Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | CÂNDIDA MARTINHO | ||
Descritores: | PENA DE ADMOESTAÇÃO PENA DE SUBSTITUIÇÃO CAMPO DE APLICAÇÃO CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/13/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | I) A pena de admoestação, como pena de substituição, está prevista essencialmente para os casos em que se mostra desnecessária a aplicação de uma pena ao arguido condenado, tratando-se primordialmente das situações denominadas de bagatelas penais em que a ilicitude e ou a culpa são reduzidas, quer pelo facto em si quer pelo comportamento posterior (reparação do dano). II) Mas para que tenha lugar a aplicação da pena de admoestação, verdadeira pena de substituição, necessário se mostra que o tribunal se convença, através da emissão de um juízo de prognose favorável, que tal pena se revela um meio adequado e suficiente de realização das finalidades da punição. III) Ainda que o arguido não tenha antecedentes criminais, se declare arrependido e confesse os factos, não podemos esquecer as elevadíssimas exigências de prevenção geral que se fazem sentir no tipo legal de crime de condução de veículo motorizado sob influência do álcool, impondo-se travar a acentuada sinistralidade que se verifica e para a qual a condução em estado de embriaguez contribui em larga medida. IV) A pena de admoestação não protege cabalmente o bem jurídico segurança rodoviária, nem acautela suficientemente as necessidades preventivas gerais que se fazem sentir neste tipo de crime. | ||
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Decisão Texto Integral: | Desembargadora Relatora: Cândida Martinho Desembargador Adjunto: António Teixeira Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães. I. Relatório 1. No processo sumário com o número 564/19.5GAFAF que corre termos no Juízo Local Criminal de Fafe, realizado o julgamento, foi proferida sentença a condenar, para além do mais, o arguido J. L., ora recorrente pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292.º, n.º 1 do C. Penal, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa, à razão diária de 6,00€ (seis euros), no total de 510,00 (quinhentos e dez) euros e na pena acessória de proibição de condução de qualquer categoria de veículos motorizados por um período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias. 2. Não se conformando com essa condenação, o arguido recorreu da sentença, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem: Conclusões: «1.Deve a pena principal de multa de 85 dias e pena acessória de inibição de condução, aplicadas ao arguido, ser substituídas pela admoestação nos termos do artigo 60º do Código Penal. 2.Porque a admoestação realiza, de forma adequada e suficiente os fins das penas; 3.Tanto mais que ficou provado e o tribunal ficou convencido que, além de o arguido ter mais de quinze anos de conduta exemplar, tem vontade firme de não voltar a ter condutas puníveis.» 3. A Exma Procuradora-Adjunta na primeira instância respondeu ao recurso, terminando a sua contramotivação nos seguintes termos (transcrição): Conclusões: «1. Alega o recorrente que a pena de multa e a pena acessória nas quais o arguido foi condenado deveriam ser substituídas por uma pena de admoestação, porque esta realiza de forma adequada e suficiente os fins das penas, na medida em que o arguido é primário, confessou os factos e revelou arrependimento. 2. A admoestação filia-se no entendimento de que o artigo 60º n.º1 do Código Penal ao admitir a possibilidade de aplicação de admoestação – pode o tribunal – não confere um verdadeiro poder ou faculdade, mas antes um poder dever, uma faculdade vinculada à verificação dos respectivos pressupostos formais e materiais. 3. Entende o Ministério Público que a substituição da pena de multa pela pena de admoestação, no presente caso, não é susceptível de alcançar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tal como exige o n.º2 do artigo 60º do Código Penal. 4. Para que tenha lugar a aplicação da pena de admoestação, verdadeira pena de substituição, necessário se mostra que o tribunal se convença, através da emissão de um juízo de prognose favorável, que tal pena se revela um meio adequado e suficiente de realização das finalidades da punição. 5. Como se vem entendendo, “a pena de admoestação é a mais leve prevista no nosso ordenamento jurídico só devendo ser cominada para censura de factos de escassa gravidade. Gravidade que deve ser aferida em função do bem ou do interesse jurídico tutelado e o grau e a intensidade da violação ou lesão nele produzido. Serão, pois, especiais razões de prevenção especial positiva ligadas a particulares (e certamente excepcionais) perigos de dessocialização ou mesmo casos vocacionados para a intervenção da justiça consensual, bem como casos de forte atenuação das necessidades de pena que poderão apontar para a adequação da pena de admoestação”. Cfr Ac. TRE de 20.10.2015, disponível em www.dgsi.pt. 6. No caso em concreto, temos o cometimento de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, sendo que a taxa de alcoolémia é muito elevada, ultrapassando os 2,00 g/l. 7. Impõe-se considerar as estatísticas terríveis de sinistralidade rodoviária, onde a condução sob a influência do álcool tem papel de relevo, o que afasta, desde logo, a aplicação de uma pena de admoestação. 8. São, portanto, elevadíssimas as necessidades de prevenção geral que no caso se fazem sentir, pelo que a pena de admoestação não protege cabalmente o bem jurídico segurança rodoviária, nem acautela suficientemente as necessidades preventivas gerais. 9. Não existe, em nossa opinião, um circunstancialismo de facto (ou se existe, o mesmo não foi trazido aos autos) que justifique uma compressão dos legítimos interesses gerais da comunidade na repressão deste tipo de criminalidade. 10. Diga-se, ainda, que a confissão dos factos pelo arguido nada tem de extraordinário, sendo mesmo vulgar em processos desta natureza, na medido em que o arguido foi surpreendido por militares da GNR e o grau de alcoolemia foi apurado em aparelho oficial. A admissão dos factos nada adiantou ao apuramento dos mesmos. 11. O arrependimento demonstrado, ainda que louvável, pouco tem de singular. É sabido que percentagem significativa de processos pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez diz respeito, precisamente, a factos ocasionais, esporádicos, de cuja prática os seus agentes imediatamente se arrependem. 12. E daí que se nos não afigure que a aplicação da pena de admoestação satisfaça, aqui, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. 13. Deste modo, não há qualquer reparo a fazer à sentença recorrida. 14. Face a tudo o exposto, entendemos que se deve manter nos seus precisos termos a decisão recorrida, assim se fazendo justiça». 4. Neste tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer, perfilhando integralmente a posição assumida pelo Ministério Público na instância recorrida, concluindo assim pela improcedência do recurso. 5. Cumprido o art. 417º,nº2, do C.P.P., o arguido não respondeu a esse parecer, reafirmando a posição já espelhada no recurso. 6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º,nº3,al.c), do diploma citado. II. Fundamentação A) Delimitação do Objeto do Recurso Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de Processo Penal ( diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem qualquer referência que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”. O objeto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º,403º e 412º- naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cf.Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, VolIII, 1994,pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009,pág.1027 a 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103). O âmbito do recurso é dado, assim, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem, as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam. No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, a questão a decidir consiste em saber se as mencionadas penas principal e acessória devem ser substituídas por uma pena de admoestação. B) Apreciação do Recurso Como supra referimos, o ora recorrente foi condenado como como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292.º, n.º 1 do C. Penal, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa, à razão diária de 6,00€ (seis euros) e na pena acessória de proibição de condução de qualquer categoria de veículos motorizados por um período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias. Pugna o recorrente no sentido de que as mencionadas penas, a principal (de multa) e acessória (proibição de conduzir), sejam substituídas por uma pena de admoestação. Dispõe o artigo 60º, do C.Penal que: “1 - Se ao agente dever ser aplicada pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação. 2 - A admoestação só tem lugar se o dano tiver sido reparado e o tribunal concluir que, por aquele meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 3 - Em regra, a admoestação não é aplicada se o agente, nos três anos anteriores ao facto, tiver sido condenado em qualquer pena, incluída a de admoestação. 4 - A admoestação consiste numa solene censura oral feita ao agente, em audiência, pelo tribunal. Ora, os pressupostos de que o artº 60º CP faz depender a aplicação ao arguido da pena de admoestação, são os seguintes: - um pressuposto formal, ou seja, que a pena concreta aplicada seja de multa não superior a 240 dias; - que haja reparação do dano; - que com a admoestação se realizem de forma adequada e suficiente as finalidades punitivas. -inexistência, em princípio, de anterior condenação em qualquer pena. Como decorre do citado artigo 60º, a pena de admoestação não se basta com a verificação do requisito formal previsto no n.º 1, pressupondo também a emissão de um juízo de prognose positiva sobre a sua adequação e eficácia à ressocialização do agente de facto criminoso e ainda de que “não porá em causa os limiares mínimos das expectativas comunitárias ou de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico” – Figueiredo Dias, in obra citada, pág. 387, §605, parte final. No que concerne à pretendida substituição da pena acessória pela admoestação, desde já se adianta que a pena de admoestação não poderá substituir uma pena acessória, uma vez que no art.60.º, n.º1, Código Penal se estabelece como requisito que se trate duma “pena de multa em medida não superior a 240 dias” (e não que se trate duma pena de multa ou pena acessória). Mas, mesmo que por hipótese se viesse a concluir pela requerida substituição da pena de multa pela admoestação, sendo esta ainda uma pena, não estaria afastada a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir nos termos do artigo 69º do C.Penal, pois que, como resulta deste artigo, impõe-se a aplicação da pena acessória a quem for punido pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez. Trata-se de uma censura adicional à pena principal ou substitutiva que visa prevenir a perigosidade do agente e corresponde a uma necessidade de política criminal por motivos óbvios e consabidos correlatos à elevada sinistralidade na rede viária nacional Mal se compreenderia, aliás, que o legislador impusesse a aplicação da injunção de proibição de conduzir veículos a motor, em caso de suspensão provisória do processo, conforme se extrai do artigo 281º, nº3 do C.P.P. e dispensasse a aplicação da pena acessória quando se tratasse de uma condenação em pena de admoestação. Assim sendo, afastada que se mostra a substituição da pena acessória, vejamos se a pena de multa é susceptível de ser substituída por uma pena de admoestação. No caso vertente, mostra-se incontroverso que a concreta pena pecuniária a substituir é inferior 240 dias, bem como que o arguido não foi condenado em qualquer pena nos três anos anteriores à prática do crime em apreço. Por outro lado, da conduta do arguido não decorreu qualquer dano a reparar. Mas será que a admoestação se revela um meio adequado e suficiente de realização das finalidades da punição, como pugna o recorrente? Adiantando a nossa conclusão, cremos que não. Ora, a pena de admoestação, como pena de substituição, está prevista essencialmente para os casos em que se mostra desnecessária a aplicação de uma pena ao arguido condenado tratando-se primordialmente das situações denominadas de bagatelas penais em que a ilicitude e ou a culpa são reduzidas, quer pelo facto em si quer pelo comportamento posterior (reparação do dano). Na verdade, a admoestação é a pena mais leve que o nosso ordenamento jurídico-criminal comporta, subsistindo como pena de substituição de multas de pequena gravidade, tal como já preconizava Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas-1993, pág. 385, §602. Mas para que tenha lugar a aplicação da pena de admoestação, verdadeira pena de substituição, necessário se mostra que o tribunal se convença, através da emissão de um juízo de prognose favorável, que tal pena se revela um meio adequado e suficiente de realização das finalidades da punição. Como refere o Acórdão n.º 945/05, de 11.05.2005 da Relação de Coimbra: "A pena de admoestação, a mais leve do nosso ordenamento jurídico, só pode ser cominada se o tribunal se convencer, através da emissão de um juízo de prognose favorável, que o delinquente alcançará por tal via a sua (re) socialização e que a sua aplicação não porá em causa os limiares mínimos das expectativas comunitárias ou de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico, sem esquecer que a mesma só deve ser cominada para censura de factos de escassa gravidade, gravidade que deve ser aferida em função do bem ou do interesse jurídico tutelado e o grau e a intensidade da violação ou lesão nele produzida. " No caso vertente, é certo que o arguido não tem antecedentes criminais e que confessou os factos, declarando-se arrependido. Mas como bem referiu a Exma Procuradora Adjunta na primeira instância “(…) a confissão dos factos pelo arguido nada tem de extraordinário, sendo mesmo vulgar em processos desta natureza, na medida em que o arguido foi surpreendido por militares da GNR e o grau de alcoolemia foi apurado em aparelho oficial. A admissão dos factos nada adiantou ao apuramento dos mesmos. O arrependimento demonstrado, ainda que louvável, pouco tem de singular. É sabido que percentagem significativa de processos pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez diz respeito, precisamente, a factos ocasionais, esporádicos, de cuja prática os seus agentes imediatamente se arrependem.» Mas independentemente disto, não podemos esquecer as elevadíssimas exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de crime, impondo-se travar a acentuada sinistralidade que se verifica a para a qual a condução em estado de embriaguez contribui em larga medida. Como resulta da consulta de estatísticas de sinistralidade rodoviária, a condução sob a influência do álcool tem um papel de relevo. A condução de veículos automóveis constitui uma actividade perigosa pelos riscos que comporta e o seu exercício sob o efeito de álcool aumenta esse risco, devendo ainda atentar-se que o arguido, ora recorrente era portador de uma taxa de álcool no sangue de 2,071g/l. Perfilhamos pois do entendimento, no seguimento de vária jurisprudência, que a pena de admoestação não protege cabalmente o bem jurídico segurança rodoviária, nem acautela suficientemente as necessidades preventivas gerais que se fazem sentir neste tipo de crime – neste sentido, o Acórdão da R.C de 4/III/2019 o Acórdão do TRP de 29-01-2014, CJ, T I, pág.210, Acórdãos da Relação de Évora de 19/11/2013 e de 20/10/2015 já trazidos à liça pelo Ministério Público. Por tudo o exposto, decide-se não proceder à substituição peticionada pelo recorrente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos. III. Dispositivo Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente/arguido J. L., confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a três unidades de conta (arts. 513º,nº1 do C.P.P. e 8º,nº9, do Regulamento das custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma). (Texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.) Guimarães, 13 de janeiro de 2020 |