Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2888/17.7T8VCT.G2
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: SERVIDÃO DE ESTILICÍDIO
EXTENSÃO DA SERVIDÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Uma vez constituída a servidão de estilicídio (cfr. artigo 1365º do Código Civil), o proprietário do prédio serviente não pode levantar edifício ou construção que impeça o escoamento das águas, devendo realizar as obras necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio, sem prejuízo para o prédio dominante; e o dono do prédio dominante não pode agravar o escoamento existente, tornando mais onerosa a servidão.
II- As servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo respetivo título, e compreendem tudo quanto seja necessário para o seu uso e conservação (cfr. artigo 1564º do Código Civil).
III- Em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício da servidão, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente (cfr. artigo 1565º n.º 2 do Código Civil).
IV- As necessidades a satisfazer por meio da servidão são as já existentes no momento da sua constituição e ainda todas aquelas decorrentes das modificações naturais e previsíveis do prédio dominante, excluindo-se o que torne a servidão mais onerosa, sendo fundamental que se respeite a função da servidão e que as modificações não se traduzam num agravamento da mesma.
V- Correspondendo o conteúdo de uma servidão de estilicídio à circunstância do escoamento das águas pluviais que gotejam da beira do telhado ou outra cobertura se fazer para o prédio vizinho, o seu exercício deverá medir-se pelo efetivo escoamento no prédio serviente dessas águas.
VI- Não será de falar em agravamento da servidão de estilicídio se por força das alterações introduzidas pelas obras que os réus pretendem realizar se verificar que o escoamento das águas pluviais se manterá pelo beiral antigo, não resultando demonstrado que, mantendo-se tal modo de escoamento, resulte das obras em causa que caia mais água ou com maior velocidade no prédio dos autores.
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO

J. B. e mulher S. P. intentaram a presente acção de condenação sob a forma de processo comum contra C. P. e mulher M. H. peticionando:

a) Seja reconhecido o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio identificado no artigo 1º da petição inicial;
b) Sejam os Réus condenados a reconhecer o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio identificado no artigo 1º da petição;
c) Sejam os Réus condenados a absterem-se de executarem o projecto licenciado pela Câmara Municipal Hab. com o nº. LEHAB – 36/2013, que prevê o alteamento das paredes do seu prédio nas partes que confinam com o prédio dos AA e de alterarem a localização e configuração actual do beiral do seu prédio que beneficia de uma servidão de estilicídio, contrastante com o estatuto do direito de propriedade dos AA sobre o prédio identificado no artigo 1º desta petição; e,
d) Sejam os Réus condenados a reconhecer que não têm o direito de, unilateralmente, verem constituído a favor do seu prédio, identificado no artigo 5º da petição, um direito de servidão sobre o prédio dos Autores identificado no artigo 1º desta petição, impondo a este a constituição de uma servidão non aedificandi que passe a onerar o prédio dos Autores e a restringir estes no exercício dos direitos que a lei lhes confere e lhes faculta enquanto proprietários plenos deste prédio.

Alegam, para tanto e em síntese que são donos e legítimos possuidores do prédio urbano descrito no artigo 1.º da petição inicial, e os Réus donos e legítimos possuidores do prédio descrito no artigo 5.º do mesmo articulado, os quais são confinantes.
Que a favor da configuração actual do beiral do telhado do prédio dos Réus existe uma servidão de estilicídio a favor dos Autores e que os Réus pretendem realizar as obras autorizadas no processo de licenciamento de obras de edificação – Hab com o nº. LE-HAB – 36/2013, obras que foram aprovadas por Despacho de 18 de Março de 2014, conforme alvará de obras de construção nº. 27/2014 e rectificadas por despacho de 26 de Março de 2015, com termo do licenciamento concedido pelo Município para a sua realização em 15-09-2015 (melhor descritas no artigo 16 da petição inicial).
Mais alegam que tais obras além de invadirem o espaço aéreo do prédio dos Requerentes, vão proceder ao alteamento do telhado do seu prédio para criação de espaço habitacional no vão do telhado, sem procederem ao afastamento lateral ao prédio dos Autores, além de que na edificação pretendida fazer pelos Réus vai existir aumento de volumetria, alteamento das paredes e aproveitamento do vão do telhado com a criação de espaço habitacional, os quais, ao serem construídos, têm que respeitar as distâncias mínimas previstas na lei entre fachadas de edificações nas quais existam vãos de compartimentos de habitação (de 10 m), o que não acontece no caso concreto.
Regularmente citados, os Réus vieram contestar impugnando que com as obras de reconstrução que pretendem realizar no seu imóvel vão invadir ou ocupar espaço aéreo do imóvel dos Autores bem como alterar ou agravar o modo de exercício e a extensão da servidão de estilicídio, que onera o imóvel dos Autores em proveito do seu identificado prédio urbano.
Alegam ainda que o imóvel dos Autores foi edificado há mais de 100 anos e estes não pretendem, nem vão alterar as suas paredes exteriores, voltadas para o imóvel dos Autores pelo que não deve, nem pode haver lugar a qualquer afastamento lateral dessas paredes, pois vão ser apenas restaurados mas nunca alterados, como não vai haver alteamento das aludidas paredes exteriores do prédio dos Réus mas apenas a alteração parcial da configuração do seu telhado e nunca do seu beiral, que se manterá exactamente como se encontra desde a sua construção inicial.
Mais alegam que já dirimiram no processo de suprimento de consentimento n.º 8/14.8TBMLG, que correu termos no Tribunal Judicial de Melgaço, toda a factualidade respeitante à existente e confessada servidão de estilicídio, que onera o imóvel dos Autores em proveito do prédio urbano dos Réus bem como ao eventual agravamento desta servidão com as obras de reconstrução que estes pretendem realizar no seu prédio, ao nível do telhado, nessa lide os ora Autores já alegaram que as obras que os Réus querem realizar causava a ocupação do espaço aéreo do seu imóvel e o agravamento da existente servidão de estilicídio, bem como a ilegalidade do processo de licenciamento.
Foi realizada a audiência prévia onde foi proferido despacho saneador e despacho a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:

“NESTES TERMOS, O TRIBUNAL DECIDE:
▪ JULGAR A ACÇÃO TOTALMENTE IMPROCEDENTE POR ESTAR O TRIBUNAL IMPEDIDO DE CONHECER DO MÉRITO POR FORÇA DA AUTORIDADE DO CASO JULGADO;
▪ CONDENAR OS AUTORES NO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS;
▪ REGITE E NOTIFIQUE;
▪ OPORTUNAMENTE, ARQUIVE E DÊ BAIXA”.
Os Autores, inconformados, apelaram da sentença tendo sido proferida, em 29 de janeiro de 2020, decisão singular por este Tribunal da Relação de Guimarães julgando procedente o recurso e, em consequência, decidindo julgar não verificada a autoridade de caso julgado, revogar a sentença na medida em que julgou verificada a autoridade de caso julgado e se absteve de conhecer do mérito e determinar que os autos baixassem à 1ª Instância para aí ser proferida nova sentença que proceda à fixação a matéria de facto e, conhecendo de mérito, decidisse as questões suscitadas nos presentes autos.

Veio a ser proferida sentença pela 1ª Instância nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“JULGAR PARCIALMENTE PROCEDENTE, POR PARCIALMENTE PROVADA, A PRESENTE ACÇÃO E, CONSEQUENTEMENTE:
RECONHECER OS AUTORES COMO DONOS E LEGÍTIMOS PROPRIETÁRIOS DO PRÉDIO IDENTIFICADO EM 1.;
ABSOLVER OS RÉUS DO DEMAIS PEDIDO;
*
CONDENAR OS AUTORES NO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS;
*
REGISTE E NOTIFIQUE;
OPORTUNAMENTE, ARQUIVE E DÊ BAIXA”.

Inconformados, apelaram novamente os Autores da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“Em conclusão:

1. A, aliás douta, sentença recorrida, desde logo, é nula, em vista do que dispõe a alínea d), do n.º 1, do art. 615º CPCivil, ao deixar de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, por não incluídas em “III. QUESTÕES A DECIDIR” ou noutra sede dessa decisão o mais inserto no douto Despacho Saneador, a propósito, designadamente, quanto ao “i. Objecto” e “ii) Temas da prova”, a vincular e prevalecer, porque transitado em julgado e como se afere da sua simples leitura, conforme disposto no art. 628º CPCivil – que, destarte, foi violado.
2. É de manter, na íntegra, os factos tidos como provados, que aqui se dão por integrados e reproduzidos e, bem assim, os tidos por não provados em 2..
3. Contudo, devem ser alterados para factos provados os factos que o Tribunal a quo aí deu como não provados em 1., pois da análise de toda a prova produzida vê-se e conclui-se que “As obras elencadas em 10. terão as seguintes consequências: I. aumento de beiral com consequente invasão do espaço aéreo pelo prédio 3. no prédio 1.; II. criação de espaço habitacional no vão do telhado; III. aumento da quantidade de chuva que cai do prédio 3. no prédio 1. (devido ao aumento da superfície onde a chuva cai e escorre para cair no prédio 1. e ao alteamento da cobertura); e, IV. aumento da velocidade da água que virá a cair no prédio 1. devido à maior inclinação da pendente do telhado”.
4. Na verdade, a conclusão que imediatamente antecede transcreve os concretos pontos de facto que se têm por incorrectamente julgados – cfr. art. 640º n.º 1 b) CPCivil – devendo sobre eles ser proferida decisão de sentido diametralmente oposta, tendo-os como provados.
5. Atente-se, contudo e antes do mais, que a, aliás douta, sentença por força do em 2. de factos tidos por não provados e à míngua de qualquer referência conexa em sede de factos tidos provados, desconsidera, totalmente, a existência duma qualquer servidão, de estilicídio ou outra, constituída a favor do prédio dos aqui apelados, quando, consabidamente, este está implantado ‘em cima’ das estremas sul e poente do prédio dos ora apelantes, conforme evidenciado no facto provado 7., o que, por si só, vale por dizer que a decisão proferida jamais poderia sustentar o desfecho que atingiu!!!
6. Os concretos meios probatórios constantes do processo e do registo de gravação realizada que impõem decisão sobre os referidos concretos pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida são os seguintes:
a) Processo de licenciamento de obras de edificação – Hab com o nº. LE-HAB – 36/2013, autuado por linha;
b) Relatório de Perícia subscrito por Arq. A. E., de 31.10.2018;
c) Relatório de Perícia subscrito por Eng. C. J. e por Eng. J. C., de 02.11.2018;
d) Esclarecimentos do perito Eng. C. J., prestado na sessão de Audiência de Julgamento de 17-06-2019, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do Juízo de Competência Genérica de Melgaço do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, das 15:00:41 horas às 15:23:53 horas, com o ficheiro 20190617150040_1477275_2871855, entre 00:00:00 e 00:23:11, conforme transcrito nas alegações;
e) Esclarecimentos do perito Eng. J. C., prestado na sessão de Audiência de Julgamento de 19-02-2019, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do Juízo de Competência Genérica de Melgaço do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, das 12:26:47 horas às 13:04:03 horas, com o ficheiro 20190219122647_1477275_2871855, entre 00:00:00 e 00:37:15, conforme transcrito nas alegações;
f) Esclarecimentos do perito Arq. A. E., prestado na sessão de Audiência de Julgamento de 19-02-2019, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do Juízo de Competência Genérica de Melgaço do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, das horas 11:17:11 às 11:34:55 horas, com o ficheiro 20190219113713_1477275_2871855 entre 00:00:00 e 00:17:42, conforme transcrito nas alegações;
g) Depoimento da testemunha, arrolada pelos AA., Eng. H. C., prestado na sessão de Audiência de Julgamento de 17-06-2019, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do Juízo de Competência Genérica de Melgaço do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, das horas 15:24:44 às 16:07:12 horas, com o ficheiro 20190617152443_1477275_2871855 entre 00:00:00 e 00:42:27, conforme transcrito nas alegações;
h) Depoimento da testemunha, arrolada pelos RR, A. L., prestado na sessão de Audiência de Julgamento de 17-06-2019, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do Juízo de Competência Genérica de Melgaço do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, das horas 16:08:09 às 16:24:45 horas, com o ficheiro 20190617160808_1477275_2871855, entre 00:00:00 e 00:16:35, conforme transcrito nas alegações;
i) Depoimento da testemunha, arrolada pelos RR, C. R., prestado na sessão de Audiência de Julgamento de 17-06-2019, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do Juízo de Competência Genérica de Melgaço do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, das 16:25:50 horas às 16:40:17 horas, com o ficheiro 20190617162549_1477275_2871855, entre 00:00:00 e 00:14:26, conforme transcrito nas alegações; e,
j) Depoimento da testemunha, arrolada pelos RR, J. P., prestado na sessão de Audiência de Julgamento de 17-06-2019, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do Juízo de Competência Genérica de Melgaço do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, das 16:40:54 horas às 16:45:42 horas, com o ficheiro 20190617164053_1477275_2871855, entre 00:00:00 e 00:04:47, conforme transcrito nas alegações.
7. Da elencada prova documental e pericial, dos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos e dos depoimentos das sobreditas testemunhas, obrigatoriamente que os factos dados como não provados, elencados e discriminados na Conclusão 3., deveriam ter sido e deverão ser dados como provados.
8. Porquanto, quer dos documentos constantes nos autos, quer dos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos, quer dos depoimentos das testemunhas, à saciedade, evidencia-se que:
I. há aumento de beiral com consequente invasão do espaço aéreo pelo prédio 3. no prédio 1. (artigo 16.º da petição inicial);
II. há a criação de espaço habitacional no vão do telhado (artigo 47.º da petição inicial) e a criação de espaço habitacional não significa necessariamente que seja licenciado tal espaço como habitacional, pois o uso concreto é o que é relevante para efeitos deste processo;

III. há o aumento da quantidade de chuva que cai do prédio 3. no prédio 1. (devido ao aumento da superfície onde a chuva cai e escorre para cair no prédio 1. e ao alteamento da cobertura) (artigo 16.º da petição inicial); e,
IV. Há o aumento da velocidade da água que virá a cair no prédio 1. devido à maior inclinação da pendente do telhado (artigo 16.º da petição inicial).
9. Tanto que, para além do reconhecimento expresso no Processo de licenciamento de obras de edificação – Hab com o nº. LE-HAB – 36/2013 duma nova estrutura onde a cércea é aumentada (e que, salvo melhor e douta opinião, só por si, é bastante e suficiente para firme prova de que o nos factos não provados em 1., englobando todos os seus itens foi mal julgado), do constante no Relatório do senhor perito Arq. A. E. que estriba e suporta tudo o na antecedente Conclusão:
a) O perito Eng. C. J., nos esclarecimentos que prestou, referindo-se ao beiral, falou sobre a existência do alteamento da parede e a construção de um novo beiral na parede, situado 50 centímetros, acima do beiral existente, da construção de um caleiro/caleira que deita a água do beiral novo para o beiral actual e do aumento de velocidade da água e do aumento do pano do telhado;
b) O perito Eng. J. C., nos esclarecimentos que prestou, confirmou que vai ser construído um novo beiral na parede do prédio que confronta com o prédio dos Autores / Apelantes e que vai existir uma alteração estrutural, com a criação de dois beirais na mesma parede, situando-se o novo beiral cerca de 50 cm acima do actual beiral;
c) O perito Arq A. E., no relatório que apresentou e nos esclarecimentos que prestou, confirmou o aumento do beiral e o alteamento da parede, a inclinação do novo telhado a construir com aumento do pano do telhado, ou seja, com aumento de exposição à chuva e consequente aumento da quantidade e da velocidade na queda da água da chuva, na necessidade legal de cumprir o recuo legal administrativo na construção de prédio face ao prédio de proprietário vizinho e ao PDM de Melgaço, do uso habitacional no vão de telhado a ser construído, da existência de dois beirais no prédio após a realização das obras, com a criação de um novo beiral situado acima do beiral actual (antigo), bem como tudo o mais relativo á real e efectiva prova dos factos constantes como não provados – mas, mal –, elencados e discriminados na Conclusão 3.;
d) A testemunha dos AA Eng. H. C., no seu depoimento, confirmou, na obra a realizar, a existência de uma alteração à cobertura com subida da cota de cume da cobertura, a existência de uma maior inclinação, com alteração na altura da fachada e na altura total do edifício, bem como tudo o mais relativo á real e efectiva prova dos factos constantes como não provados – mas, mal –, elencados e discriminados na Conclusão 3.;
e) A testemunha dos RR A. L., confirmou a existência de alterações no telhado da casa dos RR, o aumento da quantidade das águas das chuvas sobre o prédio dos Autores, o aumento da velocidade da queda das águas, a existência de dois beirais, com a construção de um novo beiral;
f) A testemunha dos RR C. R. confirmou o alteamento do telhado, a criação de dois beirais, criando-se um novo, do qual a água passaria para o actual e deste para o prédio dos autores apelantes, bem como vai aumentar a velocidade da queda da água; e,
g) A testemunha dos RR J. P. confirmou a existência da alteração da cobertura do prédio dos RR.
10. Do conjunto dos depoimentos prestados, há notórias e objectivas conclusões que têm que ser retiradas da prova, tais como sejam:
a) Na parede do prédio dos RR / Apelados, na parte que confronta diretamente com o prédio dos Autores / Apelantes, os RR / Apelados pretendem ter dois beirais;
b) O beiral actual, que vai manter-se;
c) Um novo beiral, situado a cerca de 50 cm acima do beiral actual onde a água das chuvas será recolhida por um caleiro ou caleira que, em seguida, é lançada deste caleiro/caleira colocado no novo beiral para o beiral já existente; e,
d) Através deste beiral, a água é lançada para o prédio dos Autores / Apelantes. 11. Bastaria a sentença recorrida ter-se devidamente pronunciado sobre estes factos, para, de imediato, a acção ter que ser julgada procedente, pois:
a) O verdadeiro beiral do telhado, na parede, passa a situar-se a 50 cm acima do local onde está o actual beiral;
b) Com o aumento da parede e a construção de um novo telhado e novo beiral, o actual beiral cessa a sua função, pois
c) A função do actual beiral, na parede, passa a ser somente a ter a função decorativa, porque não é o verdadeiro beiral do telhado, nem recolhe directamente do telhado as águas das chuvas que escorrem do telhado para caírem no solo;
d) As águas das chuvas deixam de escorrer naturalmente pelo telhado e de caírem naturalmente no chão do prédio dos Autores / Apelantes,
e) Para passarem a ser manipuladas artificialmente por acção do homem para passarem a ser previamente recolhidas por um caleiro ou caleira e,
f) Depois, lançadas por esse caleiro para o beiral actual transformado em elemento decorativo da parede para, através deste, serem lançadas no prédio dos Autores / Apelantes.
12. Consabido sendo que um telhado é um conjunto de telhas (ou outro material) que, encaixadas umas nas outras e simetricamente dispostas, cobrem uma construção e um beiral corresponde à última fileira de telhas que forma a aba do telhado, constituindo a parte avançada do telhado sobre o corpo do edifício onde foi construído tal telhado e que, por sua vez, o sistema de caleiro ou caleira é um sistema de recolha de águas que recolhe a água de um beiral e concentra a água num ponto e despeja essa água através de um tubo noutro local, atenta esta matéria factual comum aos depoimentos dos peritos e das testemunhas, que não foi tido em linha de conta na sentença proferida:
a) O actual beiral deixa de fazer parte de qualquer telhado, constituindo somente um elemento decorativo que não é mais beiral, pois o verdadeiro beiral vai situar-se 50 centímetros acima do local onde existe o actual beiral; e, b) A água das chuvas deixa de ter um tratamento natural e, por acção artificial, vai passar a concentrar-se num ponto e deste ser deitada para o objecto decorativo sobrevivente do antigo beiral e deste passar para o prédio dos Autores / Apelantes.
13. Dos depoimentos prestados e transcritos nas alegações, vê-se claramente que: se está perante a alteração da estrutura do prédio dos RR / Apelados com o aumento desta parede e alteração do beiral; passando a haver 2 beirais na mesma parede, sendo que há um novo, que corresponde ao beiral do telhado e que não goza de nenhuma servidão de estilicídio e que é construído a uma distância do prédio vizinho que não respeita e um antigo que deixou de ser a última fileira de telhas que forma a aba do telhado para passar a ser um objecto decorativo que nada tem a ver com nenhum beiral, para além da recolha da água das chuvas do telhado, ao passar por caleiro ou caleira e depois lançada no beiral actual para, através deste, a água cair no prédio dos Autores, ter o significado de que a água do telhado não cai naturalmente no beiral e que a água se concentra em determinados pontos do beiral, onde esteja colocada a boca ou tubo de ligação do caleiro ou caleira, o que, por si só, representa, desde logo, uma distorção e um agravamento das quantidades de águas em determinados pontos do prédio dos Autores/Apelantes, o que viola o disposto no artigo 1365º do Código Civil e demais disposições reguladoras do exercício do direitos de servidão.
14. Acresce que, o Tribunal a quo, na decisão que proferiu, não teve em consideração a situação factual existente e recolhida do processo de licenciamento, dos depoimentos feitos pelos peritos e testemunhas nestes autos, de entre os quais se destacam os seguintes factos: o alteamento da parede da casa dos RR em pelo menos 10/15 centímetros; a construção de um novo telhado, mais alto e com inclinação maior do que o que existia; a criação de dois beirais ou beirados, na mesma parede; a transformação do beirado primitivo em simples ornamento de parede; e, a construção com o aparecimento de um novo beiral sito na parede divisória do prédio dos RR / Apelados para com o prédio dos Autores / Apelantes, que se situa num plano superior ao plano onde passa a existir o ornamento decorativo de telhas encaixadas na parede, 50 centímetros abaixo do beiral do telhado.
15. Donde, tornar-se evidente que os RR / Apelados querem, além de aumentar a volumetria do seu prédio e reformularem as paredes, aumentando-as em altura, pretender, ardilosamente, simular a manutenção de um beiral que não é mais beiral nenhum para, através deste embuste, enganar a lei ao não querer no aumento volumétrico do seu prédio cumpri-la e recuar os 50 centímetros impostos no artigo 1.365 do Código Civil, pelo que, fraudulentamente, os RR / Apelados pretendem legitimar o novo beiral sito no plano superior da parede após o alteamento da parede e a ser criado como novo telhado a construir como sendo o beiral beneficiador da servidão de estilicídio, o que não é verdade nem é legal.
16. Por detrás das obras que os RR pretendem fazer no seu prédio, há a clara e óbvia intenção destes de defraudarem a lei e transportarem ilegalmente sob uma aparência legal a servidão de estilicídio que onera o prédio dos Autores / Apelantes para uma nova servidão de estilicídio, já que os RR / Apelados, querem aproveitar o primitivo beiral para dizerem que através dele têm servidão de estilicídio no segundo beiral e, através disto, querem com este aproveitamento violar o disposto no artigo 1365º-1 do Código Civil quando este impõe que um proprietário (no caso concreto, os RR / Apelados) deve edificar de modo que a beira do telhado ou outra cobertura do seu prédio não goteje sobre o prédio vizinho, deixando um intervalo mínimo de cinco decímetros entre o prédio e a beira, se de outro modo não puder evitá-lo.
17. A existência de uma servidão de estilicídio não se sobrepõe à aplicação dos poderes de uso, fruição e disposição do direito de propriedade que pertença a um proprietário, como é o caso dos Apelantes, e, por isso, constituída uma servidão de estilicídio, pode-se, através de obras no prédio dominante, manter ou reduzir as suas vantagens, mas o que não se pode é aumentá-las, tal como vem referido no acórdão da Relação do Porto, de 1-4-1986, in CJ, 1986- 2º, 188, tanto que o chamado “exercício das servidões” é regulado pelo respectivo título, o que, in casu, resulta da usucapião constituída pela queda “gota a gota” dos antigos beirados – art. 1564º do Código Civil – não sendo permitido ao dono do prédio dominante fazer obras de modo a tornar mais onerosa a servidão, como ensina David Augusto Fernandes.
18. O Tribunal a quo não tem a liberdade de substituir (sincopar, omitir e acrescentar) o decorrente das provas produzidas por meras conjecturas ou opiniões pessoais, por mais honestas que sejam, antes está vinculado à razão e à lógica, às provas produzidas, apreciadas criteriosa e criticamente, na consideração da Lei e das regras da experiência, certo sendo que, in casu, ficou aquém e foi muito para além da prova produzida, o que não cabe em sede das "regras da experiência" e, muito menos, pode alicerçar ou preencher a "livre convicção".
19. Para além de inquinada a montante, a fundamentação de facto e de direito e subsequente "decisão" acham-se desajustadas da materialidade que a deveria informar e que foi preterida, pelo que é merecedora de reparo e censura, porque injusta – o que se aquilata, entre o mais, dos meios probatórias consignados em 6. destas Conclusões.
20. A, aliás douta, sentença em crise postergou e/ou violou, designadamente, o são e o correcto entendimento e âmbito de aplicabilidade do disposto nos arts. 20°, nº 1 e 62°, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 1305°, 1564º e 1.365º, todos do Código Civil, bem como, os artigos 5º, 607º nºs 3, 4 e 5, a alínea d), do n.º 1, do art. 615º e 628º, todos do CPCivil.”
Pugnam os Autores pela integral procedência do recurso, e pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra que tenha como provado e procedente o nas alíneas b), c) e d) do petitório, com as consequências legais.
Os Réus apresentaram contra-alegações pugnando pela rejeição do recurso na parte respeitante à impugnação da matéria de facto e pela improcedência do recurso.
Cumpre decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, são as seguintes:

1 - Saber se a sentença é nula por omissão de pronuncia nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
2 - Determinar se deve ser rejeitado o recurso na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto e, não o sendo, se houve erro no julgamento da matéria de facto quanto ao ponto 1) dos factos não provados.
3 - Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:

1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número …, da Freguesia de ... (inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo urbano nº …º) o seguinte prédio: “URBANO SITUADO EM: Serra ÁREA TOTAL: 4210 M2 ÁREA DESCOBERTA: 4210 M2 MATRIZ nº: 475 COMPOSIÇÃO E CONFRONTAÇÕES: Parcela de terreno para construção urbana - norte, herdeiros de H. P.; sul, J. D. e estrada municipal; nascente, J. D. e J. G.; e poente, F. P. e outros” (artigo 1.º da petição inicial);
2. Pela AP. 1 de 2005/07/07 o prédio 1. encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial ... a favor dos Autores (artigo 1.º da petição inicial);
3. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ../19860421, da Freguesia de ... (inscrito na matriz predial da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo urbano nº 1361) o seguinte prédio: “URBANO SITUADO EM: Corredoura ÁREA TOTAL: 161,43 M2 ÁREA COBERTA: 133,5 M2 ÁREA DESCOBERTA: 27,93 M2 MATRIZ nº: 491 COMPOSIÇÃO E CONFRONTAÇÕES: Casa de 1 piso e rossios -norte e nascente, J. B.; sul, Capela; e poente, A. P.” (artigo 5.º da petição inicial);
4. Pela AP. 681 de 2009/03/09 o prédio descrito em 3. encontra-se inscrito a favor dos Réus na Conservatória do Registo Predial ... (artigo 5.º da petição inicial);
5. Os Autores, por si e por seus antecessores, detêm, fruem e dispõem do prédio mencionado em 1., há mais de 20/30 anos, de modo pleno e exclusivo, de forma ininterrupta, contínua, sem oposição, com conhecimento geral, de modo a poder ser conhecida pelos interessados, sem que tenham usado de violência nem para a sua aquisição nem para o seu exercício, tendo consciência, de que, com o seu comportamento, não estavam a lesar o direito de outrem (artigo 2.º da petição inicial);
6. Os Autores detêm o prédio e dispõem das utilidades que usufruem do mesmo, pagando ainda as devidas contribuições legais (artigo 3.º da petição inicial);
7. As extremas norte e nascente do prédio 3. confrontam com as extremas poente e sul do prédio 1. (artigo 6.º da petição inicial);
8. As paredes norte e nascente da casa de habitação dos Réus, edificada no prédio 3. confina com as extremas sul e poente do prédio 1. (artigo 7.º da petição inicial);
9. Sendo que as paredes exteriores e a beirada do telhado da referida casa, nos lados nascente e norte, estão implantadas junto da linha divisória que o separa do prédio 1. (artigo 8.º da petição inicial);
10. No processo de licenciamento de obras de edificação – Hab com o nº. LE-HAB – 36/2013, por Despacho de 18 de Março de 2014, conforme alvará de obras de construção nº. 27/2014 e rectificadas por despacho de 26 de Março de 2015, com termo do licenciamento concedido pelo Município para a sua realização em 15-09-2015, a Câmara Municipal ... autorizou os Réus a efectuar as seguintes obras no prédio 3.:
a) alteração da cobertura com alteamento do telhado (artigos 16.º, 52.º e 53.º da petição inicial);
b) manutenção do beiral já existente e construção de novo beiral no telhado, 50 cm acima do beiral já existente, que alinhará com a prumada da parede (artigo 16.º da petição inicial);
c) restauração das paredes exteriores voltadas para o prédio 1. (artigo 15.º da contestação);
d) aumento da volumetria do prédio 3. (artigo 53.º da petição inicial);
11. As obras referidas em 10. terão como resultado a melhoria das condições de segurança, salubridade, comodidade e habitabilidade da casa de habitação dos Réus edificada em 3. (artigos 18.º e 33.º da contestação).
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Factos considerados não provados em Primeira Instância:

1. As obras elencadas em 10. terão as seguintes consequências:
i. aumento de beiral com consequente invasão do espaço aéreo pelo prédio 3. no prédio 1.(artigo 16.º da petição inicial);
ii. criação de espaço habitacional no vão do telhado (artigo 47.º da petição inicial);
iii. aumento da quantidade de chuva que cai do prédio 3. no prédio 1. (devido ao aumento da superfície onde a chuva cai e escorre para cair no prédio 1. e ao alteamento da cobertura) (artigo 16.º da petição inicial);
iv. aumento da velocidade da água que virá a cair no prédio 1. devido à maior inclinação da pendente do telhado (artigo 16.º da petição inicial);
2. A casa de habitação dos Réus, referida em 8., foi edificada há mais de 100 anos (artigo 15.º da contestação).
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3.2. Da nulidade da sentença

Os Autores, Recorrentes, vieram arguir a nulidade da sentença recorrida com fundamento na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, por omissão de pronúncia, alegando que na parte em que elencou as questões a decidir na sentença recorrida o tribunal a quo procedeu a uma restritiva e ilegal simplificação do despacho saneador relativamente ao objecto do litígio identificado e aos temas da prova enunciados, sendo que aquele despacho vinculava por ter transitado em julgado.
Nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do referido artigo 615º a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Vejamos se lhes assiste razão.
A nulidade prevista na referida alínea d) prende-se com a omissão de pronúncia (quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar) ou com o excesso de pronúncia (quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento).
A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronuncia) há-de assim resultar da violação do dever prescrito no n.º 2 do referido artigo 608º do Código de Processo Civil do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras e só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada.
Mas, a resolução das questões suscitadas pelas partes não pode confundir-se com os factos alegados, os argumentos suscitados ou as considerações tecidas, ou com o não conhecimento de questões julgadas prejudicadas por força da solução dada ao litígio, não se confundindo também, conforme já referimos, com o designado erro de julgamento.
Ora, segundo os Recorrentes a nulidade por omissão de pronúncia ocorre porque o tribunal a quo não se terá pronunciado na sentença, designadamente ao indicar as questões a decidir, sobre todas as questões que haviam sido indicadas no despacho que identificou o objecto do litígio e que enunciou os temas da prova.
Importa aqui começar por referir que o objecto do litígio não se confunde com os temas da prova, e que a nulidade da sentença também não deve ser confundida com o designado erro de julgamento.
As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no artigo 615º do Código de Processo Civil, conforme se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/10/2017 (Relator Conselheiro Alexandre Reis, Processo n.º 1204/12.9TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei”.
As decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respectiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respectiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido artigo 615º.
As nulidades da sentença não se confundem, por isso, com o chamado erro de julgamento e, sobretudo, não deve confundir-se o inconformismo quanto ao teor da decisão com os vícios que determinam as nulidades em causa.
Como é consabido, uma sentença estrutura-se no relatório, na fundamentação (de facto e de direito) e na decisão.
O artigo 607º do Código de Processo Civil dispõe no seu n.º 2 que a sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio enunciando de seguida as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
O relatório da sentença deve, por isso, e no contexto da simplificação que marca atualmente o processo civil, ser abreviado desde logo no que concerne ao objecto do litígio que deve ser enunciado em traços gerais, com identificação do pedido e indicação sintética dos respectivos fundamentos, bem como dos fundamentos da defesa apresentada.
O objecto do litígio a enunciar corresponderá normalmente ao que foi identificado aquando da prolação do despacho referido no artigo 596º do Código de Processo Civil, verificando-se, por regra, uma coincidência entre o “objecto do litígio” a que se reporta o artigo 607º n.º 2 e o modo como o juiz, na audiência prévia, delimitou os “termos do litígio” (artigo 591º n.º 1, alínea c)), sendo esta delimitação que servirá de base à elaboração da sentença (vide Paulo Pimenta, Processo Civil declarativo, 2014, página 311; António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, página 717; Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, página 161).
Porém, “para além de esta delimitação não ser vinculativa nem para o juiz que a concretizou, nem para o que venha a realizar o julgamento e a proferir a sentença, não está afastada a possibilidade de, através de uma análise mais profunda dos autos, se revelarem outras questões que resultem dos articulados, que tenham sido suscitadas posteriormente ou que sejam de apreciação oficiosa” (vide António Santos Abrantes Geraldes, “Sentença Cível”, janeiro de 2014, páginas 4 e 5, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/asentencacivelabrantesgeraldes.pdf).
O que aqui deverá relevar para que se possa apreciar e decidir outras questões é que o contraditório esteja garantido, pois, se o não estiver, deverá sempre proceder-se à audição das partes de forma a evitar decisões-surpresa (cfr. artigo 3º n.º 3 do Código de Processo Civil).
As “questões jurídicas” a solucionar deverão corresponder aos vectores fundamentais da acção e da defesa, a que poderão ainda acrescer outras que sejam de conhecimento oficioso, e não a meros argumentos jurídicos.
O que importa, por isso, é que na sentença o juiz conheça de todas as questões que lhe cumpra solucionar, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e que respeitam à causa de pedir e às excepções invocadas, com excepção daquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, a não ser que a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras (cfr. artigo 608º n.º 2, do Código de Processo Civil).
Relativamente aos temas da prova a enunciar, não se trata mais de uma “quesitação atomística e sincopada de pontos de facto que caracterizou o nosso processo civil” (vide Paulo Pimenta, Processo Civil declarativo, 2014, página 281; António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, página 699) mas de permitir que “a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas excepções deduzidas, decorra sem barreiras artificiais, com isso se assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa. Quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, aquilo que importará é que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos”.
Rui Pinto (ob. cit. página 130) caracteriza os temas da prova como “instrumentos de organização dos factos relevantes para a audiência final”, que se destinam a indicar os factos sobre os quais há-de recair a produção de prova na fase da instrução, e que no plano do conteúdo são “enunciados genéricos de questões de facto (factos “abstractos”) que possam integrar previsões normativas”.
Como se refere na exposição de motivos da Proposta de Lei 113/XII “(…) Estamos perante um novo paradigma que, por isso mesmo, tem necessárias implicações, seja na eliminação de preclusões quanto à alegação de factos, seja na eliminação de um nexo directo entre os depoimentos testemunhais e concretos pontos de facto pré-definidos, seja ainda na inexistência de uma decisão judicial que, tratando a vertente fáctica da lide, se limite a “responder” a questões eventualmente até não formuladas”.
O actual artigo 596º n.º 1 do Código de Processo Civil passou a estipular que, “proferido o despacho saneador, quando a acção houver de prosseguir, o juiz profere despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova” tendo em vista assegurar de que a instrução decorra sem limites artificiais, balizada apenas pelos limites que resultam da causa de pedir e das excepções deduzidas, em sintonia com o disposto no artigo 410º, onde se estatui que a instrução tem por objecto os “temas da prova enunciados”, e no artigo 516º que estabelece que a testemunha depõe sobre a matéria dos temas da prova, fazendo-o com precisão e com indicação da razão da ciência e de quaisquer outras circunstâncias que justifiquem o conhecimento.
O conceito de temas da prova contém, por isso e em si mesmo, uma maior flexibilidade, podendo a sua enunciação ser efectuada de forma mais vaga ou mais precisa, em razão das necessidades da instrução adequada a propiciar a justa composição do litígio (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, páginas 699 e 700), podendo, consoante as circunstâncias concretas de cada acção ser enunciados com maior concretização ou de forma mais genérica ou até mesmo conclusiva, mas sempre de forma fluída, sem submissão a “regras” precisas e formais como as que anteriormente se aplicavam à formulação de quesitos e à base instrutória, apenas balizada a sua enunciação pelos limites decorrentes da causa de pedir e das excepções invocadas, nos termos que cada concreta ação o justifique e sem compromisso quanto às regras da distribuição do ónus da prova.
Retornando ao caso dos autos e à alegação dos Recorrentes importa esclarecer que não serão os “temas de prova” - que in casu não foram enunciados como factos concretos mas de forma mais genérica - que devem ser julgados provados ou não provados na sentença.
Ao juiz compete no momento em que proceder ao julgamento da matéria de facto na sentença indicar com exactidão os factos provados e não provados (cfr. artigo 607º n.ºs 3, 4 e 5 do Código de Processo Civil) que resultaram da instrução levada a cabo, sendo essa realidade constituída pelos concretos factos julgados provados que serão objecto de valoração jurídica e a base da decisão de direito; a decisão sobre a matéria de facto já não se poderá bastar com formulações genéricas, de direito ou conclusivas, antes se impondo ao tribunal que se pronuncie sobre os factos concretos pertinentes à decisão das questões enunciadas.
Assim, a sentença não será nula por excesso ou omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil se o juiz dá ou não como provados ou não provados determinados factos que o recorrente considera constarem ou não dos temas da prova.
A falta ou deficiência da fundamentação da decisão sobre algum ponto de facto essencial para o julgamento da causa ou a contradição entre pontos de facto não se enquadra na previsão de qualquer das hipóteses do referido artigo 615º, mas sim do artigo 662º, norma que trata dos vícios e erros de julgamento da decisão relativa à matéria de facto.
A omissão na sentença de algum facto concreto essencial à decisão e integrante de algum dos temas da prova enunciados aquando da prolação do despacho previsto no artigo 596º do Código de Processo Civil nunca determinará, por isso, a nulidade da sentença nos termos previstos no artigo 615º do Código de Processo Civil.
Questão distinta é a de saber se houve erro de julgamento, pois como já referimos este não deve confundir-se com as nulidades da sentença.

Relativamente à identificação das questões a decidir constatamos que na sentença recorrida foi identificada como questão a decidir o “agravamento da servidão de estilicídio que onera o prédio dos Autores e consequente (i)licitude das obras a realizar pelos Réus no seu prédio urbano”.

No caso em apreço foi ainda proferido, nos termos do disposto no artigo 596º do Código de Processo Civil o seguinte despacho a identificar o objecto do litígio:
“i. Objecto
Nos presentes autos, cumpre apreciar e decidir as seguintes questões: ---
1 - se as obras que os réus pretendem executar no seu prédio, através do projecto identificado no art.º 16.º da p.i., viola ou perturba o exercício do direito de propriedade dos autores sobre o prédio identificado no art.º 1 da p.i.---
2 - se os réus têm ou não o direito de ver constituído a favor do prédio identificado no art.º 5 da p.i. um direito de servidão sobre o prédio identificado no art.º 1 da p.i., impondo a este a constituição de uma servidão non aedificandi.”

A questão identificada na sentença tem correspondência com a questão enunciada em 1) do despacho que identificou o objecto do litígio, sendo certo que na sentença recorrida a questão foi tratada por referência aos limites ao direito de propriedade, designadamente resultantes do devassamento (interstício) e do gotejamento (estilicídio) e da constituição de servidões prediais, concluindo o tribunal a quo pela existência de servidão de estilicídio e que das obras a levar a cabo pelos Réus no seu prédio (dominante) não resulta uma alteração do modo de exercício daquela servidão, mantendo os Réus as vantagens da mesma, não sendo as obras ilícitas.
Temos, contudo, de concordar com os Recorrentes quando referem que o tribunal a quo não se pronunciou na sentença recorrida sobre uma das questões suscitadas nos autos pelos Autores, que nesse sentido formularam pedido constante da alínea d) e que se refere à imposição da constituição de uma servidão non aedificandi a onerar o prédio dos Autores, nos termos por estes invocados na petição inicial.
Tal como decorre da alegação constante da petição inicial os Autores invocam que a realização das obras pelos Réus implicará não só a violação do âmbito da servidão de estilicídio, que aliás reconhecem encontrar-se constituída a favor do prédio dos Réus, ainda que com determinada e concreta configuração, mas também a criação de uma servidão administrativa non aedificandi a onerar o seu prédio, designadamente por força do alegado aumento de volumetria, alteamento das paredes e aproveitamento do vão do telhado com a criação de espaço habitacional, que deveriam respeitar distâncias mínimas impostas pela lei e que as obras dos Réus alegadamente não respeitam, o que determina segundo os Autores que numa futura edificação que queiram erguer no seu terreno tenham de ser eles a respeitar aquelas distâncias mínimas, considerando, por isso, que irá ser imposta uma servidão administrativa non aedificandi a onerar o seu prédio.
Quanto a esta questão temos de concordar com os Recorrentes pois que a decisão recorrida é de facto omissa quanto à apreciação da mesma. Tal omissão, não obstante determinar a nulidade da sentença nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Processo Civil, não impede que se conheça do objecto da apelação conforme decorre do n.º 1 do artigo 665º, que consagra a regra da substituição ao tribunal recorrido, procedendo-se ao conhecimento da referida questão, o que se fará adiante.
***
3.3. Da modificabilidade da decisão de facto

Sustentam os Recorrentes nas suas conclusões que houve erro no julgamento da matéria de facto quanto ao ponto 1) dos factos não provados, entendendo que os mesmos devem ser considerados provados.
Decorre do n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
E a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
Os Réus, Recorridos, nas contra alegações que apresentaram suscitam a questão de não ter sido dado cumprimento pelos Recorrentes aos ónus impostos por aquele preceito, pois impunha-se que fizessem a transcrição da factualidade que foi julgada não provada na 1ª instância e que na sua perspectiva deve ser alterada, bem como qual a redacção e sentido que entendem que deve ter.
Sustentam que os Recorrentes não indicaram clara e expressamente nas conclusões de recurso os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados e a decisão que no seu entender deve ser proferida; e ainda que não identificaram em relação a cada um dos pontos da matéria de facto que impugnam os concretos meios de prova que fundamentam decisão diferente.
Vejamos então se deve rejeitar-se o recurso na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Dispõe este preceito (sob a epigrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”) que “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.

De acordo com este preceito é de exigir ao recorrente que obrigatoriamente especifique:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- Quando a impugnação dos pontos da decisão da matéria de facto se baseie em provas gravadas deverá ainda indicar com exatidão as passagens da gravação relevantes e proceder se o entender à transcrição dos excertos que considere oportunos;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

O legislador impõe de forma expressa ao recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto tal ónus de especificar e o incumprimento do ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento.
A este propósito escreve Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, 2014, página 133) que “O Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente (…)” mas também que importa que “não se exponenciem os requisitos a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a pretendida reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador” e que, por outro lado, “quando houver sérios motivos para rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto; quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia; ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afetados (…)”.
Temos entendido como essencial que das conclusões formuladas pelo recorrente constem efectivamente os pontos da matéria de facto que impugna e o sentido da decisão que pretende seja proferida; é que são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, que definem as questões a reapreciar pela Relação, pelo que o cumprimento do ónus decorrente do referido artigo 640º (alínea a) do n.º 1) impõe que nas mesmas sejam indicados todos os concretos pontos de facto que se pretendem impugnar.
Conforme se lê no Acórdão desta Relação de 28/06/2018 (Relator Desembargador Jorge Teixeira disponível em www.dgsi.pt) “Deverá ser rejeitado o recurso genérico da decisão da matéria de facto apresentado pelo Recorrente quando, para além de não se delimitar com precisão os concretos pontos que se pretendem questionar, não se deixa expressa a decisão que, no entender do mesmo, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
A este propósito pode ainda ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/06/2017 (Relator Conselheiro Tomé Gomes, também disponível em www.dgsi.pt) que são condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza e estrutura da decisão de facto que “postulam o ónus, por banda da parte impugnante, de delimitar com precisão o objeto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal ad quem, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC”.
No mesmo sentido pode ler-se no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/11/2019 (Relator Conselheiro António Leones Dantas, disponível em www.dgsi.pt) que “I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas também, e sobretudo, definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente nelas indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração. II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. III – Quando o recorrente se limite nas conclusões a consignar, em obediência ao disposto na alínea c) do n.º1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil um juízo de natureza jurídica que pressupõe uma globalidade de factos, sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpre o estabelecido naquele dispositivo, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte”.
Por outro lado, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem ainda distinguindo, para efeitos do disposto no referido artigo 640º, a previsão constante das alíneas a), b) e c) do n.º 1 (exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir) considerando que que constituem um ónus primário “na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto” (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2019, Relatora Conselheira Rosa Tching) da exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, a que se refere a alínea a) do nº 2 e que constitui um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.
Como se afirma no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, onde se salienta ainda que os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, “enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso”.
No entanto, analisadas as conclusões do recurso conclui-se que as mesmas não padecem da insuficiência que lhes é apontada pelos Recorridos, pois que os Recorrentes especificam expressamente o concreto ponto da matéria de facto não provada que impugnam, e indicam o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida relativamente ao mesmo.
É o que resulta de forma clara da 3ª Conclusão onde consta expressamente que devem ser alterados para provados os factos constantes do ponto 1) dos factos não provados, que aliás ali são transcritos.
Os Recorrentes indicam ainda os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa relativamente à matéria de facto impugnada (cfr. as 6ª, 7ª e 8ª Conclusões), sendo certo que estando impugnado apenas um ponto da matéria de facto não provada não tem fundamento referir que os Recorrentes “não identificaram em relação a cada um dos pontos da matéria de facto que impugnam os concretos meios de prova que fundamentam decisão diferente”.
Entendemos por isso que se deverão considerar-se cumpridos pelos Recorrentes os ónus impostos pelo artigo 640º n.º 1 do Código de Processo Civil, não sendo de rejeitar o recurso na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto, pelo que iremos conhecer do mesmo.

Analisemos então os motivos da discordância dos Recorrentes quanto ao ponto 1) dos factos não provados, o qual tem a seguinte redacção:

“1. As obras elencadas em 10. terão as seguintes consequências:
i. aumento de beiral com consequente invasão do espaço aéreo pelo prédio 3. no prédio 1.(artigo 16.º da petição inicial);
ii. criação de espaço habitacional no vão do telhado (artigo 47.º da petição inicial);
iii. aumento da quantidade de chuva que cai do prédio 3. no prédio 1. (devido ao aumento da superfície onde a chuva cai e escorre para cair no prédio 1. e ao alteamento da cobertura) (artigo 16.º da petição inicial);
iv. aumento da velocidade da água que virá a cair no prédio 1. devido à maior inclinação da pendente do telhado (artigo 16.º da petição inicial);”

Estão, assim, em causa factos correspondentes à versão apresentada pelos Autores e que respeitam às consequências invocadas quanto às obras previstas no processo de licenciamento, identificado no ponto 10) dos factos provados, que os Réus pretendem realizar e que o tribunal a quo entendeu não terem resultado provados.

Conforme consta da motivação da sentença recorrida:

“(…) Os factos não provados resultam da ausência de prova sobre os mesmos, e funcionamentos das regras de distribuição do ónus da prova, bem como da prova do contrário.
Ambos os Relatórios Periciais se pronunciam no sentido de não haver aumento de beiral com consequente aumento do espaço aéreo ocupado pelo prédio 3. no prédio 1. (embora o relatório apresentado pelo Sr. Perito A. E., indicado pelos Autores, diga que “indirectamente vai invadir o prédio dos Autores porque vai causar um aumento da área e do tempo de sombra no prédio, privar o prédio de algum tempo de exposição solar direta”, trata-se de matéria nova, não alegada nos articulados, que, por não se reconduzir a meros factos acessórios ou instrumentais, não podem ser tidos em consideração por este Tribunal, nos termos do art. 5.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.).
Em relação à invocada criação de espaço habitacional no vão do telhado, apesar da insistência neste sentido por parte do Sr. Perito A. E., por contraposição ao “Relatório Pericial” apresentado pelos Srs. Peritos indicados pelo Tribunal e pelos Réus, após oficio junto da Câmara Municipal ..., onde foi solicitada pelo Tribunal essa informação, aquela entidade apresentou “ofício” do teor do qual resulta expressamente que o projecto aprovado não prevê a alegada criação de espaço habitacional. Tal foi ainda reforçado pelo depoimento da testemunha A. L. - que teve participação no desenho do projecto aqui em causa aquando o licenciamento - nesse sentido, referindo, de forma objectiva e desinteressada que “esse espaço no telhado é para arrumos e não tem medidas necessárias para habitação”.
Também não se logrou demonstrar que com as ditas obras aumente o espaço no prédio 1. onde a chuva irá cair (devido ao aumento da superfície onde a chuva cai e escorre para cair no prédio 1. e ao alteamento da cobertura).
Na verdade, a quantidade de água mede-se em planta/plano, ou seja, a área onde chove vê-se em planta e, sendo x, mantém-se tal valor constante com o alteamento da cobertura. Ou seja, a quantidade de água não se calcula conforme o maior ou menor pano de telha. Por isso é que, da maior inclinação da cobertura não resulta uma maior quantidade de captação das águas da chuva.
Em relação à alegada maior velocidade com que a água da chuva passaria a escorrer e cair no prédio dos Autores, ficou demonstrado que, embora em teoria tal pudesse acontecer, ou seja, devido à maior inclinação do telhado tal resultaria em que a água escorra mais rapidamente, antes de mais sempre se diga que tal aumento de velocidade é quase insignificante. Por outro lado, o certo é que igualmente se demonstrou que a construção de um novo beirado, 50 cm acima do mais existente, terá como efeito contrabalançar aquela maior inclinação da cobertura ao servir de primeiro “travão” da água.
Neste sentido foi o depoimento da testemunha C. R., que é o empreiteiro encarregue de executar as obras sub judice, explicou de forma objectiva e isenta que o projecto que lhe entregaram consiste em “deixar o telhado antigo como estava … fazer um murete … e trazer o novo a pingar em cima daquele” ou seja, que as obras que se encontram previstas consistem em “se manter como está” (referindo-se à cobertura), e em relação à beirada “recua para trás”, explicando a testemunha que “a parte nova que se faz vai pingar no beirado que já existe …” sendo que a água da chuva “cai num segundo beirado e só depois no chão” por isso conclui que “podia cair com mais velocidade mas não porque pára no beirado”.
Assim, pese embora o “Relatório Pericial” do Sr. Perito A. E. tenha sido no sentido de o projecto licenciado, ao prever um volume saliente da cobertura do edifício com alteamento de cerca de 50 cm na prumada da parede existente que confronta com o prédio dos autores e cerca de 1,40 no cume, daqui resultar que uma maior quantidade de águas pluviais sejam conduzidas ao prédio 1., tal entendimento, além de não partilhado pelos demais Peritos nomeados no processo, apenas encontra concordância com a testemunha H. C. (que aos costumes disse ser filho do Sr. Perito Arq.º A. E.) - durante a inquirição, foi confrontado com o documento junto a fls. 9, 10, 12, 14, 15, 17, 18, 19, 26 e 29, do Licenciamento de obras anexo aos presentes autos, tendo expressado o entendimento que, uma vez a altura do edifício será maior em cerca de 1,20 cm, a inclinação da cobertura será mais acentuada, e, quanto mais inclinação mais velocidade da chuva que escorrega com alteração da trajetória da mesma (que é imprevisível); também que sendo mais área de superfície da cobertura, mais quantidade de água vai captar e encaminhar para prédio 1..
Ora, o Tribunal não ficou convencido de tal entendimento pelos motivos supra referidos, uma vez que, e concordando com os Srs. Peritos J. C. e C. J., a maior inclinação do mesmo não será representativa em termos de alteração da velocidade da chuva, e ainda que, apesar de ter mais pano de telha, a área onde chove permanece constante porquanto a parte exterior do edifício ficará tal qual se encontra actualmente (reforçando aqueles peritos dizendo que as paredes ficarão no mesmo sítio).
Importa salientar que o n.º 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil estabelece que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, o que resulta também do disposto nos artigos 389º, 391º e 396º do Código Civil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal; desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do n.º 5 do referido artigo 607º).
A “livre apreciação da prova” não se traduz obviamente numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, p. 655).
“É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325).
Por isso, o Tribunal “ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância” (Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, pág. 591), pois que, conforme decorre do n.º 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Mas, considerando os princípios gerais da imediação e da oralidade, bem como da concentração e da livre apreciação da prova, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada quando se possa concluir, com a necessária segurança, que analisada e conjugada a prova produzida esta aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância.
E, adiantando desde já a nossa posição, não vemos que tal ocorra no caso dos autos.

Os Recorrentes invocam em prol da sua pretensão os seguintes meios probatórios:

a) Processo de licenciamento de obras de edificação – Hab com o nº. LE-HAB – 36/2013;
b) Relatório de Perícia subscrito por A. E., perito indicado pelos Autores e esclarecimentos prestados em audiência;
c) Relatório de Perícia subscrito por C. J., perito nomeado pelo tribunal, e por J. C., perito indicado pelos Réus, e esclarecimentos prestados em audiência;
g) Depoimento da testemunha arrolada pelos Autores H. C.;
h) Depoimento da testemunha, arrolada pelos Réus A. L.;
i) Depoimento da testemunha, arrolada pelos Réus C. R.;
j) Depoimento da testemunha, arrolada pelos Réus J. P..

Sustentam que esta prova (documental, pericial e testemunhal) evidencia que há aumento de beiral com consequente invasão do espaço aéreo, há a criação de espaço habitacional no vão do telhado e há o aumento da quantidade de chuva que cai do prédio dos Réus para o prédio dos Autores e da velocidade da água que virá a cair no prédio dos Autores devido à maior inclinação da pendente do telhado.
Não entendemos, contudo, que lhes assista razão.
Vejamos.
Quanto ao alegado aumento de beiral com consequente invasão do espaço aéreo
Ao contrário do que pretendem os Recorrentes resulta de forma linear da prova produzida, em particular dos relatórios periciais juntos aos autos, que nessa parte são unânimes, bem como dos esclarecimentos prestados pelos peritos, que tiveram por base a análise do Processo de licenciamento de obras de edificação – Hab com o nº. LE-HAB – 36/2013, que o beiral existente se mantém sem qualquer alteração e que não haverá invasão e nem mais ocupação de espaço no prédio dos Autores.
É o que consta do relatório apresentado pelo perito A. E. (a fls. 101 dos autos) onde consta expressamente que o beiral existente permanece à mesma altura e com a mesma configuração e que fisicamente o beiral não irá invadir o prédio dos Autores, mas também do relatório apresentado pelos peritos C. J. e J. C. (a fls. 109) onde consta também que o beiral existente vai manter-se e que a elevação da cobertura não vai invadir o prédio dos Autores, e nem ocupar mais espeço no prédio destes.
Tal foi reiterado em sede de esclarecimentos prestados em audiência onde se conclui que o beiral existente se mantém inalterado, com a mesma configuração, e que existirá um outro beiral cerca de 50 cm acima mas que não invade/ocupa o prédio dos Autores.
Embora o perito A. E. tenha mencionado no seu relatório que “indirectamente vai invadir o prédio dos Autores porque vai causar um aumento da área e do tempo de sombra no prédio, privar o prédio de algum tempo de exposição solar direta”, tal não constitui efectivamente “invasão” ou “ocupação” do prédio dos Autores, tal como reconheceu em sede de esclarecimentos onde afirmou que o novo beiral resultante do alteamento não irá ocupar fisicamente o prédio dos Autores, poderá é prejudicar o que, tal como consta da sentença recorrida constitui matéria nova, não alegada pelos Autores.
Que o beiral existente se mantém sem qualquer alteração e que não haverá invasão e nem mais ocupação de espaço no prédio dos Autores é o que resulta ainda do depoimento da testemunha A. L..
Inexiste, por isso, fundamento para julgar provado que as obras elencadas no ponto 10) dos factos provados terão como consequência o aumento de beiral e invasão do espaço aéreo pelo prédio dos Réus no prédio dos Autores.
Quanto à alegada criação de espaço habitacional no vão do telhado
Resulta de forma clara da prova produzida que no vão do telhado não vai ser criado qualquer espaço habitacional.
Tal é o que ressalta de forma expressa da informação prestada pela Câmara Municipal ... (a fls. 126 dos autos) onde consta que o licenciamento da obra de alteamento do telhado da casa dos Réus não inclui o aparecimento e a construção de dependências habitacionais e de uso habitacional da parte interna do telhado e que tal espaço, não cumprindo com o artigo 79º do regulamento Geral das Edificações Urbanas, não poderá ser utilizado para fins de habitação podendo ser aproveitado como zona de arrumos.
Neste sentido se pronunciaram também os peritos C. J. e J. C. e a testemunha A. L., resultando do seu depoimento que o espaço não tem as medidas necessárias para um espaço habitacional; quanto ao perito A. E. apesar de no seu relatório ter respondido afirmativamente ao quesito 10º onde se perguntava se o licenciamento camarário da obra incluía o aparecimento e construção de novas dependências habitacionais e de uso habitacional na parte interna do telhado, acabou por dizer nos esclarecimentos que prestou, em momento anterior à informação prestada pela Camara Municipal ..., não afirmar que o sótão terá função habitacional por não constar do projecto indicação do tipo de uso. A informação posteriormente prestada pela Camara Municipal contraria a resposta dada por este perito ao quesito 10º.
Argumentam os Recorrentes que a criação de espaço habitacional não significa necessariamente que seja licenciado tal espaço como habitacional, pois o uso concreto é o que é relevante; porém, ainda que assim fosse não resultou concretamente demonstrado qualquer uso concreto para fins habitacionais.
Inexiste, por isso, fundamento para dar como provado que as obras elencadas no ponto 10) dos factos provados terão como consequência a criação de espaço habitacional no vão do telhado.
Quanto ao alegado aumento da quantidade de chuva que cai do prédio dos Réus no prédio dos Autores e da velocidade da água que virá a cair no prédio dos Autores devido à maior inclinação da pendente do telhado
Tal como consta da motivação do tribunal a quo, e ao contrário do que pretendem os Recorrentes, também entendemos que da prova produzida nos autos não resulta demonstrado que as obras que os Réus pretendem vá aumentar a quantidade de chuva a cair do prédio dos Réus e a velocidade da água.
Não obstante a posição assumida pelo perito A. E. (indicado pelos Recorrentes) no seu relatório e esclarecimentos prestados, tenha sido nesse sentido, no que foi secundado pela testemunha indicada pelos Recorrentes, H. C., seu filho, tal entendimento não foi o perfilhado pelos demais peritos (nomeado pelo tribunal e indicado pelos Réus) e nem pela testemunha C. R., que irá executar as obras e que esclareceu como vão ser efectuadas, explicando que a água é a mesma e que, se em face da maior inclinação a água poderia ganhar mais velocidade, tal não irá acontecer pois a água vai cair num beirado, onde perderá velocidade, e só depois vai para o prédio dos Autores.
Os elementos probatórios constantes dos autos não permitem, por isso, concluir nos termos pretendidos pelos Recorrentes, inexistindo fundamento para dar como provado que as obras elencadas no ponto 10) dos factos provados terão como consequência o aumento da quantidade de chuva e da velocidade da água que virá a cair no prédio dos Autores.
De todo o exposto decorre não haver fundamento para alterar a decisão recorrida quanto à matéria julgada não provada no ponto 1) pelo que, por nenhuma censura merecer a decisão a esse respeito proferida mantêm-se inalterada a matéria de facto fixada pela 1ª instância.
***
3.3. Reapreciação da decisão de mérito da acção

Mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado pelo Tribunal a quo, importa agora determinar se deve igualmente manter-se a decisão jurídica da causa, apreciando os argumentos invocados pelos Autores quer relativamente à questão da alteração da servidão de estilicídio quer quanto à alegada servidão non aedificandi, enquanto limitativas do seu direito de propriedade.
Vieram os Autores peticionar nos presentes autos (para além do reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio identificado no ponto 1) dos factos provados e da condenação dos Réus condenados a reconhecerem esse direito) a condenação dos Réus a absterem-se de executarem o projecto licenciado pela Câmara Municipal Hab. com o nº. LEHAB – 36/2013 e de alterarem a localização e configuração actual do beiral do seu prédio que beneficia de uma servidão de estilicídio e a reconhecer que não têm o direito de, unilateralmente, verem constituído a favor do seu prédio um direito de servidão sobre o prédio dos Autores, impondo a este a constituição de uma servidão non aedificandi que passe a onerar o prédio dos Autores e a restringir estes no exercício dos direitos que a lei lhes confere e lhes faculta enquanto proprietários plenos deste prédio.
Alegam os Autores que pretendem com a presente acção evitar a realização de quaisquer obras no prédio confinante que possam provocar uma situação irreversível de violação do direito de propriedade sobre o seu prédio e exigir dos Réus que não construam no seu prédio por forma a alterarem ou ampliarem a actual servidão de estilicídio que se encontra constituída a favor do seu prédio.
Vejamos então.
Sendo os Autores proprietários do prédio identificado no ponto 1) dos factos provados, dele podem efectivamente gozar de “(...) modo pleno e exclusivo, dos direitos de uso, fruição e disposição, (...) dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”; é o que decorre do artigo 1305º do Código Civil.
O direito de propriedade enquanto “direito real de gozo máximo ou pleno” (cfr. L. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, página 277), é, assim, exclusivo (jus excludendi omnes allios) pelo que pode o proprietário exigir a terceiros que o reconheçam e que se abstenham de perturbar o seu exercício (neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, página 93).
Da mesma forma, sendo os Réus donos e legítimos proprietários do prédio urbano descrito no ponto 3) dos factos provados (cujas paredes norte e nascente da casa de habitação confinam com as extremas sul e poente do prédio dos Autores), dele podem também gozar de “(...) modo pleno e exclusivo, dos direitos de uso, fruição e disposição, (...) dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.
As restrições a que se refere o artigo 1305º do Código Civil podem ser de direito público ou de direito privado, sendo estas as que aqui relevam e que resultam das relações de vizinhança, tendo por objectivo “regular conflitos de interesses que surgem entre vizinhos em virtude da impossibilidade dos direitos do proprietário serem exercidos plenamente sem afectação dos direitos dos vizinhos” (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit. página 95), as quais se encontram previstas e reguladas, na sua generalidade, no capitulo do Código Civil respeitante à propriedade dos imóveis (cfr. artigos 1344º e seguintes).
Uma das restrições resultantes para o proprietário encontra-se exactamente no artigo 1365º do Código Civil, respeitante ao estilicídio, que estabelece que o proprietário deve edificar de modo que a beira do telhado não goteje sobre o prédio vizinho, deixando um intervalo mínimo de meio metro entre o prédio e a beira, se de outro modo não puder evitá-lo.
A regra constante deste preceito é a de que os vizinhos devem construir de forma que a beira do telhado, ou outra cobertura, não goteje sobre o prédio alheio.
Este normativo insere-se nas denominadas restrições à natureza exclusivista do direito de propriedade derivadas das relações de vizinhança; conforme escreve M. Henrique Mesquita (Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, página 141) “Se a natureza exclusivista do direito de propriedade não sofresse temperamentos, tornar-se-ia impossível, nestas situações, conciliar os interesses conflituantes dos vários proprietários: cada um deles poderia impedir aos demais as formas de exercício que directa ou reflexamente, atingissem o seu imóvel. Simplesmente, nós sabemos já que o direito de propriedade só é exclusivo dentro dos limites postos pela lei (cfr. art. 1305º). E a lei estabelece várias restrições dirigidas precisamente a solucionar os conflitos que as situações ou relações de vizinhança podem originar. …”.
Esta limitação deriva das proibições de emissões impostas no artigo 1346º do Código Civil e do princípio imposto pelo artigo 1351º do mesmo diploma segundo o qual os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores.
Na verdade, a beira ou outra cobertura do telhado não pode gotejar sobre o prédio vizinho pois se isso ocorresse traduzir-se-ia numa emissão não permitida.
Entendeu o legislador que tal já não ocorrerá se for deixado um intervalo mínimo de 5 decímetros perante o terreno vizinho, presumindo que dessa forma as águas que assim caírem irão infiltrar-se-ão no terreno, espalhando-se por ele de modo a já não causarem prejuízo ao prédio vizinho.
Pires de Lima e Antunes Varela (ob. cit. página 277; e no mesmo sentido António Carvalho Martins, Construções e Edificações, 1990, página 138 e seguintes) entendem que o que se consagra no n.º 1 do referido artigo 1365º é a orientação de que o proprietário “tem obrigação de construir de modo que as águas pluviais caídas do seu prédio urbano não vão, através da sua infiltração, prejudicar o prédio vizinho” estando fundamentalmente em causa “uma limitação ao direito daquele proprietário, e não uma servidão sobre o outro prédio do outro”.
O n.º 2 do referido artigo 1365º prevê, contudo, a constituição de servidão de estilicídio, estabelecendo que constituída esta por qualquer título, o proprietário do prédio serviente não pode levantar edifício ou construção que impeça o escoamento das águas, devendo realizar as obras necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio, sem prejuízo para o prédio dominante; não podendo também impedir ou dificultar o exercício de adminicula servitutis, isto é, das faculdades inerentes à própria servidão, designadamente, as de a vigiar, limpar e conservar.
O proprietário do prédio serviente pode, no entanto, fazer no seu prédio todas as obras que não estorvem o uso da servidão, podendo ainda exigir a mudança da servidão se a alteração lhe for conveniente e não prejudique os interesses do proprietário dominante (cfr. artigo 1568º n.º 1 que estabelece que “O proprietário do prédio serviente não pode estorvar o uso da servidão, mas pode, a todo o tempo, exigir a mudança dela para sítio diferente do primitivamente assinado, ou para outro prédio, se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante, contanto que a faça à sua custa”.
O dono do prédio onerado com a servidão pode, por isso, construir no seu prédio; o que não pode é criar obstáculos ao escoamento. Se criar esses obstáculos, o dono do prédio dominante apenas tem o direito de exigir a destruição da obra levantada na estrita medida do necessário a repor o escoamento, e não de toda a obra levantada no prédio serviente.
Não vem questionado nos autos que a favor do prédio dos Réus, e a onerar o prédio dos Autores, se encontra constituída uma servidão de estilicídio; aliás, assim o afirmam e reconhecem os Autores na petição inicial.
A questão que se coloca é, por isso, tal como invocada pelos Autores e delimitada pelo tribunal a quo, a da alteração/ampliação da actual servidão de estilicídio por força das obras de edificação que se mostram licenciadas e que os Réus pretendem realizar no seu prédio; a de saber se, por força das alterações que vão ser levadas a cabo pelos Réus no seu prédio, se vai modificar a servidão de estilicídio, ou seja se vão ser excedidos os limites do direito da servidão de estilicídio constituída a favor do prédio dos Réus.
É inquestionável que o proprietário do prédio beneficiado com a servidão não pode agravar o escoamento existente; isto é, não pode tornar mais onerosa a servidão existente.
Como decorre do artigo 1543º do Código Civil a servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente.
As servidões têm natureza real e podem ser constituídas por testamento, por usucapião ou por destinação do pai de família (cfr. artigo 1547º do Código Civil) sendo que somente as servidões aparentes, isto é, as que se revelam por sinais visíveis e permanentes, é que são susceptíveis de constituição por usucapião (cfr. artigo 1548º).
Relativamente ao seu conteúdo, podem ser objecto de servidão quaisquer utilidades ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor (cfr. artigo 1544º do Código Civil).
Quanto à sua extensão e exercício, as servidões são reguladas pelo respectivo título e compreendem tudo quanto seja necessário para o seu uso e conservação, conforme decorre do preceituado nos artigos 1564º e 1565º, ambos do Código Civil.
Segundo Tavarela Lobo (Mudança e Alteração de Servidão, 1984, páginas 16 e 17, inserem-se nesta fórmula ampla “todas as faculdades ou poderes instrumentais acessórios ou complementares, que representam os meios adequados ao pleno aproveitamento da servidão. Tais meios não constituem, assim, uma actividade supérflua ou gravosa para o prédio serviente e são correntemente designadas por adminicula servitutis. Não constituem, por outro lado, uma servidão autónoma ainda que acessória e diferente da que se designaria por principal. O conteúdo da servidão é uno e os adminicula são simples faculdades complementares reconhecidas ao titular para exercer a única servidão existente”.
E, em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, estabelece o n.º 2 do artigo 1565º que se entenderá constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente.
Este preceito estabelece uma regra subsidiária para os casos de dúvida que o título não resolva que se divide em duas partes: por um lado deve atender-se às necessidades normais e previsíveis do prédio dominante e, por outro lado, de entre as várias formas que possam satisfazer tal objetivo, deve escolher-se aquela que menos onerosa se torne para o prédio serviente pois “a servidão, diz-se, deve ser exercida civiliter” (vide Pires Lima e Antunes Varela, ob. cit. página 664).
No dizer de Tavarela Lobo (obra citada, páginas 25 e 26) ponderou-se que “a finalidade da servidão é, de facto, servir os fins ou destino económico do prédio dominante, pelo que, visando uma utilidade específica, um escopo determinado, a servidão deverá compreender, no seu conteúdo e extensão, tudo o que é necessário a tal escopo”.
Assim, em caso de dúvida, a questão deve resolver-se satisfazendo, sempre e de modo obrigatório, as necessidades normais e previsíveis do titular do prédio dominante, o que deve ser feito com o menor prejuízo para o prédio serviente.
Importa também referir que o exercício da servidão nem sempre se mantém imutável.
De facto, desde o seu início e até à sua extinção, a servidão pode vir a sofrer diversas modificações no seu conteúdo, as quais podem ser determinadas por circunstâncias várias, de entre as quais podemos aqui referir a título de exemplo o próprio exercício da servidão, eventuais alterações estruturais dos prédios, eventual alteração da finalidade ou destinação económica dos prédios ou “necessidades normais e previsíveis do prédio dominante”; tais modificações podem ocorrer na extensão da servidão mas também no seu exercício.
O exercício indica o elemento qualitativo da servidão que define a fisionomia ou a natureza do encargo (servidão de passagem, servidão de vistas, servidão de estilicídio, etc); a extensão visa o elemento quantitativo que interessa à concretização prática do direito e à fixação dos seus limites, como por exemplo a quantidade de água, o número e tamanho de janelas, o comprimento e largura do caminho (vide Pires Lima e Antunes Varela, ob. cit. página 663).
No caso dos autos os Recorrentes alegam que constituída uma servidão de estilicídio, que in casu resulta da usucapião, pode-se através de obras realizadas no prédio dominante manter ou reduzir as suas vantagens mas não se pode aumentá-las, não sendo permitido ao dono do prédio dominante fazer obras de modo a tornar mais onerosa a servidão.
Conforme decorre da matéria de facto provada os Réus pretendem levar a cabo obras no seu prédio, as quais foram já autorizadas pela Câmara Municipal ..., no processo de licenciamento de obras de edificação – Hab com o nº. LE-HAB – 36/2013, e que consistem na alteração da cobertura com alteamento do telhado, com manutenção do beiral já existente e construção de novo beiral no telhado, 50 cm acima do beiral já existente, que alinhará com a prumada da parede, na restauração das paredes exteriores voltadas para o prédio dos Autores e aumento da volumetria do prédio dos Réus.
Tais obras terão como resultado a melhoria das condições de segurança, salubridade, comodidade e habitabilidade da casa de habitação dos Réus.
Assim, o que releva aqui saber é se a realização destas obras no prédio dos Réus (dominante) irá aumentar as vantagens decorrentes da servidão de estilicídio e tornar mais onerosa a servidão.
Como já referimos as servidões quanto à sua extensão e exercício são reguladas pelo respectivo título e em caso de dúvida entender-se-á que a servidão se mostra constituída de forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente.
As necessidades a satisfazer por meio da servidão são as já existentes no momento da sua constituição e ainda todas aquelas decorrentes das modificações naturais e previsíveis do prédio dominante, excluindo-se o que torne a servidão mais onerosa; fundamental é, por isso, que se respeite a função da servidão e que as modificações não se traduzam num agravamento da mesma.
Ora, correspondendo o conteúdo de uma servidão de estilicídio à circunstância do escoamento das águas pluviais que gotejam da beira do telhado ou outra cobertura se fazer para o prédio vizinho, o seu exercício deverá medir-se pelo efectivo escoamento no prédio serviente dessas águas que gotejam do telhado do prédio dominante.
Assim, será de falar em agravamento da servidão de estilicídio se por força das alterações introduzidas pelas obras que os Réus pretendem realizar se verificar alteração no modo daquele escoamento, designadamente quanto à quantidade das águas que caem no prédio serviente ou quanto ao modo como caem.
No caso concreto, não obstante a alteração da cobertura com alteamento do telhado vai manter-se o beiral já existente.
Por outro lado, não resultou provado que com as obras se irá verificar o aumento de beiral com invasão do espaço aéreo pelo prédio dos Réus no prédio dos Autores e nem o aumento da quantidade de chuva que cai no prédio dos Autores ou da velocidade da água que virá a cair neste prédio.
De facto, e apesar da construção de novo beiral 50 cm acima do existente por força do alteamento do telhado, a verdade é que o beiral existente se mantém, não resultando demonstrado que este deixa de exercer a sua função no escoamento das águas pluviais; aliás, segundo a testemunha C. R., o empreiteiro que irá fazer as obras, estas consistem em “…deixar o telhado antigo como estava…” “…e trazer o novo a pingar em cima daquele…” e que “…a parte nova que se faz vai pingar no beirado que já existe…”, pelo que o escoamento das águas pluviais se manterá pelo beiral antigo, não resultando demonstrado que, mantendo-se tal modo de escoamento, resulte das obras em causa que caia mais água ou com maior velocidade no prédio dos Autores.
Concluímos, portanto, tal como concluiu o tribunal a quo, que as obras que os Réus pretendem realizar no seu prédio não irão alterar o modo de exercício da servidão que se mostra constituída, nem aumentar as vantagens de tal servidão, não se podendo afirmar que, com a realização das obras previstas no processo de licenciamento de obras de edificação – Hab com o nº. LE-HAB – 36/2013, se irá agravar a servidão de estilicídio que onera o prédio dos Autores.
Não merece, por isso, censura a decisão proferida pelo tribunal a quo, improcedendo desde já e nesta parte o recurso.
Os Autores invocam nos presentes autos que a realização das obras pelos Réus implicará não só a violação do âmbito da servidão de estilicídio, o que como vimos não ocorrerá, mas também a criação de uma servidão administrativa non aedificandi a onerar o seu prédio.
Sustentam para esse efeito que por força do alegado aumento de volumetria, alteamento das paredes e aproveitamento do vão do telhado com a criação de espaço habitacional, que não respeitam as distâncias mínimas impostas pela lei relativamente ao prédio dos Autores, resultará que numa futura edificação que os Autores queiram erguer no seu terreno tenham de ser eles a respeitar essas distâncias mínimas, o que acarreta a imposição de uma servidão administrativa non aedificandi a onerar o seu prédio.
Tais distâncias mínimas a que se reportam os Autores são as estabelecidas não só no Regulamento Geral das Edificações Urbanas, mas também no Regulamento do Plano Diretor Municipal ... e no Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação (disponível em file:///C:/Users/MJ01735/Downloads/Regulamento-Municipal-de-Urbaniza%C3%A7%C3%A3o-e-Edifica%C3%A7%C3%A3o.pdf).

Segundo dispõe o artigo 29.º do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação (sob a epigrafe “Afastamentos”), sem prejuízo de outras disposições legais aplicáveis, nomeadamente dos artigos 59º e 60º do RGEU, as construções apenas poderão encostar aos limites das parcelas nos seguintes casos:

a) Na construção de anexos, ou edifícios de apoio agrícola com os limites previstos no artigo 32.º do presente Regulamento, e desde que sejam cumpridas as restantes condições definidas no presente Regulamento e no PDM;
b) Mediante propostas de intervenção conjunta para as parcelas confinantes (n.º 1).
E os afastamentos laterais das edificações deverão garantir, em igualdade de direito, a construção nas parcelas adjacentes e cumprir as seguintes condições:
a) Em edificações com altura superior a dois pisos o afastamento da fachada ao limite lateral da parcela será, no mínimo, de 5,00 metros; b) Em edificações que não excedam uma altura correspondente a dois pisos o afastamento lateral será, no mínimo de 3,00 metros, exceto no caso em que a fachada apresente vãos de compartimentos habitáveis, sendo nesse caso de 5,00 metros o afastamento mínimo (n.º 2); sendo que o afastamento de tardoz não poderá ser inferior a metade da altura da respetiva fachada e nunca inferior a 5,00 metros, relativamente a todos os pontos da mesma (n.º 3).
Por sua vez, o referido artigo 59º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (REGEU) “A altura de qualquer edificação será fixada de forma que em todos os planos verticais perpendiculares à fachada nenhum dos seus elementos, com excepção de chaminés e acessórios decorativos, ultrapasse o limite definido pela linha recta a 45º, traçada em cada um desses planos a partir do alinhamento da edificação fronteira, definido pela intersecção do seu plano com o terreno exterior.
§ 1º Nas edificações construídas sobre terrenos em declive consentir-se-á, na parte descendente a partir do referido plano médio, uma tolerância de altura até ao máximo de 1,50m.
§ 2º Nos edifícios de gaveto formado por dois arruamentos de largura ou de níveis diferentes, desde que se não imponham soluções especiais, a fachada sobre o arruamento mais estreito ou mais baixo poderá elevar-se até à altura permitida para o outro arruamento, na extensão máxima de 15 metros.
§ 3º Nas edificações que ocupem todo o intervalo entre dois arruamentos de larguras ou níveis diferentes, salvo nos casos que exijam soluções especiais, as alturas das fachadas obedecerão ao disposto neste artigo.
§ 4º Em caso de simples interrupção de continuidade numa fila de construções poderá o intervalo entre as duas edificações confinantes ser igual à média das alturas dessas edificações, sem prejuízo, no entanto, do disposto no artigo 60º”.
E o artigo 60º prevê que “Independentemente do estabelecido no artigo anterior, a distância mínima entre fachadas de edificações nas quais existam vãos de compartimentos de habitação não poderá ser inferior a 10 metros.
§ único. Tratando-se de arruamentos já ladeados, no todo ou na maior parte, por edificações, as câmaras municipais poderão, sem prejuízo do que esteja previsto em plano de urbanização aprovado, estabelecer alinhamentos com menor intervalo, não inferior, contudo, ao definido pelas construções existentes”.
O artigo 62.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (REGEU) estabelece ainda que as edificações para habitação multifamiliar ou colectiva deverão dispor-se nos respectivos lotes de forma que o menor intervalo entre fachadas posteriores esteja de acordo com o estabelecido no artigo 59º. E prevê no § 2º que o logradouro deverá ter em todos os seus pontos profundidade não inferior a metade da altura correspondente da fachada adjacente, medida na perpendicular a esta fachada no ponto mais desfavorável, com o mínimo de 6 metros e sem que a área livre e descoberta seja inferior a 40 metros quadrados.
A questão que aqui se coloca não é se os Autores numa futura edificação a erguer no seu prédio terão de respeitar os afastamentos legalmente impostos, o que certamente terão, mas se as obras que os Réus pretendem levar a cabo têm alguma consequência relativamente a tais afastamentos, isto é se terão como consequência obrigar os Autores a aumentar o afastamento de uma futura construção.
Sabemos que no caso concreto as paredes norte e nascente da casa de habitação dos Réus, confinam com as extremas sul e poente do prédio dos Autores, e que as paredes exteriores da mesma e a beirada do telhado estão implantadas junto da linha divisória do prédio dos Réus que o separa do prédio dos Autores.
Decorre ainda da factualidade provada que estão em causa obras de alteração da cobertura com alteamento do telhado, restauração das paredes exteriores voltadas para o dos Autores e aumento da volumetria do prédio dos Réus.
Não lograram, contudo, os Autores demonstrar que tais obras terão como consequência a criação de espaço habitacional no vão do telhado; de facto, o espaço que resultará na parte interna do telhado não cumpre os requisitos necessários para uso habitacional (cfr. artigo 79º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (REGEU) tal como decorre da informação prestada pela Câmara Municipal ..., pelo que por essa via nunca teria aplicação a aplicação do afastamento imposto pelo artigo 60º a que se referem os Autores.
Conforme decorre da referida informação o alteamento do telhado da casa dos Réus não irá obrigar os Autores em futura construção no seu prédio a ter de aumentar o seu afastamento face à linha divisória.
Não é, por isso, de concluir, em face dos elementos que constam dos autos, que com a realização das obras em causa os Réus estejam a impor que o prédio dos Autores fique onerado com uma servidão non aedificandi.
Por último, é ainda de referir que não resultando demonstrado nos autos que os Réus tivessem de alguma forma colocado em causa o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio identificado no ponto 1) dos factos provados, carece de fundamento a sua condenação a reconhecer tal direito.
Deve, pois, manter-se a sentença recorrida que, reconhecendo os Autores como donos e legítimos proprietários de tal prédio, absolveu os Réus do demais peticionado pelos Autores, improcedendo a apelação.
As custas do recurso são da responsabilidade dos Recorrentes (artigo 527º do Código de Processo Civil).
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SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil):

I - Uma vez constituída a servidão de estilicídio (cfr. artigo 1365º do Código Civil) o proprietário do prédio serviente não pode levantar edifício ou construção que impeça o escoamento das águas, devendo realizar as obras necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio, sem prejuízo para o prédio dominante; e o dono do prédio dominante não pode agravar o escoamento existente, tornando mais onerosa a servidão.
II - As servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo respectivo título, e compreendem tudo quanto seja necessário para o seu uso e conservação (cfr. artigo 1564º do Código Civil).
III - Em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício da servidão, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante com o menor prejuízo para o prédio serviente (cfr. artigo 1565º nº. 2 do Código Civil).
IV - As necessidades a satisfazer por meio da servidão são as já existentes no momento da sua constituição e ainda todas aquelas decorrentes das modificações naturais e previsíveis do prédio dominante, excluindo-se o que torne a servidão mais onerosa, sendo fundamental que se respeite a função da servidão e que as modificações não se traduzam num agravamento da mesma.
V - Correspondendo o conteúdo de uma servidão de estilicídio à circunstância do escoamento das águas pluviais que gotejam da beira do telhado ou outra cobertura se fazer para o prédio vizinho, o seu exercício deverá medir-se pelo efectivo escoamento no prédio serviente dessas águas.
VI - Não será de falar em agravamento da servidão de estilicídio se por força das alterações introduzidas pelas obras que os Réus pretendem realizar se verificar que o escoamento das águas pluviais se manterá pelo beiral antigo, não resultando demonstrado que, mantendo-se tal modo de escoamento, resulte das obras em causa que caia mais água ou com maior velocidade no prédio dos Autores.
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 11 de março de 2021
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Margarida Almeida Fernandes (1ª Adjunta)
Margarida Sousa (2ª Adjunta)