Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6520/21.6T8GMR.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: NULIDADES DA SENTENÇA
CONTRATO DE EMPREITADA
FATURA
FORÇA PROBATÓRIA
MORA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- As decisões judiciais podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade: por se ter errado no julgamento dos factos e/ou do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estrutura, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder do julgador, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º do CPC.
II- A “fatura” é um documento comercial, meramente contabilístico, passado pelo vendedor ou pelo prestador de serviços, e que serve de suporte a atos comerciais de venda e entrega de produtos, ou de prestação de serviços, mas sem valor probatório pleno, pelo que não dispensa o vendedor ou o prestador de serviços, do ónus probatório dos factos constitutivos do seu direito, nomeadamente de que prestou os serviços incluídos na fatura, e de que o seu preço é devido.
III- Consagra-se no art.º 805º nº 1 do CC o princípio da essencialidade da interpelação ou a denominada mora ex persona (dependente de um ato de natureza não negocial), porquanto, estando em causa uma obrigação pura ou sem prazo, a constituição em mora apenas ocorre na sequência da interpelação do devedor para cumprir.
IV- A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, cabendo a este alegar e provar os danos sofridos – o que não aconteceu no caso dos autos.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Anizabel Sousa Pereira
2ª Adjunta: Margarida Alexandra Gomes
*
I- RELATÓRIO:

“EMP01..., Lda.”, melhor identificada nos autos, intentou contra “EMP02... Unipessoal, Lda.”, AA, BB, CC e DD, também todos melhor identificados nos autos, ação declarativa com processo comum, pedindo a condenação solidária dos RR a pagar-lhe a quantia global de € 268 528,94, bem como a que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, e a que vier a ser arbitrada a titulo de lucros cessantes, tudo acrescido de juros de mora, até efetivo e integral pagamento.
*
Alega para tanto que celebrou contrato de empreitada com a 1.ª R., em 4.2.2019, para construção de uma obra, pelo preço global de € 240.000.00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
Acontece que a 1ª R. suspendeu a execução dos trabalhos, sem os terminar, após ter apresentado à A a fatura n.º ...20, com data de 20 de julho de 2020, no valor de € 7.079,39, referente ao Auto 6, que a A. não pagou, por não aceitar aqueles montantes.
Daí que, em 17 de setembro de 2020, a A tenha enviado à 1.ª R. uma Interpelação/Notificação concedendo-lhe um prazo máximo de oito dias para que a informasse do andamento e conclusão de todos os trabalhos e respetiva entrega, e que decorrido tal prazo, se consideraria cessado o contrato e cessados os seus efeitos.
Mais a informava que já havia ordenado a elaboração de um Relatório Técnico sobre o estado da obra, a sua conformidade com o projeto aprovado e a execução e/ou desconformidade e defeitos, bem como o tempo necessário para a conclusão do edifício.
Em resposta a essa notificação, em 2.12.2020, a ré enviou à A a comunicação que constitui doc. 40 junto com a p.i., e na qual lhe dá conta de que a suspensão dos trabalhos ocorreu por falta de pagamento das faturas emitidas, cujo pagamento reclama.
E com data de 21 de dezembro de 2020, foi remetido pela A à 1.ª R. o referido Relatório Técnico, datado de 26/11/2020.
Entretanto, a A tratou de procurar empreiteiros a fim de dar continuidade àquela obra, corrigindo os defeitos elencados naquele relatório técnico, sendo que, após negociações, acabou por celebrar, em 25/11/2020 e 26/11/2020, contratos de empreitada com várias empresas, que indica, a quem pagou os valores peticionados.
*
Os Réus BB e DD contestaram, sustentando a sua ilegitimidade passiva, concluindo pela sua absolvição da instancia.
*
Também o réu CC suscitou a sua ilegitimidade passiva, concluindo também pela sua absolvição da instancia e do pedido.
*
“EMP02..., Unipessoal, Lda.” e AA também ofereceram contestação, sustentando a ilegitimidade passiva do réu AA, pois que não interveio no contrato celebrado, tendo apenas assinado o contrato na qualidade de representante legal da 1ª ré.
Invocam ainda a caducidade do direito da A relativamente aos alegados defeitos constantes do relatório técnico, enviado à Ré, por carta registada de 21/12/2020.
Dizem que a existirem os alegados defeitos e/ou desconformidades, os mesmos já eram do conhecimento da Autora, pelo menos desde ../../2020, data em que a Autora enviou a carta à 1ª ré, a imputar-lhe o “Incumprimento contratual”, pelo que, tendo a Autora dado entrada em juízo do presente processo em 09/12/2021, há muito que se mostrava decorrido o prazo de 1 ano estabelecido nos artigos 1224º e 1225º do Código Civil, para a reclamação dos eventuais defeitos da obra.
Mais aduzem que através das referidas comunicações a Autora não procedeu a uma enunciação expressa e específica dos alegados defeitos e/ou desconformidades da obra, pelo que não houve qualquer denúncia de defeitos pela Autora, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 1220º e ss. do CC.
Sem conceder, dizem que a existirem defeitos, não foi cumprida pela Autora a obrigação prevista no artigo 1221º do CC, exigindo do empreiteiro a sua reparação.
Alegam ainda ter prestado à Autora todos os serviços constantes do Auto 6 e do auto de trabalhos a mais – Auto 2, Proposta N.º ...58.2018 -, que deram origem, respetivamente, às faturas n.º ..., no montante global de 14.367,19€, ambas com vencimento em 31/07/2020, sendo que os referidos trabalhos e materiais foram efetuados e fornecidos, sem qualquer reclamação da Autora.
Sucede que as mencionadas faturas não foram pagas, nem na data do seu vencimento, nem em qualquer outro momento, apesar da A ter sido interpelada para proceder ao referido pagamento, por e-mails de 23/07/2020 e de 4/08/2020.
Daí que a 1ª Ré tenha comunicado pessoalmente ao dono de obra que, tendo em conta a falta de pagamento das mencionadas faturas, suspenderia os seus trabalhos na obra, o que fez.
Ainda assim, em resposta à comunicação que lhe foi enviada em 17 de setembro de 2020, a 1ª Ré relembrou a Autora que em virtude da falta de pagamento, no vencimento, das referidas faturas, suspendeu a execução da obra em questão, conforme documento junto aos autos com a petição inicial sob o n.º 40 – direito que lhe assistia, de acordo com as cláusulas 10ª, alínea c) e 13ª nº 3 do contrato de empreitada celebrado, e art.º 428º do CC.
 Acontece que nunca a Autora procedeu ao pagamento dos montantes em dívida, mantendo-se até ao presente em incumprimento, razão pela qual assiste à 1ª Ré o direito a não concluir os trabalhos, o que deverá ser reconhecido.
Impugnam ainda os factos alegados, concluindo pela improcedência da ação.
*
Deduzem ainda pedido reconvencional contra a A, dando como reproduzidos os factos alegados na contestação, aceitando a 1ª ré expressamente a confissão da A. de que não pagou os valores faturados, cujo valor reclama por via reconvencional.
Mais alegam que a 1ª Ré prestou à Autora todos os serviços constantes do auto 6, sem qualquer reclamação, melhor descritos no doc. 14 junto com a petição inicial, tendo sido emitida a respetiva fatura com o n.º ...20, no valor de 7.079,39€, enviada à A e com vencimento em 31/07/2020.
Acresce que a 1ª Ré prestou serviços extra à Autora, a seu pedido, nomeadamente os constantes do auto de trabalhos a mais 02 - Proposta N.º ...58.2018 -, serviços que foram efetuados e os materiais colocados, sem qualquer reclamação, tendo sido emitida a respetiva fatura com o n.º ...20, que a ré enviou à Autora, no valor de 7.287,80€, com vencimento em 31/07/2020.
Também a referida fatura não foi paga pela Autora, nem na data do seu vencimento, nem em qualquer outro momento, pelo que tem a 1ª Ré direito de exigir o pagamento das faturas nº ...20 e ...20, no montante global de 14.367,19€.
Pedem a final, em suma, que seja o Réu AA considerado parte ilegítima, com a sua absolvição da instância; que seja a ação julgada improcedente, com a consequente absolvição dos Réus do pedido; e que seja a Reconvenção julgada procedente, condenando-se a Autora a pagar à 1ª Ré a quantia de 14.367,19€, acrescida de juros de mora desde 31/07/2020 até integral pagamento.
*
A A veio apresentar Réplica à matéria da Reconvenção, reiterando que não pagou o montante de € 7.079,39, correspondente à fatura n.º ...20, de 20.7.2020.
Contudo, diz que não a pagou por não haver aceitação daqueles montantes, como melhor resulta das comunicações digitais havidas entre as partes.
Além disso, diz que com a apresentação daquele Auto n.º 6 e respetivo montante, pretendia a Ré dar a empreitada como concluída, recebendo a totalidade do preço, mas não concluindo a obra.
No que consta da fatura n.º ...20, no montante de € 7.287,80, datada de 11/07/2020, diz que a mesma não corresponde à realidade dos factos, desde a designação dos trabalhos, até aos montantes/preços atribuídos, e com os quais a A não concordou nem concorda, impugnando a mesma fatura, por não corresponder à verdade.
Conclui, a final, que não existe qualquer crédito a favor da reconvinte, pelo que não deve ser admitida a reconvenção.
*
Por requerimento de fls. 388 e ss, foi dada informação aos autos que “EMP02..., Unipessoal, Lda” e AA foram declarados insolventes.
*
Tramitados regularmente os autos, foi proferida, a final, a seguinte decisão:
“Nestes termos e face ao exposto, julgo totalmente improcedente a ação e totalmente procedente o pedido reconvencional e, em consequência, absolvo todos os Réus do pedido contra si formulado pela Autora, EMP01..., Lda., e condeno a Autora/Reconvinda EMP01..., Lda. no pagamento à 1ª Ré (reconvinte) da quantia de 14 367, 19 Euros, acrescida de juros de mora até integral pagamento (…).
Custas da ação e reconvenção pela Autora/Reconvinda…”.
*
Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a A interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1. O presente recurso tem como objecto, não só a reapreciação da matéria de Direito, mas também a reapreciação da matéria de facto, a qual implica, necessariamente, reapreciação da prova gravada.
2. Sendo delimitado (o recurso) à parte da decisão referente à absolvição dos RR. “EMP02... - Unipessoal Lda” e AA, bem como à condenação da A. como reconvinda, excluindo os restantes RR., nos termos do art.º 635.º do CPC.
3. Como questão prévia, aponta-se que A. apresentou no passado dia 10 de Outubro de 2023, recurso em separado, do douto despacho proferido pela M.ma Juiz do Tribunal a quo (Ref.ª ...80), que indeferiu a junção aos autos dos documentos apresentados através do requerimento com a Ref.ª ...44.
4. E deste recurso supra referido em 3., releva essencialmente o indeferimento de meio de prova essencial à descoberta da verdade material, nos termos explanados na peça processual ora junta.
5. (…)
6. No que respeita ao presente, é vertido na Douta sentença ora Recorrida: “Nestes termos e face ao exposto, julgo totalmente improcedente a ação e totalmente procedente o pedido reconvencional e, em consequência, absolvo todos os Réus do pedido contra si formulado pela Autora, EMP01..., Lda. e condeno a Autora/Reconvinda EMP01..., Lda. no pagamento à 1ª Ré (reconvinte) da quantia de 14 367, 19 Euros, acrescida de juros de mora até integral pagamento.”
7. Os Recorrentes submetem ao juízo crítico deste Tribunal da Relação, além da questão prévia assinalada, a apreciação das seguintes questões com as quais não podem, de todo, conformar-se:
A) – DAS NULIDADES E ERRO DE JULGAMENTO;
B) – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;
A) DAS NULIDADES E ERRO DE JULGAMENTO
8. Com o devido respeito, é manifesta e objectiva, desde logo, uma total contradição entre os factos provados 4.24, 4.25, 4.28 e 4.29 e o facto não provado 4.50, senão vejamos:
9. A M.ma Juiz a quo dá como provado que “a Gerência da A. solicitou a elaboração de Relatório Técnico, constando daquele relatório, os trabalhos que, na perspetiva do seu autor, seriam necessários para finalizar a obra e respetiva calendarização” (facto provado 4.24), “tendo a A. recebido a comunicação que constitui Doc. 40. aquele Relatório Técnico, datado de 26/11/2020” (facto provado 4.25), “bem como deu como provado que a Gerência da A. solicitou os Serviços de um Engenheiro Civil a fim de tratar da legalização/renovação do Alvará de Licença de Obras junto dos serviços de Urbanismo da Câmara Municipal ...” (facto provado 4.28), “acabando por obter o Alvará de Licença Especial para acabamentos de obras n.º 256/2021, registado em 9 de junho de 2021” (facto provado 4.29).
10. Sucede que dá como não provado que “a A. teve que contratar os serviços de um Técnico, Engenheiro Civil, a fim de elaborar o Relatório Técnico, ainda para desencadear todo o procedimento conducente à obtenção o Alvará de Licença Especial” (facto não provado 4.50).
11. Pelo que estamos perante uma clara e manifesta contradição entre a matéria de facto provada e a não provada.
12. Mais resulta da Douta Sentença recorrida como facto NÃO PROVADO “que a 1ª ré haja prestado à autora todos os serviços constantes do Auto 6 e do auto de trabalhos a mais 02, que deram origem às faturas nºs ..., no montante de 14 367,19 Euros, ambas com vencimento em 31/07/2020” (facto não provado 4.52);
13. MAS CONDENA A “A. no pagamento à 1ª Ré (reconvinte) da quantia de 14 367, 19 Euros, acrescida de juros de mora até integral pagamento”.
14. Ou seja, o Tribunal a quo dá como não provado que a 1ª ré haja prestado à autora todos os serviços que deram origem às faturas no montante de 14 367,19 Euros, mas condena a A. nesse pagamento, pelo que estamos perante uma total contradição entre a fundamentação e a decisão.
DESTARTE,
15. O supra referido a itens 8. a 15., desagua, em modesto entendimento, numa clara nulidade da decisão por oposição entre fundamentos e decisão, nos termos do art.º 615.º, n.º1, al. c), CPC.
16. E ainda que assim não fosse entendido, sempre estaríamos, pelo menos, perante um manifesto erro de julgamento que, também na esteira do facto provado 4.19 e do facto não provado 4.52, nunca poderia culminar na condenação da A./Reconvinda.
17. Reportando-nos agora a outra nulidade da decisão, em modesto entendimento, de salientar também que nunca os RR. em sede de contestação ou audiência alegaram que o abandono da obra se deveu à falta de pagamento. Contudo, afirma a Mma Juiz a quo em sede de motivação que “Sendo certo que, nos termos da clausula 10º, alínea c) do contrato de empreitada, a execução da obra pode ser suspensa por iniciativa do empreiteiro desde que por motivo imputável ao dono da obra e, nos termos da clausula 13ª, nº3:”caso a mora do dono da obra no pagamento de qualquer fatura ultrapasse 10 dias, contados da data do seu vencimento, poderá o empreiteiro abandonar a realização dos trabalhos ou suspendê-los até à data do integral pagamento’, pelo que, em face destas premissas, admitimos que essa possa ter sido a causa do abandono da obra por banda da ré.”(negrito e sublinhado nossos)
18. Pelo que estamos perante um manifesto excesso de pronúncia do Tribunal a quo, nos termos do art.º 615.º, n.º1, al. d), C.P.C.. sendo que “apreciou e tomou posição sobre questões de que não deveria conhecer, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso”, aliás na esteira do doutamente postulado pelo STJ em 30/09/2010, Proc. 341/08.9TCGMR.G1.S2.
19. Conforme também supra descrito, vislumbramos, concomitantemente, uma clara contradição entre a fundamentação e a decisão, pois o Tribunal a quo afirma que o não pagamento das facturas pode ter sido a causa do abandono e, simultaneamente, dá como não provado que os serviços das facturas foram prestados (facto não provado 4.52).
AINDA,
20. Salvo o devido respeito, verifica-se erro de julgamento, na medida em que a douta Sentença ignora totalmente a questão do incumprimento do prazo de conclusão da obra, e quanto à cominação constante da cláusula 14 do contrato de empreitada (facto provado n.º ...2), invocada a itens 88º a 99º da P.I., em consequência da qual foi deduzido o pedido da alínea C) (terceiro item) do pedido da petição inicial, tudo aliás como adiante explanado em sede de “impugnação da matéria de facto”.
21. Esta questão toma ainda maior relevância na medida em que o Tribunal afirma expressamente que o empreiteiro não terminou a obra: “…E, apesar de ter resultado do conjunto da prova, que o empreiteiro suspendeu/interrompeu os trabalhos, antes da obra estar totalmente concluída…facto é que o tribunal não apurou os motivos da suspensão/interrupção dos trabalhos.”
22. Ora, se não se apuraram os motivos, não pode afirmar-se, de modo algum, que este incumprimento seja imputável à A.
23. Como é bom de ver, o Tribunal a quo apurou que a obra não foi terminada pelo empreiteiro, sem daí retirar, como se lhe impunha, as devidas consequências legais, nomeadamente a de que ocorreu, in casu, o incumprimento definitivo do contrato (por abandono da obra), por parte do empreiteiro, com a correspondente obrigação de indemnizar.
24. Sendo que o incumprimento do prazo de execução da obra gerava a obrigação de indemnizar por parte dos RR., o que igualmente justificou os pedidos formulados na petição inicial a tal respeito.

B) – DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

25. Nos termos do artigo 640.º do CPC, a aqui Recorrente vem apontar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, considerando desde logo os pontos 4.48 a 4.50, inclusive, dos factos não provados.
26. No que respeita ao ponto 4.50 dos factos não provados, foi produzida prova mais do que suficiente para comprovar que a A. teve que contratar os serviços de um Técnico, Engenheiro Civil, a fim de elaborar o Relatório Técnico e para desencadear todo o procedimento conducente à obtenção do Alvará de Licença Especial.
27. E isso mesmo resulta, quer do Doc. 39 junto aos autos, quer do depoimento da testemunha EE (Minutos: 02:08 a 03:57 da gravação) – conforme transcrições supra expressas nas motivações.
28. E este relatório técnico é totalmente claro quanto à existência de defeitos na obra, cfr. doc. 39 junto aos autos.
29. No que respeita aos pontos 4.48 e 4.49 dos factos não provados, também há, em (nosso) modesto entendimento, prova suficiente para se concluir que, depois de pagar à 1.ª R. praticamente toda a empreitada, a A. teve que celebrar os contratos com os novos empreiteiros, a quem pagou.
30. Isso mesmo resulta, desde logo, da documentação junta aos autos, mormente docs. 10, 11, 12 (pagamentos à 1.ª R.) 47, 48, 49, 50, 51, 52 (contratos celebrados com novos empreiteiros), bem como o assente nos factos provados 4.30, 4.34 e 4.35.
31. E resulta também do depoimento da testemunha FF (Minutos: 00:12 a 00:47; 04:29 a 06:55; 10:15 a 11:55; 24:35 a 25:11 da gravação) – conforme transcrições supra expressas nas motivações.
32. De realçar que a questão relacionada com o facto não provado 4.49 está inquinada pela interpretação da M.ma Juiz a quo, que além de ter ignorado toda a prova supra referida, rejeitou também intempestivamente o requerimento de prova, cfr. recurso referido em 3, e constante da gravação Diligencia_6520-21.6T8GMR_2023-09-25_14-37-13 (Minutos 00:06 a 01:16).
33. Foi a própria M.ma Juiz a quo que convidou e determinou a junção desses documentos aos autos até ao início das alegações (14h30), tendo o requerimento dado entrada às 14h10, cfr. última página do doc. ora junto.
34. E coloca-se a questão: por que razão iria a M.ma Juiz convidar a parte a juntar documentos se estava já convicta de que, tal como consta da motivação, “o denominado ‘relatório técnico’ que a autora mandou elaborar (…) nenhum valor lhe pode ser atribuído para prova dos putativos defeitos”?
35. E se o entendimento assentava na ausência de prova dos defeitos, por que razão a M.ma Juiz convidou a A. a juntar, na parte final da audiência de Julgamento, documentos capazes de provar os gastos que teve com a contratação de novos empreiteiros para corrigir esses defeitos?
36. A reacção da M.ma Juiz na gravação referida a item 30. Da presente é elucidativa do que despoletou o ter dado como não provado o facto 4.49, o que não deveria ter acontecido, sendo que tal facto foi incorrectamente julgado e deveria ser dado como provado.
37. E ainda que tal prova fosse rejeitada, é por demais evidente que há prova bastante no que respeita aos contratos celebrados e, relativamente a “EMP03..., LDA.”, do pagamento de todas as quantias, pelo que, minime, tal parte deveria ser dada como provada.
38. Mas além disso, a decisão do Tribunal a quo é deficiente, pois que o acervo de factos dados como provados e como não provados não corresponde a tudo o que, de forma relevante, foi previamente alegado pelas partes e objecto de prova e de discussão em audiência final.
39. Há definitivamente factos que deveriam ter sido dados como provados, mas que foram totalmente ignorados:
40. Desde logo, toma especial relevância o facto de a 1.ª Ré ter abandonado a obra, sem terminar a obra e sem qualquer justificação legal.
41. Isto resulta do depoimento da testemunha GG (Minutos: 12:04 a 14:10 e 01:22:33 a 01:23:55 da gravação) –conforme transcrições supra expressas nas motivações, referindo nomeadamente que a obra estava executada a 60%, bem como da própria motivação de facto: “…o empreiteiro suspendeu/interrompeu os trabalhos, antes da obra estar totalmente concluída… Todavia, resulta da prova documental que a autora não pagou as faturas nº ..., nos valores de 7 079, 39 Euros e 7 287, 80 Euros, respetivamente. Sendo certo que, nos termos da clausula 10º, alínea c) do contrato de empreitada, a execução da obra pode ser suspensa por iniciativa do empreiteiro desde que por motivo imputável ao dono da obra… em face destas premissas, admitimos que essa possa ter sido a causa do abandono da obra por banda da ré.” (negrito e sublinhado nossos)
42. O Tribunal a quo conclui que a Ré abandonou a obra, mas a M.ma Juiz, por razões que são totalmente desconhecidas, admite que o não pagamento das facturas respeitantes a serviços que deu como não provados (facto não provado 4.52) possa ter sido a causa do abandono.
43. Questão que nem tão-pouco foi sequer levantada pelos próprios RR. em sede de contestação ou audiência, que nunca disseram que tal abandono se deveu à falta de pagamento, como já alegado.
44. O Tribunal a quo atesta que o empreiteiro suspendeu/interrompeu a obra e não deu como provado qualquer motivo para essa suspensão/interrupção, o que, independentemente de a M.ma Juiz entender que não havia defeitos nem foram comunicados, constitui per se um incumprimento do contrato.
45. Aqui, reveste-se de especial relevância o doutamente decidido pelos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, em 25/02/2021, Processo n.º 331/18.3T8TVR.E1, cujo teor se encontra transcrito em sede de motivações, mas que firma: “O empreiteiro apenas não terá de alegar e provar que concluiu a obra e que a entregou, se alegar e provar que o vencimento da obrigação de pagamento do preço, em face do acordado entre as partes, ocorreu em momento anterior ao da conclusão e entrega da obra. Porém, não consta da matéria provada que este orçamento tenha sido aceite pela Apelada, (…) pelo que apenas resultou provado que este foi o último orçamento enviado pela Apelante à Apelada, já não que o mesmo tenha sido aceite pela Apelada, e, concretamente, que tenha sido aceite quanto às condições de pagamento.”
46. Nesta esteira, de salientar ainda o facto não provado 4.53 (“Que tais trabalhos e materiais hajam sido efetuados e fornecidos sem qualquer reclamação por banda da autora”.)
47. E ainda que a bonomia da A. constituísse para si própria um prejuízo, permitindo à R. a conclusão dos trabalhos até ao dia ../../2020 (doc. 22), é inevitável concluir-se pelo incumprimento dos RR., pelo menos no que ao prazo de entrega concerne, que ocorreu pelo menos a partir daquele dia ../../2020.
48. Do depoimento da testemunha GG (Minutos: 12:04 a 14:10) resulta inequivocamente que a obra (se) iniciou antes da emissão do respectivo alvará, mais especificamente em Abril de 2019.
49. Não obstante, cfr. doc. 22 junto aos autos, foi concedido pela A. um prazo para terminus e conclusão dos trabalhos até ../../2020, isto é, mais de oito meses após a emissão do Alvará de Licença de Construção, apesar de resultar da prova feita em audiência de Julgamento que as obras iniciaram antes da emissão do Alvará.
50. Pelo que não se concede na fundamentação da M.ma Juiz no que respeita a “apesar de estar convencionado que o empreiteiro ficaria obrigado a concluir a obra até ../../2019, facto é que resulta da prova documental que o Alvará de Licença de Obras, só foi obtido em 06/08/2019”.
51. Ainda que fosse entendido que só a partir da obtenção do Alvará, em 06/08/2019, é que os RR. estariam em condições de executar a obra, a verdade é que 5 meses depois (ou seja, em 06/01/2020), a obra não estava terminada. Como não esteve em Fevereiro seguinte, nem Março, nem Abril.
52. Tal entendimento permitiria concluir que o empreiteiro ficaria ad eternum com a possibilidade de terminar a obra, sem que com isso pudesse ser sancionado, ao arrepio total da cláusula 14 do contrato de empreitada e do facto provado n.º ...2.
53. Pelo que deveria constar do elenco dos factos provados que a 1.ª Ré abandonou a obra sem a terminar, sem qualquer razão legal.
54. E conciliando com os documentos juntos aos autos, mormente o doc. 22, deveria ser dado como provado que a 1.ª Ré iniciou o incumprimento do prazo, pelo menos, desde ../../2020.
MAIS,
55. De referir que os doc.s 39 e 40, no sentido do depoimento da testemunha EE (Minutos: 02:08 a 03:57 da gravação) – conforme transcrições supra expressas nas motivações -, são cristalinos quanto à comunicação dos defeitos por parte da A. aos RR.
56. E no que concerne a esta questão da comunicação dos defeitos, não deixa de ser singular a conclusão da M.ma Juiz a quo em matéria de motivação: “Quanto ao cumprimento pela autora da obrigação a que alude o art. 1221º do C.C., consubstanciada na concessão à empreiteira da oportunidade de reparação dos defeitos, a matéria será decidida a nível jurídico, mas adiantámos que consideramos que essa obrigação não foi minimamente cumprida.”
57. Além de tudo quanto alegado concernente a esta matéria, salienta-se que, aquando do depoimento da testemunha GG, é a própria M.ma Juiz que interpela a Mandatária da 3.ª R., referindo-se à comunicação enviada pela A. em Setembro de 2020, em que informou a R. sobre a elaboração de relatório técnico para apurar os defeitos: “Oh Sr.ª Dr.ª, espere…não diz aí na carta que iam nomear alguém para aquilatar os defeitos? Então na data dessa carta não podiam conhecer a extensão dos defeitos…quiseram precisamente nomear para definir isso.”
58. Além disso, também resulta do depoimento da própria testemunha GG que houve comunicação dos defeitos - tudo constante da gravação (…).
59. Mas mais, é que da própria motivação de facto resulta que a testemunha GG referiu que “…detetaram alguns defeitos; comunicou ao Eng CC, por telefone e enviou fotografias”.
60. Sendo óbvio, como pareceu à M.ma Juiz a quo, que não era do conhecimento da A. a extensão dos danos, deveria constar do elenco dos factos provados que “a A. comunicou defeitos à R. e, após ter tido conhecimento do relatório técnico que determinou a extensão dos mesmos, comunicou essa mesma extensão.”
POR FIM,
61. E com o respeito que é devido, são demasiados os erros e incoerências da Douta Sentença, dificultando o próprio direito ao recurso por parte da aqui recorrente.
62. Aliás, conforme bem decidiram os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto em 04/05/2022, “Enferma de nulidade a decisão a que falte clareza e precisão na indicação da matéria de facto, pois uma deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados pode afectar a compreensibilidade do acervo fáctico que se tem por relevante para sustentar a decisão da causa, comprometendo o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspectiva, contendendo com o acesso à justiça e à tutela jurisdicional efectiva.”, o que vai alegado.
63. Num processo em que a A. sabe que as reais possibilidade de vir a ser ressarcida pelos avultados prejuízos que sofreu é praticamente nula, visto que os RR. aqui visados foram declarados insolventes, vê-se confrontada com uma decisão que, inexplicável e infundadamente, a condena a pagar à 1.ª R. a quantia ali referida.

DESTARTE,
64. Na esteira e além de tudo quanto alegado, no entender da Recorrente, padece de vício a Douta Sentença recorrida, por violação, nomeadamente, dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607.º, dando-se por verificado o postulado no n.º1, als. b), c) e d) do art.º 615.º, todos do C.P.C..
65. Normas estas que deveriam ser interpretadas a aplicadas no sentido de determinar, nomeadamente: - que foi contratado um Engenheiro Civil para elaborar relatório; que tal relatório continha os defeitos da obra e que foi comunicado aos RR; que os RR. abandonaram a obra sem a terminar e sem qualquer justificação legal; que os RR. entraram em incumprimento, pelo menos, a partir do dia ../../2020 até à data da resolução do contrato por parte da A.; que a A. teve que contratar novos empreiteiros para terminar a obra, despendendo quantias que não teria que despender, caso os RR. tivessem cumprido o contrato de empreitada; que a A/Recorrente nada deve à 1.ª Ré e nada lhe tem a pagar, a qualquer título.
TERMOS EM QUE, e nos mais de Direito que doutamente serão supridos, nos termos e para os efeitos dos art.ºs, entre outros, 607.º, n.ºs 4 e 5 e 615.º, n.º 1, al.s c) e d), deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, por via dele:
- Revogando-se a Sentença, sendo substituída por outra que jugue procedente o pedido; ou, caso assim se não entenda,
- Seja a Sentença anulada, para que seja fundamentada de facto e de direito, com ampliação da matéria de facto, suprimindo-se as deficiências da decisão de facto e as contradições da respetiva motivação…”.
*
Dos autos não consta que tenha sido apresentada Resposta ao recurso.
*
Remetidos os autos à primeira Instância para conhecer das nulidades suscitadas nas alegações de recurso, pela Sra. Juiz foi proferido o seguinte despacho:
“…Quanto às nulidades invocadas, consubstanciadas na alegada contradição entre os factos provados e não provados e no alegado excesso de pronuncia, entendemos que as mesmas não se verificam…”.
*
II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso de Apelação são as seguintes – por ordem lógica de conhecimento:

A - A de saber se a sentença proferida é nula (por contradição da decisão, e por excesso de pronúncia);
B - Se é de alterar a matéria de facto, no sentido pretendido pela recorrente;
C - E se é de alterar a decisão proferida, com a procedência do pedido e a improcedência do pedido reconvencional.
*
A enunciação das questões a decidir - por esta ordem (lógica) de conhecimento -, não coincide, como é facilmente percetível, com as questões suscitadas nos autos pela recorrente, nem com o pedido por ela formulado a final, em sede de conclusões de recurso.
No entanto, tal ordem de apreciação justifica-se, por razões de ordem prática.
Efetivamente, estabelece o art.º 663º, n.º 2 do CPC que “o acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos, e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607º a 612º”.
Estatui por sua vez o art.º 608º do mesmo código, intitulado “Questões a resolver – Ordem do Julgamento”, que “sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art.º 278º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica” (n.º 1) e que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras…” (n.º 2).
Como é bom de ver, são razões práticas, de economia e de celeridade processual que impõem a solução enunciada no n.º 1 do art.º 608º, dado que em caso de procedência de alguma exceção que leve à absolvição da instância, automaticamente fica prejudicado o conhecimento dos restantes fundamentos do recurso, invocados pelo apelante. Outrossim relativamente ao conhecimento de alguma questão colocada, que torne inútil o conhecimento das demais.
Dentro desta filosofia, compreende-se que sendo suscitadas nulidades da sentença, deverá conhecer-se dessas nulidades antes de se entrar no conhecimento dos restantes fundamentos do recurso, uma vez que a procederem as invocadas nulidades, tal poderá impedir, tornando inútil, o conhecimento daqueles outros fundamentos do recurso.
E o mesmo sucederá se for impugnada a matéria de facto, que a ser alterada, poderá levar a alterar a decisão jurídica em conformidade. Aliás, sem a fixação em definitivo da matéria de facto – provada e não provada -, não se poderá entrar na apreciação das questões jurídicas suscitadas pelos recorrentes.
Decorre assim do exposto, que tendo a apelante invocado a nulidade da sentença (com vários fundamentos) e impugnado a matéria de facto, se imponha conhecer, em primeiro lugar, dos invocados vícios, seguindo-se a apreciação da impugnação da matéria de facto – que deverá ser fixada, em definitivo, em sede de recurso -, para finalmente se passar a apreciar o mérito da causa - caso não proceda nenhuma das nulidades invocadas, que determinem a nulidade da decisão e impeça o tribunal de conhecer do objeto do recurso.
Feitas estas considerações prévias – que se impunham, em nosso entender, dada a forma como as conclusões de recurso se apresentam formuladas -, passemos então a conhecer das questões acima enunciadas.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Foram dados como provados na primeira Instância os seguintes factos:

“FACTOS PROVADOS ORIUNDOS DA P.I.,
4.1. A A. é uma sociedade comercial por quotas, que tem como objeto social o comércio de lareiras e outros artigos de aquecimento, serviços de pichelaria, instalações de gás e aquecimento central, ar condicionado, assistência e reparação técnica, energias renováveis, com o CAE Principal: 47593-R3 e CAE Secundário (1):43222-R3.
4.2. E tem a sua sede social, enquanto arrendatária, na Rua ..., ... ..., ....
4.3. A autora tornou-se proprietária de parcela de terreno para construção na Avenida ..., na freguesia ... (...), ....
4.4. Nesse entretanto, solicitou os serviços de uma Arquiteta, a quem encomendou os projetos de Arquitetura.
4.5. Bem como os de uma Engenheira Civil, a quem foram adjudicados os projetos de especialidade.
4.6. Projetos esses que foram submetidos aos Serviços de Ordenamento e Gestão Urbanística da Câmara Municipal .../Município ..., para os devidos e legais efeitos, nomeadamente para obtenção do Alvará de Licenciamento de obras.
4.7. A autora celebrou contrato de empreitada com a 1.ª R., tendo a 1ª Ré, em face daqueles projetos submetidos à apreciação da Câmara Municipal, apresentado o Orçamento, com o preço global de € 240.000.00 (duzentos e quarenta mil euros), acrescidos de IVA à taxa legal em vigor.
4.8. Contrato esse outorgado em 04 de Fevereiro de 2019, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, por questão de economia processual e para todos os efeitos legais.
4.9. Nos termos da cláusula 8.ª, n.º 1, daquele contrato, “a obra deverá ter início no dia 07/02/2019, ficando o empreiteiro obrigado a concluir a execução da construção do edifício… até ../../2019, contados da data de início dos trabalhos.”
4.10. Nos termos da cláusula 11.ª do contrato celebrado, o Empreiteiro/1.ª R., obrigou-se a realizar os trabalhos pelo valor de € 240.000,00 (duzentos e quarenta mil euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor, conforme Orçamento n.º ...18....
4.11. Em cumprimento da cláusula 12.ª do mesmo contrato, a A. entregou à 1.ª R. o cheque nº ...83, sacado sobre a Agência do Banco 1..., ..., datado de 08/04/2019 e apresentado a pagamento e descontado em 09-04-2019, titulando a quantia de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), tendo a 1.ª R. emitido a Fatura n.º ...19, com data de 22 maio de 2019.
4.12. Resulta da clausula 14ª, que regula os termos da implementação e regulamentação do estaleiro, que “Em caso de atraso na conclusão da obra na data acordada entre as duas partes, o empreiteiro fica responsável pelo pagamento de € 160,50 (cento e sessenta euros e cinquenta cêntimos), mais IVA, ao dono da obra”.
4.13. Nos termos da Cláusula 16.ª, “n.º 1- A direção da obra será assegurada pelos Engenheiros BB, com cédula profissional n.º ...80 e CC com cédula profissional n.º ...66, devidamente habilitados…”, ao qual acompanharão os trabalhos com a assiduidade exigível, comparecendo a todas as reuniões de obra juntamente com a fiscalização”.
4.14. O Alvará de Licença de Obras, só foi obtido em 06/08/2019, por 365 dias, com fim em 06/08/2020.
4.15. O Empreiteiro/1.ª R. apresentou a Fatura n.º ...19, datada de 27 maio de 2019, no montante de €43.350,55, correspondente ao AUTO DE TRABALHOS EXECUTADOS Nº 01, datado de 27 de Maio de 2019 e subscrito pela 4.ª Participada.
4.16. Aquele montante de €43.350,55, foi pago através de dois cheques, ambos sacados sobre o Banco 1..., a saber: cheque n.º ...30, titulando a quantia de € 20.000,00, datado de 2019-07-28, apresentado a pagamento e descontado no dia seguinte, 2019-07-29; cheque n.º ...48, titulando a quantia de €23.352,55, datado de 2019.08.28 e apresentado a pagamento e descontado no mesmo dia.
4.17. A 1.ª R. apresentou a Fatura n.º ...19, no montante de € 27.339,00, quantia que lhe foi paga pelo cheque n.º ...21, com data de 2019.12.15, mas descontado em 27.11.2019.
4.18. Aquando da apresentação pela 1ª ré do Auto 6, remetido por comunicação de 11 de Julho de 2020, a 1.ª R. informou a A.:
 TOTAL EXECUTADO ................................ € 249.263,28
 Desconto comercial (5,92%)……………………………. € 14.756,39
 TOTAL EXECUTADO COM DESCONTO COMERCIAL € 234.506,89
 FATURADO ............................................. € 227.427.50
 A FATURAR AUTO 6………………………………….€ 7.079,39;
4.19. No que concerne a “a faturar Auto 6”, a 1ª Ré emitiu a Fatura n.º ...20, com data de 20 de julho de 2020, que a A. não pagou por não haver aceitação daqueles montantes.
4.20. Com data de 17 de setembro de 2020, foi remetida à Gerência da 1.ª R. uma Interpelação/Notificação concedendo-lhe um prazo máximo de oito dias para que informasse do andamento e conclusão de todos os trabalhos e respetiva entrega.
4.21. Na mesma se informava que, decorrido que fosse tal prazo, se consideraria cessado o contrato e como cessados os seus efeitos.
4.22. Além disso, eram informados que já havia sido ordenada a elaboração de Relatório Técnico sobre o estado da obra, a sua conformidade com o projeto aprovado e a execução e/ou desconformidade e defeitos, bem como o tempo necessário para a conclusão do edifício.
4.23. Mais propriamente em 2 de outubro de 2020, foi interpelada a 4.ª R. para, em prazo nunca além de oito dias, se pronunciar sobre os Registos no Livro de Obra, que eram da sua responsabilidade e que nunca ocorreram.
4.24. A Gerência da A. solicitou a elaboração de Relatório Técnico, constando daquele relatório, os trabalhos que, na perspetiva do seu autor, seriam necessários para finalizar a obra e respetiva calendarização.
4.25. Com data de registo postal de 2.12.2020, recebeu a A. a comunicação que constitui Doc. 40.
4.26. Com data de 21 de dezembro de 2020, foi remetido à Gerência da 1.ª R. aquele Relatório Técnico, datado de 26/11/2020.
4.27. Bem como foi remetido aos restantes RR. para os sítios digitais: ..........@.....; ..........@.....; ..........@......,
4.28. Solicitou a Gerência da A. os Serviços de um Engenheiro Civil a fim de tratar da legalização/renovação do Alvará de Licença de Obras junto dos serviços de Urbanismo da Câmara Municipal ...,
4.29. Sendo que acabou por obter o Alvará de Licença Especial para acabamentos de obras n.º 256/2021, registado em 9 de junho de 2021.
4.30. E tratou de procurar empreiteiros a fim de dar continuidade àquela obra, corrigindo os defeitos elencados naquele relatório técnico.
4.31. Apresentou participação criminal contra os aqui RR., processo que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga-D.I.A.P. de V. N. Famalicão, sob o n.º 1264/21...., processo esse relativamente ao qual foi proferido despacho de arquivamento em 31/10/2022, considerando que os factos não integram a pratica de qualquer crime.
4.32. Bem como solicitou aos Serviços Municipais uma vistoria de Segurança e Salubridade sobre o estado daquela construção.
4.33. Vistoria essa que foi efetuada, cujo Auto foi notificado à A. por Ofício de 01-09-2021, Expedição n.º ...94/2021.
4.34. A A., foi efetuando negociações tendo em vista a continuidade e conclusão daquelas obras.
4.35. Após negociações, acabou por celebrar em 25/11/2020 e 26/11/2020, contratos de empreitada, com: a “EMP04..., L.DA”, Com “EMP03..., LIMITADA”, Com “EMP05..., L.DA”, Com EMP06..., Com “EMP07..., L.DA”.
4.36. A. apenas obteve o Alvará de Licença de construção no dia 06 de Agosto de 2019.
4.37. A A. apenas obteve o Alvará de Licença Especial para acabamentos de obras n.º 256/2021, em 9 de junho de 2021.

FACTOS PROVADOS ORIUNDOS DAS CONTESTAÇÕES:

4.38. Os contestantes BB e DD eram trabalhadores da 1ª ré, não tendo qualquer poder decisório em nome da mesma;
4.39. Enquanto trabalhadora da 1ª ré, a contestante BB organizava os trabalhos, elaborava autos de medição.
4.40. Nos termos da clausula 17ª do contrato de empreitada: “a fiscalização é da competência do dono da obra, nos termos da legislação vigente”.
4.41. Nos termos da clausula 10º, alínea c) do contrato de empreitada, a execução da obra pode ser suspensa por iniciativa do empreiteiro desde que por motivo imputável ao dono da obra;
4.42. Nos termos da clausula 13ª, nº3: “caso a mora do dono da obra no pagamento de qualquer fatura ultrapasse 10 dias, contados da data do seu vencimento, poderá o empreiteiro abandonar a realização dos trabalhos ou suspendê-los até à data do integral pagamento”.
4.43. A autora atribuiu os poderes de coordenação do projeto e fiscal de obra à Sra. Arquiteta HH;
4.44. O réu CC era trabalhador da 1ª ré, tendo procedido à denuncia do contrato de trabalho em ../../2020, com efeitos a partir de 16/10/2020, tendo a primeira ré assinado um contrato de estágio com duração de 9 meses e termino em 14/02/2019, tendo firmado contrato de trabalho, enquanto engenheiro, apenas em 26/02/2019;
4.45. O réu AA, assinou o contrato de empreitada celebrado entre a autora e 1ª ré, na qualidade de representante legal da 1ª ré;
4.46. As faturas nºs ..., no montante de 14 367, 19 Euros, ambas com vencimento em 31/07/2020, não foram pagas pela autora.
4.47. A 1ª ré interpelou a autora para proceder ao referido pagamento por e-mails de 23/07/2020 e 4/08/2020.

FACTOS NÃO PROVADOS

4.48. Que A., depois de pagar à 1.ª R. praticamente toda a empreitada, teve que celebrar os contratos com os novos empreiteiros, a quem pagou os montantes e respetivo IVA se discriminam:
- EMP04..., L.DA”, a quantia de 84 918, 56 Euos;
- A “EMP03..., LIMITADA”, a quantia de 38 874, 15 Euros;
- A “EMP05..., L.DA”, a quantia de 12 373, 80 Euros;
- A EMP06..., a quantia de 11 838, 75 Euros;
- A “EMP07..., L.DA”, a quantia de 3 911, 40 Euros;
4.49. Que a autora tenha pago a “EMP03..., LIMITADA”, na sequência dos trabalhos, a execução de caleiras, o montante de € 5.250,00, acrescido de IVA, € 1.207,50, o que perfaz € 6.457,50;
4.50. Que a A. teve que contratar os serviços de um Técnico, Engenheiro Civil, a fim de elaborar o Relatório Técnico, ainda para desencadear todo o procedimento conducente à obtenção do Alvará de Licença Especial, bem como para acompanhamento e supervisão de todos os trabalhos em obra.
4.51. Que a Autora teve que solicitar dos Técnicos autores dos projetos, Arquiteta e Engenheira Civil, trabalhos além dos inicialmente previstos e acordados,
4.52. Que a 1ª ré haja prestado à autora todos os serviços constantes do Auto 6 e do auto de trabalhos a mais 02, que deram origem às faturas nºs ..., no montante de 14 367, 19 Euros, ambas com vencimento em 31/07/2020;
4.53. Que tais trabalhos e materiais hajam sido efetuados e fornecidos sem qualquer reclamação por banda da autora”.
*
A- Das invocadas nulidades da decisão:

Invoca a recorrente a nulidade da decisão, por alegadamente padecer de vários vícios, que enuncia, mas sem grande rigor, adiantamos já.
Em jeito de esclarecimento, diremos o seguinte:
Como é sabido, as decisões judiciais, proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional, podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade: a) por se ter errado no julgamento dos factos e/ou do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação – por erro de julgamento; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estrutura, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder, à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º do CPC.
Os vícios determinativos de nulidade da sentença, que se encontram taxativamente enunciados no referido art.º 615º do CPC., reportam-se, assim, à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria decisão, ou seja, a vícios formais da sentença, ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.
Respeitam a vícios da estrutura da sentença, além do mais, os fundamentos enunciados na alínea c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e os enunciados na alínea d) - omissão de pronúncia – vícios apontados pela recorrente.
Trata-se de vícios que afetam formalmente a sentença, porque a argumentação usada (nos fundamentos) conduz logicamente a resultado oposto ao adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou porque se faz uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender resolver questões de que não podia conhecer-se (excesso de pronúncia).
Diversos desses vícios formais, são os erros de julgamento, os quais contendem já com a decisão de mérito, quer decorrentes de uma distorção da realidade factual (erro na apreciação da matéria de facto), quer decorrentes de uma errada aplicação do direito (erro na subsunção dos factos ao direito, ou erro na própria aplicação dos institutos jurídicos), de forma que o decidido não corresponde à realidade normativa devida/correta.
*
Isto posto, vejamos então se se verificam as nulidades da sentença que lhe são apontadas pela recorrente.
*
Considera desde logo a recorrente que existe nulidade da sentença, por manifesta contradição entre a matéria de facto provada e a não provada, mais concretamente, entre os factos provados 4.24, 4.25, 4.28 e 4.29 e o facto não provado 4.50.
Como se referiu acima, os vícios da decisão da matéria de facto nunca constituem causa de nulidade da sentença, desde logo por falta de inserção de tal vício nos vícios taxativamente elencados no nº1 do art.º 615º do CPC, que apenas se referem à falta de fundamentação (alínea b) e à contradição entre os fundamentos e a decisão (alínea c).
Ora, não é de nenhuma dessas situações que se trata.
A decisão da matéria de facto pode constituir, isso sim, um erro de julgamento (da matéria de facto), encontrando-se a mesma sujeita a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição dessa decisão, ou a falta da sua motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo, designadamente, a atuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos previstos nos n.º 1 e 2 do art.º 662º do CPC.
É nessa perspetiva, à luz do que dispõe a alínea c) do nº 2 do art.º 662º do CPC, que se apreciará a questão suscitada.
É certo que a deficiência, obscuridade ou contradição da decisão da 1ª instancia sobre pontos determinados da matéria de facto – a existir -, pode conduzir à anulação da decisão pelo tribunal da Relação, quando do processo não constarem todos os elementos necessários para a sua alteração (art.º 662º, nº 2, alínea c) do CPC), não distinguindo a lei a contradição entre factos provados e não provados.
Mas essa contradição, estamos em crer, só tem relevância prática tratando-se de factos provados.
Como decorre do disposto no n.º 3 do art.º 607.º do CPC, no que respeita aos fundamentos da sentença, “seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”.
 Ou seja, na sentença só podem ser tomados em conta ou valorados os factos provados; os factos não provados são inexistentes para efeitos da decisão jurídica da causa. É apenas no ónus da prova que se repercutem os efeitos da decisão negativa, ou seja, não tendo a parte suportado com o ónus da prova, a causa será julgada como se o facto não existisse (Vaz Serra “Provas – Direito Probatório Material” – BMJ, 112, pág. 113).
Além disso, não é permitido concluir de um facto não provado o seu contrário. Como refere o Ac. do STJ de 27-09-2007 (disponível em www.dgsi.pt), “a significância de resposta(s) negativa(s) a n.º(s) da base instrutória não é a demonstração do(s) factos(s) contrários(s) aos(s) objecto(s) do(s) preditos(s) n.º(s), tudo se passando como se não tivesse sido alegada a materialidade fáctica naquele(s) vazada”.
Dito de outro modo, da resposta negativa a um facto, apenas resulta que se não provou esse facto, mas não se demonstra o contrário, tudo se passando como se aquele facto não tivesse sido articulado ou fosse inexistente - e daí a irrelevância prática da arguição de contradição entre factos provados e não provados, sobretudo se nenhuma consequência jurídica for retirada dessa materialidade de facto.
Donde, e reportando-nos agora ao caso dos autos, a resposta negativa, de “não provado” dada pelo tribunal recorrido ao facto vertido no ponto 4.50 não tem qualquer relevância prática, atendendo ao que ficou a constar dos demais factos provados relacionados com essa questão.
De resto, analisada a sentença proferida, nela verificamos que apenas os factos provados foram tomados em consideração e tidos como relevantes para a decisão da causa; não o facto não provado ora mencionado, pelo que se mostra desnecessária a apreciação da alegada contradição, por manifesta inutilidade da mesma.
*
Mais alega a recorrente que a sentença recorrida é nula por oposição entre os fundamentos e a decisão, nos termos do art.º 615.º, nº1, al. c), CPC.
Mas acrescenta: ainda que assim não fosse entendido, sempre estaríamos perante um manifesto erro de julgamento.
Diz concretamente, que na sentença recorrida consta como “Não provado” que a 1ª ré haja prestado à autora todos os serviços constantes do Auto 6 e do auto de trabalhos a mais 02, que deram origem às faturas nºs ..., no montante de € 14 367,19, ambas com vencimento em 31/07/2020, mas condena a A no pagamento à 1ª Ré (reconvinte) na quantia de € 14 367, 19, acrescida de juros de mora até integral pagamento.
Diz que estamos perante uma total contradição entre a fundamentação e a decisão.
Mas erradamente, pois do que se poderá tratar aqui é de um erro de julgamento – de errada subsunção dos factos às normas legais ou ao mau juízo sobre a apreciação dos factos.
Como acima se deixou dito, o que releva para efeitos de nulidade da decisão, é a sua deficiência em termos formais, que no caso se traduz num erro de raciocínio lógico.
Efetivamente, nos termos do art.º 615º nº1, alínea c), “a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão…”, o que nos remete para o princípio da coerência lógica da sentença, não podendo haver entre os fundamentos e a decisão contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontavam os seus fundamentos.
Como se disse, as nulidades da decisão são vícios intrínsecos da própria decisão; são deficiências da estrutura da sentença que não se podem confundir com o erro de julgamento, o qual se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjetivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, respeita o silogismo entre os fundamentos e a decisão, mas decide mal. Ou seja, resolve as questões que lhe são colocadas num determinado sentido, porque interpretou e/ou aplicou mal o direito (Ac. RC de 15.4.08, e Ac. RE de 3.11.2016, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Perante o exposto, fácil é concluir que não se verifica a nulidade da decisão proferida, pois o raciocínio lógico seguido no corpo da decisão (ou nos seus fundamentos) conduziu à improcedência da ação e à procedência da reconvenção, não se verificando por isso qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão.
O que poderá ter ocorrido é um erro de julgamento, a ser apreciado no momento oportuno.
*
Invoca ainda a recorrente a nulidade da decisão por excesso de pronúncia, dizendo que nunca os RR. em sede de contestação ou audiência alegaram que o abandono da obra se deveu à falta de pagamento. Contudo, afirma a Sra. Juiz em sede de motivação da matéria de facto que “Sendo certo que, nos termos da clausula 10º, alínea c) do contrato de empreitada, a execução da obra pode ser suspensa por iniciativa do empreiteiro desde que por motivo imputável ao dono da obra e, nos termos da clausula 13ª, nº3, caso a mora do dono da obra no pagamento de qualquer fatura ultrapasse 10 dias, contados da data do seu vencimento, poderá o empreiteiro abandonar a realização dos trabalhos ou suspendê-los até à data do integral pagamento, pelo que, em face destas premissas, admitimos que essa possa ter sido a causa do abandono da obra por banda da ré.
Conclui assim que o tribunal recorrido apreciou e tomou posição sobre questões de que não podia tomar conhecimento, designadamente porque não foram levantadas pelas partes e não eram de conhecimento oficioso.
Além disso, diz que vislumbra também uma clara contradição entre a fundamentação e a decisão, pois o tribunal afirma que o não pagamento das faturas pode ter sido a causa do abandono e, simultaneamente, dá como não provado que os serviços das faturas foram prestados.
Mas não se verificam as invocadas nulidades.
Dispõe efetivamente o art.º 615º, n.º 1, al. d) que “a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse conhecer, ou quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Os vícios a que este preceito se reporta – omissão e excesso de pronúncia -, encontram-se em consonância com o comando do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Trata-se da concretização prática do princípio do dispositivo, ainda muito enraizado entre nós, segundo o qual “o processo é negócio das partes”, princípio esse do qual decorre que cabe às partes, através do pedido, causa de pedir e defesa, circunscreverem o thema probandum e o thema decidendum.
Como consequência desse princípio, deve o tribunal conhecer de todas as questões que lhe sejam submetidas pelas partes, e apenas delas (art.º 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos, e de todas as causas de pedir e exceções invocadas e, bem assim, de todas as exceções que oficiosamente lhe cabe conhecer.
Não estão aqui incluídas, naturalmente, as considerações, as justificações ou os motivos determinantes do julgador para a apreciação dessas questões, que constituem a fundamentação da decisão – quer de facto, quer de direito.
Mais uma vez, a errada apreciação da matéria de facto, ou a errada apreciação da matéria de direito subsumem-se a erros de julgamento, e não a nulidades da sentença, por omissão ou excesso de pronúncia.
Nesta conformidade, improcede na totalidade a questão da nulidade da sentença, a qual não padece dos vícios que lhe são imputados pela recorrente.
*
B) – Da Impugnação da Matéria de facto:

Insurge-se também a recorrente contra a decisão da matéria de facto, mais concretamente contra os pontos 4.48 a 4.50, inclusive, dos factos não provados, que considera incorretamente julgados, indicando a prova que no seu entender levariam a dar tais factos como provados.
É a seguinte a matéria de facto dada como não provada (que reproduzimos, para melhor compreensão):
“4.48. Que A., depois de pagar à 1.ª R. praticamente toda a empreitada, teve que celebrar os contratos com os novos empreiteiros, a quem pagou os montantes e respetivo IVA, e se discriminam:
- EMP04..., L.DA”, a quantia de 84 918, 56 Euos;
- A “EMP03..., LIMITADA”, a quantia de 38 874, 15 Euros;
- A “EMP05..., L.DA”, a quantia de 12 373, 80 Euros;
- A EMP06..., a quantia de 11 838, 75 Euros;
- A “EMP07..., L.DA”, a quantia de 3 911, 40 Euros;
4.49. Que a autora tenha pago a “EMP03..., LIMITADA”, na sequência dos trabalhos, a execução de caleiras, o montante de € 5.250,00, acrescido de IVA, € 1.207,50, o que perfaz € 6.457,50;
4.50. Que a A. teve que contratar os serviços de um Técnico, Engenheiro Civil, a fim de elaborar o Relatório Técnico, ainda para desencadear todo o procedimento conducente à obtenção do Alvará de Licença Especial, bem como para acompanhamento e supervisão de todos os trabalhos em obra”.
*
Relacionados com os factos impugnados - dados como não provados -, foram dados como provados os seguintes:
“4.18. Aquando da apresentação pela 1ª ré do Auto 6, remetido por comunicação de 11 de Julho de 2020, a 1.ª R. informou a A:
 TOTAL EXECUTADO ................................ € 249.263,28
 Desconto comercial (5,92%)……………………………. € 14.756,39
 TOTAL EXECUTADO COM DESCONTO COMERCIAL € 234.506,89
 FATURADO ............................................. € 227.427.50
 A FATURAR AUTO 6………………………………….€ 7.079,39;
4.24. A Gerência da A. solicitou a elaboração de Relatório Técnico, constando daquele relatório, os trabalhos que, na perspetiva do seu autor, seriam necessários para finalizar a obra e respetiva calendarização.
4.26. Com data de 21 de dezembro de 2020, foi remetido à Gerência da 1.ª R. aquele Relatório Técnico, datado de 26/11/2020.
4.28. Solicitou a Gerência da A. os Serviços de um Engenheiro Civil a fim de tratar da legalização/renovação do Alvará de Licença de Obras junto dos serviços de Urbanismo da Câmara Municipal ...,
4.30. E tratou de procurar empreiteiros a fim de dar continuidade àquela obra, corrigindo os defeitos elencados naquele relatório técnico.
4.34. A A., foi efetuando negociações tendo em vista a continuidade e conclusão daquelas obras.
4.35. Após negociações, acabou por celebrar em 25/11/2020 e 26/11/2020, contratos de empreitada, com: a “EMP04..., L.DA”, Com “EMP03..., LIMITADA”, Com “EMP05..., L.DA”, Com EMP06..., Com “EMP07..., L.DA”.
                                                           *
Pretende desde logo a A que se dê como provado que pagou à 1.ª R. praticamente toda a empreitada, o que constitui, manifestamente, um facto conclusivo, sendo certo que ficou provado no ponto 4.18 o resumo dos pagamentos efetuados e dos que faltava efetuar:
 TOTAL EXECUTADO COM DESCONTO COMERCIAL € 234.506,89
 FATURADO ............................................. € 227.427.50
 A FATURAR AUTO 6………………………………….€ 7.079,39.
Ora, reclamando a 1ª ré da A apenas o valor daquela fatura - e o valor da fatura nº ...77 relativa a trabalhos “a mais” -, essa era a única realidade que poderia dar-se como provada, ou seja, o valor da empreitada, os pagamentos efetuados e os valores em falta.
A conclusão sobre o demais, isto é, sobre se a A havia efetuado ou não a totalidade dos pagamentos, haveria de ser feita mais adiante, aquando da apreciação da matéria de facto, e do seu enquadramento jurídico, nomeadamente a nível de cumprimento ou incumprimento da obrigação da A.
*
Quanto à demais matéria de facto impugnada, consideramos que foi dada como provada a única matéria com ela relacionada, cuja prova a A logrou fazer, e que acima discriminamos:
- Que a Gerência da A. solicitou a elaboração de um Relatório Técnico, constando do mesmo os trabalhos que, na perspetiva do seu autor, seriam necessários para finalizar a obra e respetiva calendarização;
- Que com data de 21 de dezembro de 2020, foi remetido à Gerência da 1.ª R. aquele Relatório Técnico, datado de 26/11/2020;
- Que a Gerência da A. solicitou os Serviços de um Engenheiro Civil a fim de tratar da legalização/renovação do Alvará de Licença de Obras junto dos serviços de Urbanismo da Câmara Municipal ...;
- E que tratou de procurar empreiteiros a fim de dar continuidade àquela obra, corrigindo os defeitos elencados naquele relatório técnico.
- Que a A, foi efetuando negociações tendo em vista a continuidade e conclusão daquelas obras;
- E que após negociações, acabou por celebrar em 25/11/2020 e 26/11/2020, contratos de empreitada, com a “EMP04..., L.DA”; Com “EMP03..., LIMITADA”; Com “EMP05..., L.DA”; Com EMP06...; e Com “EMP07..., L.DA”.
Ficou apenas por demonstrar, como se vê do confronto da matéria de facto provada e não provada, o valor dos pagamentos alegadamente efetuados às respetivas entidades, cuja prova a A não logrou fazer.
E nesta parte temos de aderir às considerações feitas pela Sra. Juiz na motivação da decisão da matéria de facto, de que a A não juntou comprovativo do pagamento dos trabalhos contratados, nem dos respetivos recibos – prova necessária para comprovar os pagamentos efetuados -, sendo certo que os documentos que a A pretendeu juntar já no final da audiência de julgamento, foram recusados pelo tribunal recorrido (decisão com a qual a A se conformou, como resulta dos autos).
Assim sendo, do confronto dos factos dados como provados com os dados como não provados resulta que no essencial, a materialidade impugnada se mostra assente, não tendo a A logrado provar documentalmente a matéria de facto relacionada com os pagamentos efetuados.
*
Alega ainda a recorrente que há factos alegados que deveriam ter sido dados como provados e não foram.
- Diz que toma especial relevância o facto de a 1.ª Ré ter abandonado a obra, sem a terminar, e sem qualquer justificação legal.
Sobre este facto, ficou a constar do ponto 4.20 que “Com data de 17 de setembro de 2020, foi remetida à Gerência da 1.ª R. uma Interpelação/Notificação concedendo-lhe um prazo máximo de oito dias para que informasse do andamento e conclusão de todos os trabalhos e respetiva entrega”, e ficou a constar do ponto 4.25 que “Com data de registo postal de 2.12.2020, recebeu a A. a comunicação que constitui Doc. 40”, da qual consta que a 1ª ré assume ter suspendido os trabalhos na obra, por falta de pagamento das faturas nº ...77 e ...78, cujo pagamento reclama nessa comunicação.
Resulta assim da conjugação desses dois factos – provados –, que houve uma suspensão dos trabalhos por parte da 1ª ré, causada, assumidamente, pelo não pagamento das aludidas faturas.
Donde, consideramos que não ficou tal facto por considerar na descrição da matéria de facto.
*
Diz ainda a recorrente que deveria constar do elenco dos factos provados que a A. comunicou defeitos à R. e, após ter tido conhecimento do relatório técnico que determinou a extensão dos mesmos, lhe comunicou essa mesma extensão.
Não encontramos, no entanto, na análise dos articulados apresentados pela A – petição e réplica –, qualquer descrição e individualização dos defeitos verificados na obra, assim como a alegação de que os mesmos tenham sido comunicados à 1ª ré – o que deveria ter sido feito por via documental (dado o caráter formal da denúncia dos defeitos).
A única alegação que vemos efetuada pela A – e que obteve consagração na descrição da matéria de facto -, foi a de que “4.22. Além disso, eram informados que já havia sido ordenada a elaboração de Relatório Técnico sobre o estado da obra, a sua conformidade com o projeto aprovado e a execução e/ou desconformidade e defeitos, bem como o tempo necessário para a conclusão do edifício”; 4.24. A Gerência da A. solicitou a elaboração de Relatório Técnico, constando daquele relatório os trabalhos que, na perspetiva do seu autor, seriam necessários para finalizar a obra e respetiva calendarização”; “4.26. Com data de 21 de dezembro de 2020, foi remetido à Gerência da 1.ª R. aquele Relatório Técnico, datado de 26/11/2020”; “4.30. E tratou de procurar empreiteiros a fim de dar continuidade àquela obra, corrigindo os defeitos elencados naquele relatório técnico”.
Resulta assim do exposto que foi considerada na matéria de facto (provada e não provada) toda a matéria de facto alegada pela A, com relevância na decisão da causa.
*
C- Da procedência da ação e da improcedência da Reconvenção:
Insurge-se finalmente a recorrente contra a decisão recorrida, que absolveu os RR do pedido e a condenou no pedido reconvencional, pugnando pela procedência da ação e pela improcedência da Reconvenção.
Vejamos:
Começamos por dizer que aderimos integralmente às considerações vertidas na sentença recorrida quanto ao enquadramento jurídico da situação factual, que se reconduz a um contrato de empreitada celebrado pelas partes (A e 1ª Ré).
Consta da sentença recorrida o seguinte:
“Em causa nos presentes autos está um contrato mediante o qual a 1ª Ré se obrigou a proceder a determinados trabalhos de construção civil, a pedido da autora, e contra o pagamento, por esta, de uma determinada soma em dinheiro. Podemos, assim, concluir que estamos em presença de um contrato de empreitada, conforme é definido pelo art.º 1207º, do Código Civil, nos termos do qual “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço (…).
Pelo contrato de empreitada, uma das partes – o empreiteiro – obriga-se à realização de uma obra, a qual deve ser entendida como construção, modificação ou reparação de coisas corpóreas materiais (todas aquelas que sejam tangíveis pelos sentidos e captáveis pela visão (Cfr., neste sentido, Pedro Romano Martinez, op. cit., págs. 386 a 393). Por seu turno, a outra parte – o dono da obra – obriga-se ao pagamento do preço, ou seja, de um valor expresso em moeda corrente (vide, autor e op. cit., págs. 393 a 394).
Assim, a prestação a que a 1ª Ré se obrigou integra perfeitamente o conceito de obra (…). Encontra-se, pois, verificada a ocorrência de um acordo com o objeto típico de um contrato de empreitada. Por outro lado, também resulta pacífico que foi convencionado um preço, o que permite integrar o segundo elemento do referido contrato, caracterizado pela sua onerosidade.
Há, pois, que retirar dos referidos factos e qualificação o consequente regime jurídico, que se traduz na criação de um vínculo obrigacional entre empreiteiro e dono da obra, nos termos do qual o primeiro se obriga a realizar uma determinada obra e o segundo a pagar um preço como contrapartida da mesma (…). No caso dos autos, afigura-se demonstrado que as partes convencionaram qual o preço a pagar pela obra realizada (…).
Conforme estabelece o art.º 406º, nº 1, do Código Civil, “O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei…”.
*
E o primeiro problema que nos surge desde logo é o do possível incumprimento do contrato por parte da A.
Foi efetivamente com a apresentação pela 1ª ré à A do Auto 6, em 11 de julho de 2020, informando-a, além do mais, que o valor a faturar era de € 7.079,39 – e com a emissão da fatura n.º ...20, com data de 20 de julho de 2020 -, que a situação de incumprimento se despoletou, uma vez que a A. não pagou aquela fatura, por não aceitar aqueles montantes (factos provados 4.18 e 4.19).
Consequentemente, foi esta situação – de não pagamento da fatura -, que levou a ré a suspender a execução dos trabalhos (como decorre, de forma expressa, da carta que enviou à A em 2.12.2020, que constitui doc. 40, junto aos autos pela A) (facto provado em 4.25).
Ou seja, a um incumprimento da A, de não pagamento da fatura nº ...78, segue-se um incumprimento da ré, na suspensão dos trabalhos que se havia comprometido a realizar no contrato de empreitada celebrado.
E ambas as partes imputam à outra, respetivamente, o incumprimento do contrato, cada uma excecionado a falta da sua prestação com o incumprimento da parte contrária.
Quanto à falta de pagamento por parte da A da fatura nº ...78, temos de concordar com a mesma, que tendo ela questionado os serviços faturados, assim como os respetivos montantes, era a ré que deveria demonstrar a contratação daqueles serviços; que eles foram efetivamente prestados; e que o valor faturado correspondia à prestação dos mesmos.
Ou seja, ficou provado que as faturas nºs ..., no montante global de € 14 367, 19, ambas com vencimento em 31/07/2020, não foram pagas pela autora. E que a 1ª ré interpelou a autora para proceder ao referido pagamento por e-mails de 23/07/2020 e 4/08/2020. E que nos termos da clausula 13ª, nº3: “caso a mora do dono da obra no pagamento de qualquer fatura ultrapasse 10 dias, contados da data do seu vencimento, poderá o empreiteiro abandonar a realização dos trabalhos ou suspendê-los até à data do integral pagamento”.
No entanto, nos termos da clausula 10º, alínea c) do contrato de empreitada, a execução da obra pode ser suspensa por iniciativa do empreiteiro, desde que por motivo imputável ao dono da obra.
Ora, não logrou a ré provar, como lhe competia, que o não pagamento das faturas era imputável ao dono da obra, ou seja, haveria a ré que demonstrar que os serviços faturados eram devidos – porque foram prestados –, assim como os montantes correspondentes.
Não lhe bastava demonstrar, como fez, que apresentou as faturas à A, reclamando dela o seu pagamento, como se fosse obrigação da A efetuar tal pagamento sem questionar os serviços faturados e o respetivo montante.
Como temos vindo a defender (com apoio doutrinal e jurisprudencial), a simples emissão das faturas e a sua apresentação a pagamento não é suficiente para a prova de que o valor faturado seja devido; haverá a credora dos serviços faturados de efetuar essa prova com recurso a outros meios.
Como é sabido, a “fatura” é um documento comercial, meramente contabilístico, passado pelo vendedor ou pelo prestador de serviços, e que serve de suporte a atos comerciais de venda e entrega de produtos, ou de prestação de serviços.
Acontece que não existe no direito comercial qualquer regra específica que liberte o vendedor ou o prestador de serviços, do ónus probatório dos factos constitutivos do seu direito, nomeadamente de que prestou os serviços incluídos na fatura, e da entidade a quem os prestou; daí estar o vendedor ou prestador dos serviços submetido ao regime geral probatório do art.º 342º nº 1 do Código Civil.
Assim sendo, para provar o seu direito de crédito (no caso de o mesmo ser impugnado pela parte a quem esse direito é oposto), tem o credor que o comprovar, podendo fazê-lo judicialmente por qualquer meio de prova, designadamente através de prova testemunhal, por forma a validar e confirmar os documentos impugnados (Ac. da Relação do Porto, de 29.01.2009, disponível em www.dgsi.pt).
Ademais, como se decidiu no Ac. citado, “compete ainda ao vendedor provar que os bens fornecidos foram encomendados pelo comprador, por se tratar de facto constitutivo do seu direito de crédito. Sendo impugnado que se trata de bens encomendados pelo comprador ao vendedor, este, para provar o seu direito de crédito, terá de fazer juntar nota de encomenda ou fatura, mas devidamente assinada pelo comprador ou qualquer outro documento assinado por este, onde ele, direta ou indiretamente, confirme o fornecimento ou reconheça a divida…”
Como se decidiu também no Ac. da Relação de Lisboa de 04.02.2010, (também disponível em www.dgsi.pt) “No domínio das relações comerciais, a apresentação de faturas não acarreta a inversão do ónus da prova previsto no direito civil – art. 3º do CCom, 342º e 344º in fine do CC”.
Por isso, a força probatória do documento particular em causa (faturas) circunscreve-se às declarações – de ciência ou de vontade –, que dele constam, como feitas pelo seu subscritor, não fazendo o mesmo prova plena dos factos nele narrados como praticados pelo seu autor ou como objeto da sua perceção directa.
Consabidamente, a força probatória dos documentos particulares é limitada à materialidade das declarações documentadas, isto é, á existência dessas declarações, não abrangendo a exatidão das mesmas. Mesmo que um documento particular goze de força probatória plena (nos termos do art.º 376º nº1 do CC), tal valor reporta-se tão somente às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondam à realidade dos respetivos factos materiais (Antunes Varela, Manual de Processo Civil – 523).
Ora, o que vemos no caso dos autos, é que a A, aceitando embora que as faturas tenham sido emitidas pela 1ª ré, impugnou a veracidade do seu conteúdo, ou seja, os serviços delas constantes e respetivos valores.
Por esse motivo, foi dado apenas como provado, e bem, apenas o que poderia ter sido, ou seja, as declarações atribuídas ao seu A (art.º 376º nº1 do CC), como o demonstram os pontos 4.19, e 4.46 e 4.47:
“4.19. …a 1ª Ré emitiu a Fatura n.º ...20, com data de 20 de julho de 2020, que a A. não pagou por não haver aceitação daqueles montantes”.
“4.46. As faturas nºs ..., no montante de 14 367, 19 Euros, ambas com vencimento em 31/07/2020, não foram pagas pela autora.
4.47. A 1ª ré interpelou a autora para proceder ao referido pagamento por e-mails de 23/07/2020 e 4/08/2020”.
E foram dados como não provados os factos impugnados pela A, que a ré não logrou provar:
“4.52. Que a 1ª ré haja prestado à autora todos os serviços constantes do Auto 6 e do auto de trabalhos a mais 02, que deram origem às faturas nºs ..., no montante de 14 367, 19 Euros, ambas com vencimento em 31/07/2020;
4.53. Que tais trabalhos e materiais hajam sido efetuados e fornecidos sem qualquer reclamação por banda da autora”.
Conclui-se assim do exposto que os documentos juntos pela ré se limitam à existência das declarações neles contidas, ou seja, que foram emitidas duas faturas referentes a serviços alegadamente prestados pela ré à A; tais documentos não provam, por si só, que a ré tenha efetivamente prestado os serviços faturados.
Ora, no caso dos autos, como se viu, a A questionou a ré sobre os serviços faturados, recusando o seu pagamento, e a ré não logrou demonstrar perante a A que esses serviços foram contratados e prestados, sendo os valores faturados devidos.
Aliás, mesmo em sede judicial não vemos efetuada essa prova, que competia á ré fazer, ou seja, que os serviços faturados tenham sido prestados.
Donde, afigura-se-nos legítima desde logo a recusa da A em efetuar o pagamento do valor faturado na fatura nº ...78, por discordar dos respetivos montantes.
Refere-se ainda a ré, na carta enviada à A em 2.12.2020, a uma outra fatura nº ...77, não paga pela A, referente a serviços orçamentados, e constantes do auto nº 1, para justificar também a suspensão da execução da obra.
Aplicam-se à situação dessa fatura as considerações acima expendidas, a propósito da fatura nº ...78, não tendo também ficado demonstrado nos autos que os serviços faturados tenham sido prestados.
Daqui resulta uma primeira conclusão: que a suspensão dos trabalhos por parte da 1ª ré foi injustificada, dado que a mesma se encontrava obrigada contratualmente a concluir os trabalhos, e suspendeu-os sem motivo justificado, porquanto, nos termos da clausula 10º, alínea c) do contrato de empreitada, a execução da obra pode ser suspensa por iniciativa do empreiteiro, desde que por motivo imputável ao dono da obra – o que não logrou a 1ª ré demonstrar.
*
Dizemos suspendeu-os porque isso mesmo resulta das comunicações havidas entre as partes, e do que ficou vertido na matéria de facto provada.
Efetivamente, com data de 17 de setembro de 2020, foi remetida pela A à 1.ª R. uma Interpelação/Notificação concedendo-lhe um prazo máximo de oito dias para que informasse do andamento e conclusão de todos os trabalhos e respetiva entrega (4.20).
Na mesma missiva se informava que, decorrido que fosse tal prazo, se consideraria cessado o contrato e cessados os seus efeitos (4.21).
Além disso, eram informados que já havia sido ordenada a elaboração de Relatório Técnico sobre o estado da obra, a sua conformidade com o projeto aprovado e a execução e/ou desconformidade e defeitos, bem como o tempo necessário para a conclusão do edifício (4.22).
A essa comunicação respondeu a ré em 2.12.2020, dizendo que a suspensão dos trabalhos se devia ao não pagamento das faturas, reclamando o seu pagamento, sem nunca afirmar que era sua intenção não retomar os trabalhos (facto provado em 4.25).
Estamos aqui nitidamente perante uma situação de mora da ré na execução da obra, após ter sido interpelada pela A para cumprir.
Isso mesmo se depreende, de facto, do que ficou a constar do ponto 4.20 acima transcrito.
A mora do devedor vem regulada nos artigos 804.º e ss. do CC, preceituando aquele primeiro art.º que “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido” (nº2), situação que o constitui “na obrigação de reparar os danos causados ao credor” (nº1).
Nos termos do citado preceito, a mora do devedor verifica-se, quando a prestação a que está vinculado, embora ainda possível, não foi realizada no tempo devido ou no prazo estipulado, por facto que lhe é imputável. Ou seja, exige-se, para que ocorra mora, que a prestação ainda seja possível - senão teríamos uma situação de impossibilidade definitiva de cumprimento (arts. 790.º ou 801.º) ou de incumprimento definitivo (art.º 798.º) -, e que a não realização da prestação seja imputável ao devedor - caso contrário a hipótese é de impossibilidade temporária (art.º 792.º) (Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II, 2017, 11ª edição, Almedina, pág. 227).
Nos dizeres de Ana Prata (Coord, Código Civil Anotado, vol. I, 2017, Almedina, pág 1006), a mora verifica-se se, e apenas se, o devedor não cumprir a sua obrigação culposamente, quando tal cumprimento ainda seja possível, com possibilidade de satisfação do interesse creditório.
Assim, vencida a obrigação e não sendo a mesma cumprida, fica o devedor constituído em mora, e responsável pelos danos causados ao credor.
Esta responsabilidade obrigacional tem assim, como qualquer outra, o seu regime geral estatuído nos artigos 798.º e 799.º, presumindo-se a culpa do devedor nos termos do nº 1, deste último preceito.
Ora, dependendo a mora do devedor da prestação não ter sido realizada no tempo devido, torna-se necessário recorrer às regras da determinação do tempo de cumprimento, para averiguar se o devedor está ou não em situação de mora (artºs 777.º e ss. do CC), sendo certo que a determinação do momento da constituição em mora tem grande importância prática, pois que é a partir desse momento que se desencadeiam as consequências que lhe estão associadas.
Regula o momento da constituição do devedor em mora, e o momento do próprio vencimento da obrigação, o art.º 805.º do CC, estipulando-se logo no seu nº 1, que “O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”.
Ou seja, sendo a regra, a de que as obrigações são puras, isto é, sem prazo certo de cumprimento, cabe então a qualquer das partes determinar o momento do cumprimento (art.º 777.º nº1), o que se alcança com a interpelação do devedor para cumprir. Quer isto dizer que, sendo a obrigação pura ou sem termo convencional, legal ou judicial, o seu vencimento depende da interpelação do devedor, sendo o efeito da interpelação o vencimento da obrigação.
Por isso se diz que se consagra no art.º 805º nº 1 do CC o princípio da essencialidade da interpelação ou a denominada mora ex persona (dependente de um ato de natureza não negocial), compreendendo-se que, estando em causa uma obrigação desta natureza, a constituição em mora apenas ocorra na sequência da interpelação para o cumprimento, uma vez que na ausência desta última, o devedor não poderia saber que o credor já está interessado no recebimento da prestação (Maria da Graça Trigo/Mariana Nunes Martins, Anotação ao artigo 805º, Comentário ao Código Civil, Direito das obrigações Das obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, Dezembro de 2018, pág. 1129).
Há, porém, mora, independentemente de interpelação, nas situações excecionadas no nº 2 do art.º 805º do CC: o da obrigação ter prazo certo (al. a); o da obrigação provir de facto ilícito (al. b); o do próprio devedor impedir a interpelação (al. c); e ainda o do próprio devedor declarar que não vai cumprir a obrigação, casos em que a mora do devedor depende apenas desses fatores objetivos: é a denominada mora ex re, que surge independentemente de interpelação.
Postos estes breves considerandos, e revertendo à questão colocada nos autos, o que verificamos é que não existia, na data em que a ré decidiu suspender os trabalhos na obra, qualquer prazo estipulado para a sua conclusão, uma vez que o prazo inicialmente combinado pelas partes foi por ambas “abandonado”, ficando a obrigação da ré sem prazo.
Aliás, se virmos bem, nunca a A se referiu, na interpelação da ré, a qualquer prazo previamente estipulado, a que a ré se encontrasse vinculada.
Resulta mesmo do teor da comunicação de 17 de setembro de 2020, que não se encontrava em vigor qualquer prazo em curso para término da obra. Nessa comunicação a A interpela/intima a Ré, concedendo-lhe um prazo máximo de oito dias para que a informe do andamento e conclusão de todos os trabalhos e respetiva entrega, depreendendo-se dessa comunicação uma intimação da ré, para retomar os trabalhos no prazo concedido, de 8 dias.
Ou seja, se é certo que nas obrigações a prazo, o prazo tanto pode ser originário (contemporâneo da obrigação) como subsequente, podendo as partes, mesmo depois da constituição da obrigação sem prazo estipular posteriormente o prazo em que a prestação deve ser cumprida, também pode ocorrer o contrário, como aconteceu no caso dos autos: foi estipulado inicialmente um prazo para cumprimento da empreitada, mas foi o mesmo depois “ignorado” por ambas as partes.
Como já se referiu, tendo as partes ignorado o prazo inicial para conclusão da obra (15.7.2019), não estipularam mais nenhum prazo no seu decurso.
Donde, sendo a obrigação da ré sem prazo, a comunicação que lhe foi feita pela A em setembro, a conceder-lhe o prazo de 8 dias para informar do estado e da conclusão dos trabalhos, era uma interpelação para cumprir – retomando os trabalhos -, ficando a ré, a partir desse momento, constituída em mora, e responsável pelos danos causados à A.
*
E constituída a ré numa situação de mora, em 22 de setembro de 2020, assim permaneceu no futuro, dado que a A não converteu a mora em incumprimento definitivo (apesar dos termos em que lhe fez a interpelação).
Ou seja, a única comunicação existente nos autos enviada pela A à ré, é a de 17 de setembro de 2020, a interpelá-la para cumprir, e tem apenas como efeito útil desencadear o processo de retoma do cumprimento, que a Ré não aceitou, sendo irrelevante em termos jurídicos, dizer-se que se a ré não retomasse os trabalhos no prazo de 8 dias, se considerava cessado o contrato e os seus efeitos.
Na verdade, limitando-se a A a comunicar à ré, antecipadamente, a resolução do contrato, findo o prazo de 8 dias, tal comunicação não te a virtualidade de converter a mora em incumprimento definitivo.
Como é sabido, o art.º 808º, nº 1, 2ª parte, do CC, preceitua os termos da conversão da mora em incumprimento definitivo, estipulando-se naquele preceito que tendo o credor perdido, em consequência da mora, o interesse que tinha na prestação, ou não sendo a mesma realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado ao devedor, se considera para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
Tem-se em vista, com a situação descrita, evitar os danos que poderiam advir ao credor, de uma mora perpétua do devedor, possibilitando-lhe tornar a mora em incumprimento definitivo (Baptista Machado “Obra Dispersa”, vol. I, pág.160).
Do exposto resulta, assim, que a mora do devedor não permite, por via de regra, a imediata resolução do contrato, a menos que se transforme em incumprimento definitivo.
Ou seja, sendo certo que a resolução funciona sem mais, nos contratos bilaterais, nos casos de impossibilidade culposa do devedor, isto é, em situações de incumprimento definitivo, em que a prestação já não é possível, nos casos de mora, em que a prestação ainda pode ser realizada, não se permite, por via de regra (com ressalva da existência de convenção em contrário), a imediata resolução do contrato, a menos que se converta em incumprimento definitivo, o qual tem lugar  se lhe sobrevier a impossibilidade da prestação, se o credor perder o interesse na mesma, ou em consequência da inobservância do prazo suplementar e perentório que o credor fixe, razoavelmente, ao devedor relapso (Vaz Serra, Mora do Devedor, BMJ, nº 48, 251, 254 e 255; Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, 1997, 454 e 455).
Ora, como é bom de ver, tal situação não se verificou no caso dos autos; não foi fixado à ré, na comunicação que a A lhe enviou em 17 de setembro de 2020, qualquer prazo suplementar razoável para a conclusão da obra, para se justificar a resolução do contrato, pelo incumprimento definitivo do mesmo.
Como se disse, aquela comunicação tem apenas a virtualidade de servir como interpelação da ré para cumprir, fazendo-a incorrer em mora, a partir daquele momento.
                                                           *
Ainda assim, parece resultar da pretensão da A, que a ré é a responsável pelos danos que lhe causou a sua situação de mora – de suspensão dos trabalhos –, assim como a reparação dos alegados defeitos da obra, denunciados no relatório técnico, o que nos leva à análise da segunda questão colocada – dos alegados prejuízos sofridos pela A com o comportamento da ré (que não foram contabilizados).
Como decorre do art.º 804º nº 1 do CC “A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor”.
Alega a A, e provou, que em virtude da paralisação da obra solicitou a elaboração de um Relatório Técnico, do qual constam os trabalhos, que na perspetiva do seu autor, seriam necessários para finalizar a obra e respetiva calendarização, relatório esse datado de 26.11.2020, que enviou à ré em 21.12.2020.
Além disso, solicitou os Serviços de um Engenheiro Civil a fim de tratar da legalização/renovação do Alvará de Licença de Obras junto dos serviços de Urbanismo da Câmara Municipal ..., e tratou de procurar empreiteiros a fim de dar continuidade àquela obra, corrigindo os defeitos elencados naquele relatório técnico.
Mas nada mais se provou.
Apelando novamente ao que ficou a constar da sentença recorrida,Conforme estabelece o art.º 406º, nº 1, do Código Civil, “O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (…). Existe cumprimento inexato ou defeituoso quando ocorra um qualquer desvio da prestação realizada por referência àquele que resulta do programa contratual estipulado entre as partes. Como esclarece Pedro Romano Martinez - in “Cumprimento Defeituoso - Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada”, págs.181 a 201 -, a noção de defeito tem um duplo sentido, objetivo e subjetivo, correspondendo quer a um desvio à qualidade normal de coisas daquele tipo - “vícios”, na expressão legal -, quer a uma falta das qualidades que o credor, por força do contrato, podia legitimamente esperar - “qualidades asseguradas”.
Isto posto, sa prova produzida não é possível concluir que ocorreram defeitos na prestação realizada pela 1ª Ré, quer na modalidade de desvios relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo, quer na modalidade de desconformidades com o acordado entre as partes.  Assim sendo, a autora não demonstra o cumprimento defeituoso por banda da 1ª ré…”.
E assim acontece, de facto.
Ficou apenas provado que foi executado um relatório técnico (cujos custos não foram determinados), e que desse relatório constam os trabalhos, que na perspetiva do seu autor, seriam necessários para finalizar a obra e respetiva calendarização (trabalhos esses, cuja execução também não foi demonstrada, assim como os respetivos custos).
Além disso, solicitou os Serviços de um Engenheiro Civil a fim de tratar da legalização/renovação do Alvará de Licença de Obras junto dos serviços de Urbanismo da Câmara Municipal ... (sem ter demonstrado os gastos tidos com essa contratação), e tratou de procurar empreiteiros a fim de dar continuidade àquela obra, corrigindo os defeitos elencados naquele relatório técnico (provando a contratação de algumas empresas, mas não tendo provado os valores que alegadamente lhes pagou).
 Quanto aos defeitos elencados naquele relatório – cuja reparação tem um regime muito específico no Código Civil -, não ficou provado sequer que tais defeitos existissem, para o que seria necessário, como se disse, que os mesmos fossem discriminados e individualizados na petição, como factos essenciais da causa de pedir da A, impendendo também sobre a mesma a prova da sua denúncia atempada à ré, o que não aconteceu.
Improcede assim a pretensão da recorrente relativamente à peticionada indemnização pelos prejuízos sofridos com a interrupção dos trabalhos pela 1ª ré.
E o mesmo se passa com a alegada cláusula penal pelo atraso no cumprimento, pois como se disse, não resultou da matéria de facto que existisse um prazo fixado para a conclusão da obra.
Improcede assim também nesta parte o recurso apresentado.
*
Relativamente ao pedido reconvencional, consta da sentença recorrida o seguinte: “…estando demonstrado que a autora não procedeu ao pagamento das faturas nºs ..., no montante de 14 367, 19 Euros, ambas com vencimento em 31/07/2020 e que a 1ª ré interpelou a autora para proceder ao referido pagamento por e-mails de 23/07/2020 e 4/08/2020 e, não provando a autora que tinha fundamento para não pagar os valores em falta, impõe-se concluir pela procedência do pedido reconvencional…”.
Insurge-se a recorrente também contra este segmento da decisão recorrida, considerando ademais existir contradição entre a matéria de facto (provada e não provada) e a decisão proferida.
Efetivamente, consideramos que perante a matéria de facto - provada e não provada -, não poderia ter sido tirada pelo julgador, a conclusão que tirou, de procedência do pedido reconvencional, porque não logrou a ré provar que tenha prestado os serviços faturados.
Como se deixou dito acima, a simples emissão das faturas e a sua apresentação a pagamento não conferem ao seu emitente qualquer direito de crédito; o seu direito advém-lhe do contrato subjacente, de compra e venda ou de prestação de serviços, servindo a “fatura” apenas de prova (entre outras) do cumprimento desse contrato.
Ou seja, as faturas são meros elementos de prova da relação que lhe está subjacente, sendo que neste caso, como bem se considerou na descrição da matéria de facto, foram apenas dados como provados os factos relativos à emissão das faturas (nº ...77 e ...78, no montante global de € 14 367,19, ambas com vencimento em 31/07/2020), enquanto documentos comerciais e contabilísticos, tendo sido dados como não provados os serviços nelas faturados, cuja prova a ré não logrou fazer.
Donde, deveria improceder a pretensão da ré, de ser ressarcida dos valores peticionados por via reconvencional, relacionados com essas faturas.
Procede assim a pretensão da recorrente quanto à sua condenação por via reconvencional.
*
V- DECISÃO:

Pelo exposto, Julga-se parcialmente procedente a Apelação, e Revoga-se parcialmente a decisão recorrida, julgando-se improcedente a Ação e a Reconvenção.
Custas por ambas as partes na proporção do decaimento (art.º 527º nº 1 e 2 do CPC)
*
Sumário do acórdão:

I- As decisões judiciais podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade: por se ter errado no julgamento dos factos e/ou do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estrutura, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder do julgador, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º do CPC.
II- A “fatura” é um documento comercial, meramente contabilístico, passado pelo vendedor ou pelo prestador de serviços, e que serve de suporte a atos comerciais de venda e entrega de produtos, ou de prestação de serviços, mas sem valor probatório pleno, pelo que não dispensa o vendedor ou o prestador de serviços, do ónus probatório dos factos constitutivos do seu direito, nomeadamente de que prestou os serviços incluídos na fatura, e de que o seu preço é devido.
III- Consagra-se no art.º 805º nº 1 do CC o princípio da essencialidade da interpelação ou a denominada mora ex persona (dependente de um ato de natureza não negocial), porquanto, estando em causa uma obrigação pura ou sem prazo, a constituição em mora apenas ocorre na sequência da interpelação do devedor para cumprir.
IV- A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor, cabendo a este alegar e provar os danos sofridos – o que não aconteceu no caso dos autos.
*
Guimarães, 18.12.2024.