Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1266/23.3T8BRG.G1
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: VALOR DA ACÇÃO
UTILIDADE ECONÓMICA DO PEDIDO
EMPREITADA
DILIGÊNCIAS
REQUISIÇÃO DE DOCUMENTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DOS RÉUS IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- Para a determinação do valor da ação, que equivale à utilidade económica imediata do pedido, há que atender ao concreto pedido formulado e, não bastando a análise do pedido, tem de se atentar ao que resulta dos factos integrantes da respetiva causa de pedir;
- Decorre da conjugação dos artigos 306º e 308º do CPC que, seja qual for a posição das partes relativamente ao valor da causa, o juiz deve sempre fixá-lo, ou seja, não está dispensado de o fazer.
- E a determinação do valor da causa faz-se em face dos elementos do processo ou, sendo estes insuficientes, mediante as diligências indispensáveis, que as partes requererem ou o juiz ordenar.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

AA, solteiro, maior, contribuinte número ...69, residente na Rua ..., ..., ... ..., por si e na qualidade de sócio único e representante legal da sociedade comercial unipessoal por quotas EMP01... UNIPESSOAL, LDª, com o número único de matrícula e de pessoa colectiva ...65, com sede no mesmo local, intenta contra BB, contribuinte nº ...46, residente na Rua ..., ..., ... ..., e contra EMP02..., LDª, sociedade comercial por quotas com o número único de matrícula e de pessoa colectiva ...13, com sede na Edifício ..., lugar de ..., freguesia ..., ... ..., acção declarativa comum, pedindo a condenação do Réus no pagamento aos autores:

a) da quantia já apurada de € 4.876,20 (quatro mil oitocentos e setenta e seis euros e vinte cêntimos), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal desde citação até efectivo e integral pagamento;
b) da quantia a apurar correspondente a 19%, acrescida de IVA, de todas as verbas recebidas pelos réus por virtude da representação desportiva dos jogadores CC e DD, igualmente acrescida de juros de mora, contados à taxa legal desde citação até efectivo e integral pagamento;
c) da quantia a apurar correspondente a 19%, acrescida de IVA, de todas as verbas a receber pelos réus por virtude da representação desportiva dos jogadores CC e DD.

Na Petição Inicial os AA. indicam à presente acção o valor de € 4.876,20 (quatro mil oitocentos e setenta e seis euros e vinte cêntimos).

Em 24.02.2023, os AA. apresentaram requerimento nos seguintes termos:
- “AA, por si e na qualidade de sócio único e representante legal da sociedade comercial unipessoal por quotas EMP01... UNIPESSOAL, LDª, vem aos autos identificados em epígrafe, em que é autor, dizer e requerer o seguinte:
Os pedidos formulados a final sob as alíneas b) e c) são de natureza genérica porquanto o autor, de momento, não possui informação que permita liquidá-los.
Tal, porém, poderá ocorrer com a junção aos autos da documentação a que se alude nos doze distintos pontos da alínea A) dos MEIOS DE PROVA.
É absolutamente provável e até expectável que a reunião dos elementos necessários à liquidação dos pedidos genéricos altere muito substancialmente o valor da causa, tornando-o mais compatível com a real utilidade económica da acção.
Nessa conformidade, e em ordem a possibilitar que a fixação do valor da causa ocorra em momento posterior ao da liquidação dos pedidos genéricos (ou pelo menos de parte deles), requer-se V. Exª se digne ordenar desde já a notificação:
a) da EMP03... SAD (com sede no Estádio ..., ..., ..., freguesia ..., ... ...) para que proceda à junção da documentação requerida nos pontos 1 a 4 da alínea A) dos MEIOS DE PROVA.,
b) do clube francês de futebol Clube... (com sede em 33 ..., ...12 ..., ...) para que proceda à junção da documentação requerida nos pontos 5 e 6 da alínea A) dos MEIOS DE PROVA;
c) do empresário desportivo EE e das sociedades por si detidas com a denominação de EMP04... (o primeiro com domicílio profissional e as segundas com sede/sucursal na Rua ..., ... ...) para que procedam à junção da documentação requerida nos pontos 7 a 12 da alínea A) dos MEIOS DE PROVA; todos com junção de cópia do articulado inicial (para melhor enquadramento e compreensão da solicitação dirigida).

Na petição inicial os AA. formularam o seu requerimento probatório, onde além do mais pedem:
“A) DOCUMENTAL
A acrescer aos documentos juntos com a p.i., requer-se seja a EMP03... SAD notificada para juntar aos autos:
1. Cópia dos contratos de trabalho desportivo celebrados com os atletas CC (CC) e DD (DD) e suas renovações, alterações, complementos ou aditamentos de qualquer ordem;
2. Cópia dos contratos celebrados com o réu BB e/ou qualquer das suas estruturas empresariais (ré EMP02..., LDª, EMP05... ou qualquer outra), destinados ao pagamento de contrapartidas devidas pela contratação/renovação/alteração contratual e/ou transferência temporária ou definitiva dos atletas CC (CC) e DD (DD) e suas renovações, alterações, complementos ou aditamentos de qualquer ordem;
3. Relação discriminada de todos os valores pagos ao réu BB e/ou qualquer das suas estruturas empresariais (ré EMP02..., LDª, EMP05... ou qualquer outra) como contrapartida devida pela contratação/renovação/alteração contratual e/ou transferência temporária ou definitiva dos atletas CC (CC) e DD (DD), com indicação das respectivas datas de pagamento e meio de pagamento utilizado;
4. Cópia do contrato de transferência do jogador CC (CC) para o Clube..., com indicação da(s) comissão(ões) de intermediação desportiva emergentes dessa transferência e respectivo(s) agente(s) desportivo(s) beneficiário(s).
Mais se requer seja o clube francês Clube... (Clube...) notificado para juntar aos autos:
5. Cópia do contrato de transferência do jogador CC (CC) com o EMP06..., com indicação da(s) comissão(ões) de intermediação desportiva emergentes dessa transferência e respectivo(s) agente(s) desportivo(s) beneficiário(s).
6. Cópia do contrato de trabalho desportivo celebrado com o jogador CC (CC), com indicação da(s) comissão(ões) de intermediação desportiva emergentes da celebração desse contrato e respectivo(s) agente(s) desportivo(s) beneficiário(s).
Requer-se ainda seja o empresário desportivo EE e as sociedades por si representadas EMP04.../EMP07... (o primeiro com domicílio profissional e as segundas com sede/sucursal na Rua ..., ... ...) notificados para virem aos autos informar:
7. Qual o valor global das comissões geradas pelo negócio da transferência do jogador CC (CC) para o Clube...;
8. Qual o valor global das comissões geradas pelo negócio da celebração de contrato de trabalho desportivo entre o jogador CC (CC) e o clube francês Clube...;
9. Qual o valor das comissões já apuradas e a apurar;
10. Qual o valor das comissões já pagas e a pagar;
11. Quais os intermediários desportivos beneficiários dessas
comissões;
12. Qual o modo de repartição do valor das comissões entre os intermediários desportivos beneficiários, com cópia do respectivo acordo escrito, caso exista.”

Os RR. contestaram, defendendo por excepção e impugnando a versão dos factos vertida na petição inicial, pugnando pela total improcedência da acção.

Em 15.05.2023, foi proferido o seguinte despacho:
- O valor atribuído à acção mostra-se claramente desajustado à vantagem económica que do ganho da demanda poderá advir para os AA., desde logo, foi largamente noticiado que um dos jogadores que vem mencionados na petição inicial (CC) foi transferido em janeiro de 2023 para um clube francês, envolvendo tal transferência vários milhões de euros.
Assim sendo, e com vista a atribuir o correcto valor a acção, deverão os RR indicar a que quantia, corresponde o seguinte pedido efectuado pelos AA:
- 19%, acrescida de IVA, de todas as verbas recebidas pelos réus por virtude da representação desportiva dos jogadores CC e DD.

Por requerimento de 29.05.2023, os RR. vieram alegar razões, no seu entender bastantes, para se recusarem a prestar as informações solicitadas pelo despacho que antecede.

Foi dada aos AA. a faculdade de se pronunciarem sobre este requerimento dos RR., o que vieram fazer por requerimento de 5.07.2023, nos seguintes termos:

- AA, por si e na qualidade de sócio único e representante legal da sociedade comercial unipessoal por quotas EMP01... UNIPESSOAL, LDª, vem aos autos identificados em epígrafe, em que é autor, e na sequência da notificação que antecede, dizer e requerer o seguinte:
Face à posição assumida pelos réus na sua peça de contestação – no sentido de não serem devedores de qualquer quantia ao autor – era expectável que os mesmos respondessem negativamente ao solicitado por V. Exª no despacho de 15 de Maio último.
Posto isto, o autor pouco tem a adiantar ao já referido no seu requerimento de 24 de Fevereiro, completado nos termos do que invocou no requerimento subsequente de 27 de Abril.
É do conhecimento público que o jogador CC foi transferido do EMP03... para o clube francês Clube... por mais de três dezenas de milhões de euros, mais propriamente pela quantia de trinta e dois milhões de euros, conforme comunicado do próprio EMP03... junto à p.i. como documento nº ....
Sendo a comissão devida aos réus do valor correspondente a 15%, 10% ou mesmo 5% do montante dessa transferência, a parte corresponde aos 19% que o autor alega serem-lhe devidos constituirá sempre cifra na ordem das centenas de milhar de euros.
Essas centenas de milhar de euros corresponderão à utilidade económica da presente acção.
Face aos elementos de que actualmente dispõe, o autor, não tem, porém, como apurar o concreto valor do que entende ser-lhe devido, razão pela qual formulou pedidos genéricos que oportunamente liquidará.
Da peça processual de contestação e requerimento subsequente apresentado pelos réus facilmente se depreende que estes não colaborarão para o apuramento da verdade dos factos, sendo antes seu propósito impedir que essa verdade venha ao de cima, razão pela qual pugnaram pelo indeferimento da pretensão dos autores de notificação do EMP03..., do Clube... e do empresário EE para juntarem aos autos a documentação então elencada, relativa ao negócio de transferência do jogador CC para o clube francês Clube....
Mantém, por isso, redobrada actualidade aquilo que o autor alegou no seu requerimento de 24 de Fevereiro:
“ Os pedidos formulados a final sob as alíneas b) e c) são de natureza genérica porquanto o autor, de momento, não possui informação que permita liquidá-los.
Tal, porém, poderá ocorrer com a junção aos autos da documentação a que se alude nos doze distintos pontos da alínea A) dos MEIOS DE PROVA.
É absolutamente provável e até expectável que a reunião dos elementos necessários à liquidação dos pedidos genéricos altere muito substancialmente o valor da causa, tornando-o mais compatível com a real utilidade económica da acção.”
Mantém também redobrada actualidade aquilo que o autor alegou no seu requerimento de 17 de Abril:
“Esta não é uma acção em que duas partes processuais discutem de forma clara e aberta (com as cartas em cima da mesa) aquilo que é a sua divergência acerca do direito que se arrogam.
Esta é uma acção em que o autor terá de procurar obter os elementos de facto que o auxiliem a concretizar a sua pretensão, sendo que os réus dedicar-se-ão a procurar ocultar esses elementos de facto em ordem a impedir essa concretização da pretensão.”
Deste modo, com vista, desde logo, à atribuição à presente acção de valor compatível com a sua real utilidade económica (em liquidação, ainda que parcial, dos pedidos genéricos formulados na p.i.), requer-se, novamente, V. Exª se digne ordenar a notificação:
a) da EMP03... SAD (com sede no Estádio ..., ..., ..., freguesia ..., ... ...) para que proceda à junção da documentação requerida nos pontos 1 a 4 da alínea A) dos MEIOS DE PROVA elencados em sede de p.i.,
b) do clube francês de futebol Clube... (com sede em 33 ..., ...12 ..., ...) para que proceda à junção da documentação requerida nos pontos 5 e 6 da alínea A) dos mesmos MEIOS DE PROVA;
c) do empresário desportivo EE e das sociedades por si detidas com a denominação de EMP04... (o primeiro com domicílio profissional e as segundas com sede/sucursal na Rua ..., ... ...) para que procedam à junção da documentação requerida nos pontos 7 a 12 da alínea A) desses MEIOS DE PROVA; todos com junção de cópia do articulado inicial (para melhor enquadramento e compreensão da solicitação dirigida).
d) dos réus e da interveniente para juntarem aos autos:
(i) os contratos celebrados entre a ré EMP02... e a EMP03... SAD a que se alude nos artºs 117º, 118º, 119º e 120º da contestação (quatro contratos);
(ii) o contrato celebrado entre a EMP03... SAD e o jogador CC, a que se alude nos artºs 121º e 122º da contestação;
(iii) os contratos de representação desportiva dos jogadores CC e DD, a que se alude nos artºs 90º e 93º da contestação.

Nesta sequência, foi proferido o seguinte despacho:
- “Resulta evidente que o valor atribuído à ação se encontra incorreto, sendo, por isso, necessário alterá-lo.
Nessa medida, para que o autor possa liquidar o segundo pedido formulado, determino se notifiquem as entidades indicadas no requerimento de 05/07/2023 para prestarem os esclarecimentos solicitados.”
**
Inconformados com este despacho, dele vieram recorrer os RR., formulando as seguintes conclusões:

1- Do referido despacho consta a determinação por parte do presente tribunal, para que se proceda à notificação da EMP03... SAD, do Clube... e de EE, visando a apuração em concreto do valor que o A. entende ser-lhe devido.

2- No entanto, com o devido respeito e toda a consideração, não assiste razão ao Tribunal recorrido, porquanto se considera que existe uma incorreta interpretação e aplicação do direito o caso concreto.

3- Os RR. dedicam-se profissionalmente à atividade de intermediação desportiva e do agenciamento e representação desportivos no âmbito do futebol profissional, atuado como agente e representante de jogadores e treinadores de futebol profissional, assim como de clubes de futebol e respetivas SAD, promovendo e acompanho contratações e transferências de jogadores e treinadores.

4- Em resultado daquela notificação, os RR deixarão de ser contratados para agir em representação a determinados jogadores e clubes, causando obstrução à celebração de novos negócios por parte dos RR.

5- Conforme já manifestado anteriormente pelos RR., estes opõem-se à notificação das supramencionadas entidades e empresário desportivo, nos termos do artigo 415º do C.P.C.

6- Dado que não têm por função a demonstração da realidade dos factos em discussão nos autos, cfr 341º do C.C.

7- Nem factos necessitados de prova – artigo 410º do C.P.C.

8- Assim como não se destinam a fazer prova dos fundamentos da ação, cfr. 423º do C.P.C.

9- Acresce ainda que revestem intromissão na vida privada de tais entidades – artigo 417º, nº3, b) do C.P.C.

10- E consubstancia o acesso a dados pessoais protegidos pelo Regulamento (EU) 2016/679 e do Conselho, de 27 de Abril de 2016, cuja execução foi assegurada na ordem jurídica interna pela Lei 58/2019, de 8 de Agosto.

11- Sendo que a exibição judicial, por inteiro, de livros de escrituração comercial, informações e documentos a ela relativos rege-se pelo disposto na legislação comercial – artigo 435º do C.P.C.

12- Pelo que deve a prova documental requerida a terceiros pelos AA. ser indeferida, com as legais consequências.
Nestes termos, requer-se a V.ª Exc.ªs se dignem admitir o presente Recurso, por legal e tempestiva, julgando-o totalmente procedente e em consequência se dignem revogar o despacho judicial com a referência ...53, nos termos supra expostos, ordenando-se o prosseguimento dos autos com ulteriores termos legais e processuais até final, assim se fazendo a costumada e boa…JUSTIÇA.
*
Houve contra-alegações, nelas se pugnando pela total improcedência da apelação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito – arts. 635º e 636º do C.P.Civil.
B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, cumpre apreciar se existe fundamento para ser revogada a decisão recorrida.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para o presente recurso há a considerar a factualidade constante do relatório supra.

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Sob a epígrafe - Atribuição de valor à causa e sua influência, o art. 296º do CPC prevê o seguinte:

1 - A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.
2 - Atende-se a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.

3 – (…).
Os critérios gerais para a fixação do valor da causa estão consagrados no art. 297º, sendo o nº1, mero desenvolvimento do disposto no nº1, do artigo 296º.
Decorre de tais preceitos que a utilidade económica imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa. “Quando o pedido tenha por objeto uma quantia pecuniária líquida (“quantia certa em dinheiro”) essa quantia constitui a utilidade tida em vista pelo Autor ou pelo reconvinte, independentemente de ser pedida a condenação no seu pagamento, a simples apreciação da existência do direito a essa quantia ou a sua realização em ação executiva; nos outros casos, há que encontrar o equivalente pecuniário correspondente à utilidade (benefício) visada (art. 297º- 1). As disposições sobre o valor da causa que consagram critérios especiais (arts. 298, 300 a 304) representam a concretização e a adaptação desse critério geral, em função da modalidade do pedido formulado.
Há, porém, que ter em conta que o pedido se funda sempre na causa de pedir, que o explica e delimita. Dela não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstratamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para o apuramento do valor da causa (…) Tal como o pedido desligado da causa de pedir não basta à determinação do valor da acção, também a causa de pedir, por si, não o determina (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1º, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág 586).
Por sua vez, o Artigo 299.º do CPC, estipula que (1) “Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal.” E o número 4 de tal artigo prevê que “Nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários.”
Nos termos do Artigo 301.º, nº 1, do CPC, quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes.
Relativamente à fixação do valor, o artigo 306.º do CPC dispõe o seguinte:
“1 - Compete ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.
2 - O valor da causa é fixado no despacho saneador, salvo nos processos a que se refere o n.º 4 do artigo 299.º e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença.
O Artigo 308.º do CPC, sob a epigrafe - Determinação do valor quando não sejam suficientes a vontade das partes e o poder do juiz, dispõe que:
1 - Quando as partes não tenham chegado a acordo ou o juiz o não aceite, a determinação do valor da causa faz-se em face dos elementos do processo ou, sendo estes insuficientes, mediante as diligências indispensáveis, que as partes requererem ou o juiz ordenar.
Decorre do exposto que, seja qual for a posição das partes relativamente ao valor da causa, o juiz deve sempre fixá-lo, ou seja, não está dispensado de o fazer. É assim irrelevante a alegada aceitação do valor pelos Réus, invocada pelos Recorrentes, para a fixação do valor da acção.
Conforme se sustenta no Ac. da RC de 12.10.2021, proc. 147/20.7T8CTB.C1 e com o qual aqui concordamos, (…) “ainda que assim não fosse, independentemente das posições assumidas pelas partes – falta de impugnação do valor atribuído pelo autor, considerando-se que o aceita, apresentação de um novo valor que é aceite pelo autor, manutenção de divergência entre as partes relativamente ao valor da ação –, o juiz terá sempre de se debruçar sobre o assunto e fixar o valor da causa, sem estar vinculado a qualquer dos valores indicados ou aceites por aquelas (artigo 306º, nº1).
Ou seja, não se encontrava o juiz dispensado de analisar o valor da causa à luz dos critérios legais previstos nos artigos 297º e ss. do CPC, divergindo do valor proposto pelas partes, caso reconhecesse não corresponder aquele ao resultante de tais critérios legais.” Neste sentido veja-se António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Arts. 1º a 702º, Almedina, pp.355-356.
Sucede que, no caso vertente, os AA. formulam dois pedidos ilíquidos, de condenação dos RR. no pagamento:
(…)
b) da quantia a apurar correspondente a 19%, acrescida de IVA, de todas as verbas recebidas pelos réus por virtude da representação desportiva dos jogadores CC e DD, igualmente acrescida de juros de mora, contados à taxa legal desde citação até efectivo e integral pagamento;
c) da quantia a apurar correspondente a 19%, acrescida de IVA, de todas as verbas a receber pelos réus por virtude da representação desportiva dos jogadores CC e DD.
A primeira conclusão a retirar é que, tal como se afirma no despacho recorrido, o valor indicado na petição inicial não está correcto, sendo necessário alterá-lo, em função da quantificação que se apurar dos pedidos acima descritos.
Estes pedidos decorrem do alegado nos art. 43º e ss. da petição inicial, onde também os AA. alegam desconhecer os exactos valores das comissões havidas na renovação do contrato de trabalho e das transferências dos jogadores/atletas aí identificados.
Por sua vez, os RR. em sede de contraditório sobre esta matéria nada vieram esclarecer o tribunal a quo sobre esses valores, mesmo após terem sido notificados nos termos do despacho de 15.05.2023.
Impondo-se ao Tribunal a quo a fixação do valor da causa e não dispondo os autos de elementos que habilitem à determinação do mesmo, deve o juiz para o esse efeito ordenar as diligências indispensáveis.
Perante este quadro processual, existindo pedidos ilíquidos e estando controvertida a matéria factual relativa à respectiva causa de pedir, afigura-se-nos que as diligências requeridas pelos AA. e ordenadas pelo Tribunal a quo mostram-se indispensáveis e adequadas não só (ao que por ora releva) ao apuramento do valor correcto da acção, mas também ao oportuno julgamento da causa.
Tais diligências de prova constam, aliás, dos meios de prova indicados pelos AA. na petição inicial.
No que tange à prova por documentos, o artigo 423.º do CPC dispõe que :1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Sobre os documentos em poder da parte contrária, rege o artigo 429.º do CPC que: 1 - Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.
2 - Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação.(sublinhado nosso)
Quando estamos perante documentos em poder de terceiro, dispõe o artigo 432º do CPC que “Se o documento estiver em poder de terceiro, a parte requer que o possuidor seja notificado para o entregar na secretaria, dentro do prazo que for fixado, sendo aplicável a este caso o disposto no artigo 429.º.”
Nos termos do artigo 436.º do CPC, incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade.
A requisição pode ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros.
Resulta dos citados dispositivos legais que os elementos de prova, no caso documentais, a atender ou a admitir serão apenas os que se destinam a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa, ou seja, que tenham interesse para a decisão da causa.
No caso vertente, os documentos solicitados no despacho recorrido, além de se mostrarem essenciais ao apuramento do valor da causa, também o são à demonstração dos factos controvertidos nos artigos 43º e ss da Petição Inicial, para cuja prova os AA. requereram os pretendidos documentos.
Consequentemente, ao contrário do alegado pelos Recorrentes, não se vislumbra que o despacho recorrido atente contra o disposto nos arts. 341º do Cód. Civil, 410º, 415º e 423º do C.P.C.
Alegam ainda os Recorrentes que a obrigatoriedade de apresentação dos documentos em causa reveste intromissão na vida privada das entidades visadas no despacho recorrido – artigo 417º, nº3, b) do C.P.C.
Sucede que não resulta dos autos que tais entidades tivessem apresentado nos autos recusa de colaboração nos termos do art. 417º, nº 3, do CPC.
Em todo o caso, é manifesto que o interesse público atinente à acção da justiça e descoberta da verdade material sempre se sobreporia a qualquer constrangimento relacionado com a alegada intromissão da vida privada das entidades em causa ou protecção de dados pessoais protegidos.
Assim sendo, improcedem totalmente as conclusões do recurso, devendo confirmar-se a decisão recorrida.
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Sumário:

- Para a determinação do valor da ação, que equivale à utilidade económica imediata do pedido, há que atender ao concreto pedido formulado e, não bastando a análise do pedido, tem de se atentar ao que resulta dos factos integrantes da respetiva causa de pedir;
- Decorre da conjugação dos artigos 306º e 308º do CPC que, seja qual for a posição das partes relativamente ao valor da causa, o juiz deve sempre fixá-lo, ou seja, não está dispensado de o fazer.
- E a determinação do valor da causa faz-se em face dos elementos do processo ou, sendo estes insuficientes, mediante as diligências indispensáveis, que as partes requererem ou o juiz ordenar.

DECISÃO

Nestes termos, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 18.01.2024

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Margarida Gomes
Fernanda Proença