Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
365/05-1
Relator: MARIA AUGUSTA
Descritores: ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/11/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O recorrente que foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art°105° n°1 da Lei n°15/01, RGIT, defende que, face à sua confissão e arrependimento, condição social, económica e familiar, às dificuldades por que passou a sociedade no período em causa, o facto de as quantias desviadas terem sido utilizadas para pagar salários aos trabalhadores, a sociedade ter a maquinaria penhorada, continuar em actividade e ter conseguido pagar e 6 653,92 de IVA em falta, deveria beneficiar de uma atenuação especial.
II – Nas suas conclusões o recorrente concorda com aplicação do regime do RGIT, o que é, portanto, questão que este Tribunal já não pode alterar, pois está a coberto do trânsito em julgado e como os regimes legais se aplicam em bloco, a ponderação sobre a atenuação especial da pena tem que ser feita à luz deste diploma, cujo art°22° preceitua, no seu n°2: “ A pena será especialmente atenuada se o agente repuser a verdade fiscal e pagar a prestação tributária e demais acréscimos legais até à decisão final ou no prazo nela fixado “.
III – No caso, é manifesto que as quantias não entregues ainda não foram totalmente repostas, tendo-o sido apenas a quantia de € 6 653,92, de um total de €75 747,12, não se verificando, pois, os pressupostos da atenuação especial previstos na citada disposição legal.
IV – Nem mesmo esta se justifica ao abrigo da norma do art° 72 do C.P., que no seu n°1 preceitua: “ O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos especialmente previstos na lei quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da a pena “.
V – Ora nenhuma circunstância, anterior ou posterior ao crime, susceptível de diminuir acentuadamente a ilicitude do facto e a culpa do agente e as exigências de prevenção, ficou provada.
VI - Com efeito, conforme refere Figueiredo Dias – Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, pág.306, §454: “A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo “.
VII – Assim é que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais, em que as atenuantes assumam especial relevo poderá ter lugar, o que não é, manifestamente, o caso em apreço.
VIII – Por um lado, o contexto em que o crime ocorreu não assume relevância de maior, tratando-se, como de resto é habitual neste tipo de crimes, de uma situação em que a empresa passa por dificuldades económicas e as quantias de IVA são retidas e integradas no seu património (seja qual for o destino – para pagamento de salários aos trabalhadores, de fornecedores, aquisição de máquinas, etc.).
IX - Por outro lado, a situação económico-social do arguido/recorrente também não assume aquele carácter extraordinário, exigido pelo art°72° do C.P., até porque não se provou que tenha sido feito qualquer esforço da sua parte para saldar as dívidas.
X – Finalmente, acresce que, que o facto de o recorrente não ter passado criminal é similar ao da generalidade das pessoas da sua faixa etária e situação social.
Decisão Texto Integral: Acordam, em julgamento, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:


No Processo Comum Singular nº381/03, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, por sentença datada de 14/12/04, foi o arguido/recorrente "A" condenado na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de e 5,00, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artº105º nºs 1 e 2 do RGIT.

A Sociedade "B" foi condenada, pela prática do mesmo crime, na pena de 600 dias de multa, à taxa diária de € 10,00.


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Inconformado, recorreu apenas o arguido "A", terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
I- A sentença recorrida violou os nºs 1 e 2 do art.105º do R.G.I.T. e os arts. 40, 71, nºs 1 e 2 e 72 do C.P.
II- Devendo ser substituída por outra que fixa em não mais de 30 dias de multa à razão de € 5 por dia.

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O recurso foi admitido por despacho de fls.259.

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Respondeu o MºPº e o arguido, concluindo pela rejeição do recurso por as conclusões não preencherem os requisitos legais e não ser sequer caso de convite ao seu aperfeiçoamento. Por outro lado, defende que a sentença não violou as apontadas disposições legais.

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O Exmo Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no qual conclui também que as conclusões são deficientes, o que leva à rejeição do recurso. Mas, se assim se não entender, deverá ser rejeitado por manifesta improcedência.

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Foi cumprido o disposto no artº 417º nº2 do C.P.P..

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Houve resposta.

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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos prosseguiram os autos para audiência, na qual foram observados todos os formalismos legais.
Cumpre decidir:
2. Fundamentação
2.1. Os Factos
Da discussão da causa, com interesse para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:
1. A sociedade "B", contribuinte n.º 504490370, tem por objecto social o fabrico e comercialização de artigos de vestuário e encontra-se registada em imposto sobre rendimento das pessoas colectivas e enquadrada, para efeitos de imposto sobre valor acrescentado, no regime normal de periodicidade trimestral;
2. O arguido "A", é o único sócio daquela sociedade, e quem exerce a administração e gerência;
3. No exercício dos poderes de gerência e em nome da sociedade, sua representada, praticou durante o período compreendido entre o 2º trimestre do ano de 1999 e o 3º trimestre do ano de 2002, operações tributáveis, tendo em tais operações procedido nos termos dos art.os 19º a 25º e 71º do CIVA, ao apuramento do imposto exigível e ao envio das declarações periódicas referidas no art.º 40º do CIVA;
4. Porem, durante tal período, o arguido formulou o desígnio de não enviar, juntamente com aquelas declarações periódicas, as prestações tributárias necessárias para satisfazerem totalmente o imposto de IVA que havia retido;
5. Assim, no âmbito de tal desígnio o arguido não enviou, a título de IVA, e referente ao período compreendido entre o 2º e 4º trimestre do ano de 1999, nos respectivos prazos legais, a quantia global de dez mil, trezentos e sessenta e um euros e oitenta e oito cêntimos ( € 10.361,88 );
6. De igual modo, não entregou o IVA que havia recebido durante o 1º ao 4º trimestre de 2000, à Fazenda Nacional no montante global de vinte e dois mil, oitocentos e trinta e cinco euros e oitenta e três cêntimos ( € 22.835,83 );
7. Procedeu, de igual forma, relativamente ao IVA que recebeu durante o período do 1º ao 4º trimestre, do ano de 2001, no montante global de dezassete mil, cento e noventa e três euros, e noventa e três cêntimos (16.193,93 € );
8. O mesmo aconteceu relativamente ao IVA, referente ao período do 1º ao 3º trimestre de 2002, no montante global de vinte e cinco mil, trezentos e cinquenta e cinco euros e quarenta e sete cêntimos ( € 25.355,47 );
9. O arguido apoderou-se assim, da quantia global de setenta e cinco mil, setecentos e quarenta e sete euros e doze cêntimos ( 75.747, 12 € ) de IVA, que sabia não ser sua pertença, mas sim da Fazenda Nacional, a quem deveria fazer entrega de tal imposto, nos respectivos prazos legais;
10. Dos montantes de IVA acima referidos, a cuja entrega nos cofres da Fazenda Nacional o arguido não procedeu, apenas pagou o IVA de seis mil, seiscentos e cinquenta e três euros e noventa e dois cêntimos (€ 6.653,92), referente ao 4º trimestre do ano 2000;
11. O arguido agiu livre, deliberadamente e conscientemente, actuando em representação da firma arguida e no âmbito da actividade comercial por esta desenvolvida;
12. A sociedade permanece em actividade, tendo ao seu serviço 16 trabalhadores;
13. A entrega dos montantes devidos a título de IVA não foi efectuada em virtude da sociedade ter sentido dificuldades financeiras, optando o arguido por pagar os salários dos trabalhadores que tinha ao seu serviço;
14. Para além das dívidas à Fazenda Nacional, não foram também efectuados pagamentos das contribuições devidas à segurança social;
15. A maquinaria da sociedade encontra-se penhorada à ordem de processos de execução fiscal;
16. O arguido é casado e tem três filhos, dois dos quais a seu cargo;
17. Aufere cerca de 700 € por mês;
18. A esposa trabalha por conta de outrem, auferindo cerca de 1.000 € por mês;
19. Residem em casa própria, pagando cerca de 800 € por mês para amortização do empréstimo contraído para aquisição da habitação;
20. O arguido não é portador de antecedentes criminais;
21. É uma pessoa socialmente integrada.

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Não há factos não provados.
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2.2. Motivação
A convicção do tribunal assentou nas declarações cabalmente confessórias do arguido – que assumiu por inteiro a prática dos factos – conjugadas com a análise dos documentos juntos aos autos. Explicou-se o arguido com a circunstância de a sociedade ter passado por algumas dificuldades durante os períodos assinalados, o que não lhe permitiu efectuar as entregas de IVA que sabia serem devidas.
No que toca aos antecedentes criminais do arguido, à sua condição económica, e à sua personalidade, o tribunal teve em consideração o crc junto aos autos, as suas declarações, e o depoimento das testemunhas por si indicadas, José M..., que lhe chegou a fornecer máquinas de costura, e José de C..., seu amigo há cerca de 18 anos.

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O objecto do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação por eles apresentada, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
O Digno Magistrado do MºPº na 1ª Instância entende que o recurso deve ser rejeitado por falta de conclusões. De resto, “foram (…) devidamente consideradas, ponderadas e sopesadas as pertinentes circunstâncias na fixação da medida concreta da pena”.
Também o Exmº Procurador Geral Adjunto, se bem interpretamos o seu douto parecer, entende que o recorrente não esclarece o sentido em que, em seu entender, as normas jurídicas violadas, que apenas indica nas conclusões, deveriam ser interpretadas, o que determina a rejeição do recurso. Considera, por isso, que não deve dar-se oportunidade ao recorrente para as aperfeiçoar já que a indicação das normas jurídicas violadas não consta da motivação. Por fim, defende que mesmo que assim se não entendesse, justificar-se-ia sempre a rejeição do recurso por manifesta improcedência pois “o recorrente parte de premissas sem qualquer esteio na fundamentação de facto, para impetrar uma pena, totalmente alheia à dosimetria que os factos provados impõe.

Comecemos pela questão levantada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto:
Na motivação, o recorrente expressamente refere que “o recurso é de direito e restringe-se à graduação da pena aplicada” e prossegue, considerando que o Tribunal a quoponderados os comandos do art.70 do CP, optou, e bem, pela pena de multa” a qual, porém, “é exagerada” porque face às circunstâncias atenuantes que indica, as necessidades de prevenção geral são apenas formais e as necessidades de prevenção especial são diminutas. Conclui, por isso, que “A conduta do arguido anda muito perto de ser abraçada pelos princípios de isenção da pena, da exclusão da ilicitude e da culpa e cabe na previsão do nº1 do artº72 do CP por forma a ter a pena especialmente atenuada”.
Nas conclusões, acima transcritas, afirma terem sido violados “os nºs 1 e 2 do art.105º do R.G.I.T. e os arts. 40, 71, nºs 1 e 2 e 72 do C.P.”.

O artº412º, sob a epígrafe “Motivação do recurso e conclusões”, dispõe:
1. A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
2. Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição:
a. As normas jurídicas violadas;
b. O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, e,
c. Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.
3. (…)
4. (…)
5. (…)
Os fundamentos do recurso são, como é óbvio, as causas, os motivos ou as razões por que se discorda da decisão.
Ora, como resulta até das partes da motivação acima transcritas, é fácil verificar que o recorrente apenas pretende recorrer de direito e que a sua discordância se limita à medida da pena, que considera exagerada. Embora concorde com a qualificação jurídica dos factos, considera que as circunstâncias da infracção, que enumera, têm peso suficiente para justificar a atenuação especial da pena e indica a norma de que o Tribunal a quo se deveria ter socorrido para o efeito – o nº1 do artº72º do C.P..
Assim, a motivação, contém, no essencial, o que é exigível.
Passando às conclusões, tal como a palavra diz, devem ser um resumo dos fundamentos e, sob pena de rejeição, devem conter a indicação das normas jurídicas violadas, a interpretação que erradamente, na perspectiva do recorrente, lhes foi dada e a que, também na sua perspectiva seria a correcta, ou seja, devem concretizar “o onde e o porquê se decidiu mal e o como se deve decidir” Simas Santos e Leal Henriques – Recursos em Processo Penal – 5ª Ed., pág.94. .
Ora, se, em regra, as conclusões de recurso pecam por serem demasiado extensas, muitas vezes limitando-se a reproduzir a motivação, no caso pecam por serem demasiado “resumidas”. Contudo, não se podem classificar de inexistentes. Nelas é indicada a norma violada – nºs 1 e 2 do artº72º do C.P. – e, implicitamente, a interpretação a dar-lhe - que a pena seja especialmente atenuada e, consequentemente, a condenação seja de 30 dias de multa, à taxa diária de e 5,00.
É, pois, de concluir que embora as conclusões não sejam modelares, também não é caso para serem rejeitadas. Por outro lado, não há necessidade de convidar o recorrente a aperfeiçoá-las dado que é perfeitamente perceptível a sua pretensão.
Perante o que fica exposto, improcede a questão prévia.


A única questão a decidir tem a ver com a dosimetria da pena - saber se, no caso, se justifica a sua atenuação especial:

Defende o recorrente que face à sua confissão e arrependimento, condição social, económica e familiar, às dificuldades por que passou a sociedade no período em causa, o facto de as quantias desviadas terem sido utilizadas para pagar salários aos trabalhadores, a sociedade ter a maquinaria penhora, continuar em actividade e ter conseguido pagar e 6 653,92 de IVA em falta, deveria beneficiar de uma atenuação especial.
O recorrente foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artº105º nº1 da Lei nº15/01. E o Tribunal a quo optou, fundadamente, pela aplicação deste regime, que considerou mais favorável que o RJIFNA.
Nas conclusões que, como é sabido, delimitam o âmbito do recurso, o recorrente não se insurge contra tal opção. Pelo contrário, concorda com ela. Por isso, a aplicação do regime do RGIT é questão que este Tribunal já não pode alterar, pois está a coberto do trânsito em julgado e como os regimes legais se aplicam em bloco, a ponderação sobre a atenuação especial da pena tem que ser feita à luz deste diploma, cujo artº22º preceitua, no seu nº2:

A pena será especialmente atenuada se o agente repuser a verdade fiscal e pagar a prestação tributária e demais acréscimos legais até à decisão final ou no prazo nela fixado.

No caso, é manifesto que as quantias não entregues ainda não foram totalmente repostas. Apenas foi reposta a quantia de € 6 653,92, de um total de € 75 747,12. Não se verificam, pois, os pressupostos da atenuação especial.
Nem mesmo esta se justifica ao abrigo da norma do artº72 do C.P., que no seu nº1 preceitua:
O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos especialmente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
Ora nenhuma circunstância, anterior ou posterior ao crime, susceptível de diminuir acentuadamente a ilicitude do facto e a culpa do agente e as exigências de prevenção, ficou provada. Com efeito, “A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Figueiredo Dias – Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, pág.306, §454.”.
Assim, a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais, em que as atenuantes assumam especial relevo poderá ter lugar, o que não é, manifestamente, o caso em apreço.
Por um lado, o contexto em que o crime ocorreu não assume relevância de maior. Trata-se, como de resto é habitual neste tipo de crimes, de uma situação em que a empresa passa por dificuldades económicas e as quantias de IVA são retidas e integradas no seu património (seja qual for o destino – para pagamento de salários aos trabalhadores, de fornecedores, aquisição de máquinas, etc.). Por outro lado, a situação económico-social do arguido/recorrente também não assume aquele carácter extraordinário, exigido pelo artº72º do C.P., até porque não se provou que tenha sido feito qualquer esforço da sua parte para saldar as dívidas.
Acresce que o facto de o recorrente não ter passado criminal é similar ao da generalidade das pessoas da sua faixa etária e situação social.
Não se justifica, também à luz daquele artº72º, a atenuação especial da pena.

Vejamos, então, se dentro da moldura penal abstracta a pena aplicada é justa e adequada:
A ilicitude como negação de valores juridico-criminais, atento o facto de se tratar de crime único, tem de reportar-se ao valor total não entregue, o qual é manifestamente relevante – € 75 747,12.
O dolo (directo) é intenso.
São também elevadas as razões de prevenção - não apenas a prevenção geral por o crime de abuso de confiança fiscal ser, actualmente, dos mais frequentes mas também pela necessidade de “promover a consciência ética fiscal” Anabela Rodrigues – Contributo para a fundamentação de um discurso punitivo em matéria penal fiscal – Direito Penal Económico e Europeu – Vol.II, pág.484. . Note-se que ainda hoje os agentes de infracções fiscais se sentem mais vítimas do que culpados, ao contrário dos demais países da União Europeia, onde essa falada consciência ética fiscal é elevada.
Por outro lado, e no que se refere à prevenção especial, os crimes fiscais, tal como todos os crimes de natureza económica, carecem, em regra, de ressocialização tanto como qualquer outro. Não é o status económico-social do agente, a “respeitabilidade” do seu modo de vida e a estabilidade da sua inserção comunitária que afasta essa necessidade, pois este tipo de crime revela, em princípio, um defeito de socialização Cfr. Figueiredo Dias – Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, §333, pág.244. , que se manifesta no desrespeito pelos trabalhadores e por todos os cidadãos que cumprem as suas obrigações fiscais.
São, pois, não só intensas as exigências de prevenção mas também as de ressocialização.
Por isso, do que o recorrente não se pode queixar é de que a pena é exagerada.

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DECISÃO:
Pelo exposto e em conclusão, acordam os juízes deste Tribunal, em julgar o recurso improcedente e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Fixa-se em 10 Ucs a taxa de justiça a cargo da recorrente.

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Guimarães, 11/04/05