Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1859/14.0T8BRG-D.G1
Relator: JORGE SANTOS
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
PRINCÍPIOS ORIENTADORES
MEDIDA PROVISÓRIA DE ACOLHIMENTO RESIDENCIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
– A aplicação das medidas de promoção e proteção enunciadas no artigo 35.º da LPCJP visa afastar o perigo para a segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento da criança, gerado pelos pais, pelo representante legal ou por quem tenha a sua guarda de facto.
– A aplicação de qualquer medida de promoção e protecção encontra-se sujeita aos princípios orientadores constantes do art.º 4.º da LPCJP, devendo-se em primeiro lugar atentar na defesa do superior interesse da criança.
– A título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas no referido art. 35, nº 1, als. a) a f), designadamente enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente, conforme dispõe o art. 37º da citada Lei.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO (que se transcreve)

Nestes presentes autos de promoção e protecção judicial relativos, além do mais, à jovem menor AA, nascida em .../.../2007, filha de BB e de CC, considerando o teor do relatório/ informação social de 08.09.2023, junto/a em .../.../2023, conjugado com a informação de 18.09.2023, mormente do que consta das suas conclusões principais, porque se alteraram os pressupostos de facto que determinaram a aplicação a favor da referida jovem da medida negociada e acordada em .../.../2023, o Ministério Público promoveu que se altere a medida de promoção e protecção aplicada nos autos a favor da aludida menor, que é de apoio junto dos pais a executar na pessoa do pai– arts. 35º, n.º 1, al. a) e 39º, ambos da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo), para a de acolhimento residencial, nos termos do art. 62º, n.º1 e 3, al. b), da LPCJP, a ser executada de forma cautelar pelo período do 3 meses, alegando, em síntese, que a AA encontra-se exposta a situações de risco para o seu desenvolvimento físico e psicológico, sendo que urge pôr cobro a tal situação.
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Foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
- “Nestes termos, decide-se aplicar a medida cautelar de acolhimento residencial, a vigorar por três meses, a rever no prazo de três meses, à jovem AA.”
 
Inconformado com esta decisão dela veio recorrer o progenitor da jovem, formulando as seguintes conclusões:

I. Em virtude de, no seguimento do processo de promoção e proteção em epígrafe mencionado, ter sido o Progenitor Pai, aqui Recorrente, notificado do Despacho proferido, no sentido de decidir pela alteração da medida de promoção e proteção a título cautelar,

II. Da medida aplicada à menor, AA, de apoio junto dos pai, a executar na pessoa do pai, nos termos do estabelecido nos artigos 35.º, n.º1, al. a) e 39.º, ambos da LPCJP,

III. Para a medida cautelar de acolhimento residencial a vigorar pelo período de três meses, a rever no prazo de três meses, de acordo com o estabelecido nos artigos 49.º, e seguintes da LPCJP,

IV. E por não se conformar com a mesma, vem interpor, aqui e agora, o presente Recurso.

V. Em 17 de Maio de 2023, após a competente conferência de pais, foi decidido aplicar à menor, AA, a medida negociada e acordada de apoio junto dos pais, a executar na pessoa do pai, nos termos dos artigos 35.º, n.º1, al. a) e 39.º, ambos da LPCJP,

VI. Bem como começar a ser acompanhada pela APAV, mormente em consultas de psicologia atento o seu “comportamento impulsivo e desafiante”, “preocupação com o desenvolvimento sexual da mesma (…)”.

VII. Contudo, no decorrer de tais consultas de psicologia, foi elaborada informação, pela entidade competente, no sentido da medida de apoio junto dos pais, a executar na pessoa do pai, não estar a surtir o efeito desejado,

VIII. Permanecendo, desse modo, e na ótica da entidade competente, exposta a situações de risco para o seu desenvolvimento físico e psicológico,

IX. Entre elas:
d) “Na casa do progenitor, reside a sua companheira e três filhos desta, em que o mais velho apresenta, alegadamente, comportamentos de ideação suicida que terão despoletado um impacto negativo na jovem, dado o histórico apresentado”;
e) “Aquando da permanência nesta habitação e de acordo com o relato da jovem, terá assumido e sido exposta a comportamentos sexuais de risco, mantidos com os filhos mais novos da companheira do progenitor e com um amigo destes”;
f) “Assim como, mais recentemente, no mês de agosto, terá sido alegadamente vítima de abuso sexual por parte do senhorio da casa do qual o progenitor é arrendatário, traduzido em toques, contra a sua vontade”;
g) Com efeito, e uma vez que, na ótica da entidade competente, não se encontram alternativas na família para acolher a jovem no imediato, foi proposto pelo ISS a aplicação da medida de acolhimento residencial, a título cautelar e provisório.

X. Com base em tal informação, e concordando com a promoção do Ministério Público, foi, aqui e agora, proferido Despacho datado de 19 de Setembro de 2023, no sentido da única medida capaz de acautelar a jovem, no imediato, atenta a ausência de outras medidas em meio natural de vida, será a de acolhimento residencial, a vigorar por três meses, a rever no prazo de três meses, a jovem AA.

XI. Porém, não pode, nem deve o Progenitor Pai, aqui Recorrente, aceitar tal decisão por assentar em factualidade que não corresponde, inteiramente, à verdade, conforme melhor infra se demonstrará:

XII. Ora, no caso presente, indica a informação junta aos autos que a menor, AA, reside, na casa do aqui Recorrente, juntamente com a companheira deste e os seus três filhos,

XIII. Sendo que o filho mais velho dessa apresenta comportamentos de ideação suicida que terão despoletado um impacto negativo na jovem, dado o histórico apresentado.

XIV. Quanto a este aspeto, cumpre mencionar que, apesar do filho mais velho da companheira do aqui Recorrente apresentar um historial clínico de depressão, é certo que o mesmo, já desde há muito, que se encontra psicológica e psiquiatricamente acompanhado, estando, como tal, devidamente medicado, e, como tal, estável.

XV. E quando se diz estável, diz-se desde período muito anterior à aplicação da medida de apoio junto dos pais na pessoa do progenitor pai, ou seja, em período anterior à menor AA passar a residir juntamente com o mesmo.

XVI. Para além disso, refere a informação redigida que na habitação do progenitor pai, e de acordo com o relato da menor, terá assumido e sido exposta a comportamentos sexuais de risco, mantidos com os filhos mais novos da companheira do progenitor e com um amigo destes.

XVII. A este propósito, para além de ser de compreender que os filhos mais novos da companheira do aqui Recorrente (gémeos) se encontrarem a ultrapassar, agora, a fase de crescimento e de descoberta da sua sexualidade,

XVIII. O que, como é lógico, não lhes permite adotar comportamentos de risco nem tão pouco é intenção do aqui Recorrente desculpabilizar tais comportamentos,

XIX. Jovens desta idade tendem a adotar comportamentos desafiantes mais no sentido de chamar à atenção dos demais.

XX. E se tal não bastasse, ainda é necessário salientar que só agora é que o aqui Recorrente e a sua companheira tiveram acesso ao teor da informação elaborada e que deu origem ao Despacho proferido – atento o facto de, durante o dia, se encontrarem a exercer as suas funções laborais  -

XXI. Tendo, como se impõe, abordado os jovens, incluindo a menor AA, no sentido de os repreender e alertar para as consequências que advém de tais comportamentos.

XXII. E aliado a isso, certo é que, após terem tido conhecimento do que andava a suceder, irão, como é de lógica assunção, a partir de agora, estar muito mais atentos e exercer o normal controlo e supervisão sobre os jovens.

XXIII. Desta feita, quanto ao facto da menor ter sido vítima de abuso sexual por parte do senhorio da casa do qual o progenitor è arrendatário, traduzido em toques contra a sua vontade,

XXIV. Tal factualidade também só chegou ao conhecimento do aqui Recorrente e da sua companheira, como adultos responsáveis pela menor, no momento em que tiveram acesso à informação elaborada,

XXV. Tendo, imediatamente, tomado as medidas necessárias para que tal não voltasse a suceder, ou seja, abordaram o senhorio da casa onde residem questionando o mesmo do que tinha sucedido e alertando-o para que tal não voltasse a suceder.

XXVI. Posto isto:

XXVII. Refira-se que o aqui Recorrente desconhecia todas estas situações que, alegadamente, afetavam o bem-estar, quer físico, quer psicológico da sua filha,

XXVIII. O que, como é compreensível, causa no mesmo um certo sentimento de revolta, na medida em que não pode atuar nem tentar solucionar as questões que “atormentam” a sua própria filha,

XXIX. Porquanto, é totalmente incompreensível como é que a menor, sua filha, não lhe reportou qualquer destas situações para que ele tomasse ação, tendo-se, tão só e apenas, se deparado com a decisão agora proferida no sentido de colocar a mesma numa instituição de acolhimento residencial pelo período de três meses.

XXX. Posto isto, foi aplicada, à sua filha, a medida de acolhimento residencial, medida esta prevista no artigo 35.º, n.º 1, alínea f), da LPCJP.

XXXI. Isto porque, entende o aqui Recorrente que a aplicação de tal medida não obedeceu, como se impunha, aos princípios da adequação e proporcionalidade, previstos no artigo 58.º, n.º1, al. i), da LPCJP, principalmente tendo em conta que esta é das últimas medidas a aplicar.

XXXII. Saliente-se que:
a) Para além de tal decisão ter sido proferida sem que o aqui Recorrente pudesse pronunciar-se quanto as informações constantes do relatório;
b) Contrariamente ao mencionado no Despacho proferido, existem outras medidas em meio natural de vida, ou seja, medidas alternativas na família alargada para acolher a jovem no imediato.

XXXIII. Isto a significar que não foi possível, em momento anterior à decisão de que ora se recorre, ao aqui Recorrente indicar que, na verdade, a verificar-se a impossibilidade de manter a menor na medida de apoio junto dos pais, a executar na pessoa do progenitor pai, existe mais do que uma alternativa na família alargada para acolher a jovem, AA, no imediato.

XXXIV. Nomeadamente:
d) Existe a possibilidade do aqui Recorrente se mudar, juntamente com a sua filha menor AA para a antiga casa da sua tia, DD, sita na Avenida ..., ..., ... ..., uma vez que esta última, há pouco mais de um mês mudou-se para casa do seu companheiro; logo tal residência dispõe de todas as condições de habitabilidade e ficaria só lá a residir o aqui Recorrente e a menor, AA;

e) Existe a possibilidade da menor passar a residir com o agregado familiar desta sua tia, DD, que desde que teve conhecimento do ocorrido, mostrou inteira disponibilidade para acolher a menor, AA, juntamente com o seu companheiro;

f) Existe, ainda, a possibilidade da menor passar a residir com o agregado familiar da sua Madrinha, EE, que desde que teve conhecimento do ocorrido, mostrou inteira disponibilidade para acolher a menor, AA, juntamente com o seu companheiro;

XXXV. Em face de tudo isto, e do já relatado quanto ao facto da medida aplicada de acolhimento residencial ser a última medida a ser aplicada,

XXXVI. Entende o aqui Recorrente, na qualidade de progenitor pai que assume da menor, AA, que a medida a aplicar para salvaguardar, da melhor forma possível, o bem-estar, quer físico, quer mental e psicológico da mesma será uma medida cautelar que encaixe nas supra referidas alternativas,

XXXVII. Pois existindo as mesmas, não se vê a necessidade de colocar a mesma numa instituição de acolhimento residencial, a qual, como bem se sabe, não configura o meio natural da vida da jovem.

XXXVIII. Assim, por tudo o supra exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, vem, o aqui Recorrente, requerer a V/Exas., Venerandos Desembargadores, que seja revogado o despacho que aplicou à menor, AA, a medida cautelar de acolhimento residencial pelo período de três meses,

XXXIX. E proferida decisão no sentido de aplicar, ao invés, uma medida que melhor se adeque a uma das três alternativas fornecidas de família alargada que, como se verificou, têm disponibilidade imediata de acolher a mesma no seu agregado familiar, pois, só assim, se fará inteira Justiça Material!
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Houve contra-alegações por parte do Ministério Público, pugnando pela improcedência da apelação e confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.

B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo Recorrente, cumpre apreciar:
- Se existe fundamento legal para revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que decida aplicar a medida de promoção e proteção de apoio junto do progenitor, ou de outro familiar, ou ainda de confiança a pessoa idónea, nos termos do artigo 35º alínea a), b) e c) da LPCJP.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factualidade considerada provada na decisão recorrida:

1. AA, nascida em .../.../2007 é filha de BB e de CC – cfr. certidão junta aos autos de regulação das responsabilidades parentais a que os presentes estão apensos;

2. Por despacho de 27.01.2023 foi declarada aberta a instrução do presente processo de promoção e protecção relativos à jovem AA e à sua irmã FF;

3. No âmbito dos mesmos, em 17.05.2023, foi decidido, além do mais, aplicar junto da jovem AA a medida negociada e acordada de apoio junto dos pais, c executar na pessoa do pai – arts. 35º, n.º 1, al. a) e 39º, ambos da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo) – cfr. de diligência de acordo de fls. 192 e segs..

4. Na base desta medida estava/está a necessidade de promover a sua autorregulação emocional, trabalhar a reaproximação à mãe, a relação entre a própria fratria e a capacidade comunicacional entre os progenitores (aliás, a sua irmã, FF, nascida em .../.../2009, está também a beneficiar de idêntica medida, contudo, a executar junto da mãe);

5. A jovem AA, desde 2022, encontra-se a ser acompanhada pela APAV, em consultas de psicologia, “devido ao comportamento impulsivo e desafiante da jovem, preocupação com o desenvolvimento sexual da mesma, bem como à existência de suspeita de abuso sexual por parte de um primo, que terá ocorrido quando a jovem tinha 5 anos e o primo 12”, apresentando, aquando do início do processo de apoio, “comportamentos auolesivos e pensamentos relacionados com a morte”, hoje atenuados;

6. Porém, decorre da informação prestada de 08.09.2023 e junta em 12.09, que a medida aplicada a seu favor não surtiu o efeito desejado, mantendo-se a AA exposta a situações de risco para o seu desenvolvimento físico e psicológico, designadamente:
i) na casa do progenitor, reside a sua companheira e três filhos desta, em que o mais velho apresenta, alegadamente, comportamentos de ideação suicida que terão despoletado um impacto negativo na jovem, dado o histórico apresentado;
ii) aquando da permanência nesta habitação e de acordo com o relato da jovem, terá assumido e sido exposta a comportamentos sexuais de risco, mantidos com os filhos mais novos da companheira do progenitor e com um amigo destes;
iii) assim como, mais recentemente, no mês de agosto, terá sido alegadamente vítima de abuso sexual por parte do senhorio da casa do qual o progenitor é arrendatário, traduzido em toques, contra a sua vontade.

7. Todas as situações descritas provocaram sofrimento significativo na jovem que, por esse motivo, abandonou o agregado familiar paterno, encontrando-se actualmente no agregado familiar da avó paterna.

8. Contudo, nesta habitação, residirá o seu primo, alegadamente autor das suspeitas de abuso sexual ocorrido enquanto era criança;

9. Desconhece-se, no presente, alternativas na família alargada para acolher a jovem no imediato, tendo os tios maternos GG e HH, ante a sua situação actual (considerando o afastamento da AA para com a sua família nuclear e para com a tia, a qual, refere ainda encontra-se agora grávida) manifestado a indisponibilidade para o efeito – cfr. informação de 18.09.2023.

10. Do relatório/informação junto/a em 12.09.2023 bem assim, da informação de 18.09.2023 resulta que, enquanto se procede ao diagnóstico da situação e à definição do seu encaminhamento posterior – por ainda não ter sido alcançada a reaproximação relacional e comunicacional entre a jovem e a progenitora, cujos contactos continuam a decorrer em contexto supervisionado –, bem assim, por não serem conhecidas, por ora, outras alternativas na família alargada, vem proposto pelo ISS a aplicação da medida de acolhimento residencial, a título cautelar e provisório.

11. A jovem AA assumiu não se opor à aplicação da medida de acolhimento residencial – cfr. informação de 08.09.2023 junta em 12.09.2023.

12. (…) Idêntica posição assumiu a sua progenitora – cfr. informação de 08.09.2023.

13. O progenitor opôs-se à substituição/alteração da medida em curso pela de acolhimento residencial – cfr. informação de 08.09.2023.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Do mérito da decisão recorrida

Alega o Recorrente que a decisão recorrida e a aplicação da medida em causa não obedeceu, como se impunha, aos princípios da adequação e proporcionalidade, previstos no artigo 58.º, n.º1, al. i), da LPCJP, principalmente tendo em conta que a medida de acolhimento residencial é das últimas medidas a aplicar.
 Em sustentação dessa alegação, afirma o Recorrente, em síntese, que a decisão recorrida assenta em factualidade que não corresponde, inteiramente, à verdade; que só agora é que o aqui Recorrente e a sua companheira tiveram acesso ao teor da informação elaborada e que deu origem ao Despacho proferido – atento o facto de, durante o dia, se encontrarem a exercer as suas funções laborais; que quanto ao facto da menor ter sido vítima de abuso sexual por parte do senhorio da casa do qual o progenitor é arrendatário, traduzido em toques contra a sua vontade, tal factualidade também só chegou ao conhecimento do aqui Recorrente e da sua companheira, como adultos responsáveis pela menor, no momento em que tiveram acesso à informação elaborada; que após terem tido conhecimento do que andava a suceder à menor, irão a partir de agora, estar muito mais atentos e exercer o normal controlo e supervisão sobre os jovens que importunam ou abusam da mesma; que tomou imediatamente as medidas necessárias para que tal não voltasse a suceder, ou seja, abordou o senhorio da casa onde residem questionando o mesmo do que tinha sucedido e alertando-o para que tal não voltasse a suceder; e que o aqui Recorrente desconhecia todas estas situações que, alegadamente, afectavam o bem-estar, quer físico, quer psicológico da sua filha.
Mais alega o Recorrente que e Existe a possibilidade do aqui Recorrente se mudar, juntamente com a sua filha menor AA para a antiga casa da sua tia, DD, sita na Avenida ..., ..., ... ..., uma vez que esta última, há pouco mais de um mês mudou-se para casa do seu companheiro; logo tal residência dispõe de todas as condições de habitabilidade e ficaria só lá a residir o aqui Recorrente e a menor, AA; que existe a possibilidade da menor passar a residir com o agregado familiar desta sua tia, DD, que desde que teve conhecimento do ocorrido, mostrou inteira disponibilidade para acolher a menor, AA, juntamente com o seu companheiro; e que existe, ainda, a possibilidade da menor passar a residir com o agregado familiar da sua Madrinha, EE, que desde que teve conhecimento do ocorrido, mostrou inteira disponibilidade para acolher a menor, AA, juntamente com o seu companheiro.
Antes de apreciarmos esta argumentação do recurso, cumpre, previamente, referir que das conclusões do mesmo ressuma, essencialmente, discordância do Recorrente quanto ao julgamento efectuado sobre a factualidade considerada como provada (com as decorrentes implicações ao nível da qualificação jurídica), a qual, no entanto, não se encontra aqui impugnada em conformidade com o disposto no art. 640º do CPC.
Com efeito, o tribunal a quo considerou provado que, além do mais, que:
- Desconhece-se, no presente, alternativas na família alargada para acolher a jovem no imediato, tendo os tios maternos GG e HH, ante a sua situação actual (considerando o afastamento da AA para com a sua família nuclear e para com a tia, a qual, refere ainda encontra-se agora grávida) manifestado a indisponibilidade para o efeito – cfr. informação de 18.09.2023.

- Do relatório/informação junto/a em 12.09.2023 bem assim, da informação de 18.09.2023 resulta que, enquanto se procede ao diagnóstico da situação e à definição do seu encaminhamento posterior – por ainda não ter sido alcançada a reaproximação relacional e comunicacional entre a jovem e a progenitora, cujos contactos continuam a decorrer em contexto supervisionado –, bem assim, por não serem conhecidas, por ora, outras alternativas na família alargada, vem proposto pelo ISS a aplicação da medida de acolhimento residencial, a título cautelar e provisório.
Neste conspecto, discorda o Recorrente desta factualidade provada, alegando, em sede do presente recurso, que existe a possibilidade de ir residir apenas com a menor para outra casa; que, além disso, existe rectaguarda familiar para o acolhimento da jovem e ainda a possibilidade de a mesma ficar ais cuidados da madrinha, pessoas que estão disponíveis para o efeito.
Porém, o Recorrente ao questionar esta factualidade julgada provada, não cumpriu os requisitos de ordem formal que permitam a este Tribunal apreciar a impugnação que faz da matéria de facto, nomeadamente não indica o concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; não especifica na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, impõem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; não aprecia criticamente os meios de prova, nem expressa na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto questionadas; tudo conforme resulta do disposto no artº. 640º, nºs. 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.).
Deste modo, todas as considerações do recurso sobre o alegado desacerto do tribunal relativamente ao julgamento sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida não têm a virtualidade de produzir aqui qualquer efeito quanto à almejada revogação da decisão.
Assim sendo, mantendo-se inalterada a decisão recorrida relativamente à factualidade que dela consta, apreciaremos de seguida a adequada subsunção jurídica, tendo como pressuposto os factos considerados indiciados pelo tribunal a quo.
Vejamos então se a decisão recorrida viola aquelas normas jurídicas.
Previamente, cumpre tecer alguns considerandos jurídicos.
Nos termos do disposto no art.º 1.º da - Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro e suas alterações, esta “tem por objecto a promoção dos direitos e protecção das crianças e dos jovens em perigo de forma a garantir o seu bem estar e o seu desenvolvimento integral”.
A intervenção para a promoção dos direitos e para protecção da criança deve ocorrer sempre que “ os pais, (…) puserem em perigo a sua [da criança ou do jovem] segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento” (cfr. artigo 3.º da LPCJP).

De acordo com o n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
a)-Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b)-Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c)-Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d)-Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e)-É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f)-Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g)-Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
h)-Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.
Porém, a intervenção com vista a proteger a criança da referida situação de perigo está sujeita a vários princípios orientadores elencados no art.º 4.º da LPCJP.
Desde logo, em primeiro lugar desse elenco surge-nos “o interesse superior da criança”, como critério básico e fulcral a nortear qualquer decisão relativamente as crianças ou jovens. A intervenção deve, pois, “atender prioritariamente, aos interesses e direitos da criança, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade de interesses presentes no caso concreto.” (art.º 4.º alínea a) da LPCJP).
No mesmo sentido, a Convenção sobre os Direitos da Criança (Nova Iorque, 26-01-1990, ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90) enuncia que: “Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.” (cfr. art.º 3.º n.º1.)
Estabelece também a alínea e) do citado art.º 4.º que é igualmente critério orientador da intervenção a proporcionalidade, ou seja, “ a intervenção deve ser necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança se encontra, no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade.
O critério orientador da responsabilidade parental pressupõe que “ a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança” (alínea f).
Deve ser ainda respeitado o primado da continuidade das relações psicológicas profundas, ou seja, a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante (alínea g).
Outro princípio orientador da intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança, é o da prevalência da família, o que quer dizer que “na promoção dos direitos e na protecção da criança deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adopção”.
Este princípio está em linha com o que superiormente dispõe a Constituição da República Portuguesa (CRP) nos artigos 36.º, 67.º e 68.º quanto à protecção da Família e dos valores da paternidade e da maternidade.
Conforme define o art.º 36.º n.º 5 da CRP “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”. Embora não se esqueça que “ a adopção é regulada e protegida nos termos da lei”.
Porém, de acordo com o art.º 68.º da CRP “a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes” por isso “ os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos.”
Assim, a intervenção ao nível da promoção e protecção de que vimos falando deve apontar para o equilíbrio entre todos estes princípios aplicados no contexto único da criança, de onde possa ser encontrada a medida adequada à mesma, de forma a cumprir o supra mencionado objectivo de garantir o seu bem estar e o seu desenvolvimento integral.
Nesta senda, se é certo que o critério prioritário é a defesa do superior interesse da criança, também é verdade, que de acordo com o apontado enquadramento constitucional vigente, a valorização do papel da maternidade e da paternidade conduz-nos à conclusão de que tal defesa passa também pela protecção e apoio das mães e dos pais biológicos, no sentido de exercerem a sua “insubstituível” acção em relação aos filhos.
Por outro lado, há que ter presente que a crianças têm direito “à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições” – cfr. n.º 1 do art. 69.º da CRP -, cabendo ao Estado assegurar especial proteção às crianças órfãs, em estado de abandono ou que se encontrem, por qualquer forma, privadas de um ambiente familiar normal (cfr. artigo 69.º, n.º 2, da CRP).
Assim, a intervenção do Estado tem de observar e ponderar os todos os referidos critérios e princípios.
Por sua vez, o artigo 35º da referida Lei 147/99, prevê o elenco taxativo das medidas de promoção e protecção.

São elas:
a) Apoio junto dos pais;
b) Apoio junto de outro familiar;
c) Confiança a pessoa idónea;
d) Apoio para a autonomia de vida;
e) Acolhimento familiar;
f) Acolhimento residencial;
g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.

Nos termos do art. Artigo 37.º, nº 1, do mesmo diploma, a título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 35.º, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 92.º, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente.
As medidas aplicadas nos termos dos números anteriores têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses (cfr. nº3).
Podemos assim concluir que a aplicação das medidas de promoção e proteção enunciadas no artigo 35.º da LPCJP visa afastar o perigo para a segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento da criança, gerado pelos pais, pelo representante legal ou por quem tenha a sua guarda de facto.
Por sua vez, a aplicação de qualquer medida de promoção e protecção encontra-se sujeita aos princípios orientadores constantes do art.º 4.º da LPCJP, dos quais, em primeiro lugar, se encontra a defesa prioritária do superior interesse da criança.
No caso vertente, impõe-se indagar se o tribunal a quo ao ter aplicado aos menores, a título cautelar e provisório, a medida de acolhimento residencial, respeitou tais princípios e normas legais.
Em primeiro lugar, resulta do apontado regime legal sobre aplicação de medidas de promoção e protecção que as medidas cautelares podem ser decretadas pelo tribunal sempre que se esteja perante uma situação de perigo para a criança ou jovem e enquanto se procede ao diagnóstico dessa situação.
Neste conspecto, o Recorrente reconhece a existência de situação de perigo para a jovem, que justifica a aplicação ou continuação de aplicação de medida de promoção e protecção. No entanto, discorda da concreta medida aplicada pelo tribunal.
Na decisão recorrida o tribunal a quo entendeu que (…) “ perante a descrição dos factos, mormente em face do presente insucesso da medida aplicada e actual situação vivencial da jovem, importa tomar as medidas necessárias a salvaguardar o seu desenvolvimento físico e psicológico da jovem, de forma a não aumentar o risco de vitimação, bem como prevenir futuras situações de violência.
Tal qual refere a Digna Procuradora, ante a falta de alternativas na família alargada (até aqui conhecidas e disponíveis – veja-se informação junta em 18.09, na sequência de despacho que antecede), em face da actual situação vivenciada pela jovem entende-se que existe uma situação de perigo, real e actual, para a saúde física e mental e segurança, que urge por fim.
Na verdade, a jovem em face do vivenciado na residência paterna, abandonou aquele agregado familiar, encontrando-se presentemente no agregado familiar da avó paterna. Contudo, nesta habitação, residirá o seu primo, alegadamente autor das suspeitas de abuso sexual ocorrido enquanto era criança. (sublinhado nosso)
Perante isto, temos que, a única medida capaz de acautelar a jovem, no imediato, da situação em que se encontra, na ausência de outras medidas em meio natural de vida (cfr. informações de 08 e 18.09), é a de acolhimento residencial.”
Também a nós se nos afigura adequada e proporcional a medida ora aplicada.
Com e efeito, na ausência de outras alternativas, a medida de colocação acolhimento residencial apresenta-se como a melhor opção para a protecção e promoção dos direitos desta jovem.
Como bem refere o Ministério Público nas suas contra-alegações, perante o quadro fáctico apurado e sua gravidade (…) “é por demais evidente o insucesso da medida que inicialmente foi aplicada a favor da jovem e que, aliás, já nem sequer se encontrava a ser executada (!), por vontade da própria AA, que optou por se alojar em casa da avó paterna, para se proteger, ante a passividade do progenitor (adulto) que por ela era responsável e a quem competia (e não à menor) percepcionar e opor-se ao perigo a que a mesma estava exposta de modo adequado a removê-lo.”
De resto, o que ressuma da motivação do recurso é o reconhecimento pelo Recorrente/progenitor de inércia relativamente ao cumprimento das obrigações assumidas com a aplicação da medida ora revista, ou mesmo violação desses compromissos, e, ainda, o reconhecimento das suas próprias fragilidades ao nível da supervisão e do acompanhamento familiares, relativamente à menor.
Acresce que a jovem AA assumiu não se opor à aplicação da medida de acolhimento residencial e idêntica posição assumiu a sua progenitora.
Decorre, assim, ser urgente a intervenção ao nível da promoção e protecção, com revisão e aplicação de medida provisória adequada a remover no imediato o perigo e ou risco que rodeia a menor e agir em sua defesa.
Tal desiderato, no quadro fáctico actual, só pode ser alcançado por via da concreta medida que o tribunal a quo decidir aplicar.
Deste modo, somos a concluir que a decisão recorrida obedeceu aos princípios orientadores da intervenção, previstos no art. 4º da LPCJP, nomeadamente, o princípio do Interesse superior da criança; princípio da Intervenção precoce; princípio da Intervenção mínima; princípio da Proporcionalidade e actualidade; e princípio da Prevalência da família – tal como vêem definidos no artº 4º alª a), c), e) e g) da L.P.C.J.P.
Por outro lado, resulta dos autos principais que a jovem foi integrada no Colégio ..., sito em ..., onde residem os seus progenitores e irmãs, onde tem o seu centro de vida. Pelo que a colocação da menor observou o direito aludido no art.º 58.º, n.º 1, al.ª i) da LPCJP.
Finalmente, há que atentar que as diligências de instrução do presente processo não estão esgotadas e que a decisão provisória decretada perdurará enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente (cf. Art. 37º daa LPCJP).
Podemos, pois, concluir, como fez o tribunal a quo, que a menor se encontra numa situação de perigo, à luz do disposto no art. 3º, nº1 e 2, als. b) e f) da LPP (Lei de Promoção e Protecção), que importa remover.
Em sede de escolha da medida, o tribunal a quo considerou que a que se lhe afigurava adequada, feito um juízo de prognose de adequação, proporcionalidade e exigibilidade de forma a afastar o perigo e promover o bem estar da menor, é a medida de acolhimento residencial, pelo prazo de três meses, nos termos do disposto nos art.ºs 35.º, n.º 1, al. f) e 37.º ambos da LPCJP.
Concordamos inteiramente com o assim ajuizado.
Por todo o exposto, somos a concluir pela total improcedência da apelação e confirmação da decisão recorrida.
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Sumário:

– A aplicação das medidas de promoção e proteção enunciadas no artigo 35.º da LPCJP visa afastar o perigo para a segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento da criança, gerado pelos pais, pelo representante legal ou por quem tenha a sua guarda de facto.

– A aplicação de qualquer medida de promoção e protecção encontra-se sujeita aos princípios orientadores constantes do art.º 4.º da LPCJP, devendo-se em primeiro lugar atentar na defesa do superior interesse da criança.

– A título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas no referido art. 35, nº 1, als. a) a f), designadamente enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente, conforme dispõe o art. 37º da citada Lei.

DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes desta relação em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 23.11.2023

Relator: Jorge Santos
Adjuntos: Raquel Rego
Sandra Melo