusulas fulcrais para o negócio tido em vista, terão as mesmas que considerar-se excluídas, o que pode afectar integralmente os termos do contrato com reflexo sobre os direitos e obrigações constituídos pelo mesmo” (sublinhado nosso). * Fazendo agora aplicação dos princípios enunciados ao caso dos autos, e não constando da matéria de facto provada que a ré tenha informado a A. e o seu falecido marido sobre a cláusula de exclusão da cobertura do contrato celebrado – que a morte derivada do consumo em excesso de álcool não seria abrangida pelo seguro – temos de concluir que tal cláusula não é válida, e, como tal, deve ser excluída do âmbito do contrato nos termos do artigo 8.º, alíneas. a) e b) do DL 446/85, de 25 de Outubro, também aplicável ao caso dos autos. Assim sendo, verificados todos os demais pressupostos do dever de prestar a cargo da seguradora, deve a mesma ser condenada a pagar às AA as quantias peticionadas. Procedem, assim, nesta parte, as conclusões do recurso das Apelantes. * Sumário do Acórdão: I – Existe, no contrato de seguro, na modalidade de seguro de vida, um verdadeiro dever de informar o tomador do seguro, por parte da seguradora, das cláusulas de exclusão da cobertura do seguro, nos termos do artigo 6º do Decreto-Lei 446/85, de 25/10, dos artºs 18º a 23º do DL nº 72/2008, de 16.04 (LCS), assim como do Decreto-Lei nº 222/2009, de 11/09. II – O não cumprimento desse dever, relativamente a uma cláusula de exclusão da cobertura do seguro, relacionada com uma das causas da morte do segurado (por cirrose hepática), determina a invalidade de tal cláusula e a sua exclusão do contrato. * DECISÃO: Pelo exposto, Julga-se procedente a Apelação e revoga-se a decisão recorrida, condenando-se a ré no pedido, ou seja: - a pagar à primeira Autora a quantia de € 6.383,90, relativa às prestações pagas por esta desde o óbito de António J ao "Banco S, S.A" para amortização do "empréstimo n.º 31003000491073750", acrescida de juros vencidos até 01.11.2014 que ascendem a € 222,17, e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento, calculados sobre o capital e à taxa legal; - a pagar à primeira Autora a quantia respeitante às prestações que a esta venham a ser cobradas no decurso da presente acção pelo "Banco S, S.A" do "empréstimo n.º 31003000491073750", valor acrescido de juros, à taxa legal, desde a data de cada cobrança até efectivo pagamento; - a pagar ao "Banco S, S.A" o valor a indicar por este, correspondente ao saldo em dívida à data do trânsito em julgado da presente sentença referente ao contrato denominado "empréstimo n.º 31003000491073750"; - a pagar às Autoras, na proporção dos respectivos quinhões hereditários e observada a meação do cônjuge falecido, a quantia de € 4.920,72, correspondente ao remanescente ao capital em dívida à data do óbito de António J, 21.02.2013, acrescida dos respectivos juros, calculados à taxa legal desde essa data até efectivo pagamento, ascendendo a € 333,26 na data da propositura da acção. * Custas (da Apelação) a cargo da recorrida. Notifique. Guimarães, 12.7.2016 |