Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | AFONSO CABRAL DE ANDRADE | ||
Descritores: | ALIMENTOS RECURSO RENÚNCIA TÁCITA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1. Para efeitos de considerar verificada uma aceitação tácita da decisão, que implique renúncia ao direito ao recurso, nos termos do disposto no artigo 632.º/3 do Código de Processo Civil”, a conduta em causa tem de ser totalmente inequívoca, e não permitir qualquer outra interpretação que não a da aceitação da decisão. Numa situação em que o recurso da decisão tem efeito meramente devolutivo, e em que por isso a decisão pode ser de imediato executada, o comportamento do autor em exigir o cumprimento da sentença não pode ser visto como uma renúncia tácita a recorrer da mesma. Mesmo depois de interposto o recurso, pode o autor continuar a exigir o cumprimento da decisão recorrida. E se assim é, por maioria de razão pode fazê-lo antes de interpor o recurso. 2. Numa situação em que a mãe dos requeridos carece de alimentos e cuidados em geral, permanentemente, pela sua débil situação de saúde, e em que estes não têm condições económicas para efectuar uma prestação pecuniária, nos termos do art. 1874º,2 CC, a única solução é fixar-lhes o encargo, através da respectiva companhia, de vigiar e cuidar da sua mãe num período de tempo correspondente à quota-parte de cada um”, nos termos do art. 2005º CC. Pode não ser a solução perfeita, mas não havendo outra viável, passa a ser a solução legalmente imposta. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório AA, interdita por anomalia psíquica, representada pela sua tutora BB, ambas com domicílio na Urbanização ..., ..., da freguesia ..., ..., instaurou contra: CC (1.ª Ré), residente na Avenida ..., da freguesia ..., ... ...; DD (2.º Réu), residente na rua ..., freguesia ..., ... ...; EE (3.ª Ré), residente na rua ..., ... ..., do concelho ...; DD (4.º Réu), residente na rua ..., da freguesia ... (..., do concelho ...; e FF (5.ª Ré), residente na rua ..., fracção "...", da freguesia ..., ... ..., todos melhor identificados na petição inicial, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, tendo formulado o seguinte pedido: -A condenação dos Réus a pagar à Autora, a título de prestação de alimentos, a quantia mensal de € 1.015,09 (mil e quinze euros e nove cêntimos), com vencimento no 1.º dia do mês subsequente ao da propositura da presente acção. Para tanto, a Autora alegou, em síntese, que: foi declarada a sua interdição por anomalia psíquica, tendo sido fixada como data de início da incapacidade o dia 13.11.2018; por força da doença que padece, não é capaz de prover à sua subsistência, tendo de ser auxiliada por terceiros na satisfação das suas necessidades básicas; a assistência de que carece é prestada pela filha BB, que foi nomeada sua tutora no processo de interdição, com quem reside, sendo esta auxiliada pela outra filha CC; para além disso, beneficia de cuidados domiciliários, que são prestados duas vezes ao dia pelo Centro Social e Paroquial de ...; tem gastos mensais no valor total de € 1.009,33, o que não é coberto pelos rendimentos que recebe, os quais ascendem apenas à quantia de € 659,24; os Réus não prestam assistência à Autora, nem quanto aos seus cuidados nem quanto aos alimentos de que carece, tendo condições económicas para o efeito; o custo da assistência providenciada pela tutora BB representa o montante de € 665,00, valor que deverá acrescer às despesas mensais que os Réus deverão suportar. Regularmente citados: 1.º- A 1.ª Ré CC apresentou contestação, a fls. 53 a 54 (REF.ª ...29), na qual, por um lado, admitiu que a Autora se encontra interdita por anomalia psíquica e a depender de cuidados de terceiros, mas sustentou que ela também presta assistência à mesma, embora não o faça de forma financeira, ao que está impedida, por beneficiar quer ela quer o seu marido de reformas baixas e ter problemas de saúde; acrescentou que está de acordo a que se proceda à venda de bens de que a mãe é titular, com vista à satisfação do pagamento das despesas de que carece; 2.º- A 3.ª Ré EE, o 4.º Réu DD e a 5.ª FF apresentaram contestação conjunta, a fls. 55 a 63 (REF.ª ...12), onde, em síntese, por um lado, impugnaram o valor dado à causa, e, por outro lado, sustentaram que a mãe dispõe de reforma e de um bem imóvel, com cuja venda concordam, e que as despesas estão exageradamente alegadas; caracterizaram ainda as respectivas situações económicas; e argumentaram que o mais benéfico para a Autora seria a sua residência num lar; 3.º- O 2.º Réu DD apresentou contestação, a fls. 94 a 104 (sob a REF.ª: ...22), na qual, em súmula, em primeiro lugar, reiterou a contestação apresentada pelos 3.ª, 4.º e 5.ª Réus; em segundo lugar, a título de excepção, alegou que a propositura da presente acção está dependente de autorização judicial, que este Tribunal é incompetente para a fixação de uma remuneração ao tutor e, para além disso, que os Réus são partes ilegítimas, por não terem sido demandados todos os filhos da Autora; em terceiro lugar, e a título de impugnação, sustentou que as despesas invocadas encontram-se inflacionadas, devendo a tutora racionalizar os rendimentos que a mãe dispõe, e, quanto à situação económica, que se encontra desempregado, assim como a esposa, sendo pais de dois filhos, ambos estudantes, o que lhes impede de ter desafogo económico para contribuir com alimentos para aquela. A Autora exerceu o contraditório quanto às excepções alegadas, bem como respondeu ao incidente de impugnação do valor da causa. Realizou-se a audiência prévia no dia 09.02.2022, no qual se proferiu despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo-se julgado improcedente o incidente de impugnação do valor da causa e tendo-se desatendido as excepções de ilegitimidade, de falta de autorização e da existência de um conflito de interesses, nos termos que constam de fls. 139 a 141. Fixou-se ainda o objecto do litígio e estabeleceram-se os temas da prova, em termos que não mereceram a reclamação das partes (fls. 141/verso a 142). Realizou-se a audiência de julgamento nas sessões dos dias 09.06.2022, 15.06.2022 e 14.07.2022, com observância formalismo legal, conforme decorre das actas respectivas. A final foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: i) Condenou cada um dos Réus a prestar assistência à Autora, aos fins-de-semana, de forma rotativa, de modo a que a cada um deles caiba um fim-de-semana, de 5 (cinco) em 5 (cinco) semanas, a começar no primeiro fim-de-semana seguinte à notificação da presente sentença, com a ordem seguinte (sem prejuízo de alterações a efectuar, por acordo, entre os Réus e a tutora, que representa a Autora): 1.º- O primeiro turno caberá à Ré CC; 2.º- O segundo turno caberá ao Réu DD; 3.º- O terceiro turno caberá à Ré EE; 4.º- O quarto turno caberá ao Réu DD; 5.º- O quinto turno caberá à Ré FF. ii) Cada turno deverá ser prestado entre as 8h até às 20h de sábado e entre as 8h até às 20h de domingo; iii) Condenou cada um dos Réus a prestar assistência à Autora, nos dias feriados, de forma rotativa, segundo a ordem indicada em i), no primeiro feriado seguinte à notificação da presente sentença, desde as 8h às 20h (sem prejuízo de alterações a efectuar, por acordo, entre os Réus e a tutora, que representa a Autora); iv) Absolveu os Réus do restante peticionado. Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo (artigos 629º,1, 631º,1, 637º, 638º,1, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,1 do Código de Processo Civil). Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões: A. Não se conformando com o teor da sentença de fls…, proferida no dia 30 de Agosto de 2022, a Autora, aqui Recorrente, vem dela interpor o presente recurso de apelação, cujo objecto compreende as seguintes ordens de razão: impugnação da decisão da matéria de facto constante do Facto Provado 17.º, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil; errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 2003.º a 2010.º do Código Civil e errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 2011.º do mesmo código. B. Ora, nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. C. Em cumprimento do disposto no preceito legal citado, o concreto ponto de facto que, na nossa perspectiva, está incorrectamente julgado é o constante do Facto Provado 17.º da sentença recorrida. Senão vejamos: D. A sentença recorrida julga como provado que “A Autora gasta mensalmente quantia não inferior a € 855,00, com a sua alimentação, gastos de água, electricidade, medicação, produtos de higiene, roupa de dormir, lenha e com as despesas aludidas em 16. a 20.”; E. Ora, salvo o devido respeito, é absolutamente incompreensível a decisão tomada a respeito das despesas médias mensais da Autora, considerando quer a vasta prova documental junta aos autos, quer o depoimento de parte prestado pela representante legal da Autora, BB, quer ainda os depoimentos das testemunhas, especialmente da testemunha GG e da testemunha HH (que se tratam do genro e filha da Autora que auxilia a tutora e que, por essa razão, têm especial conhecimento quanto à situação da Autora e, consequentemente, quanto às despesas mensais que a mesma suporta), tudo aliado ao contexto económico-financeiro vivido à data da sentença, num período pós-pandémico e de Guerra na Ucrânia, com a consequente inflação que, em maior ou menor medida, afeta todos os portugueses, incluindo a Autora. F. Desde logo, refira-se que, no entendimento da Autora, quanto às suas despesas médias mensais (Facto Provado 17.º), é matéria de facto assente que a mesma paga 292,75€ (duzentos e noventa e dois euros e setenta e cinco cêntimos) como contrapartida pelo serviço prestado pelo Centro Social e Paroquial de ..., conforme resulta do Facto Provado 16.º, e ainda que, para ir buscar e levar a filha HH, é necessária quantia não inferior a 100,00€ (cem euros), conforme resulta do Facto Provado 20.º; G. No nosso modesto entendimento, toda a restante matéria de facto englobada pelo Facto Provado 17.º encontra-se incorrectamente julgada. H. Desde logo, no que respeita aos gastos da Autora com a alimentação, não podemos concordar com a motivação do Tribunal a quo quando refere que “(…) na impossibilidade de comprovação precisa desses gastos, entende-se, atenta a condição socioeconómica da Autora (idade, doença, patamar económico), e com base nas regras da experiência, que esta gasta, com a sua alimentação, o equivalente a 1/4 da retribuição mínima mensal garantida actual, o que corresponde a € 176,25 (€ 705,00/4)”. I. A prova documental junta aos autos (Doc. n.º ...4 instruído com a Petição Inicial) diz respeito a despesas de supermercado unicamente respeitantes à Autora, conforme se vislumbra pelo teor da referida factura, na qual se incluem produtos como cerelac e danoninho, produtos esses próprios não só na alimentação de bebés e crianças mas também na dos idosos como a Autora, sendo que os restantes produtos (carne, legumes e fruta) são também todos destinados à alimentação da Autora, nomeadamente à confecção de sopas e papas. J. Com isto pretendemos afirmar que a Factura junta como Doc. n.º ...4 diz apenas respeito às compras semanais destinadas unicamente à satisfação das necessidades de alimentação da Autora, sendo o custo semanal de 54,29€ (cinquenta e quatro euros e vinte e nove cêntimos) e, feitas as contas, o custo mensal de 217,16€ (duzentos e sete euros e dezasseis cêntimos). K. Aliás, o próprio depoimento da representante legal da Autora corrobora a referida prova documental, quando a mesma refere que, de forma a ultrapassar “a dificuldade de quantificação rigorosa desse montante” e o facto de as despesas serem geridas “em conjunto com as necessidades alimentares dos demais membros do agregado”, comprou separadamente os produtos alimentares necessários para a Autora, apresentando, salvo melhor entendimento, prova documental inequívoca das despesas alimentares da Autora, que é coerente em relação ao seu depoimento em sede de julgamento. L. Ao que acresce o facto de o teor da referida factura ser credível e razoável, pois em nada revela a compra de produtos supérfluos ou excessivos para o consumo semanal de uma pessoa com a idade e na condição da Autora e, por outro lado, de os depoimentos das testemunhas II, GG e HH apontarem no sentido de que a alimentação da Autora ronda o custo mensal, quer constante da prova documental, quer referido pela tutora. M. Assim, a conjugação da prova documental e dos depoimentos mencionados revela-se credível e coerente, impondo decisão diferente daquele que foi tomada. N. Quanto à prova documental porque, conforme adiantado, a factura de supermercado junta aos autos revela compras e gastos normais para a alimentação semanal de uma pessoa com a idade e condição da Autora, comprovando, assim, que o custo mensal da Autora é o referido no artigo 22.º, e quanto aos depoimentos, quer da representante legal da Autora, quer das testemunhas II, GG e HH, respectivamente filha, neta, genro e filha da Autora, porque corroboram e são coerentes com a prova documental constante dos autos, sendo também credíveis, uma vez que estas testemunhas conhecem melhor do que ninguém a realidade da Autora. O. Razão pela qual, embora não olvidando a dificuldade de quantificação rigorosa de um montante como este, não podemos concordar com o entendimento do Tribunal a quo, quando o mesmo, perante a prova produzida, opta por utilizar um critério, salvo o devido respeito, absolutamente arbitrário como forma de alcançar um custo médio mensal (1/4 da RMMG) ao invés de conjugar e valorar o conjunto coerente de prova documental e dos depoimentos produzidos em sede de julgamento e daí retirar o efectivo custo semanal e mensal gasto com a alimentação da Autora. P. Concluindo-se, assim, que se impunha decisão diferente daquela que foi tomada pelo Tribunal recorrido, uma vez que o mesmo devia ter fixado que a Autora tem despesas mensais com a sua alimentação no valor de 217,16€ (duzentos e sete euros e dezasseis cêntimos). Q. Já quanto às despesas medicamentosas, refere a sentença alvo do presente recurso: “(…) o valor de 93,34€, ainda que se considerem cremes e o lasix (cuja caixa, à data de hoje, contém 60 comprimidos e custa, sem comparticipação do Estado, 4,92€, segundo a pesquisa realizada (…), sendo que a Autora deverá apenas tomar meio comprimido/dia – cfr. relatório de fls. 27), afigura-se desajustado em face do preço dos medicamentos regulares. Ponderando que, antes da propositura da acção, a tutora da Autora, na carta defls. 37 a 38 (através da qual pretendeu convocar os irmãos para uma reunião familiar), indicou que as despesas a esse título se situavam na ordem dos € 30,00 a € 40,00, entende-se que deve ser o valor mínimo a considerar (dada a proximidade ao recibo de fls. 199).” R. Entende a Autora que o Tribunal recorrido, ao ter em conta a prova documental de fls. 37 a 38, devia ter fixado a média dos dois valores apurados (30,00€ a 40,00€) como despesa mensal com medicação, isto é, 35,00€ (trinta e cinco euros), tanto é que assim fez quanto às despesas com a aquisição de produtos de higiene pessoal, relativamente às quais, perante o intervalo de valores referidos naquela carta (150,00€ a 200,00€), o Tribunal entendeu que “as despesas devidas a esse tútulo correspondem ao valor médio mensal do intervalo indicado nessa missiva (ou seja, a € 175,00)”, devendo seguir-se, também neste caso, a mesma lógica. S. Assim sendo, ao contrário da decisão tomada, o Tribunal recorrido devia ter definido, como custo mensal que a Autora tem com medicação, o valor de 35,00€ (trinta e cinco euros). T. Relativamente às despesas com a aquisição de produtos de higiene (fraldas, pensos, cremes e produtos de desinfecção), mais uma vez andou mal, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo ao entender que as despesas suportadas pela Autora com a aquisição de produtos de higiene pessoal correspondem ao valor médio do intervalo indicado na missiva endereçada pela Autora, desde logo porque a referida missiva remonta a Março de 2020 e a sentença foi proferida em Agosto de 2022, num contexto socioeconómico completamente distinto, em contexto pós-pandémico e de Guerra na Ucrânia, com a progressiva inflação e aumento do custo de vida, inclusive para a Autora e agregado familiar em que esta se insere. U. Sendo certo que, não obstante o teor do documento em questão, a prova produzida em sede de julgamento impunha decisão distinta, mormente o depoimento da representante legal da Autora, BB, da própria Ré FF (que trabalha num Lar em ... e conhece as necessidades de utentes idosos como a Autora) e ainda das testemunhas II, GG e HH. V. Pelo que, salvo o devido respeito, não cremos que o valor fixado na sentença seja ajustado à realidade da Autora que, conforme resulta dos depoimentos da tutora e das referidas testemunhas, usa um número considerável de fraldas por dia (no mínimo, 3 fraldas, sem prejuízo dos pensos que são colocados em simultâneo e das situações excepcionais decorrentes dos seus problemas de vesícula e consequente necessidade de utilização de mais fraldas) e, em virtude da sua condição física, passa muito tempo sentada e deitada, ganhando feridas e carecendo de cuidados que envolvem uma compra constante de produtos de higiene pessoal, como cremes e produtos de desinfecção. W. Assim sendo, entendemos que a decisão tomada pelo Tribunal recorrido a este respeito, está incorrecta, devendo ser considerando que a Autora tem um gasto mensal de cerca de 180,00€ (cento e oitenta euros) nos referidos produtos de higiene. X. No que concerne a despesas de energia eléctrica, refere o Tribunal recorrido que “A Autora procedeu à junção de duas facturas, uma no valor de € 235,11 (fls. 28) e outra no montante de € 167,12 (fls. 163). A primeira é relativa a meses de inverno e a segunda respeita ao período de 24.09 a 23.10”, concluindo que “(…) nos meses de inverno se gasta mais, mas que, no restante período do ano, o consumo é menor, tendo em conta os dois exemplos que constam dos autos a flutuação plausível, considera-se um custo médio mensal de 150,00€ (…)”. Y. Ora, embora possamos concordar com a justificação da qual parte o Tribunal a quo, não podemos aceitar o valor que o mesmo define como “custo médio mensal”, até porque, salvo o devido respeito, não existe nenhuma razão de ser lógica para, partindo dos valores das duas facturas, se ter chegado a esse montante final. Z. Isto é, partindo da lógica de que no Inverno se gasta mais energia eléctrica do que no restante ano e não esquecendo, por outro lado, que o frio surge ainda no Outono e se estende muito além dos meses de Inverno, entendemos que, face à prova documental constante dos autos, a média mensal deveria ter sido alcançada, fazendo-se uma média aritmética entre os valores das duas facturas, uma vez que, além dos dois documentos juntos pela Autora, inexistem outros documentos ou quaisquer outros meios de prova que permitam concluir em sentido diferente, devendo a sentença cingir-se à prova que resulta dos autos. AA. Aliás, o depoimento da representante legal da Autora demonstra que a mesma pagou 200,00€ (duzentos euros) no mês de Junho de 2022 (apesar de ser um mês de Verão), afirmação corroborada pelo depoimento do seu marido, GG, quando afirma que pagou cerca de 190,00€ (cento e noventa euros) nesse mesmo mês. BB. Desta forma, entendemos que o custo médio mensal do agregado familiar com o fornecimento de energia eléctrica deve ser aferido fazendo-se a média entre as duas facturas juntas aos autos, o que equivale ao valor de 201,12€ (duzentos e um euros e doze cêntimos). CC. Ainda quanto a estas despesas, continua a sentença recorrida, dividindo o valor alcançado, de 150,00€ (cento e cinquenta euros) pelos seis membros do agregado familiar, chegando, assim, à quantia de 25,00€ (vinte e cinco euros) por cada membro. DD. Ressalvado o devido respeito, também quanto a este ponto não podemos concordar com a sentença recorrida, sendo que, conforme resulta da prova produzida em sede de julgamento, nomeadamente do depoimento da tutora e do seu marido, a Autora está constantemente em casa, de noite e de dia, confinada à sala e à cozinha (... andar), não só com a luz ligada, mas também com a televisão para lhe fazer alguma companhia e, em alguns meses, com o aquecimento ligado, ao que acresce outro facto que a referida tutora traz à colação no seu depoimento (o facto de a irmã HH dever ser considerada como um membro do agregado familiar). EE. Sendo certo que, muito embora a irmã CC não viva nem durma em casa da irmã BB, tendo a sua própria casa, é certo que a mesma passa a maior parte do seu dia em casa da irmã pois, conforme resulta amplamente da prova testemunhal produzida em sede de julgamento, inclusive dos depoimentos dos próprios Réus, a irmã CC presta auxílio à Autora de manhã até ao fim do dia. FF. Aliás, conforme concretizado pelo depoimento da representante legal da Autora, a irmã CC, na prática, encontra-se em sua casa entre 8 a 10 horas por dia, ali permanecendo e fazendo refeições, com os consequentes gastos, inclusive de energia eléctrica, se calhar até superior a alguns dos membros do agregado familiar. GG. Ou seja, quanto à Autora, a mesma está na habitação ...4 horas por dia durante 7 dias da semana, confinada ao mesmo espaço da casa, com a luz e televisão ligada durante todo o dia e por vezes nas primeiras horas da noite e, em certos períodos, com o aquecedor ligado e com o colchão ortopédico ligado durante a noite, tal como sucede com a sua filha CC, a qual, para prestar auxílio à Mãe, gasta e usufrui de energia eléctrica durante 8 a 10 horas por dia, 5 dias por semana, ambas talvez até mais do que qualquer um dos outros membros do agregado familiar. HH. Sendo certo que esses restantes membros trabalham ou estudam, conforme resulta dos depoimentos produzidos em sede de julgamento, pelo que não gastam electricidade durante praticamente todo o dia, mas tão só quando se preparam de manhã para sair para o trabalho ou para a escola, quando almoçam em casa e ao final do dia, quando regressam dos seus afazeres profissionais ou escolares, e quando se encontram a supervisionar a Autora na ausência da filha BB. II. E também esta última, apesar de trabalhar no turno da noite, não gasta assim tanta luz durante o dia, uma vez que aproveita algumas horas para tentar descansar durante o dia. JJ. Razão pela qual entendemos, por um lado, que a irmã CC deve ser considerada como membro do agregado familiar para este efeito e, por outro lado, que o custo médio mensal do agregado familiar, de 201,15€ (duzentos e um euros e quinze cêntimos), não deve ser dividido, de forma equitativa, pelos sete membros do agregado familiar, considerando-se, antes, que a Autora e a sua filha CC gastam cerca de 1/2 do valor total, isto é, 100,58€ (cem euros e cinquenta e oito cêntimos), recaindo, assim, sobre a Autora o custo de 50,29€ (cinquenta euros e vinte e nove cêntimos). KK. Assim sendo, quanto às despesas com o fornecimento de energia eléctrica, atendendo à prova produzida, a sentença recorrida devia ter decidido que a Autora suporta mensalmente o montante de 50,29€ (cinquenta euros e vinte e nove cêntimos). LL. Em relação às despesas com vestuário e roupa de dormir (lençóis, conforter, camisas de noite) e aquisição de lenha, entendeu o Tribunal recorrido, mais uma vez mal, no nosso modesto entendimento, que a Autora tem um gasto mensal de cerca de 40,00€ (quarenta euros), porque “(…) esses gastos não são regulares e (…) ocorrem, pontualmente, atento o tempo de vida inerente a cada uma dessas peças”. MM. Sucede que, conforme resulta dos artigos 33.º a 36.º da Petição Inicial e dos Docs. n.ºs ...8 e19, a Autora tem despesas mensais de22,87€ (vinte e dois euros e oitenta e sete cêntimos) com a aquisição de camisas de dormir, camisolas cardadas, lençóis e de um conforter, necessidade que se encontra comprovada através do conjunto de prova documental trazido aos autos e ainda pelo depoimento da tutora e pelo depoimento do seu marido, GG. NN. O vestuário e a roupa de cama de uma pessoa nas referidas condições precisa efectivamente de ser lavado com maior frequência, essencialmente em virtude da utilização de fraldas que potencia a natural sujidade e odor que exige a realização de múltiplas e sucessivas lavagens com maior frequência do que sucede quanto a uma pessoa que ainda se encontra capaz de dormir sem necessidade de utilização de fralda, conforme resulta do depoimento da testemunha HH. OO. Já em relação a despesas com aquisição de lenha, resulta do depoimento da representante legal da Autora, corroborado pelo depoimento do seu marido GG, que o agregado familiar tem um gasto de 500,00€ (quinhentos euros) anuais com a aquisição de 5 toneladas de lenha, despesa essa que, dividida pelos 12 meses do ano, perfaz um custo mensal de 41,67€ (quarenta e um euros e sessenta e sete cêntimos), custo este que não deve ser divido apenas por 6 mas antes por 7 pessoas, corroborando-se tudo quanto se afirmou anteriormente quanto ao facto de a despesa dever ser dividida, não só entre os 6 membros do agregado familiar que efectivamente residem na habitação em questão, mas também pela irmã CC que se encontra durante cerca de 8 a 10 horas por dia e 5 dias por semana, na referida habitação, sendo esta quem, a par da Autora, mais usufrui do fogão de sala durante os meses de frio. PP. Acresce que, mais uma vez, entendemos que, seguindo a referida lógica, à Autora e à filha CC deve ser atribuído 1/2 deste custo mensal, o que equivale a 20,84€ (vinte euros e oitenta e quatro cêntimos), sendo a parte da responsabilidade da Autora de 10,42€ (dez euros e quarenta e dois cêntimos). QQ. Pelo que, em relação a estas despesas, o Tribunal recorrido devia ter decidido de forma diferente, concluindo que a Autora despende do valor mensal de 22,87€ (vinte e dois euros e oitenta e sete cêntimos) e de 10,42€ (dez euros e quarenta e dois cêntimos). RR. Face ao exposto e conforme resulta da prova documental e da prova produzida em sede de julgamento, o montante total das despesas mensais em que a Autora incorre é de, pelo menos, 908,49€ (novecentos e oito euros e quarenta e nove cêntimos). SS. Assim sendo, no nosso modesto entendimento, a sentença recorrida faz uma apreciação errada da prova junta aos autos e produzida em sede de julgamento quando julga que “A Autora gasta mensalmente quantia não inferior a € 855,00, com a sua alimentação, gastos de água, electricidade, medicação, produtos de higiene, roupa de dormir, lenha e com as despesas aludidas em 16. e 20.”. TT. Considerando que, face à prova documental junta aos autos e à restante prova produzida em sede de julgamento, oportunamente citada, o Facto Provado 17.º deve ser substituído pelo seguinte: “A Autora gasta mensalmente quantia não inferior a 908,49€ (novecentos e oito euros e quarenta e nove cêntimos) com a sua alimentação, gastos de água, electricidade, medicação, produtos de higiene, roupa de dormir, lenha e com as despesas aludidas em 16. e 20.” UU. Face ao exposto no ponto precedente, as despesas mensais da Autora excedem o seu rendimento mensal em, pelo menos, 38,32€ (trinta e oito euros e trinta e dois cêntimos), existindo um saldo negativo anual de 459,84€ (quatrocentos e cinquenta e nove euros e oitenta e quatro cêntimos). VV. Ora, o Tribunal a quo, após julgar erradamente a matéria de facto constante do Facto Provado 17.º, conclui, também de forma errada: “(…) a Autora necessita, para a sua sobrevivência, de despender, em cuidados domiciliários, em electricidade e em água, em despesas de saúde, de higiene e de alimentação, em despesas de combustível para que a filha lhe preste assistência e em outros gastos, o montante de 855,00/12 vezes ao ano, o que se traduz num gasto anual de € 10.260,00” porque “essa importância não ultrapassa o montante recebido pela Autora, a título de pensão de sobrevivência e de velhice e a título de complemento por dependência, que é no total de € 10.442,04 (€ 745,86 x 14 meses)”, fazendo, assim, uma errada interpretação dos artigos 2003.º a 2010.º do Código Civil. Senão vejamos, WW. Em termos gerais, prevê o artigo 1874.º do Código Civil, que os pais e filhos se devem mútuo respeito, auxílio e assistência e, ainda, que tal dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar. XX. De facto, conforme resulta dos Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães citado na sentença recorrida, “[o] dever de respeito, auxílio e assistência a que pais e filhos se encontram mutuamente sujeitos (art. 1874º, n.º 1 do CC), embora assentem em preceitos éticos e morais que o legislador reconheceu, aceitou e considerou aquando da regulamentação jurídica das relações familiares, configuram verdadeiros deveres jurídicos, deles emergindo verdadeiros direitos subjectivos dos pais em relação aos filhos e vice-versa”, sendo que, particularmente quanto ao dever de assistência, conforme escrevem os autores citados naquela sentença, o mesmo “tem um conteúdo económico: obrigação de prestar alimentos, e de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar (…)”. YY. Nos termos dos artigos 2003.º e 2004.º do Código Civil, entende-se por alimentos tudo aquilo que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do alimentando, ressalvando-se que os alimentos devem ser proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los e, por outro lado, à necessidade daquele que houver de recebê-los. ZZ. Por um lado, salvo melhor entendimento, é manifesta a necessidade que a Autora tem em receber alimentos, pois os seus rendimentos não chegam para fazer face às suas despesas. AAA. Por outro lado, quanto aos meios económicos dos Réus, da prova produzida em sede de audiência de julgamento resulta que Ré CC aufere uma pensão no valor mensal de 606,67€ (seiscentos e seis euros e sessenta e sete cêntimos); que o Réu DD aufere um rendimento mensal líquido de 991,67€ (novecentos e noventa e um euros e sessenta e sete cêntimos); que a Ré EE aufere uma pensão de invalidez no valor mensal líquido de 688,33€ (seiscentos e oitenta e oito euros e trinta e três cêntimos) e que a Ré FF aufere um rendimento mensal líquido de 822,50€ (oitocentos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos) (considerando subsídios). BBB. Já o acórdão recorrido, refere, a este respeito: “Da discussão da causa, conforme acima se referiu, resultou que os rendimentos que os Réus auferem situam-se muito próximos da remuneração mínima garantida, que é o valor médio limite que permite aos agregados a satisfação das necessidades básicas que também eles têm ao nível da sua alimentação, habitação, vestuário e saúde”. CCC. Ora, é neste ponto que entendemos que o Tribunal a quo andou mal, interpretando erradamente o artigo 2003.º e 2004.º do Código Civil, pois, além de não ter ponderado correctamente a necessidade da Autora em receber alimentos, também não ponderou devidamente a capacidade económica de, pelo menos, um dos Réus para fazer face àquela obrigação de alimentos. DDD. Salvo melhor entendimento, entendemos que o rendimento mensal do Réu JJ, por exceder em 286,67€ (duzentos e oitenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos) o salário mínimo nacional, faz com que o mesmo reúna as condições financeiras necessárias para pagar uma prestação de alimentos à Mãe, aqui Autora. EEE. Assim sendo, do valor que a Autora peticionou aos cinco Réus a título de pensão de alimentos, de 1.015,09€ (mil e quinze euros e nove cêntimos), pelo menos o Réu JJ deve ser condenado a pagar 1/5 de tal valor, o que equivale a 203,02€ (duzentos e três euros e dois cêntimos). FFF. Conforme resulta dos presentes autos, a Autora peticionou que os Réus fossem condenados a pagar à Autora, a título de prestação de alimentos, a quantia mensal de 1.015,09€ (mil e quinze euros e nove cêntimos), com vencimento no 1º dia do mês subsequente ao da propositura da acção. GGG. Em sentido contrário, depois de entender que os Réus se encontram incapazes de satisfazer a obrigação de alimentos nos moldes solicitados, o Tribunal a quo afirma: “(…) tendo em conta, em contraponto, que todos os filhos estão obrigados ao cuidado dos seus pais (como decorre do artigo 1874.º/2, do C.Civil),e não podendo comparticipar na obrigação alimentar através de uma prestação pecuniária, então é de cometer-lhes o encargo, através da respectiva companhia, de vigiar e cuidar a sua mãe num período de tempo correspondente à quota-parte de cada um”. HHH. Continua aquela sentença, referindo que, uma vez que a Autora reside em casa da tutora e tem dificuldades de locomoção, estando o seu dia-a-dia organizado em função da prestação de cuidados domiciliários (prestados pelo Centro Social e Paroquial de ...), “(…) a obrigação deverá, por conseguinte, (ser) prestada em espécie, mediante o respectivo acompanhamento diurno, em casa da irmã (salvo se outro for acordado). (…) A fixação de uma quantia alimentar em espécie constitui um minus em relação ao pedido formulado pela Autora, no qual se contém, e é permitida à luz do artigo 2005.º/2, do CCiv, que defere ao Tribunal a fixação do modo de prestar a obrigação alimentícia, dentro das circunstâncias do caso”. III. Determinando, nesta senda, que: “(…) o cuidado diurno (das 8h às 20h) aos fins-de-semana e feriados seja assegurado pelos Réus, de forma rotativa, com início pelo 1.º Réu (sem prejuízo de alteração por acordo entre os mesmos e a tutora)”, excluindo a tutora “porque a cargo desta já ficará a vigilância nocturna e os demais acompanhamentos que leva a cabo, embora de forma parcial, durante a semana de trabalho (onde lhe dedica parte do seu tempo e durante o qual leva a Autora, sempre que necessário, a consultas e tratamentos)” e a irmã CC, “que não é demandada nesta acção” e “não se justifica repartir o acompanhamento a prestar em que serão condenados os Réus por aquela, dado que aquela já efectua a vigilância diurna semanal da Autora (esgotando a quota-parte que lhe é devida)”. JJJ. Salvo o devido respeito, a obrigação alimentar em espécie que foi fixada – apesar de possível à luz do artigo 2005.º, n.º 2, do Código Civil – não é exequível em termos práticos, atendendo às circunstâncias do caso concreto, inexequibilidade que o conjunto da prova junta aos autos e produzida em sede de julgamento já deixa antever (e que, na verdade, já se tem verificado na prática). KKK. Desde logo, resulta dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de julgamento, nomeadamente do depoimento da neta e médica de profissão II, que a Autora padece de obesidade e que não é fácil de a movimentar, tanto é que, conforme também resulta da prova produzida, a Autora tem que ser auxiliada por duas funcionárias do Centro Social e Paroquial de ... para ser movimentada da cama para o cadeirão e vice-versa, tal como tem que ser auxiliada para qualquer outra acção do seu dia-a-dia, nomeadamente para se deslocar do cadeirão para a cadeira e vice-versa. LLL. Com isto pretendemos afirmar que, sem prejuízo do serviço prestado pelo referido Centro Social aos fins de semana, duas vezes ao dia, certo é que o(a) filho(a) que fica responsável pelo turno de sábado ou pelo turno de domingo, entre as 08h00 e as 20h00, tem necessariamente que transportar e movimentar a Mãe entre o cadeirão e cadeira de rosas e vice-versa (conforme explicado pela testemunha CC no seu depoimento). MMM. Assim sendo, questionamos desde já como é que, na prática, o(a) filho(a) que está responsável pelo turno de sábado ou de domingo vai, sozinho(a), movimentar a Mãe, atendendo ao seu peso e condição física? Como é que o(a) mesmo(a) pode com a Mãe? E mesmo que o consiga fazer, como é que o vai fazer sem provocar dores à Mãe? NNN. Como refere a testemunha CC, filha da Autora, “Não há uma mulher só que consiga pegar na minha mãe sozinha. Tem que ser duas, senão era preciso ir lá as duas senhoras do lar”. OOO. Circunstancialismo claramente agravado pela falta de experiência e sensibilidade que, salvo o devido respeito, é expectável em filhos que não visitavam a Mãe há alguns anos e que, na sua grande maioria, desconhecem os passos adequados que devem ser seguidos para levantar ou transportar um idoso nesta condição. PPP. Quem é que estará disponível para auxiliar o irmão ou irmã responsável pelo turno quando este ou esta não conseguir movimentar a Mãe sem a ajuda de uma terceira pessoa? É a filha/tutora BB que tem que ajudar os irmãos, não obstante já o faça durante a semana e aos fins de semana durante a noite ? QQQ. O mesmo se diga em relação a outros cuidados de que a Autora carece durante o dia, como a muda da fralda, sendo que, conforme resulta do depoimento da testemunha HH, são necessárias duas pessoas para este efeito, uma vez que a muda da fralda é realizada “na cama ou no cadeirão” (o que implica força física por parte de duas pessoas para movimentar a Autora). RRR. Acresce que não podemos olvidar que, seja pela idade, seja pela condição física e de saúde, alguns dos Réus nem sequer possuem condições para auxiliar a Autora, pelo menos nestes moldes, como os próprios assumem e conforme resulta dos depoimentos das testemunhas, como é o caso da Ré CC, que a testemunha CC entende ser incapaz de levantar a Mãe, ao referir “Ai, não pode (pegar em pesos). Ela fisicamente não pode”, e como é o caso do Réu DD, que alega ter problemas de costas. SSS. E, mais, o descanso da Autora, que sai às 06:00 horas ao sábado de manhã, fica comprometido? Como é que a Autora, o marido e os filhos vão descansar ou relaxar se não têm qualquer privacidade em casa? TTT. Ou espera-se que os donos da casa e os filhos vão passear e deixem à casa confiada a algum dos irmãos, sendo que alguns destes nem sequer têm uma relação próxima com os donos da casa? UUU. E quem é que prepara o almoço e o jantar para a Mãe? São os irmãos, mesmo que não saibam cozinhar? Como? Com que utensílios? Com que recursos? Com os da tutora? VVV. Ou só dão a comida e a medicação à Mãe mas tem que estar tudo previamente preparado pela tutora, isto é, tem que ser a tutora, mais uma vez, depois de um turno nocturno, a preparar as refeições e deixar tudo à disposição dos irmãos? WWW. Caso a irmã BB não esteja em casa, os Réus sabem a dosagem da medicação que têm que dar à Mãe? Sabem cortar-lhe as unhas? Sabem reconhecer o que é que se passa quando a mesma se mostra desconfortável ou queixosa? Sabem reconhecer se e quando é que tem fome, sede, frio ou calor? XXX. E vão almoçar ou jantar como e onde? Vão-se ausentar nos horários das refeições para almoçarem e jantarem com as respectivas famílias? Vão almoçar e jantar em casa da irmã BB para acentuar ainda mais as despesas do seu agregado familiar? YYY. E os Réus homens, vão mudar a fralda à Mãe? Será que o fazem? Ou esperam que a irmã BB esteja por casa e que trate da higiene da Mãe sempre que for necessário? ZZZ. E mesmo as filhas, aqui Rés, mesmo que mudem a fralda à Mãe, vão conseguir fazê-lo sozinhas ou vão chamar a tutora BB sempre que for necessário? AAAA. Salvo o devido respeito, que utilidade prática tem este sistema se nenhum filho da Autora consegue, no seu turno, desempenhar algum acto necessário sozinho? Se nenhum consegue sozinho movimentar a Autora? Se nenhum muda a fralda? Se nenhum lhe presta cuidados básicos de higiene como cortar as unhas? Se nenhum prepara as refeições da Autora? BBBB. E os horários vão ser cumpridos, principalmente a hora de início dos turnos? CCCC. Que auxílio é que os filhos prestam à Mãe se, nos seus turnos, vão sempre necessitar da irmã BB para os auxiliar ou até para, sozinha, desempenhar as tarefas que lhes competem!? DDDD. E que tal se esta assistência se traduzisse num outro tipo de prestação em espécie, como a residência alternada, em casa de cada um dos filhos? EEEE. Já que, no entendimento da sentença recorrida, os Réus não estão obrigados a contribuir com uma prestação de alimentos pecuniária, porque não possuem o desafogo financeiro necessário para o efeito e que, por essa razão, têm que prestar assistência, porque é que não se fixa um regime em que cada um dos filhos recebe em sua casa a Mãe durante uma semana, de forma alternada? FFFF. Assim, por um lado, existiria uma nora, um genro ou netos para ajudarem (tal como ajudam o marido e os filhos da tutora/netos da Autora) e, por outro lado, a privacidade e sossego de que a tutora, o seu marido e os filhos também carecem não ficariam comprometidos durante os fins de semana. GGGG. Ou, caso assim não se entenda, porque é que cada um dos filhos não fica com a Mãe durante o fim de semana, desde sexta-feira ao final do dia até domingo ao final do dia? HHHH. Em súmula, no nosso modesto entendimento, o Tribunal recorrido não fundamenta devidamente e de forma suficiente, salvo o devido respeito, a aplicação do regime em apreço, tampouco refere a existência de outros regimes possíveis, nomeadamente os referidos nos números precedentes, que se revelam mais equilibrados e ajustados. Os recorridos DD, EE, FF vieram apresentar contra-alegações, defendendo a confirmação integral da decisão recorrida. Terminam com as seguintes conclusões: A- O presente recurso deve ser indeferido, entendendo-se que existe perda do direito ao recurso. B- O artigo 632.º do CPC no seu n.º 2 e 3 referem “2 - Não pode recorrer quem tiver aceitado a decisão depois de proferida.3 - A aceitação da decisão pode ser expressa ou tácita; a aceitação tácita é a que deriva da prática de qualquer facto inequivocamente incompatível com a vontade de recorrer.” C- A Ora Recorrente, proferida a decisão pela Meritíssima Juiz do tribunal a quo, não colocou em causa a sua decisão. D- A A. em tudo manifestou e exigiu que aquela sentença fosse cumprida. E- Desde logo, vai a participação que a A. fez junto do Órgão Policial, no sentido que o Réu seu filho (DD), no dia estipulado para o seu acompanhamento, como ao que indica, não pode estar presente, mas queria cumprir a sentença que o ordenava, arranjado substituto para tal. F- Os Recorridos, têm cumprido escrupulosamente e mesmo mais além do ordenado pela decisão judicial, ora colocada em crise. G- A A. em momento algum foram impediu os RR de cumprirem a sentença. H- Mais, a Tutora da A. exigiu que os mesmos cumprissem até o horário estabelecido, na aliás, douta sentença. Apesar da A. já se encontrar recolhida para dormir, após as Senhoras do Lar a terem deitado, por volta das 19h, o certo é que a Tutora exige que os aqui Recorridos, permaneçam na habitação até que sejam 20 horas. I- Sendo tal facto comprovativo de que a A. está a aceitar o cumprimento da douta sentença e de forma escrupulosa. J- Foram praticados quer actos tácitos quer actos expressos, e claros, que evidenciam que a A. ora Recorrente aceitou a sentença proferida, e, encontra-se a exigir o seu cumprimento (nomeadamente a participação do não aparecimento do Filho JJ, junto das autoridades). L- Quem age da forma como a A. Ora Recorrente age, está sem sombra para dúvidas a aceitar, a sentença proferida. Os actos praticados, ou não praticados se entendem que são sem margem para dúvidas a aceitação da decisão, e os mesmos são incompatíveis com a vontade de recorrer. M- Se a A. ora Recorrente, não aceitasse a decisão que ora coloca em crise, não teria permitido que a mesma estivesse a ser cumprida. Nem faria a participação que juntou aos presentes autos, indicando o incumprimento daquela decisão por um dos Filhos. N- Desta forma não é admissível o presente recurso, pois se entende que houve por parte da A. ora Recorrente aceitação da decisão proferida pelo Tribunal a quo. O- Nos presentes autos as questões a dirimir como muito bem a Meritíssima Juiz, do Tribunal a quo focou são as de determinar se à A. (mãe dos réus) são devidos alimentos por parte destes. E se o forem em que medida e de que forma deverão ser aqueles alimentos prestados. P- A A. pretende alterar a matéria de fato, nomeadamente a matéria do ponto 17 dos fatos provados, no sentido em que pretende aumentar o valor apurado pela Meritíssima Juiz a quo, quando na verdade, se entende que o mesmo até poderia ser de valor inferior. Q- Dos documentos juntos pela A. aos autos, consta uma carta, em que a Tutora da A. refere que tem gastos de cerca de € 220 em alimentação; o valor de € 30 em medicamentos, o valor de € 150 produtos de higiene, e lar que de momento a A. apresentou o valor de 292,00 no entanto a mesma retirou uma valência, pelo mesmo foi essa a indicação, no montante de 30,00€. R- Não se pode compreender é que passados meses, esses valores alterem para os valores solicitados, na pi. Os valores foram inflacionados e foram-no de forma deliberada, assim como, o foram os documentos juntos, em que temos compras feitas por atacada. S- Chegando mesmo a existirem duas facturas do mesmo dia com a aquisição do mesmo produto. Se se contabilizar os doc de despesas, juntos por ano, e efectuada a soma daquelas despesas, as mesmas não chegando aos 3.000,00 por ano. T- As despesas de energia, na verdade a A. juntou facturas “cirúrgicas” nem por isso juntou, as facturas de 4/6 mês consecutivos. Será que as perdeu? Ou era conveniente, pois é de todo exagerado para uma família nos moldes em que o é, a que a A. se encontra inserida ter consumos tão elevados. U- Foi admitido pelo Marido da Tutora a Testemunha GG no seu depoimento, que do valor a pagar, na factura da luz, encontrava-se a prestação mensal referente aos painéis solares, a haviam adquirido para a Habitação. V- Bem andou a Meritíssima Juíz a quo, se diga que acertou aquele valor, apesar de se entender por excesso. X- E mais uma vez bem andou a Meritíssima Juiz a quo quando entende, que sempre existe uma forma de ajudar, comparticipar, aliviar, o trabalho da Tutora. Z- O artigo 1874 do Código Civil português: “«pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência». Acrescenta ainda que «o dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar».” Ora esse dever de auxílio importa a obrigação dos filhos de socorrerem e auxiliarem os pais em situações de crise, urgentes e anómalas, como é o caso de doença ou de vulnerabilidade decorrente da velhice. AA- Implicando para os filhos um conjunto de obrigações, de assistência moral ou espiritual, de apoio físico e material, consoante as necessidades dos pais e a possibilidades dos filhos em prestar-lhos. Apesar de os filhos terem um verdadeiro dever, esse dever não obriga a que os filhos deixem de exercer a sua actividade profissional para passarem, a dedicar-se a cuidar dos pais, face à idade avançada ou à situação de doença destes. AB- Existe uma obrigação legal dos filhos em relação aos pais, essa obrigação não é incondicional, na medida em que está dependente das efectivas e reais possibilidades dos filhos em prestar apoio aos progenitores. AC- Quer essa obrigação consista na necessidade de apoio, quer numa contribuição monetária. AD- No entanto ninguém pode dar aquilo que não possui, colocando desta forma a sua família numa situação de dependência. AE- Das alegações apresentadas pela A., a mesma não pretende um apoio, uma ajuda, a mesma quer que lhe paguem, na pessoa a da sua Tutora quer dinheiro. AF- Mas os filhos, ora Recorridos não têm possibilidade de dispor de qualquer valor. AG- Pois recebem menos mensalmente do que recebe a A. AH- Tendo que gerir a sua vida com um valor bem mais baixo que o valor que a A. recebe mensalmente. AI- Os Recorridos DD, EE, e FF, dos valores que auferem mensalmente, qualquer euro desviado da sua frágil, e controlada economia familiar, seria o descalabre pois iria levar a que existissem incumprimentos, até porque quer o DD quer a FF estão a pagar crédito hipotecários referentes às suas habitações. AJ- Ninguém, deverá ser obrigado a dar o que não tem ou o que lhe faz falta, colocando-se numa situação delicada, e de insuficiência a ele próprio. AL- E nesse sentido, vai o disposto no artigo 2004.º do CC o qual refere que: “1. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los. 2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.” AM- A douta sentença teve em atenção a proporcionalidade entre as necessidades os meios disponíveis dos prestadores. AN- A necessidade de prestar alimentos ao pai ou à mãe, teria que passar pelo facto de os mesmos nada terem, sendo considerados como indigentes, o que não é o caso, pois a A. tem bens. Assim como os filhos deveriam ter bens e rendimentos suficientes, para cumprir a necessidade. O que não acontece. AO- E o certo é que perante todas as dúvidas e exigências que a A. levantou, nas suas aliás, doutas alegações, e atendendo às possibilidades dos Recorridos sempre se devia ponderar que a A. fosse acolhida num lar, até porque de acordo com a constituição cabe ao estado zelar pelo bem estar dos idosos. AP- Nesse sentido, a Constituição da República Portuguesa, artigo 63, refere que “«O sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez». A Constituição incumbe «ao Estado para protecção da família: b) Promover a criação e garantir o acesso a uma rede nacional de creches e de outros equipamentos sociais de apoio à família, bem como uma política de terceira idade»”. Pelo que concluindo nos termos das conclusões supra, mantendo a sentença ora colocada em crise farão como sempre JUSTIÇA. Também DD, igualmente recorrido, apresentou a sua resposta ao recurso interposto pela autora, terminando com as seguintes conclusões: I- O ora recorrido adere integralmente às doutas contra-alegações apresentadas pelos Réus/Recorridos DD, EE e FF, as quais considera aqui reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos. II- Do muito que assim já fica dito (por mera adesão à doutas contra-alegações supra-referidas), cumpre assinalar ainda que lidas e relidas as doutas alegações da recorrente, do início para o fim e do fim para o início, é com salutar tristeza que o recorrido conclui que as mesmas estão condenadas ao insucesso, apesar de confessar não perceber o que aí se pretende alcançar, desde logo porque nada de razoável ou justo aí consta. III- E, quando refere recorrente, reporta-se à sua irmã, ora tutora, visto que a dita A., mãe de ambos, nada diz e nada faz atendendo ao seu estado de saúde. IV- Conforme resulta das contestações, enquanto a mãe do recorrido andava e trabalhava, a sua irmã agora tutora – e principal beneficiária dos bons serviços da sua mãe – , lhe dizia para não se meter porque quando “não chegasse” também não lhe iria pedir nada, e assim a agora tutora foi conservando a dita A. lá em casa, criando obstáculos a que o recorrido e demais irmãos pudessem conviver com a sua mãe, fazendo esta tutora conforme bem entendia, e também nunca auscultando ou acatando os seus irmãos. V- A tutora tem um estilo de vida que não é compatível com a dos seus modestos irmãos, e, como está patente nos autos, com as posses da sua mãe, como também resulta espelhado nos autos que os filhos da dita A., ora réus, vivem com os tostões contados. VI- Ficando bem visíveis nestes autos os sinais do despautério em curso quando o próprio réu, ora recorrido, beneficia de apoio judiciário total, contra a carecida de alimentos que apenas granjeou a concessão de apoio com pagamento faseado em prestações de € 160,00 mensais! Mais se afirmando no introito do recurso em crise que já foram entregues aos cofres do Estado € 2 720,00!! E ainda mais € 408,00 pela propositura do recurso!!! Tudo valores galácticos para o recorrido, como certamente também serão para os seus irmãos aqui também réus/recorridos. VII- A tutora, na sua veste de dirigente, veio ainda a prescindir dos serviços do Ilustre Patrono nomeado, procedendo à contratação de Ilustre Mandatária. VIII- Claro está, apenas para manter a lide contra os seus irmãos atendendo aos alegados factos, como não seja a propalada necessidade da sua mãe e a propagandeada abundância dos filhos réus. IX- Para tanto pretende manter uma vida de elevados gastos que nem paralelo encontra nos parcos documentos que foi juntando aos autos (ademais só em resultado de muita insistência dos réus, verdadeiramente interessados – como sempre – em tentar perceber o que, contudo, se vai revelando incompreensível). X- De facto, não se compreende que havendo a invocada necessidade, e até o exarado cansaço da parte da tutora, seja exponencialmente superior a opulência nos gastos e a pertinácia em não “prescindir” da mãe. XI- Conforme trespassou os autos e o Tribunal a quo de forma perspicaz vislumbrou, os réus são pobres, e quem é pobre presta alimentos de outra forma que não o dinheiro almejado pela tutora. XII- Ora, no recurso em crise, como em todo o processo, apenas se insiste em empolar artificialmente as ditas despesas, como se tal facto fosse tornar os recorridos mais ricos. Aliás, é a “exausta” e “exaurida” tutora que não abre mão da A., e não quer compreender que os alimentos só podem ser fixados conforme as reais necessidades e as reais possibilidades. E nunca segundo as desejáveis ou ideais necessidades e as desejáveis ou ideais possibilidades. XIII- Nenhum dos réus jamais se recusaria a tomar conta da sua mãe. Ademais, a própria A. (mãe) tem rendimentos e tem bens. Ora, como para qualquer outra pessoa no mundo real, há que adequar as reais necessidades às reais possibilidades. XIV- O recorrido – e tanto quanto este sabe, também os seus irmãos –, abdicaria da sua parte na venda do imóvel da herança, mas até hoje a tutora – e não a A. obviamente – não presta qualquer assentimento a que a sua mãe possa dispor de mais várias dezenas de milhares de euros para assegurar as ditas necessidades. XV- Salvo o devido respeito, e tal como trespassa os autos, o recorrente não consegue entender como é possível tamanha inconsistência de lhe ser exigido dinheiro que não tem, por quem e para quem tem mais do que ele, e não tem sequer as propaladas necessidades. E mesmo que fossem verdade, como se pode tirar a quem não tem? XVI- Ao invés da presente acção, não seria mais acertado – e certamente mais económico – o pedido de autorização para venda do imóvel, o qual se encontra abandonado e em crescente ruína? XVII- Salvo o devido respeito, o recorrido sente-se como mero alvo de uma acção movida intencionalmente pela tutora que age em nome da sua mãe, e só por mera ingenuidade alguém poderia acreditar nos valores que aqui são avançados. Aliás, os valores propostos pela A. via tutora são totalmente fantasiosos, e muito além de qualquer necessidade real. Nem os lares que acolhem idosos acamados cobram tais valores. XVIII- E, sendo cinco os réus, certamente que junto deles a A. encontraria cinco bons lares, e uma melhor gestão dos seus rendimentos e bens, caso a tutora abdica-se da “pobre” soberania que tem exercido. Aliás, o recorrido já se mentalizou que o caminho a encetar será o processo de inventário para servir alguma eventual e real necessidade da sua mãe. Bem como o necessário pedido de substituição de tutora que, no seu entendimento, só peca por tardio. XIX- Quanto à matéria de facto colocada em crise pela recorrente, esta não concorda em despender o equivalente a 1/4 da RMMG, elencando vários produtos e quantidades que entende demonstradas e justificadas. XX- Ora, s.m.o., a recorrente não logrou sequer demonstrar valor inferior ao fixado pelo Tribunal, verificando-se até, que, quando lhe foi requerido pelo recorrido e ordenada a junção de documentos referentes a outros meses e anos, as médias eram muito inferiores ao valor de que agora discorda. XXI- E, quando questionada acerca dos muitos documentos em falta, veio referir que não os juntou porque não os tinha, desde já se colocando uma dúvida: sem tais documentos, como poderá justificar os gastos que alega em prestação de contas ? XXII- Por outro lado, questiona-se qual o interesse e a utilidade do presente recurso, visto que, mesmo que elencasse e demonstrasse outros valores, até astronómicos, isso aumentaria os rendimentos dos réus? XXIII- Quer isto dizer que o Tribunal perante a flagrante incapacidade da A. de demonstrar os ditos gastos, viu-se na contingência de procurar fixar o necessário com recurso ao método lógico e coerente que utilizou. XXIV- E não é assim? Convenhamos que se ¼ da RMMG não é suficiente para alimentação, a quase totalidade da população portuguesa está condenada, sem falar naqueles que têm de despender outros valores que a A. não consome atenta a sua situação (v.g. transportes, seguros obrigatórios, rendas, etc.). XXV- O mesmo se dizendo das outras alegadas despesas sobre as quais se discorre de forma exagerada, chegando-se a valores descabidos como a A. gastar mensalmente € 50,29 de energia eléctrica, sendo claro que ou não é verdade ou os gastos são causados pelos demais residentes, mas nunca pela mãe do recorrido. XXVI- Conclui-se no recurso que “…o montante total das despesas mensais em que a Autora incorre é de, pelo menos, 908,49€…”. É verdade, afirma-se que a A. gasta € 908,49 por mês. XXVII- Ora, além de anormal e infundado, pergunta-se como vivem os outros portugueses, visto que aqui nem sequer se inclui toda a demais parafernália de despesas correntes para pessoas que não estão na condição da A., designadamente para a população activa com rendimentos inferiores e filhos a estudar, etc. XXVIII- Não se pode compreender este exacerbamento de valores, como nem sequer se consegue compreender o pedido de alimentos que, sendo sempre e só os indispensáveis, estão já assegurados pelos rendimentos da A. que, lembre-se, ganha mais do que o salário mínimo nacional! XXIX- O recorrido não compreende ainda, como já se disse, o seguimento movido pela tutora que age em nome da sua mãe, e agora novamente no recurso em crise. XXX- Como ficou demonstrado, o recorrido tem dois filhos a seu cargo e a estudar, actualmente com 9 e 19 anos. XXXI- O recorrido, desempregado à data da sua contestação, tem contrato de trabalho precário (a prazo), e a sua esposa já ficou novamente desempregada em data ulterior à douta Sentença, conforme documento ... que se junta unicamente para comprovação de tal facto superveniente. XXXII- Conforme ficou demonstrado, o recorrido aufere € 850,00 mensais, e tem ainda despesas mínimas anuais e mensais fixas crescentes que se traduzem num encargo mensal crescente e superior a € 545,992. XXXIII- Não se compreendendo de que forma a recorrente imagina sequer qualquer desafogo do recorrido para poder contribuir quando é o próprio que passa necessidades e muitas. 2 As despesas anuais foram divididas por doze meses. XXXIV- O único argumento avançado pela recorrente foi que a retribuição mensal do recorrido excede “…em 286,67€ (duzentos e oitenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos) o salário mínimo nacional…”, o que “…faz com que o mesmo reúna as condições financeiras necessárias para pagar uma prestação de alimentos à Mãe, aqui Autora….”. XXXV- O que é totalmente descabido e nem sequer leva em consideração as despesas mínimas do recorrido, não merecendo assim qualquer consideração. XXXVI- Aliás do cumprimento da douta Sentença, e que se saiba, nenhum dos réus se mostrou incapaz de executar as tarefas em causa. XXXVII- Cumprimento aliás aceite, e aceite como bom pela recorrente. XXXVIII- Razão pela qual, além da patente aceitação da douta Decisão que agora pretende colocar em crise. XXXIX- Bem como da já exarada inutilidade do presente recurso. XL- Existe ainda clara falta de interesse da recorrente. XLI- Devendo manter-se a douta Decisão proferida pelo Tribunal a quo nos seus exactos termos. II As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber se: a) ocorreu renúncia tácita ao recurso por parte da autora b) ocorreu erro no julgamento da matéria de facto c) ocorreu erro na aplicação do Direito III A sentença considerou provados os seguintes factos: (Oriundos dos temas da prova) 1. A Autora nasceu a .../.../1931. 2. A Autora é viúva e é mãe dos Réus. 3. É ainda mãe de BB (BB) e de CC (CC). 4. Por sentença de 13.12.2018, já transitada em julgado, a Autora foi declarada interdita, por anomalia psíquica, tendo sido fixada como data de início da incapacidade o dia 13.11.2018. 5. Desde pelo menos essa data, a Autora padece de um quadro demencial neurodegenerativo, o qual não é passível de melhorias clínicas, tendo curso crónico, progressivo e definitivo. 6. A Autora mostra-se desorientada no tempo e no espaço, tendo o processamento cognitivo comprometido. 7. A Autora não cumpre ordens. 8. A Autora não tem autonomia nas actividades básicas da vida diária e necessita da supervisão de pessoa que lhe providencie por alimentação, higiene, cuidados de saúde e vigilância. 9. Desde a data indicada em 4., a Autora reside com a filha BB, que foi nomeada sua tutora na decisão a que ali se alude. 10. A filha BB é ajudada pela irmã CC no cuidado da Autora. 11. A Autora padece de obesidade, doença de Alzheimer e insuficiência cardíaca. 12. A Autora desloca-se em cadeira de rodas e usa fralda 24 horas por dia. 13. Encontra-se medicada com donepezilo 5 mg; sertralina 5 mg; trimetazidina 35 mg (1+0+1); aspirina Gr 100; e lasix 40 mg/meio comprimido. 14. A Autora contratou com o Centro Social e Paroquial de ... o apoio domiciliário para cuidados de higiene pessoal. 15. Tais cuidados são prestados duas vezes por dia: uma de manhã e outra ao final da tarde. 16. Pela prestação de tais serviços, a Autora paga, na data actual, o montante de € 292,75. 17. A Autora gasta mensalmente quantia não inferior a € 855,00, com a sua alimentação, gastos de água, electricidade, medicação, produtos de higiene, roupa de dormir, lenha e com as despesas aludidas em 16. e 20. 18. A Autora está integrada no agregado familiar da filha BB, que é constituído, para além das duas, por mais quatro pessoas. 19. A filha CC reside na av. ..., da freguesia ..., do concelho ..., que dista 10 km do local de residência da Autora. 20. Para ir buscá-la e levá-la é necessária a quantia não inferior a € 100,00 (cem euros) por mês. 21. A Autora aufere, na data actual, a quantia de € 745,86/14 vezes ao ano, de pensão por velhice e de pensão de sobrevivência (€ 553,34) e de complemento por dependência (€ 192,52). 22. A Autora não aufere quaisquer outros rendimentos, nem possui quaisquer bens susceptíveis de os gerar. 23. É a Autora e a filha CC que, durante o dia, levantam e deitam a Autora, lhe confeccionam e servem as refeições (pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar). 24. É a filha BB, quando não está a trabalhar, que lhe faz companhia durante a noite quando acorda agitada ou revelando necessidade de mudança da roupa pessoal ou da roupa da cama. 25. É a filha BB que acompanha a Autora às consultas e aos tratamentos. 26. Os Réus não prestam à Autora apoio ou assistência, nem contribuem com qualquer valor para os gastos da Autora. 27. A 1.ª Ré é reformada e recebe uma pensão de velhice no montante mensal de € 520,00 (quinhentos e vinte euros), acrescida de subsídios de férias e de Natal. 28. A 1.ª Ré tem despesas de saúde. 29. O 2.º Réu vive com a sua esposa, auferindo mensalmente a quantia de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros). 30. A 3.ª Ré é reformada e recebe, na data actual, a pensão de € 590,00. 31. A 3.ª Ré vive com o seu marido, que recebe, na data actual, a pensão de velhice de € 800,00. 32. O 4.º Réu aufere o salário de € 665,00 e vive com a esposa, que é doméstica, e o filho. 33. O filho do 4.º Réu percebe mensalmente quantia de € 750,00. 34. A 5.ª Ré vive sozinha e aufere mensalmente a remuneração de € 698,00 (sendo o vencimento base de € 665,00), pagando a prestação do crédito à habitação. 35. Nos dias da semana, em que a filha BB trabalha, esta dedica parte do seu dia ao cuidado da Autora. 36. Nos dias da semana, em que a filha BB trabalha, durante a noite, são os demais membros do agregado familiar daquela que asseguram o cuidado da Autora. 37. Nos dias de férias, feriados ou fins-de-semana, a filha BB dedica ao serviço da sua mãe o equivalente a dois turnos de oito horas cada um. 38. O 4.º Réu tem despesas com o pagamento de crédito para a habitação no montante mensal de € 561,94. 39. O agregado do 4.º Réu tem despesas de água, luz e com gás, na média mensal de € 38,00. 40. O 2.º Réu tem dois filhos. 41. O 2.º Réu suporta despesas de água (no montante médio mensal de € 26,71), de electricidade e gás (no montante médio mensal de € 45,41), de comunicações (no montante médio mensal de € 34.90), condomínio (no montante anual de € 230,72), prestação de crédito habitação (no montante mensal de € 207,04), crédito para aquisição de viatura (no montante mensal de € 179,95) e seguros (no montante anual de € 194,33 e € 198,27). -Considerados nos termos dos artigos 5.º/2,a) e 607.º/4, do CPCiv: 42. A prestação para o crédito à habitação suportada pela 5.ª Ré, a que se alude em 34., é de € 192,05. 43. Os cuidados domiciliários prestados pelo Centro Social Paroquial de ... incluem: higiene pessoal, higiene pessoal adicional, higienização do espaço onde é realizada a higiene da Autora, transferências da cama para a cadeira e da cadeira para o cadeirão. Factos não provados a. Os Réus recusam vender o bem que faz parte da herança aberta por óbito do pai. b. O marido da 1.ª Ré recebe uma pensão de velhice no montante mensal de € 540,00 (quinhentos e quarenta euros), acrescida dos subsídios de férias e Natal. c. Os Réus recebem remunerações/pensões/rendimentos superiores aos referidos nos factos provados. d. O filho do 4.º Réu recebe uma remuneração superior à indicada em 33. e. A Ré tem despesas superiores regulares às mencionadas nos factos provados. f. A esposa do 2.º Réu encontra-se desempregada. IV Conhecendo do recurso. A- Julgamento da matéria de facto 1. A primeira questão que cumpre apreciar é a de saber se a autora tinha direito a recorrer da decisão, pois os Réus DD, EE e FF, na resposta ao recurso intentado, alegaram que a Autora perdeu o direito ao recurso, uma vez que tem exigido dos irmãos o cumprimento do determinado na sentença, até apresentando participação policial no caso de incumprimento. Ora, vamos limitar-nos a concordar com o decidido pelo Tribunal recorrido, que recordou que o recurso neste caso tem efeito meramente devolutivo, pelo que tal permite a produção de efeitos jurídicos imediatos. Ou seja, não podemos afirmar com propriedade que a conduta da autora de exigir dos réus o cumprimento da sentença só possa ser vista como uma renúncia tácita a recorrer da mesma. É que, atento o efeito do recurso, mesmo depois de interposto este, pode a autora continuar a exigir o cumprimento da decisão recorrida. E se assim é, por maioria de razão pode fazê-lo antes de interpor o recurso. Pelo que, acompanhamos a primeira instância quando afirma que “entende-se que a conduta da legal representante da Autora não traduz uma renúncia inequívoca do direito de recorrer, para efeitos do disposto no artigo 632.º/3, do Código de Processo Civil”. 2. No mais, a recorrente identifica qual o facto que entende mal julgado (o nº 17), indica qual a decisão que em seu entender deveria ter sido proferida, e avança com a argumentação para sustentar o que afirma. Pelo que, sem mais, podemos conhecer desta parte do recurso. Façamo-lo. O facto provado nº 17 é este: “A Autora gasta mensalmente quantia não inferior a € 855,00, com a sua alimentação, gastos de água, electricidade, medicação, produtos de higiene, roupa de dormir, lenha e com as despesas aludidas em 16 e 20”. E a recorrente pretende que se dê como provado isto: “A Autora gasta mensalmente quantia não inferior a 908,49€ com a sua alimentação, gastos de água, electricidade, medicação, produtos de higiene, roupa de dormir, lenha e com as despesas aludidas em 16 e 20”. A única diferença entre aquilo que o Tribunal decidiu e o que a recorrente entende correcto é a quantia de € 53,49. Só por essa razão já tínhamos informação suficiente para considerar o recurso improcedente. Mas há outras. Vejamos. Em primeiro lugar, o facto que se está a tentar apurar é um valor médio mensal. Não é uma quantia exacta e rigorosa. Pelo contrário, atenta a natureza das parcelas que a integram, e que já iremos referir, é um valor que flutua. E a margem de flutuação, não custa admitir, pode ser igual ou superior aos referidos € 53,49, num sentido ou noutro. O que faz com que o recurso, nesta parte, seja pouco mais que inútil. Depois, o que está em discussão são despesas mensais: e estas, excluindo algumas parcelas, nunca são fixas; oscilam. Por outro lado, muitas dessas despesas mensais não emergem de uma realidade objectiva absoluta: resultam de opções e decisões humanas. Por exemplo, os montantes gastos em alimentação e em aquecimento (electricidade) têm uma forte componente de opção humana. Sendo o dinheiro um bem escasso, cada família faz a sua gestão de forma a atingir a máxima satisfação com o mínimo de dispêndio. Daí que haja sempre, nestas decisões uma componente de recurso a juízos de equidade e bom senso. Em segundo lugar, o Tribunal recorrido teve o cuidado de usar uma formulação variável, ao referir-se a “quantia não inferior a”. Ou seja, da própria matéria de facto provada resulta que o valor possa ser superior. A quantia mensal (média, repete-se) que o Tribunal considerou provada, pelo mínimo, de € 855,00, engloba as seguintes parcelas: 1. € 292,75, pagos ao Centro Social Paroquial de ... pela prestação de serviços de cuidado domiciliário, que incluem: higiene pessoal, higiene pessoal adicional, higienização do espaço onde é realizada a higiene da Autora, transferências da cama para a cadeira e da cadeira para o cadeirão. 2. € 100,00, para o transporte da filha CC, de casa dela para a da autora, duas vezes por dia. 3. € 176,25, de alimentação 4. € 30,00, de medicação 5. € 175,00, a título de produtos de higiene pessoal 6. € 25,00 de electricidade 7. € 8,00 de água 8. € 40,00, de roupa de cama e de vestuário e na aquisição de lenha) Importa só fazer uma correcção aritmética, pois a soma das várias parcelas indicadas pelo Tribunal perfaz € 847,00, e não € 855,00. Mas, dito isto, o que nos resta dizer é que, lida a argumentação da recorrente contendo as razões da discordância quanto ao valor fixado, entendemos que a decisão recorrida não merece censura. A decisão recorrida não se baseou em provas inexistentes, nem deixou de prestar atenção a provas que tenham sido produzidas, nem sequer isso vem alegado. O Tribunal a quo fez uma interpretação da prova com a qual a recorrente não concorda. Tão só. Ora, o art. 607º,4 CPC estabelece que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”. E o nº 5 acrescenta que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”. Em anotação a este artigo, escreve Lebre de Freitas (CPC anotado, 3ª edição): “o princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração (ver o nº 2 da anotação ao art. 604º): é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção de que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência aplicáveis”. De seguida o mesmo autor faz uma breve nótula sobre a evolução histórica do princípio da livre apreciação. Seguidamente acrescenta que estão sujeitas à livre apreciação do julgador a prova testemunhal (art. 396º CC), a prova por inspecção (art. 391º CC), a prova pericial (art. 389º CC), e a prova por declarações de parte (…)”. O caso destes autos é um daqueles, frequentes, em que a única maneira de conseguir julgar devidamente a matéria de facto é apreciar conjuntamente toda a prova produzida, documental e testemunhal. E observá-la a partir das regras da experiência e da normalidade das situações da vida. Porque os chamados “factos” são uma construção mental, retirada intelectualmente de uma realidade rica e fluida, o que sucede é que eles estão todos interligados e não podem ser vistos de forma isolada. A única forma de julgar bem um caso como o destes autos é ter a chamada visão de conjunto de toda a prova, analisada e aferida ainda à luz do que cada parte alegou. Dito isto: a diferença entre o valor constante da sentença e o valor pretendido pela recorrente já é tão ínfima, considerando que estão em causa valores médios mensais, que quase não justificaria mais atenção. Acresce que a decisão recorrida, para além de não contrariar em nada a prova produzida, está devidamente fundamentada, e corresponde a uma análise eminentemente sensata dessa prova. A qual secundamos inteiramente. Assim, vamos aqui reproduzir essa motivação, com total concordância: “…quanto à situação pessoal da Autora, para além do que resulta do conteúdo da própria sentença que decretou a sua interdição, ponderou-se o relatório médico de fls. 27, onde se enuncia, com maior detalhe, as patologias que a afectam e é indicada a medicação habitual que toma e a necessidade de uso contínuo de fralda e de locomoção em cadeira de rodas. No que toca aos cuidados, resultou, sem discrepância, da audição de todos os Réus (ressalvando o caso do 2.º Réu, que referiu encontrar-se afastado da Autora) e das testemunhas inquiridas (II, GG, KK, LL, MM) que a Autora reside com a filha BB, sendo esta ajudada nas actividades de cuidado daquela pela irmã CC. (…) Por seu turno, a respeito das despesas, resultou comprovado, através da informação prestada pela instituição respectiva que consta de fls. 286 (datada de 13.07.2022), que a Autora tem o gasto mensal actual de € 292,75, que paga ao Centro Social Paroquial de ... pela prestação de serviços de cuidado domiciliário, que incluem: higiene pessoal, higiene pessoal adicional, higienização do espaço onde é realizada a higiene da Autora, transferências da cama para a cadeira e da cadeira para o cadeirão. Apurou-se ainda que, de modo regular, a Autora está também onerada com os gastos que origina o transporte da filha CC, cuja casa dista cerca de 10 km da residência daquela, segundo referido pela própria (que foi ouvida como testemunha) e também por II (neta da Autora), o que se confirmou mediante pesquisa realizada no motor Google (onde é indicado que a distância entre as duas freguesias é de 11,1 km). Dessa forma, sendo realizadas 4 (quatro) viagens/dia, é crível a alegação da Autora de que o custo de despesas de combustível ascenda a € 100,00 (veja-se que se considerasse, como patamar de referência, o montante pago pelo Estado em subsídio de transporte em veículo próprio – 0,36/km – essa quantia seria ultrapassada – cfr. Decreto-Lei n.º 106/98, de 24.04, e Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28.12). No que toca à necessidade de se deslocar em automóvel privado – ao invés de transporte público –, foi referido quer pela tutora, quer pela CC que tal se deveu, numa primeira fase, à situação epidemiológica criada pela propagação do vírus Covid-19 e, depois, aos problemas de saúde de que aquela padece (pois que colocou uma prótese). Quanto às demais despesas que a Autora carece para a sua sobrevivência, na petição inicial, fez-se um elenco médio, detalhado, dos gastos com alimentação, electricidade, roupa de cama, roupa de dormir, medicação, produtos de higiene, conforme melhor se alcança do que se alega no artigo 41.º, da petição inicial. No sentido da sua comprovação, a Autora juntou ao processo recibos de despesas de electricidade, de supermercado e de farmácia (cfr. fls. 28 a 34, 162/verso a 163, 172/verso a 176/verso, 195/verso a 212/verso, 25 a 233/verso). Esses recibos dizem respeito, todavia, apenas a parte das despesas e limitadas no tempo, sendo, no entanto, compreensível que a Autora não tenha conservado em seu poder todos os documentos comprovativos de despesas desde o tempo em que reside com a tutora ou até relativo à totalidade do período de um ano, na medida em que, tratando-se de despesas quotidianas, muitas das quais são de montantes pouco significativos, não é usual a conservação dos recibos. A definição precisa da totalidade das despesas em que a Autora incorre é uma matéria de particular dificuldade, pois que, como é consabido, a vida tem vários cambiantes, havendo alturas em que se gasta mais, devido a uma multiplicidade de factores, e outras em que se consegue gerir o orçamento de forma mais contida. Seja como for, das máximas da experiência retira-se que qualquer pessoa, para sobreviver, necessita de efectuar despesas com a alimentação, com a habitação e com o vestuário. A acrescer a essas despesas básicas, no caso, a Autora necessitará de efectuar ainda gastos com a aquisição de fraldas e medicação (aqui se incluindo cremes e pó-de-talco, essenciais para diminuir os efeitos notórios da incontinência e da falta de mobilidade). Em concreto, quanto à alimentação, invocou a Autora que gasta € 250,00. Sobre esta matéria, tendo presente a dificuldade de quantificação rigorosa desse montante, e não obstante o cuidado que a filha BB tem na dieta da mãe (como referido pela testemunha CC), há que considerar que, por a Autora integrar o agregado na filha, as despesas feitas neste domínio são geridas em conjunto com as necessidades alimentares dos demais membros do agregado, o que permite uma melhor gestão dos recursos (Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. V, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, p. 584, em anotação ao artigo 2005.º, do CCiv, escrevem, de modo expressivo e com sábia experiência, a respeito da possibilidade de prestação de alimentos em espécie, que “mesa onde come um, comem dois ou três”). Pelo que, nesta parte, e na impossibilidade de comprovação precisa desses gastos, entende-se, atenta a condição socioeconómica da Autora (idade, doença, patamar económico), e com base nas regras da experiência, que esta gasta, com a sua alimentação, o equivalente a ¼ da retribuição mínima garantida actual, o que corresponde a € 176,25 (€ 705,00/4). Quanto a medicação, a Autora indicou o gasto de € 93,34. A medicação regular que a Autora toma é a que vem mencionada no relatório de fls. 27; o custo da sua aquisição, ressalvando o lasix, é de € 30,40, conforme recibo de fls. 199/verso. Todavia, cada caixa de medicamentos não cobre apenas as necessidades de um mês, porque cada uma delas traz mais de trinta comprimidos (salvo no caso da aspirina), como resulta da análise do referido recibo. Assim, o valor de € 93,34, ainda que se considerem cremes e o lasix (cuja caixa, à data de hoje, contém 60 comprimidos e custa, sem comparticipação do Estado, € 4,92, segundo pesquisa realizada no sítio: farmaciaonline.pt, sendo que a Autora deverá apenas tomar meio comprimido/dia – cfr. relatório de fls. 27), afigura-se desajustado em face do preço dos medicamentos regulares. Ponderando que, antes da propositura da acção, a tutora da Autora, na carta de fls. 37 a 38 (através da qual pretendeu convocar os irmãos para uma reunião familiar), indicou que as despesas a esse título de situavam na ordem dos € 30,00 a € 40,00, entende-se que deve ser o valor mínimo a considerar (dada a proximidade ao recibo de fls. 199). Essa carta deve ainda ser seguida a respeito dos produtos de higiene pessoal (aqui se incluindo fraldas, pensos, cremes, produtos de desinfecção); pese embora a dificuldade de definição precisa, considera-se que, na data em que foi redigido esse documento, a tutora forneceu à Mandatária que a representou os elementos necessários a esse cálculo, sendo que o tempo decorrido desde o seu envio (Março de 2020) até à instauração desta acção não foi significativo. Assim, entende-se que as despesas devidas a esse título correspondem ao valor médio do intervalo indicado nessa missiva (ou seja, a € 175,00). Quanto a despesas de electricidade, a Autora procedeu à junção de duas facturas, uma no valor de € 235,11 (fls. 28) e outra no montante de € 167,12 (fls. 163). A primeira é relativa a meses de Inverno (24.01 a 23.02) e a segunda respeita ao período de 24.09 a 23.10. Sabendo-se que nos meses de Inverno se gasta mais, mas que, no restante período de ano, o consumo é menor, tendo em conta os dois exemplos que constam dos autos e a flutuação plausível, considera-se um custo médio mensal de € 150,00, sendo que, dividindo-o por seis pessoas, resulta a quantia de € 25,00 (a cargo da Autora). Quanto às despesas de água, atendeu-se ao recibo de fls. 30/verso, o qual, dividido por seis, que é o número de membros do agregado familiar em que a Autora se insere, obtém-se o montante de € 8,00. No que se refere às demais despesas alegadas com vestuário e roupa de dormir (lençóis, conforter, camisas de noite), entende-se que esses gastos não são regulares e que ocorrem, pontualmente, atento o tempo de vida inerente a cada uma dessas peças. Quanto a despesas com a aquisição de lenha, elas ocorrem apenas no Inverno, segundo o mencionado pela tutora, com vista ao aquecimento da casa. Donde, nesta parte, e sempre chamando a atenção para o que tem de complexo precisar com rigor o montante gasto com o universo de despesas que a Autora carece, considera-se que, nessas outras despesas (roupa de cama e de vestuário ou na aquisição de lenha), aquela despende um montante de cerca de € 40,00/mês. Tudo somado, o montante total das despesas em que a Autora incorre é de € 855,00/mês (€ 176,25+ € 100,00 + € 292,75 + € 30,00 + € 25,00 + € 175,00 + € 8,00 + € 40,00). De mencionar que se desconsideraram as referências que amiúde foram realizadas no decurso do julgamento sobre os potenciais gastos em que a Autora incorre – por paralelo a experiências similares de cuidados de terceiros –, dado que as testemunhas e os próprios Réus que sobre tal se pronunciaram não demonstraram ter conhecimento da situação concreto em que aquela se encontra e das necessidades de cuidado respectivas. Quanto às horas que a Autora dedica à sua mãe, há que diferenciar consoante se trate de dias de semana, de um lado, ou fins-de-semana, feriados ou férias, de outro lado. Isto porque, conforme admitido pela tutora em declarações de parte, esta encontra-se empregada, sendo o seu trabalho prestado no horário nocturno. Assim sendo, durante a semana de trabalho, o cuidado de que a Autora necessita, no período em que a tutora está ausente de casa para trabalhar, é prestado por outros membros do agregado familiar desta; já durante o dia, e tendo a tutora necessidade de dormir (pelo menos em parte do mesmo), essa assistência é antes prestada quer pelos serviços domiciliários que contratou junto do Centro Social e Paroquial de ... quer pela irmã CC. Veja-se que é a necessidade de a tutora descansar durante parte do dia que leva a que a sua irmã se desloque diariamente a sua casa, exercendo vigilância e prestando o auxílio que a Autora carece. Isso não quer dizer que a tutora não cuide da Autora nesses dias: como a testemunha CC (irmã dos Réus e da tutora) referiu, aquela, mesmo durante a semana de trabalho, presta actos de cuidado da mãe, que enumerou, de forma que se ajuizou espontânea e baseada no quotidiano com que lida. Nos fins-de-semana, feriados e nas suas férias, é a tutora que assume o cuidado, em exclusivo, da Autora, como mencionado pela própria tutora, as testemunhas CC (filha da Autora), II (neta da Autora) e GG (genro da Autora), e não foi contraditado pelos Réus ou pelas testemunhas por estes arroladas. Ante o cenário que se descreveu, e dada a dificuldade de quantificação, respondeu-se apenas que a tutora dedica parte do seu dia ao cuidado da Autora, nos dias em que trabalha, e, quanto aos dias de fins-de-semana, feriados e de férias, já se entendeu comprovado que ela consome o equivalente a mais de dois turnos de oito horas, por causa da vigilância de que carece a assistida. Embora a tutora se encontre em sua casa e possa acumular (com a vigilância da Autora) a execução de outras tarefas, a presença daquela é sempre necessária, porque, sendo a mãe uma pessoa totalmente dependente do auxílio de terceiros, ela não pode permanecer sem a companhia de uma pessoa que lhe preste ajuda, caso dela careça (o que é imprevisível de antever)”. Desta leitura se vê o cuidado que o Tribunal recorrido teve em observar e analisar os documentos apresentados pela autora, e os depoimentos testemunhais, a atenção às realidades da vida corrente, o que fez com que por vezes fosse efectuado, como tinha de ser, um raciocínio de equidade, e de um modo geral, o bom senso na análise de toda a prova. Não foi uma decisão cega, nem desligada da prova; pelo contrário, vê-se da motivação o cuidado que foi posto em chegar a uma decisão de facto que fosse sensata e justa. Assim, tudo visto e ponderado, a decisão que fixou a matéria de facto não merece censura. B- Julgamento da matéria de direito B1. O regime legal aplicável a estes autos é linear: “determina o artigo 1874.º do CCiv, em termos gerais, que os pais e os filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência (n.º 1); e ainda que o dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar”. Este dever de auxílio e assistência, como bem se refere na sentença recorrida, configura um verdadeiro dever jurídico, e não meramente moral ou decorrente de uma obrigação natural (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 03.12.2020, proferido no processo n.º 2407/18.... como tal, passível de ser judicialmente exigido. No caso concreto, resultou da discussão da causa que a Autora necessita, para a sua sobrevivência, de despender, em cuidados domiciliários, em electricidade e em água, em despesas de saúde, de higiene e de alimentação, em despesas de combustível para que a filha lhe preste assistência e em outros gastos, o montante de € 847,00 Rectificado, como vimos supra./12 vezes ao ano, o que se traduz num gasto anual de € 10.164,00. Essa importância não ultrapassa o montante recebido pela Autora, a título de pensão de sobrevivência e de velhice e a título de complemento por dependência, que é no total de € 10.442,04 (€ 745,86 x 14 meses). Mas afirma a recorrente: “Ora, o Tribunal a quo, após julgar erradamente a matéria de facto constante do Facto Provado 17.º, conclui, também de forma errada: “(…) a Autora necessita, para a sua sobrevivência, de despender, em cuidados domiciliários, em electricidade e em água, em despesas de saúde, de higiene e de alimentação, em despesas de combustível para que a filha lhe preste assistência e em outros gastos, o montante de 855,00/12 vezes ao ano, o que se traduz num gasto anual de € 10.260,00” porque “essa importância não ultrapassa o montante recebido pela Autora, a título de pensão de sobrevivência e de velhice e a título de complemento por dependência, que é no total de € 10.442,04 (€ 745,86 x 14 meses)”, fazendo, assim, uma errada interpretação dos artigos 2003.º a 2010.º do Código Civil”. A argumentação da recorrente assentou na expectativa de que esta Relação alterasse a matéria de facto provada. Concretamente, pretendia a recorrente que se desse como provado que as despesas mensais da autora eram de montante não inferior a € 908,49. E daí pretendia que as despesas mensais da Autora excedem o seu rendimento mensal em, pelo menos, € 38,32, existindo um saldo negativo anual de € 459,84. Tal não sucedeu. Por isso, ficamos sem perceber qual a invocada errada interpretação dos artigos 2003.º a 2010.º do Código Civil. Já vimos também que a afirmação feita na conclusão ZZ da recorrente não colhe. B.2. De seguida, o ponto onde a recorrente se insurge contra a decisão jurídica da causa é o que consta da conclusão CCC: “é neste ponto que entendemos que o Tribunal a quo andou mal, interpretando erradamente o artigo 2003.º e 2004.º do Código Civil, pois, além de não ter ponderado correctamente a necessidade da Autora em receber alimentos, também não ponderou devidamente a capacidade económica de, pelo menos, um dos Réus para fazer face àquela obrigação de alimentos”. E acrescenta: “salvo melhor entendimento, entendemos que o rendimento mensal do Réu JJ, por exceder em 286,67€ (duzentos e oitenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos) o salário mínimo nacional, faz com que o mesmo reúna as condições financeiras necessárias para pagar uma prestação de alimentos à Mãe, aqui Autora”. Mas manifestamente sem razão. Recordemos os factos provados pertinentes: O Réu DD (e não JJ) vive com a sua esposa, auferindo mensalmente a quantia de € 850,00. Tem dois filhos. Suporta despesas de água (no montante médio mensal de € 26,71), de electricidade e gás (no montante médio mensal de € 45,41), de comunicações (no montante médio mensal de € 34.90), condomínio (no montante anual de € 230,72), prestação de crédito habitação (no montante mensal de € 207,04), crédito para aquisição de viatura (no montante mensal de € 179,95) e seguros (no montante anual de € 194,33 e € 198,27). Fazendo umas breves contas de adição, verificamos que só nas despesas mensais referidas, o agregado deste réu gasta € 724,73, dos € 850,00 disponíveis. A essas acrescem as anuais de € 194,33 e € 198,27, a título de seguros. E se ainda somarmos as despesas de alimentação, em valor não apurado, e ainda todas as despesas imponderáveis que surgem de vez em quando, como despesas de saúde e medicamentosas, etc, torna-se óbvio que este réu não tem qualquer possibilidade de contribuir com uma prestação mensal, como a recorrente pretende. O argumento que esta usa, de o rendimento mensal do Réu, por exceder em € 286,67 o salário mínimo nacional, fazer com que o mesmo reúna as condições financeiras necessárias para pagar uma prestação de alimentos à Mãe, aqui Autora”, é uma pura abstracção, e como tal não merece mais ponderação. B.3. Seguidamente, a recorrente critica a seguinte afirmação do Tribunal: “tendo em conta, em contraponto, que todos os filhos estão obrigados ao cuidado dos seus pais (como decorre do artigo 1874.º/2, do C.Civil),e não podendo comparticipar na obrigação alimentar através de uma prestação pecuniária, então é de cometer-lhes o encargo, através da respectiva companhia, de vigiar e cuidar a sua mãe num período de tempo correspondente à quota-parte de cada um”. Aqui a recorrente afirma que “a obrigação alimentar em espécie que foi fixada – apesar de possível à luz do artigo 2005.º, n.º 2, do Código Civil – não é exequível em termos práticos, atendendo às circunstâncias do caso concreto”. E depois tece uma longa lista das dificuldades que a execução de tal regime irá levantar. Em síntese: a Autora padece de obesidade e não é fácil de movimentar; como é que o filho escalado para certo dia vai poder com a Mãe ? E mesmo que o consiga fazer, como é que o vai fazer sem provocar dores à Mãe? E a muda da fralda, sendo que são precisas duas pessoas para esse efeito ? E o descanso da Autora, que sai às 06:00 horas ao sábado de manhã, fica comprometido? Como é que a Autora, o marido e os filhos vão descansar ou relaxar se não têm qualquer privacidade em casa ? E quem é que prepara o almoço e o jantar para a Mãe? São os irmãos, mesmo que não saibam cozinhar? Como? Com que utensílios? Com que recursos? Com os da tutora ? Caso a irmã BB não esteja em casa, os Réus sabem a dosagem da medicação que têm que dar à Mãe? Sabem cortar-lhe as unhas? Sabem reconhecer o que é que se passa quando a mesma se mostra desconfortável ou queixosa? Sabem reconhecer se e quando é que tem fome, sede, frio ou calor? E vão almoçar ou jantar como e onde? Vão-se ausentar nos horários das refeições para almoçarem e jantarem com as respectivas famílias? Vão almoçar e jantar em casa da irmã BB para acentuar ainda mais as despesas do seu agregado familiar ? E os Réus homens, vão mudar a fralda à Mãe ? E depois pergunta: e que tal se esta assistência se traduzisse num outro tipo de prestação em espécie, como a residência alternada, em casa de cada um dos filhos? Ou, caso assim não se entenda, porque é que cada um dos filhos não fica com a Mãe durante o fim de semana, desde sexta-feira ao final do dia até domingo ao final do dia? Para concluir assim: no nosso modesto entendimento, o Tribunal recorrido não fundamenta devidamente e de forma suficiente, salvo o devido respeito, a aplicação do regime em apreço, tampouco refere a existência de outros regimes possíveis, nomeadamente os referidos nos números precedentes, que se revelam mais equilibrados e ajustados. Os recorridos manifestaram-se todos no sentido da manutenção do regime que foi instituído, não concordando com nenhuma das críticas da recorrente. Ora, se lermos com atenção a fundamentação do Tribunal recorrido, veremos que ela responde a todas as observações e críticas feitas pela recorrente: “No caso em apreço, os Réus demandados, todos eles, nas respectivas contestações, pretenderam escusar-se do cumprimento da obrigação alimentar, contanto que ela fosse fixada em dinheiro, atenta a debilidade da sua situação económica. Da discussão da causa, conforme acima se referiu, resultou que os rendimentos que os Réus auferem situam-se muito próximos da remuneração mínima garantida, que é o valor médio limite que permite aos agregados a satisfação das necessidades básicas que também eles têm ao nível da sua alimentação, habitação, vestuário e saúde. Onerar os orçamentos familiares dos Réus com um encargo correspondente ao valor do trabalho que a tutora dedica ao cuidado da mãe seria privá-los de uma fatia considerável dos seus rendimentos, pondo em risco a satisfação das suas necessidades e dos demais membros em relação aos quais também têm o dever de prestar alimentos. Isso ponderado, mas tendo em conta, no contraponto, que todos os filhos estão obrigados ao cuidado dos seus pais (como decorre do artigo 1874.º/2, do CCiv), e não podendo comparticipar na obrigação alimentar através de uma prestação pecuniária, então é de cometer-lhes o encargo, através da respectiva companhia, de vigiar e cuidar a sua mãe num período de tempo correspondente à quota-parte de cada um. Na situação em apreço, estando a Autora instalada na casa da tutora, tendo ela dificuldades de locomoção e tendo o seu dia-a-dia organizado em função da prestação de cuidados domiciliários (prestados pelo Centro Social e Paroquial de ...), a obrigação alimentar deverá, por conseguinte, prestada em espécie, mediante o respectivo acompanhamento diurno, em casa da irmã (salvo se outro for acordado). De notar que, embora tenha defluído da discussão da causa, que existem diferenças entre os irmãos, que se adensaram com a falta de consenso para a venda de um bem imóvel que faz parte da herança aberta por óbito do pai, não se apurou que existam razões de conflito familiar que desaconselhem o estabelecimento de uma rotação de cuidados em casa da tutora a favor da mãe (aliás, essa solução chegou a ser discutida entre os irmãos no âmbito da resolução consensual, o que, contudo, não acabou por se firmar, mas não por razões de oposição da tutora a que se deslocassem a sua casa). A fixação de uma quantia alimentar em espécie constitui um minus em relação ao pedido formulado pela Autora, no qual se contém, e é permitida à luz do citado artigo 2005.º/2, do CCiv, que defere ao Tribunal a fixação do modo de prestar a obrigação alimentícia, dentro das circunstâncias do caso”. Considerando a matéria de facto provada, e primeira coisa a dizer é que dela emerge uma situação triste e pesada. A melhor solução para lidar com esse tipo de situações é simples e óbvia, mas passa pela existência de capacidade financeira da doente ou da família para contratar terceiros que tomem conta da doente e executem todas as tarefas necessárias ao seu bem-estar, alimentação, saúde, etc. Essa capacidade financeira, neste caso, como ficou exuberantemente provado, não existe de todo. Assim sendo, o que se pode dizer é que não há soluções mágicas. E o regime que o Tribunal recorrido gizou pode não ser perfeito, não será com certeza, mas cremos que não andaremos longe da verdade se dissermos que é o possível, atentas as circunstâncias do caso. Ficou explicado o que aliás já era óbvio, por que razão é que a autora não pode andar de casa de filho em casa de filho, assim respondendo à pergunta da recorrente sobre se a assistência não se poderia se traduzir num outro tipo de prestação em espécie, como a residência alternada, em casa de cada um dos filhos. Por outro lado, a solução encontrada procurou repartir o sacrifício equitativamente por todos. Sem esquecer que o próprio Tribunal recorrido fez consignar que a obrigação alimentar deverá ser prestada em espécie, mediante o respectivo acompanhamento diurno, em casa da irmã, salvo se outro for acordado. Assim, fica sempre salvaguardado que se as partes nesta acção, que são família e família próxima, chegarem a um acordo diferente daquele que o Tribunal elaborou, poderão implementá-lo. Assim, considerando que a recorrente não aponta à solução encontrada pela sentença nenhuma violação da lei, e que a mesma se mostra eivada do mais elementar bom senso, sendo aceite por todos os réus, resta-nos julgar o recurso totalmente improcedente. V- DECISÃO Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando na íntegra a sentença recorrida. Custas pela recorrente (art. 527º,1,2 CPC). Data: 26.1.2023 Relator (Afonso Cabral de Andrade) 1º Adjunto (Alcides Rodrigues) 2º Adjunto (Joaquim Boavida) 1 - Rectificado, como vimos supra. |