Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | LÍGIA VENADE | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DESTITUIÇÃO DE GERENTE ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 03/31/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | SUMÁRIO (da responsabilidade da Relatora - art. 663.º, n.º 7 do CPC) I No âmbito das sociedades comerciais por quotas vigora o princípio da livre destituibilidade dos gerentes, face ao disposto no artº. 257º, nº. 1, do C.S.C.. II Por força do artº. 251º, nº. 1, f), do C.S.C., o sócio não pode votar na sua própria destituição de gerente. III Ainda que tenha sido apresentada a deliberação um ponto relativa à destituição de dois gerentes, isso só por si não significa que cada um deles fique impedido, enquanto sócio, de votar na destituição do outro, verificando-se no caso concreto que tal impedimento não se verificou, não ocorrendo por isso violação do artº. 21º, nº. 1, b), do C.S.C.. IV A figura do abuso de direito está expressamente prevista no âmbito da vida societária conforme resulta da causa de anulabilidade de deliberação prevista no artº. 58º, nº. 1, b), do C.S.C.. V A deliberação que resulta aprovada por força da posição maioritária do(s) sócios(s) não implica o carácter abusivo da mesma ou o exercício abusivo da sua posição. VI O papel fiscalizador numa sociedade por quotas cabe antes de mais aos sócios, derivando dessa posição e dos inerentes direitos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I RELATÓRIO. R. B., residente na rua … e X – Sociedade Agrícola, Unipessoal, Lda com sede na Rua …, instauraram contra Y – Comércio de Frutas, Lda, com sede na Zona Industrial de …, procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, terminando o seu requerimento com o seguinte pedido: “(…) deve a presente providência cautelar de suspensão de deliberações sociais ser deferida e, em consequência, ordenada a suspensão da execução da deliberação aprovada no ponto um da ordem de trabalhos da reunião da Assembleia Geral Extraordinária da requerida Y – COMÉRCIO DE FRUTAS, LDA, de 30.09.2021, seja por que forma for, nomeadamente, impedir a eficácia da deliberação aprovada, suspendendo-se os seus efeitos até trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nos autos de ação de que esta providência é ato preliminar”. Alegam, para tanto, que são sócios da sociedade requerida, na qual exercem o sócio R. B. e o legal representante da sócia X, A. N., a gerência, acompanhados de mais três gerentes, A. T., A. P. e F. T., sendo que estes três gerentes são, também, sócios e únicos gerentes da W –Sociedade Comercial de Maçã Lda, sócia maioritária da requerida. Além disso o gerente, A. T., é sócio da requerida e sócio maioritário da W – Sociedade Comercial de Maçã Lda, e também sócio e gerente da sócia da requerida - Casa Agrícola R. S., Lda; A. T., W – Sociedade Comercial de Maçã, Lda e Casa Agrícola R. S., Lda são entidades especialmente relacionadas entre si e que têm como denominador comum o A. T.. Daí retiram que a posição do sócio A. T. permite-lhe gerir a requerida como entende, fazendo compras e realizando os pagamentos, tudo como entende, sendo os restantes gerentes meramente de direito, nomeadamente o 1º requerente assina cheques em branco, como pedido por aquele, que depois os preenche. Mais alegam que em 14/9/2021 receberam convocatória para Assembleia Geral Extraordinária a realizar no dia 30/09/2021 pelas 14.00 h, na qual a sociedade requerida deliberou por maioria destituir o requerente R. B. e o legal representante da requerente X, enquanto gerentes, sendo que, segundo dizem, tal assembleia foi convocada de forma irregular. Defendem os requerentes que a deliberação que foi tomada em assembleia geral, cuja ordem de trabalhos previa como único ponto a destituição, com justa causa, de dois gerentes da sociedade requerida, sendo o requerente R. B. e o A. N., legal representante da requerente X, os gerentes visados, é inválida, porquanto, ficaram os mesmos impossibilitados de exercer o seu direito de voto na deliberação a aprovar, o que segundo os requerentes configura uma deliberação anulável porque violadora do disposto no artº. 58º nº. 1 a) do Código das Sociedades Comerciais, por força do disposto nos artºs. 21º e 379º nº. 1 do mesmo Código. Alegam, ainda, que inexiste justa causa para a sua destituição e que a deliberação tomada é abusiva. Mais referem que a providência precede a ação principal de impugnação de deliberações sociais e que se impõe o decretamento da providência a fim de evitar a execução de um ato nulo/anulável que trará graves danos aos requerentes e à requerida; que atenta a matéria não se prevê que seja proferida sentença em prazo inferior a 1 ou 2 anos; que a execução da deliberação em causa impossibilitará os requerentes de em tempo útil reagirem contra atos de gestão danosos e até irreversíveis do património da própria requerida; que a atitude dos demais sócios, nomeadamente os que têm uma especial ligação com interesses recíprocos com o gerente da sociedade A. T., ao deliberarem a destituição dos gerentes R. B. e A. N., tiveram como objetivo o de lhes retirar o papel “fiscalizador da atuação dos demais gerentes da sociedade”. Mais alegam que os requerentes, ao intentarem ações de insolvência contra a “W…”, a “Casa Agrícola…” e o próprio A. T. fizeram-no com o objetivo de zelar pelos interesses da sociedade requerida, agindo em seu benefício. Referem que o gerente A. T. Ribeiro emite cheques da sociedade requerida a seu favor, sem qualquer explicação ou justificação aos sócios, concede empréstimos aos sócios da requerida principalmente àqueles com quem tem especial ligação e onde detém participações sociais e interesses pessoais e, outras vezes, emitindo cheques a favor de entidades estranhas à sociedade, desconhecendo-se a que título o faz. Juntaram documentos. * Após decisão de incidente de incompetência territorial, e remessa dos autos para o Tribunal territorialmente competente, foi proferido despacho de citação da sociedade requerida nos termos dos artºs. 366º nº. 1 e 381º nº. 1,do C.P.C., tendo-se consignado que, nos termos do artº. 381º nº. 3 do mesmo diploma, a partir da citação, e enquanto não for julgado em 1ª instância o pedido de suspensão, não é lícito à sociedade executar a deliberação impugnada pelo ora requerente.* A requerida deduziu oposição pedindo o indeferimento da providência, por manifesta falta de fundamento factual ou legal; mais peticionou a condenação dos requerentes como litigantes de má fé, devendo ser solidariamente condenados, nos termos do n.º 1 e das alíneas a) e b) do n.º 2 do artº. 542º do C.P.C., em multa e indemnização condignas a favor da requerida, a fixar a final. Em síntese alegou que a destituição já foi levada a registo. Alega que é falso que a gerência de facto não fosse exercida por todos os gerentes e que, portanto, a gerência de facto e de direito era exercida por todos os gerentes de forma autónoma. Os requerentes decidiram recentemente intentar ações de insolvência contra os sócios “W…”, “Casa Agrícola…” e A. T., com vista à cobrança de crédito quando este não era o meio próprio; e que essa tomada de decisão carecia de deliberação dos sócios, sendo este comportamento sintomático de incompetência e má gestão, e que subordinam o interesse social aos seus próprios interesses prejudicando a sociedade requerida e os próprios sócios. Aduzem, também, que ambos os requerentes tinham um peso definitivo nos negócios da sociedade e na dinamização da atividade empresarial, exercendo as suas funções de gerentes com autonomia, negociando diretamente e em nome da sociedade com fornecedores e clientes. A. T. é sócio da requerida e sócio e gerente da “W…” e da “Casa Agrícola…”, as quais por via de regra representa nas assembleias gerais da requerida. Mais diz ser falso que os atuais três gerentes da requerida protagonizaram uma gestão danosa ao pagarem, sem qualquer justificação o fornecimento de maçãs e adiantamentos a alguns sócios em detrimento de outros; os pagamentos efetuados por conta do fornecimento da maçã é uma prática enraizada neste ramo de atividade e que o critério para a realização desse pagamento efetuado pela requerida não tem a ver com preferências pessoais ou favorecimentos de quem quer que fosse; o gerente A. T. e os outros dois gerentes atuam de acordo com a boa prática dos negócios tendo presente o interesse social. Se os requerentes entendiam que o gerente A. T. fazia uma gestão abusiva e danosa da sociedade requerida, então por que razão não propuseram a sua destituição enquanto gerente? Mais referem que foi apresentado um ponto único a deliberar dada a similitude da situação e que não foi intencional, decorrendo da lei o impedimento de voto. E que os requerentes não retiram qualquer consequência dos termos da convocatória. Além disso, a deliberação foi tomada por maioria e não pode ser sindicada pelo Tribunal. Mais alegam que os requerentes distorcem deliberadamente a realidade, com o propósito, por um lado, de subverter uma prática lícita nas empresas deste setor como os adiantamentos por conta de fornecimentos e, por outro lado, referindo serem meros gerentes de direito, submetidos ao domínio e à gestão danosa do Eng.º A. T., o que se reveste de intensa gravidade. Concluem, assim, que os requerentes atuam de má fé, na medida em que procuram alterar a verdade dos factos e omitem outros relevantes para a decisão da causa, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar. Juntou documentos. * Foi exercido o contraditório pelos requerentes relativamente à invocada litigância de má fé, que peticionaram a condenação da requerida como litigante de má fé, ao que esta requerida exerceu, no início do julgamento, o contraditório. * Procedeu-se à realização da audiência de produção de prova, tendo sido proferida decisão que julgou procedente o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, requerido por R. B. e X – Sociedade Agrícola, Unipessoal, Lda contra Y – Comércio de Frutas, Lda, ordenando a suspensão da deliberação tomada na assembleia geral de sócios desta de 30 de setembro de 2021. Mais julgou improcedente por indiciariamente não provado o pedido de condenação dos requerentes como litigantes de má fé e condenou os requerentes a suportar a taxa de justiça do procedimento e a requerida a taxa de justiça da oposição, sendo as mesmas atendidas na ação principal. Por último fixou o valor do procedimento em € 30 000,01. * Inconformada com a decisão proferida, veio a requerida interpor recurso apresentando alegações com as seguintes -CONCLUSÕES (que aqui se reproduzem)- “I. S.m.o., a apreciação dos meios de prova produzidos deveria determinar um resultado diverso, sendo evidente a desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis nos autos e a decisão do Tribunal recorrido sobre a matéria de facto, que é merecedora de um juízo de censura. II. O aresto em crise não é irrepreensível no concernente à factualidade dada como provada, pois que não deveriam ter sido consignados no acervo de factos provados os factos contidos nos pontos 17., 22., 26. e 27., que devem ser retirados deste elenco. III. Principiando pelo facto elencado em 17. da matéria de facto provada, temos que resultou provado que a convocatória para a Assembleia Geral de 30 de Setembro de 2021 cumpriu os mínimos de informação habilitantes da defesa, ao indicar claramente que se pretendia ali discutir e deliberar sobre a destituição com justa causa dos Requerentes, ora Recorridos, indicando-se o respectivo fundamento. IV. Durante a Assembleia Geral, a gerência substanciou, de forma extensa, a intenção de destituição e os ora Recorridos, que estiveram presentes, tiveram oportunidade de contraditar os factos que lhes eram imputados através de uma declaração escrita, os quais todavia não lograram infirmar, com o que foram cumpridos os mínimos de informação exigidos pelos artigos 21º, n.º 1, alínea c) e 214º, n.º s 1 e 7, todos do CSC. V. Porém, como decorre dos autos, designadamente dos articulados dos ali Requerentes, da Acta junta, mas também das declarações de parte do gerente destituído A. N., ficheiro áudio 20211220165620_1999818_2870652, no segmento gravado entre os minutos 1:28:50 e os minutos 1:44:35, não foram postos em causa a maioria dos comportamentos culposos imputados aos gerentes destituídos, que por essa via reconhecera implicitamente, e configurariam qua tale violações suficientemente gravosas dos seus deveres para fundamentarem a destituição com justa causa, ao abrigo do artigo 257º, n.º 6 do CSC. VI. Falamos, desde logo, da instauração das acções de insolvência à revelia e sem consentimento dos restantes gerentes, que não foi precedida de deliberação dos sócios, comportamentos reiterados, visto que, já em data posterior a terem tomado conhecimento de que este tipo de acções tinha de ser precedida de deliberação dos sócios, subscreveram nova procuração a favor de um segundo mandatário, bem sabendo que não dispunham de poderes para praticar tal acto, como decorre das certidões judiciais constantes do processo. VII. Ademais, a não observação da forma de vinculação prevista no Pacto Social da aqui Recorrente e a circunstância de aqueles se servirem da sua posição orgânica na sociedade para prosseguirem interesses pessoais contrários ao interesse social. VIII. Acresce a não entrega de maçã nos últimos dois anos, em infracção dos Estatutos, que foram juntos aos autos com a oposição, e apesar da sua condição de sócios-produtores, com o que colocaram a sociedade numa difícil situação económica, atento o facto de esta funcionar como organização de produtores na acepção do Regulamento (CE) 220/96, de 28 de Outubro, comercializando a maçã fornecida pelos sócios produtores, ficando praticamente paralisada, ou deveras onerada, se essas entregas não forem cumpridas, além do que foi dado um mau exemplo aos demais sócios, cuja entrega de maçã deveriam fiscalizar. IX. A não entrega de maçã foi asseverada pela testemunha H. R., funcionário da Recorrida encarregue da recepção e calibragem da fruta, no ficheiro 20211220141812_1999818_2870652, entre o minuto 1:03:00 e 1:03:36. X. O comportamento que se vem de narrar não é de somenos se considerarmos que, na qualidade de gerentes, deveriam actuar no interesse e por conta da sociedade favorecendo a realização do objecto social e o lucro, pelo que arrisquem a aplicação de sanções estatutárias mercê da não entrega de maçã. XI. Aliás, os Requerentes/Recorridos acabam por confessar na p.i. que agiram à revelia e sem o conhecimento dos demais gerentes, avançando com os procedimentos judiciais sem auscultar a sua opinião, considerando que nem sequer convocaram reunião de gerência para discutir uma matéria desta relevância, e não cuidaram de saber se tinham competência para esta iniciativa, arrastando a sociedade para uma actuação ilegal. XII. Actuando da forma narrada, desrespeitaram com acentuada gravidade os deveres de cuidado e de lealdade que os gerentes devem observar, ex vi do estatuído no artigo 64º do CSC, comprometendo definitivamente a confiança neles depositada pelos sócios e que esteve na origem da sua nomeação. XIII. Nesta sequência, concluiu-se pela existência de justa causa de destituição, por força da actuação ilícita, culposa e danosa dos gerentes destituídos contra a sociedade, que assim violaram gravemente os seus deveres, o que tornou inexigível à sociedade a manutenção da relação de gerência. XIV. Os Recorridos demonstraram incapacidade para o exercício normal das suas funções, o mesmo é dizer, falta de competência técnica e desconhecimento da actividade da empresa indispensáveis a uma gestão ordenada, e tomando por referência o gestor criterioso e ordenado do artigo 64º do CSC. XV. Ainda que se entendesse que tais condutas não configuravam justa causa, impera a regra da livre destituibilidade dos gerentes, que consente que a sociedade os destitua livremente por decisão unilateral, e a todo o tempo, conquanto os indemnize. XVI. Este entendimento é uniforme na nossa jurisprudência, e desprende-se, inter alia, do Acórdão da Relação de Coimbra, prolatado em 19 de Outubro de 2010, no Processo n.º 757/10.0T2AVR-A.C1. XVII. Contudo, neste caso não houve lucros cessantes, porquanto a gerência da Recorrente não era remunerada, nem foram alegados quaisquer danos que pudessem derivar da execução da deliberação social em crise, pelo que não havia lugar ao pagamento de qualquer compensação. XVIII. A Meritíssima Juiz a quo entendeu ter ocorrido um vício de procedimento relevante pelo facto de a convocatória prever num ponto único a destituição dos dois gerentes, o que teria levado a que ambos ficassem impedidos de votar essa proposta de deliberação. XIX. Esta deliberação é válida, o que dimana de meios probatórios constantes do processo e da prova gravada que integra os autos, como se detalhará. XX. Com efeito, o impedimento de voto dos gerentes destituídos não foi almejado, ou sequer equacionado, pelo gerente que convocou a Assembleia Geral destitutiva. XXI. A destituição foi incorporada num ponto único da ordem de trabalhos em virtude de os fundamentos nas duas destituições serem rigorosamente os mesmos, como vimos de ver, pelo que as explicações a oferecer à Assembleia pelos visados seriam previsivelmente as mesmas, como de resto se verificou, e resulta cristalino da Acta junta aos autos. XXII. Sucede, porém, que, os Requerentes/Recorridos decidiram não votar a destituição por considerarem que se encontravam em situação de impedimento. XXIII. Ora, o impedimento de voto é uma decorrência da lei, mercê da situação de conflito de interesses, maxime do preceituado na alínea f) do n.º 1 do artigo 251º do CSC. XXIV. Sem embargo, mitigando este princípio geral com o direito de participação nas deliberações sociais ínsito no artigo 21º, n.º 1, alínea b) do CSC, temos que as duas destituições eram autonomizáveis, como foram, em duas votações diferentes, sendo que o sentido de voto dos sócios não tinha de ser o mesmo em relação a ambas as destituições, como efectivamente não foi. XXV. Em coerência, veja-se a Acta junta com a petição inicial, mais propriamente as folhas 14 e 15, onde se lê: “Abstiveram-se de votar os sócios R. M., e J. B., por si e como gerente, mas este somente quanto à destituição de A. N.. Votaram contra a destituição: O. M., L. N., gerente da SOCIEDADE AGRÍCOLA QUINTA …, LDA., J. B., por si e como gerente, mas este somente quanto à destituição de R. B..” (sublinhado e carregado nosso). XXVI. Enfatiza-se que esta Acta foi elaborada pela Conservadora de Registo em funções notariais no Cartório Notarial de ..., que se encontra naturalmente acima de qualquer suspeita, e cuja comparência foi solicitada por uma das sócias, sendo que a Senhora Conservadora não vislumbrou qualquer impedimento a que a votação se processasse desta forma. XXVII. Donde, nada impedia que o sócio-gerente R. B. votasse a destituição do gerente A. N. e que o contrário também sucedesse validamente, já que não se encontravam em situação de conflito de interesses relativamente à destituição um do outro. XXVIII. Ao não o terem feito, aqueles autoexcluíram-se da votação, não podendo retirar-se dessa atitude um impedimento de participação dos sócios nestas deliberações, que, de maneira alguma, ocorreu, tanto mais quanto a limitação do exercício do direito de voto não lhes foi imposto por ninguém, antes, como foi lavrado em Acta, estes declararam que não votariam por considerarem estar em impedimento. XXIX. Neste conspecto, a destituição com justa causa foi deliberada pelos sócios no exercício do seu legítimo direito de voto, com votos favoráveis de uma vasta maioria do capital social, mostrando-se assegurada a colegialidade e garantido o direito fundamental da socialidade, e esta decisão deve ser respeitada. XXX. Mesmo que os sócios-gerentes em causa tivessem optado por participar da votação da destituição, como eram livres de fazer, a deliberação teria identicamente sido adoptada. XXXI. Desta sorte, tendo a destituição em análise sido aprovada por maioria absoluta dos sócios presentes em Assembleia, que representavam 83,64% do capital social, como se retira da Acta, e representando os Requeridos/Recorridos 21,396% do capital social, dúvidas não remanescem de que, e em linha com o apontado aresto, a deliberação foi aprovada com votos favoráveis correspondentes a mais de 50% dos votos emitidos. XXXII. Decorre do exposto que o exercício pelos Recorridos do seu direito de voto na destituição um do outro não tinha a virtualidade de alterar o resultado da votação, pois que, ainda que o sócio-gerente R. B. tivesse votado a destituição do sócio-gerente J. N. e que o sócio-gerente J. N. tivesse votado a destituição do sócio-gerente R. B., e partindo do princípio que votariam contra, o resultado da votação permaneceria inalterado, dado que estes apenas representam 12,797% e 8,599% do capital social da Recorrida, respectivamente. XXXIII. Tanto basta para concluir que as deliberações tomadas na Assembleia destitutiva não padecem de vício procedimental, ou de conteúdo, não sendo anuláveis. XXXIV. Em face do exposto, o sustentáculo fundamental da sentença recorrida soçobra inelutavelmente, e com ele um dos pressupostos de cuja verificação a lei faz depender a providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, preceituado na primeira parte do n.º 1 do artigo 380º do CPC, e que é reconduzível à aparência ou verosimilhança de um direito carecido de tutela (fumus bonus juris). XXXV. Cuidemos agora dos pontos 26. e 27. da matéria de facto provada, concernentes ao dano apreciável, último requisito desta providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, previsto no n.º 1 do artigo 380º, in fine, do CPC e que poderemos caracterizar como verificação de situação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se a providência não for decretada (periculum in mora). XXXVI. Para se concluir que o receio é fundado, impunha-se a alegação de factos que permitissem afirmar com objectividade a seriedade e actualidade da ameaça e, bem assim, a necessidade de serem adoptadas medidas imediatas tendentes a evitar a lesão. XXXVII. A sentença em crise refere que este é “o dano visível, de aparente dignidade, estimável, mas não o dano irreparável, ou seja, insusceptível de compensação.”, competindo aos Requerentes/Recorridos o ónus de provar que a suspensão era condição matricial para evitar esse dano, exigindo-se uma probabilidade forte de que a execução da deliberação pode causar dano apreciável. XXXVIII. A Meritíssima Juiz reconduziu este dano à perda do cargo de gerentes que putativamente afastaria os Recorridos da sociedade e lhes vedaria “participar e influir nos atos de gestão da sociedade requerida (…) consolidando-se a destituição destes dois gerentes, a requerida poderia atuar da forma como os demais gerentes entenderem conveniente e sem a possibilidade de aqueles se oporem a qualquer ato gestionário” e deu este pressuposto como satisfeito. XXXIX. Contudo, esta fundamentação não pode colher. Na realidade, os Requerentes/Recorridos tinham um peso definitivo nos negócios da sociedade e na dinamização da actividade empresarial, exercendo as suas funções de gerência com a autonomia característica dos gestores de direito. XL. Tanto mais quanto já conduziam os destinos da sociedade há vinte anos quando, em 2011, os três outros gerentes passaram a integrar a gerência, conforme dimana da certidão permanente da Recorrida constante dos autos. XLI. Em arrimo desta posição, notamos que resultou provado da instrução do processo que a gerência de direito e de facto da sociedade era exercida pelos cinco gerentes de modo autónomo, quando todos se encontravam em exercício de funções, ao contrário do que foi sustentado pelos Requerentes/Recorridos. XLII. Apenas assim se percebe a forma de vinculação da sociedade que decorre do artigo sétimo, número dois do Pacto Social junto aos autos pela Requerente/Recorrida. XLIII. Aliás, o facto de a sociedade ter uma gerência plural mas o mandato conferido a advogado para a instauração das acções de insolvência ter sido outorgado unicamente pelos Requerentes à revelia dos restantes gerentes foi, precisamente, um dos fundamentos que levou o Juízo do Comércio de Viseu, onde essas acções correram termos, a absolver os Requeridos por entender que a sociedade não se achava validamente vinculada, mercê da infracção do artigo 261º do CSC – v. certidões judiciais que a Requerida, aqui Recorrente, no procedimento cautelar anexou aos autos. XLIV. Com este enfoque importa, ainda, referir que os sócios têm o dever de se informar sobre a situação da sociedade e sobre os actos de gestão, competindo-lhes controlar a forma como é conduzido o dia-a-dia societário e, bem assim, a actuação da gerência. XLV. Destarte, não se aceita que os gerentes destituídos, que mantinham a condição de sócios, estivessem impedidos de participar e influenciar os actos de gestão da sociedade, e outrossim que não pudessem opor-se a qualquer acto de gestão. XLVI. A fiscalização da actuação dos gerentes inpende, em primeira linha, sobre os sócios que, tal como sucedeu no caso dos Requerentes/Recorridos, poderão deliberar a destituição dos actuais gerentes se entenderem que existem fundamentos para tal. XLVII. Poderão, ainda, responsabilizá-los na qualidade de sócios, decidindo a sua exclusão e/ou propondo uma acção de responsabilidade civil orientada à reparação dos danos causados à sociedade. XLVIII. Preventivamente, podem e devem pedir informações escritas à gerência que, não sendo prestadas, podem determinar a convocação de uma Assembleia Geral com esse fito e, em última instância, darão causa à instauração de um inquérito judicial à sociedade. XLIX. E, como resultou provado em sede de audiência de julgamento, não resiste ao teste da realidade que o gerente Eng.º A. T. emitisse cheques da sociedade assinados apenas por si, em infracção do Pacto Social. L. No concernente aos cheques juntos aos autos, não se provou se foram apresentados a pagamento no estado que se encontram, o que não é crível em face da forma de vinculação da sociedade, que é do conhecimento da entidade bancária da Recorrente e outrossim do facto de os cheques serem enviados amiúde ao Banco por um dos gerentes, deslocando-se posteriormente o outro ou outros gerentes, por razões de conveniência, ao balcão a fim de o assinar previamente à sua submissão. Inobstante, em caso algum, os cheques eram assinados pelo gerente A. N., que se encontrava inibido do uso do cheque. LI. Aliás, a testemunha H. R., cujo depoimento foi condensado no ficheiro 20211220141812_1999818_2870652, teve ocasião de atestar que serviu, muitas vezes, como correio de cheques que trazia e levava “de cima”, perceba-se de ..., onde os Recorridos residem, “para baixo”, i.e., para Moimenta da Beira, onde residem os outros gerentes, e isto porque quem normalmente assinava os cheques eram o Eng.º A. T. e o Eng.º R. B.. Remetemos, sobretudo, para as declarações registadas entre o minuto 1:00:00 e o minuto 1:01:40, das quais transcrevemos um excerto: “Em que eu fazia de correio porque se o Eng.º A. T. assinasse, depois faltava a assinatura do Eng.º R. B., que era sempre assim, quem assinava mais os cheques era o Eng.º R. B. e o Eng.º A. A.. Ah, desculpe, e o Eng.º A. T.. E o cheque ia para cima com a primeira assinatura do Eng.º A. T. e depois assinava o Eng.º R. B., ou também para baixo e assinava primeiro o Eng.º R. B. e depois o Eng.º A. T.”. LII. É notório que os aqui Recorridos procuraram lançar a confusão nos autos, enfocando hipotéticos comportamentos do Eng.º A. T. e dos outros gerentes, quando tais condutas eram irrelevantes para o vertente procedimento cautelar, desvirtuando uma prática enraizada na empresa, como sejam os adiantamentos por conta de fornecimentos e descontextualizando pagamentos a empresas com que a Y mantém relacionamento comercial, como é o caso da Fruta ..., Lda.. LIII. Quando resultou dos depoimentos produzidos em julgamento, designadamente das declarações de parte do Eng.º A. T., (ficheiro áudio 20211220153246_1999818_2870652, do minuto 22:50 até ao minuto 23:52), mas também da inquirição das testemunhas P. S., (ficheiro áudio 2022122011220111039_1999818_2870652, passagem registada entre os minutos 18:10 e os minutos 21:56) e H. R., (ficheiro 20211220141812_1999818_2870652, particularmente da passagem registada entre os minutos 18:50 e os minutos 21:35), que anos havia em que a Recorrida tinha de adquirir maçã a terceiros para depois a comercializar, necessitando ainda lhes fossem prestados serviços de aluguer de vasilhame, frio, embalamento e armazenamento, recorrendo nomeadamente à sua sócia W, Lda., mas também a outras entidades, de que a Fruta ... é exemplo. LIV. Ademais, o Eng.º A. T. esclareceu não integrar os órgãos sociais desta empresa, nem possuir participação social na mesma, nem os Requerentes/Recorridos lograram provar tal. LV. No concernente aos adiantamentos por conta do fornecimento de fruta, a testemunha P. S., (ficheiro áudio 2022122011220111039_1999818_2870652, especialmente na passagem 12:10-12:40), e a testemunha H. R., (ficheiro 20211220141812_1999818_2870652, passagem registada entre os minutos 24:48 e os minutos 28:27), esclareceram que se trata de uma prática enraizada e habitual neste ramo de actividade, em virtude de as entregas de maçã se processarem, por norma, apenas uma vez ao ano, e como forma de suprir necessidades de tesouraria das empresas, mormente para adquirirem adubo e fitofármacos, que, ao invés de receberem um único pagamento, vão recebendo adiantamentos por conta do fornecimento que farão no final do ano. LVI. Esta prática foi adoptada na R. desde a sua constituição, e como tal precede o Eng.º A. T., o Senhor A. P. e o Senhor F. T., sendo do conhecimento de todos os sócios e dos gerentes. LVII. E os Requerentes/Recorridos beneficiado dela numerosas vezes, à semelhança do que aconteceu com a generalidade dos sócios, particularmente com a testemunha indicada pelos Requerentes/Recorridos L. N. que inclusivamente descreve este processo que tem lugar por meio da emissão de cheques pré-datados, apesar de não reconhecer que se tratavam de adiantamentos – v. ficheiro áudio 20211220105554_1999818_2870652, no segmento compreendido entre os minuto 4:24 e o minuto 6:40 -, como manifestamente eram e o sócio e também testemunha P. S. veio, no decurso da sua inquirição, elucidar – ficheiro áudio 20211120111039_1999818_2870652, concretamente na passagem gravada entre os minutos 12:10 e os minutos 12:40. LVIII. As declarações de parte do Eng.º A. T. vêm, igualmente, neste sentido. Atentemos no segmento gravado no ficheiro áudio 20211220153246_1999818_2870652, do minuto 21:00 até ao minuto 22:50 LIX. No tocante ao critério elegido pela gerência para o pagamento de adiantamentos a alguns sócios e não a outros, tal é reconduzível a um critério de racionalidade empresarial ou business judgement rule na formulação anglo-saxónica, insindicável judicialmente, salvo melhor opinião. LX. Sendo falso e quedando por demonstrar que o Eng.º A. T. ou algum dos outros gerentes em exercício tenham actuado em favor ou em desfavor da sócia W, Lda., ou de qualquer outro sócio, comprometendo o interesse e o património sociais. LXI. Os Tribunais portugueses têm respeitado o princípio de insindicabilidade do mérito das decisões dos administradores e gerentes na lógica societária, entendendo que não podem ser fiscalizadas regras de gestão societária, mas tão-somente a observância de normas legais. LXII. Os tribunais têm apenas poderes para apreciar e escrutinar questões de legalidade, que não é aqui o caso, e já não questões conexionadas com a gestão da sociedade, para as quais não estão capacitados. LXIII. O Eng.º A. T. é sócio da R. e sócio e gerente da W – Sociedade Agro-Comercial de Maçã, Lda. e da Casa Agrícola R. S., Lda., sendo que a W é detentora da maior participação social da Y, conforme se retira das certidões permanentes destas sociedades que integram os autos. LXIV. E, na medida em que os sócios são um órgão quase-soberano no seio da sociedade, é evidente que o Eng.º A. T. tem poder para determinar a condução dos negócios sociais. Mas os Recorridos também são sócio (individualmente e na qualidade de representante de uma Sociedade Unipessoal) e representante de uma pessoa colectiva que é sócia da Requerente, e, na qualidade de sócios e de gerentes, tinham um poder assinalável para determinar a gestão da sociedade, contrariamente ao que queriam fazer crer. LXV. Considerado o funcionamento de uma sociedade comercial, esse poder de influência se joga em função do valor nominal das participações sociais detidas por cada sócio, daí que o poder de influência do Eng.º A. T. fosse consideravelmente superior ao dos Recorridos. Este argumento dos Requerentes/Recorridos é eloquente do seu interesse pessoalíssimo que preside à catadupa de processos que vêm intentando contra a sociedade e os restantes gerentes, e que teve início com as acções de insolvência: adquirir as participações sociais dos sócios maioritários abaixo do seu valor de mercado. LXVI. E nem se traga à colação a situação económica da W, Lda. Que putativamente justificaria o receio dos Requerentes/Recorridos na perda do crédito que a Recorrente detém sobre essa sócia. O penhor que incide sobre as quotas dos sócios da W, Lda. não evidencia uma situação financeira débil nem justifica tal receio, visto que as quotas foram dadas como garantia e em contrapartida de um financiamento bancário que está a ser escrupulosamente cumprido, e considerando que esses penhores são a única oneração que incide sobre quotas da W LXVII. Tanto mais quanto a W não tem créditos vencidos e não satisfeitos, como decorre da contestação da acção de insolvência desta sociedade que integra as certidões judiciais juntas aos autos pela Requerida, ora Recorrente, e ademais depoimento da testemunha P. S.. LXVIII. Daí que se impusesse decisão diferente também no que concerne ao ponto 22. do rol de factualidade provada, que deveria integrar o acervo de factos não provados, porquanto se retira da certidão permanente da sociedade Requerida/Recorrente, documento anexo à petição inicial, que a sociedade foi alvo de penhores e não de penhoras. LXIX. Do mesmo modo, é manifesto que os Recorridos cometeram um ilícito quando decidiram propor acções especiais de insolvência contra três dos sócios da Y, a W – Sociedade Agro-Comercial de Maçã, Lda., a Casa Agrícola R. S., Lda. e A. T., para cobrança de um crédito que não tinha procurado cobrar extrajudicialmente e quando este não era o meio próprio, ao arrepio do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 246º do CSC que faz depender de deliberação dos sócios a propositura de acções judiciais pela sociedade contra os seus sócios e das regras estatutárias sobre a vinculação da sociedade, e pese embora nenhum dos Requeridos se encontrasse em situação de insolvência, actual ou iminente, ou mesmo em situação económica difícil. LXX. Por outro lado, provou-se que os créditos dos Requeridos naquelas acções não são nos quantitativos aventados visto que existem encontros de contas, pagamentos e fornecimentos de maçã que não foram considerados, e ainda porquanto os Requeridos prestam serviços de embalamento, armazenamento e frio de algum volume à Y que não foram sopesados. O Eng.º A. T. fala de uma autêntica conta-corrente. LXXI. Tal resulta provado do depoimento da testemunha P. S., sócio da Recorrida e responsável da parte financeira da W, que afirmou que o crédito da W não era estanque fruto dos constantes e intensos fluxos das relações comerciais que se estabeleciam entre as duas empresas, profícuas para ambas (ficheiro áudio 20211220111039_1999818_2870652, 18:10 – 21:56). LXXII. Esta testemunha acrescentou que, na sua opinião, uma acção de insolvência não serve para cobrar créditos, senão para denegrir a imagem da empresa demandada, sendo que estas acções de insolvência foram de molde a cumprir esse desiderato, desde logo porque a W, na sequência destes litígios judiciais, foi contactada por diversos fornecedores que lhe cortaram o crédito. LXXIII. Trata-se de meio ínvio, atenta a responsabilização pelos danos causados ao devedor em caso de dedução de pedido infundado cominada pelo artigo 22º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas. E, a Requerida foi condenada em custas, tendo ainda de suportar as custas de parte e honorários de advogado, o que redunda em prejuízos para a sociedade e, mediatamente, para os sócios. LXXIV. Estes processos lesaram gravemente a imagem dos Requeridos, porque chegarem ao conhecimento dos seus fornecedores, parceiros de negócio, da banca e de clientes, além de terem prejudicado a imagem da própria Y, seja por ser consabido que a W entrou no seu capital social por via de um aumento de capital com o qual se pretendeu fazer face a dificuldades de tesouraria e de financiamento desta última; seja pelo facto de o mercado ver com maus olhos que a gerência de uma empresa intente, e o que é mais de uma assentada, acções de insolvência contra três das suas sócias, maioritárias, acrescenta-se. LXXV.O comportamento dos aqui Recorridos é, portanto, sintomático de incompetência, impreparação e má gestão, além de que, actuando desta forma, negligenciaram o princípio (da prevalência) do interesse social. LXXVI. Em face do que precede, concluímos que os Requerentes/Recorridos tinham o ónus de alegar e de provar, de modo minimamente consistente (prova sumária), os danos que a providência visava prevenir, a sua gravidade e o seu montante, ainda que aproximado. LXXVII. No entanto, não resulta da factualidade aduzida pelos Requerentes/Recorridos nem da prova produzida nos autos a certeza, e nem sequer a probabilidade, muito menos forte, de que a execução da deliberação impugnada possa causar dano relevante, ou mesmo qualquer tipo de dano, quer à sociedade quer aos Requerentes/Recorridos. LXXVIII. Donde, não se pode afirmar que o risco da lesão invocada assumisse proporções de gravidade e dificuldade de reparação que justificasse o deferimento da providência. LXXIX. Ante o não preenchimento do pressuposto do periculum in mora (dano apreciável), e na medida em que os tribunais devem ter a preocupação de evitar abusos desta forma de composição provisória dos conflitos, recaindo o ónus da prova sobre os Requerentes da providência cautelar, e pelas razões aduzidas, não deveria a mesma ter sido deferida.” Pede que se dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por Acórdão que absolva a Requerida/Recorrente de todos os pedidos contra ela formulados. * Os requerentes apresentaram contra-alegações com as seguintes -CONCLUSÕES (que se reproduzem)- “1 - A recorrente, insurge-se sem razão, contra a Douta Sentença proferida pela Mma. Juiz “a quo”, que julgou procedente o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais requerido e ordenou a suspensão da deliberação tomada na Assembleia Geral de sócios de 30 de setembro de 2021, 2- Entende não se encontrarem verificados os pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar especificada de suspensão de deliberações sociais e por isso impugna a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo de facto e de direito, pretendendo a alteração da matéria de facto provada na sentença, constante dos pontos 17 (22), 26 e27, todavia, sem qualquer razão ou fundamento legal, porquanto a sentença que coloca em crise, não é suscetível de qualquer reparo ou censura. 3- De facto, andou bem a Mma. Juiz “a quo” na fundamentação da sentença e na apreciação efetuada à prova, nomeadamente à prova documental e testemunhal produzida. 4 - Sendo inequívoco, que uma análise atenta, critica e objetiva à prova considerada no seu conjunto, impunha sem margem para dúvidas que o Tribunal a quo decidisse como decidiu, ou seja, que considerasse como provados os factos constantes dos pontos 17 (22), 26 e 27 da lista dos factos provados da sentença, pelo que, razão alguma existe para que a decisão sobre matéria constante desses pontos seja alterada. 5-“A suspensão de deliberações sociais constitui uma providência específica que permite antecipar os efeitos derivados da sentença declarativa de nulidade ou de anulabilidade da deliberação social, obstando à execução de uma deliberação formal ou substancialmente inválida e que poderia ter repercussões negativas no sócio ou na pessoa coletiva. Exerce, assim, uma função instrumental relativamente à necessária ação de invalidade da deliberação social, constituindo o meio de acautelar a utilidade prática da sentença de anulação contra o risco de duração do respetivo processo. 6- São requisitos da providência cautelar de suspensão de deliberação social, de acordo com o artigo 380.ºn.º1 do Código de Processo Civil: 1) Ser o requerente detentor da qualidade de sócio; 2) A existência de uma deliberação inválida, por contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato; 3) A probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, que deverá ser igual ou superior ao que decorrerá da suspensão da deliberação.” 7- No caso em apreço, em face da prova produzida nos autos, é indubitável que os Requerentes, ora, Recorridos aquando da instauração do procedimento cautelar de suspensão de deliberação social, assumiam a qualidade de sócios da Recorrente, pelo que o primeiro requisito da Providencia cautelar se mostra verificado; 8 – Quanto ao segundo requisito, ou seja, “a existência de uma deliberação inválida, por contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato” convirá referir que como consta da douta sentença colocada em crise pela Recorrente, a lei é muito ampla no que diz respeito à invalidade das deliberações, abrangendo tanto as deliberações anuláveis como as nulas e ineficazes ou inexistentes (desde que a sua execução se repercuta negativamente na esfera jurídica dos interessados), e isto tanto por contrariedade com a lei, com os estatutos da sociedade ou com o pacto social, 9 – sendo jurisprudência aceite que quanto a este requisito a lei exige apenas um juízo de mera probabilidade de que o requerente é titular de um direito aparente. 10- Compulsados os autos e analisados os documentos juntos aos mesmos pelos requerentes, ora, recorridos, nomeadamente a convocatória para Assembleia Geral de Sócios da Sociedade, aqui recorrente, de 30.09.2021, verifica-se que da mesma apenas consta um único ponto da ordem de trabalhos destinado à tomada de deliberação sobre a destituição com justa causa de dois gerentes da mesma sociedade, sendo um, R. B., sócio da, ora, recorrente e outro, A. N., representante legal da sociedade, Unipessoal por quotas, X - Sociedade Agrícola, Unipessoal, Lda, também ela, sócia da recorrente, 11- O que significa que os referidos sócios por via do consignado no disposto no artigo 251.º nº 1 alínea f) do Código das Sociedades Comerciais, por uma situação de conflito de interesses com a sociedade, ficaram logo á partida e por via de vicio de procedimento e irregularidade da convocatória, legalmente impedidos de exercer o seu direito de voto na deliberação a aprovar, 12- Ficando o sócio R. B., aqui recorrido, legalmente impedido de votar na destituição, ou não, do gerente A. N. e a sócia X – Sociedade Agrícola, Unipessoal, Lda, impedida de votar a destituição, ou não, do gerente R. B., 13 - Desse facto chamaram os recorridos à atenção dos demais sócios e do presidente da assembleia, todavia, resolveram estes, não obstante o vício de procedimento relativo à convocatória, prosseguir com a assembleia e votar a deliberação. 14 - Resulta pois, que a deliberação da assembleia Geral de sócios da Recorrente de 30.09.2021 que aprovou a destituição com justa causa dos gerentes A. N. e R. B., porque inquinada de vício procedimental, encontra-se ferida do vicio de anulabilidade, por violação do disposto nos artigos 21.º, 379.º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais. 15 - Pois que, como muito bem fundamentou a Mma. Juiz a quo, na sentença sub recurso “Trata-se, pois, de vício procedimental relevante, segundo o critério que deixámos exposto. O impedimento à participação de sócio (legitimado) nas deliberações (v.g. foi-lhe recusada a entrada ou a permanência na assembleia, ou a palavra na discussão das propostas) é vício relevante ainda que se prove que a deliberação seria idêntica no caso de o sócio ter sido admitido a participar. A finalidade das normas violadas (assegurar a colegialidade, garantir o exercício de direito fundamental da socialidade) reclama a anulabilidade”, 16 - Ocorre ainda que, em face da matéria que resultou indiciariamente provada na douta sentença sob recurso, ainda que não existisse o vicio procedimental relevante que vem de alegar e que conduz inevitavelmente à anulabilidade da deliberação dos autos nos termos do artigo 58.º nº1. al. a) do C.S.C., sempre haveria a referir, que a deliberação aprovada na assembleia geral de sócios da Recorrente é abusiva por inexistir justa causa para a destituição dos gerentes visados, 17 -Pelo que, os recorridos infirmam toda a fundamentação apresentada em sede de alegações de recurso pela Recorrente, designadamente, a que visa a impugnação e alteração da matéria de facto, constante dos ponto 17 e 22 dos factos provados da sentença, 18 - a qual, salvo o devido respeito, como se deixou alegado, não é suscetível de abalar o sentido probatório plasmado na douta sentença no que diz respeito aos referidos pontos, que devem ser mantidos e inalterados na lista dos factos provados da sentença em crise. 19 -De igual forma devem manter-se na lista dos factos provados os pontos 26 e 27 dos factos provados da sentença sob recurso. 20 - Quanto a estes factos, constam dos autos, documentos, (cheques nºs 9 a 12 juntos com a P.I.) que sustentam por si só a resposta dada a esta matéria pela Mma. Juiz, alguns dele, emitidos pela sociedade, ora recorrente, e assinados somente pelo gerente A. T., em contravenção com o que consta do pacto social, quanto à forma de obrigar a sociedade recorrente; 21 – No caso particular do facto constante do ponto 27 da lista dos factos provados da sentença, basta atender-se ao que foi dito por N. A. e A. T. nas declarações que prestaram em sede de audiência de discussão e julgamento para se concluir da decisão correcta da Mma. Juiz, sendo que, este último, após questionado sobre a titularidade da sociedade Fruta ... frutas, Lda, “disse tratar-se uma sociedade de um sobrinho seu e questionado sobre relacionamento comercial que tal sociedade tinha com a requerida, não soube explicar ao Tribunal cabal e coerentemente tal relacionamento. 22 - O Tribunal a quo, fez uma boa análise e apreciação critica à prova produzida nos autos no seu conjunto e sempre de acordo e em obediência aos princípios da imediação, oralidade e da livre apreciação da prova, não existindo erro na apreciação da prova relativamente aos concretos pontos de facto impugnados pela recorrente, 23- Pelo que, é de improceder a pretensão da recorrente de ver alterada a matéria constante dos pontos 17, 22, 26 e 27 dos factos provados da sentença, infirmando os recorridos toda a fundamentação apresentada em sede de alegações de recurso pela recorrente, designadamente, a que visa a alteração da matéria de facto, 24 - a qual, salvo o devido respeito, não é suscetível de abalar o sentido probatório plasmado na douta sentença, assim como, a livre convicção da Mma. Juiz a quo, na análise que fez ao conjunto da prova produzida, que refira-se, não é merecedora de qualquer crítica ou censura. 25 – Quanto ao terceiro requisito do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, ou seja, a probabilidade da ocorrência de dano apreciável decorrente da execução da deliberação inválida, que deverá ser igual ou superior ao que decorrerá da suspensão da deliberação, haverá a dizer que, tal requisito, resultou amplamente provado, e como tal, os, ora, recorridos não podem estar mais de acordo com aquilo que foi fundamentado e decidido pela Mma. Juiz na douta sentença sub recurso quanto a esta matéria. 26 - Os recorridos alegaram em 77.º a 96.º do seu requerimento inicial de procedimento cautelar, factos concretos tendentes aprovar o periculum in mora, a existência do perigo dos prejuízos e da sua gravidade, o que lograram provar, tal como, aliás decorre da sentença sob recurso que como se disse, não é merecedora de qualquer reparo, 27- sendo certo que, em face do que resultou provado e consta da douta sentença em apreciação, “o dano decorrente da deliberação impugnada é, no caso, evidente: traduz-se na perda do cargo de gerentes, que se veem afastados da sociedade e da possibilidade participar e influir nos atos de gestão da sociedade requerida, controlando e autorizando designadamente os pagamentos e/ou transferências de montantes quer aos sócios da requerida quer a terceiros fornecedores/clientes. Acrescenta-se, ainda, que a necessidade de recurso ao procedimento cautelar se impõe, igualmente, em face da própria deliberação. É que, consolidando-se a destituição destes dois gerentes, a requerida poderá atuar da forma como os demais gerentes entenderem conveniente e sem a possibilidade de aqueles se oporem a qualquer ato gestionário.” 28 – Mostrou-se assim demonstrado, o terceiro requisito do procedimento cautelar em apreciação, 29 – Pelo que, andou bem a Mma. Juiz a quo ao dar como verificados todos os pressupostos necessários ao decretamento da providência requerida e ao julgar procedente o pedido de suspensão da deliberação social formulado pelos recorridos, 30 – Aderindo estes, na integra, à fundamentação de facto e de direito constante da douta sentença colocada em crise, pelo que, pugnam pela negação de provimento ao presente recurso, 31- o que requerem:” Pedem que seja negado provimento ao presente recurso, e em consequência seja mantida a Sentença em crise, nos seus precisos termos. **** O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, o que foi confirmado por este Tribunal. Após os vistos legais, cumpre decidir. *** II QUESTÕES A DECIDIR.Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos. Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir, por ordem lógica que resulta da sua leitura global e da leitura das peças do processo: -se deve ser alterada a matéria de facto indiciariamente considerada; -se a deliberação tomada não sofre de vício procedimental, quer face aos termos da convocatória, quer face ao modo como foi apresentada a deliberação; -se assim se concluir, se há justa causa de destituição, sendo a deliberação válida desde logo porque tomada por maioria; -ainda que assim não fosse, não se verifica o “periculum in mora”. * Impõe-se uma nota face à leitura das conclusões de recurso apresentadas pela requerida.Dispõe o artº. 639º, nº. 1, do C.P.C., que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, ou seja, as conclusões extraídas da motivação do recurso serão uma síntese dos fundamentos em que se baseia a discordância do recorrente relativamente à decisão recorrida. O nº. 2 do mesmo artigo concretiza as indicações que delas devem constar quando e na parte em que a discordância se prende com a aplicação do direito: as normas jurídicas violadas, o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem o fundamento da decisão na parte jurídica deviam ter sido interpretadas e aplicadas, caso a razão da discordância se prenda com o que se entende ser erro na determinação da norma aplicável, qual a norma que então devia ter sido aplicada. Acresce, se for o caso, a arguição de nulidades de sentença (artº. 615º, b) a e), do C.P.C.). As conclusões correspondem às questões, de facto ou de direito, que o recorrente pretende ver reapreciado; e é sobre essas questões que o Tribunal de recurso se tem de debruçar sob pena de cometer nulidade por omissão ou por excesso de pronúncia (artº. 615º, nº. 1, d), “exi vi” artº. 666º, nº. 1, do C.P.C.). Por isso se diz que o Tribunal trata de questões não tendo que rebater todos os argumentos de ordem fatual, doutrinal ou jurisprudencial levantadas pelas partes nos recursos, considerações, motivos ou juízos de valor (que constarão da sua motivação), e também não tem de se debruçar sobre questões que fiquem prejudicadas pela solução dada a outras (artº. 608º, “ex vi” artº. 663º, nº. 2, C.P.C.). As conclusões exercem a função de delimitação objetiva do recurso, conforme decorre do artº. 635º, nºs. 3 e 4, do C.P.C., exercendo função semelhante à do pedido na petição inicial, ou à das exceções na contestação, salvo casos em que ao Tribunal de recurso é possível com base nos elementos dos autos julgar matérias de conhecimento oficioso –cfr. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, pags. 105 a 112 da 4ª edição. Face ao exposto, se as conclusões são apresentadas de forma deficiente, obscura, complexa ou com omissão das especificações impostas, então apresentam-se como irregulares. Apelando novamente à obra citada (pags. 143 a 151), aí se concretiza cada um desses vícios. Assim, elas serão deficientes quando não espelhem todas as questões abordadas na motivação (insuficientes), quando se mostrem incompatíveis com o que é dito na motivação (contraditórias), quando na motivação não estão sustentadas (excessivas), quando não existe correspondência lógica entre a premissa e a proposição (incongruentes), quando são apresentadas sem nexo e sem descriminação à matéria de facto ou à matéria de direito (confusas). nomeadamente na indicação do que se pretende e qual o caminho seguido para a respetiva defesa. E são complexas as conclusões que não são sintéticas como é exigência legal (são antes prolixas), quando misturam as questões que interessam com questões irrelevantes (inócuas), e quando repetem argumentos. Também são complexas quando nelas estão transpostos argumentos, e considerações doutrinais e jurisprudências que devem antes constar da motivação; e quando a cada conclusão corresponde mais do que uma questão. Por último, também a falta das indicações referidas no nº. 2 do artº. 639º torna as conclusões deficientes. A verificação destes vícios deve conduzir à prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento por iniciativa do relator, tal como previsto nos artºs. 639º, nº. 3, e 652º, a), do nº. 3, do C.P.C.. Ora, para além de outros problemas que serão aflorados em sede de apreciação do mérito do recurso, não temos dúvidas em apontar às alegações em causa o vício da complexidade. As conclusões apresentadas são quase a reprodução da motivação do recurso. Porém, um convite ao seu aperfeiçoamento implicaria o “adiamento” da prolação de acórdão, com a agravante da proximidade das férias judiciais da Páscoa, o que perturbaria a celeridade que se quer imprimir no âmbito do procedimento cautelar. Assim sendo, este Tribunal fará um esforço de sindicância das questões que se impõe apreciar, e seguirá a sua ordem lógica. * III IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.* Antes de mais teremos de reproduzir a factualidade indiciária que o tribunal “a quo” considerou para proferir a sua decisão, de modo a tentar clarificar a pretensão da recorrente neste âmbito. E é esta a factualidade: 1. A requerida é uma sociedade por quotas, que tem por objeto social o comércio e o armazenamento de frutas, em particular visa: a) agir como organização de Produtores reconhecida, na aceção usada no Regulamento (CE) número dois mil e duzentos barra noventa e seis de vinte e oito de Outubro; b) promover a concentração da oferta e regularização dos preços no estádio de produção para os produtos provenientes das explorações frutícolas dos sócios; c) aplicar, em matéria de produção e de comercialização, regras comuns afim de melhorar a qualidade dos produtos e adaptar o volume da oferta às exigências do mercado, assegurando a programação da produção e a adaptação à procura, nomeadamente em qualidade e quantidade; d) promover práticas de cultivo e de gestão de resíduos respeitadoras do ambiente, nomeadamente através do apoio técnico aos sócios na aplicação das técnicas de proteção e produção integrada, nomeadamente para proteger a qualidade das águas, do solo e da paisagem e para preservar e/ou fomentar a biodiversidade; e) Por à disposição dos sócios os meios técnicos adequados para o acondicionamento e a comercialização dos produtos; f) Assegurar o acompanhamento e o controlo da aplicação pelos sócios das medidas estabelecidas no programa operacional recorrendo ao fundo operacional e aos apoios financeiros comunitários e nacionais, legalmente previstos para o efeito; g) Reduzir os custos de produção e regularizar os preços de produção. 2. O requerente R. B. é titular de uma quota social no valor nominal de € 62 599,01 e a requerente X, Sociedade Agrícola Unipessoal Lda, é titular de uma quota no valor nominal de € 42 998,70. 3. O requerente R. B. e o legal representante da requerente X, Sociedade Agrícola Unipessoal Lda – A. N., têm na requerida o cargo de gerentes. 4. A gerência da requerida é composta, para além de R. B. e A. N., também por A. T., A. P. e F. T.. 5. A. T., A. P. e F. T. são sócios e gerentes da sociedade W – Sociedade Comercial de Maçã, Lda. 6. A sociedade W – Sociedade Comercial de Maçã, Lda é a sócia maioritária da requerida sendo titular de duas quotas sociais uma no valor nominal de € 150 000,00 e outra no valor nominal de € 90 200,00. 7. O gerente A. T. é titular, na requerida, de uma quota no valor nominal de € 8 531,93, é sócio maioritário da sociedade W – Sociedade Comercial de Maçã, Lda, e é sócio e gerente de uma outra sociedade comercial, também ela sócia da requerida, denominada de Casa Agrícola R. S., Lda, que detém na requerida uma quota nominal no valor de € 2 800,00. 8. Os sócios da requerida, A. T., W - Sociedade Comercial de Maçã, Lda e Casa Agrícola R. S., Lda, no seu conjunto, detêm a maioria do capital social da requerida. 9. O sócio gerente, A. T., é quem normalmente representa as sócias da requerida – W- Sociedade Comercial de Maçã, Lda e Casa Agrícola R. S., Lda, nas assembleias gerais ordinárias e extraordinárias da requerida. 10. O sócio gerente A. T. faz compras e pagamentos aos sócios produtores de fruta e ou/a terceiros. 11. Por convocatória de 14 de setembro de 2021, assinada pelo sócio gerente, A. T., foram convocados todos os sócios da requerida para reunirem em Assembleia Geral Extraordinária, no dia 30 de setembro de 2021, pelas 14h00. 12. A Assembleia Geral Extraordinária convocada tinha a seguinte ordem de trabalhos: “UM- destituição dos gerentes A. N. e R. B., com justa causa, designadamente em virtude de terem atuado contra o interesse social lesando a sociedade, em matéria que não era da competência da gerência e à revelia dos demais gerentes da sociedade.” 13. No dia 30 de setembro de 2021 foi realizada a Assembleia Geral da requerida, na qual estiveram presentes, devidamente representados, os sócios da requerida, identificados na referida ata e titulares das quotas aí identificadas, assumindo as funções de Presidente da Assembleia, o sócio A. T. por ser o sócio com maior participação no capital social. 14. O Presidente da Assembleia, o sócio A. T., antes de submeter o ponto da ordem de trabalhos à votação, fez a seguinte intervenção: “A iniciativa de convocar esta Assembleia Geral prende-se com o comportamento de dois dos gerentes, nomeadamente A. N. e R. B. que têm praticado actos manifestamente lesivos dos interesses da sociedade e contrários não apenas à vontade da maioria dos gerentes, como da maioria dos sócios, em matéria que extravasa a competência dos gerentes. Em concreto, estes gerentes decidiram, por sua iniciativa, não comunicada aos demais gerentes, constituir mandatário e propor três ações judicias de insolvência, contra três sócias desta sociedade: “W – Sociedade Agro- Comercial de Maçã, Lda”; “Casa Agrícola R. S., Lda” e “A. T.”. Ora, por um lado, tratando-se de acção a propor contra sócias, impõe o artigo 246.º nº 1, alínea g) do Código das Sociedades Comerciais, que a mesma seja precedida de deliberação a tomar em Assembleia Geral de sócios, carecendo a gerência de competência para tal iniciativa, não tendo esses gerentes respeitado a reserva de competência da Assembleia Geral, sabendo-se que nem sequer se dignaram convocar reunião de sócios para o efeito. Por outro lado, tendo a sociedade cinco gerentes, aqueles dois gerentes decidiram avançar para aquele procedimento judicial sem previamente auscultar a opinião dos demais gerentes, que sabiam ser contrária a tal iniciativa, tão pouco lhes deram conhecimento dessa iniciativa, pelo que, não respeitaram o disposto no artigo 261.º do Código das Sociedades Comerciais, que regula o exercício da gerência plural. Nos termos deste artigo, quando haja vários gerentes, como é o caso da Y, os respetivos poderes são exercidos conjuntamente, considerando-se válidas as deliberações que reúnam os votos da maioria e a sociedade vinculada pelos negócios pelos negócios jurídicos concluídos pela maioria dos gerentes ou por ela ratificados. Ora, tendo a sociedade cinco gerentes, deveria ter sido convocada reunião de gerência para discutir matéria tão relevante, ocasião em que, além do mais, os gerentes em causa seriam chamados à atenção para o facto de não terem competência para a iniciativa que acabaram por tomar, arrastando a sociedade para uma atuação ilegal. Ademais, já em data posterior a terem tomado conhecimento que este tipo de acções carece de deliberações tomadas em Assembleias Gerais de sócios, os dois gerentes em apreço subscreveram segunda procuração a favor de um segundo mandatário, bem sabendo que os seus poderes de gerência não lhes permitiam praticar tal acto. Acresce que a propositura desta acção irá originar fatalmente prejuízos para a Y, porquanto além de terem sido invocados factos que sabiam falsos, nenhuma daquelas três entidades se encontra em situação de insolvência, daí que nos termos do artigo 22.º do Código da Insolvência e da recuperação da Empresa, a Y, requerente naqueles procedimentos judiciais, terá de indemnizar aquelas três requeridas, por se tratarem de pedidos infundados, situação causada unicamente pelo comportamento temerário, precipitado, contrário aos interesses da sociedade daqueles dois gerentes e que, além do mais, exorbita o âmbito das suas competências. A atuação destes gerentes, não sendo justificada pelo interesse social da Y, só pode ter sido motivada por interesses próprios dos mesmos, nomeadamente para tentarem adquirir as participações sociais daqueles sócios em condições mais vantajosas do que as que resultam das regras normais de mercado, o que constitui conduta absolutamente censurável e alheia aos interesses da Y. Estes gerentes serviram-se, assim, das suas funções de gerentes da sociedade para prosseguirem fins pessoais e, em qualquer caso, contrário aos interesses da sociedade. Acresce que estes gerentes, que são sócios produtores, estão a incumprir o seu dever de entregar fruta à “Y”, o que constitui a violação grave de uma obrigação estatutária, sem a qual, a sociedade não consegue subsistir. Ora, enquanto gerentes deviam estes sócios informar os demais gerentes, para que pudessem, atempadamente, ser tomadas as diligências necessárias ao cumprimento de uma obrigação tão importante para as finalidades prosseguidas pela sociedade. Não podem, assim, estes gerentes manter-se no exercício das suas funções nesta sociedade, pois está, de forma definitiva, comprometida a confiança que os sócios depositaram neles e que esteve na génese da sua nomeação. Os comportamentos descritos são por si suficientes para os identificados gerentes serem destituídos por justa causa. Mais referiu que esta situação é tanto mais intolerável quanto aqueles gerentes sabiam que o conjunto daqueles três sócios têm mais de cinquenta por cento do capital da Y, pelo que, em qualquer caso, a sua conduta seria sempre contrária à vontade da maioria dos sócios da sociedade, estando assim plenamente justificada a destituição dos mencionados gerentes, o que propõe.” 15. Seguidamente, A. N., representante legal da aqui requerente, X – Sociedade Agrícola, Unipessoal, Lda, fez a declaração que se transcreve, respeitante, também, ao aqui requerente, R. B. “Constitui ponto único desta assembleia Geral extraordinária a tomada de deliberação sobre a destituição dos Gerentes A. N. e R. B., com justa causa, designadamente em virtude de terem atuado contra o interesse da Y- Comércio de Frutas, Lda, lesando a sociedade, em matéria que não era da competência da Gerência e à revelia dos demais gerentes da sociedade. Em primeiro lugar, haverá a referir a irregularidade/ilegalidade da convocatória, pois constando da mesma um único ponto da ordem de trabalhos, onde nesse mesmo ponto, se pretende deliberar sobre a destituição com justa causa de dois gerentes, ou seja, de A. N. e R. B., tal situação vai levar a que (conforme resulta do artigo artigo 251.º nº 1 al. f ) do Código das Sociedade Comerciais), ambos fiquem impedidos de votar nesse ponto da ordem de trabalhos, não o podendo fazer, nem por si, nem por representante, nem em representação de outrem. Ora tal situação coarta o direito de cada um dos gerentes visados de votar na qualidade de sócios, na destituição, ou não, do outro e vice-versa, o que por limitador dos seus direitos enquanto sócios ou representantes legais de sócios, é violador da lei e dará origem a deliberações anuláveis, o que entendemos ser de evitar. Em segundo lugar, haverá que referir que a convocatória da presente assembleia destina-se à destituição de dois gerentes da sociedade Y, Lda, com justa causa, por revelia dos demais gerentes. Não obstante não serem explicitadas as razões apontadas para a justa causa, deduz-se que, as mesmas se prendem com a propositura pela sociedade de 3 ações judicias de insolvência através de procurações forenses subscritas a favor de advogado pelos dois gerentes visados. Ora, refira-se que essas ações, judiciais ao contrário do que se pretende fazer crer, foram intentadas única e simplesmente no interesse da sociedade Y, Lda, ainda que em detrimento dos interesses dos sócios demandados nos processos Judiciais, e foram-no porque o gerente de facto e de direito, A. T. e os gerentes A. P. e F. T., deixaram de atender aos pedidos de reuniões que lhe eram solicitados, tendo deixado de comparecer na sede da sociedade, desde 15.10.2020, e assim, se escusado a apresentar uma justificação válida para o não pagamento aos sócios dos valores que lhe eram devidos pela entrega que tinham feito à Sociedade da produção de maçãs, sendo que, em junho de 2021, alguns deles, como era o caso de, R. M.; Cabeça de casal de A. S.; I. P., S. P., Lda ainda não tinham recebido qualquer valor e a sócia Frutas J. Unipessoal, Lda, tinha recebido pouco mais de 40% da produção que havia entregue). Tudo isto apesar de terem tomado conhecimento que o gerente A. T. tinha emitido cheques da Sociedade a seu favor enquanto sócio, em adiantamento da entrega futura da produção de maçãs, assistindo-se, com isso a um aumento sucessivo e injustificado da divida, daquele sócio, passando a divida de €64.777,37 em 31.12.2019 para €122.451,37 em 30.06.2021 e 127.451,37 em 31.07.2021. Refira-se que a faturação de maçã do Sócio e gerente A. T. à Y, Lda, em três anos, resume-se aos seguintes valores: Total faturado de maçã em 31-12-2017 = 2.527,04€ Total faturado de maçã em 31-12-2018 = 5.906.32€ Total faturado de maçã em 31-12-2019 = 3.493,76€ Significa isto, que o total da produção de maçã entregue por este sócio à Y, Lda em três anos foi de €11.927,12, no entanto esta empresa já adiantou por conta do pagamento de produção de maçã futura e sem nenhuma garantia de pagamento ou qualquer contrapartida deste sócio, o valor de €127.451,37, o que é demonstrativo de uma gestão abusiva e danosa da sociedade Y, Lda, por parte deste gerente que para além disso, tem demonstrado e alegado incapacidade para enquanto devedor da sociedade, saldar a sua divida, a qual, ao invés de diminuir como se impunha, tem aumentando de ano para ano. Por outro lado, é sabido que não obstante, como vimos, as dificuldades demonstradas no pagamento pela Y, Lda, a alguns sócios da produção de maçã com faturação já vencida, foram inexplicavelmente, neste período, também adiantados pela Y, Lda, à Sócia Casa Agricola R. S., da qual, diga-se, o gerente desta empresa, A. T. também é sócio e gerente, e por ordem deste, valores, na ordem dos 160.717,48. Ora, tudo isto é revelador da gestão abusiva e danosa do gerente A. T., e demonstrativo do tratamento desigual que dá aos sócios desta sociedade, beneficiando aqueles em que tem participações sociais e funções de gerência, dos outros, retirando benefícios diretos da gestão que faz da sociedade Y, Lda, em detrimento desta sociedade e dos seus demais sócios, beneficiando com adiantamentos de capital e com outros serviços, empresas nas quais detém interesses e participações sociais, financiando-as, equipando-as e modernizando-as à custa da descapitalização e desinvestimento na Y, Lda. É o que se passa com a empresa W-SOCIEDADE AGRO-COMERCIAL DE MAÇÃ, LDA, a qual, para além de ser a sócia maioritária desta empresa tem na sua gestão, com exceção dos gerentes visados na convocatória, os mesmos gerentes da Y, Lda, ou seja o Sr, A. T.; F. T. e A. P., a qual, à data de 30.06.2021, apresentava um débito à Y, Lda, na ordem de €684.419,19, débito esse, que sem qualquer garantia de pagamento, vem-se arrastando de ano para ano, com manifestos prejuízos para a Y, Lda, , pelo que, urgia que alguém, em nome da sociedade e no seu interesse fizesse algo no sentido de recuperar esse capital, tanto mais que a sociedade devedora nunca deu mostras de querer pagar , nem mostrou alguma vez que o podia fazer, pelo contrário, sempre alegou grandes dificuldades e impossibilidade para pagar o seu débito. Ora, foi neste contexto de gestão abusiva, discriminatória e de desinteresse por parte dos demais gerentes, na cobrabilidade dos créditos da Y, Lda, que, os dois gerentes visados na convocatória desta assembleia decidiram conferir procuração a advogado para avançar com as ações de insolvência contra três dos sócios devedores. Fizeram-no no interesse superior da sociedade e porque para além de tudo quanto se deixou dito no que diz respeito à gestão discriminatória, abusiva, interessada e de má-fé, que vem sendo feita, os demandados têm dado sinais à Y, Lda, de insolvabilidade, existindo o receio de perda irremediável dos créditos. Não podemos esquecer que é a incobrabilidade de créditos que tem impedido a Y, Lda de liquidar as suas dividas à banca, e de investir nas suas instalações e em equipamentos suscetíveis de a tornarem uma sociedade mais lucrativa, autónoma e independente. Perante tudo isto Pergunta-se: De que forma a sociedade saiu lesada com a atuação dos gerentes em causa? Onde está a justa causa para a destituição dos gerentes visados na convocatória? A resposta terá que ser só uma; A sociedade não saiu lesada, nem existe qualquer justa causa para a destituição!” 16. Apresentado à votação dos sócios o ponto único da ordem de trabalhos, foi aprovada por maioria, a destituição com justa causa dos gerentes, A. N. e R. B.. 17. Os requerentes chamaram a atenção dos demais sócios e do presidente da assembleia para o facto de se encontrarem impossibilitados de exercer o seu direito de voto na deliberação a aprovar, ficando o sócio R. B. impedido de votar na destituição ou não do gerente A. N. e a sócia X – Sociedade Agrícola, Unipessoal, Lda impedida de votar a destituição ou não do gerente R. B.. 18. Os requerentes por considerarem estar legalmente impedidos de votar declararam não votar o ponto único da ordem de trabalhos da referida assembleia. 19. Os sócios não atenderam às chamadas de atenção dos requerentes. 20. Os gerentes, A. N. e R. B., ao mandatarem advogado para intentar, em representação da requerida Y – Comércio de Frutas, Lda, as ações judiciais de insolvência contra os sócios - “W – Sociedade Agro- Comercial de Maçã, Lda”; “Casa Agrícola R. S., Lda” e “A. T.”, fizeram-no, tendo em vista a salvaguarda dos interesses da requerida, em face do aumento sucessivo e não justificado das dívidas desses sócios à sociedade requerida. 21. Alguns sócios da requerida, em junho de 2021, não tinham recebido a totalidade dos valores que tinham direito a receber pela entrega da maçã que haviam feito à requerida. 22. Foram registadas penhoras efetuadas às quotas dos sócios da sociedade W – Sociedade Agro-Comercial de Maçã, Lda, com um débito à requerida, no valor de € 684 419,19, o que é justificativo do receio dos requerentes e outros sócios da requerida, na perda irremediável desses créditos 23. Os gerentes A. N. e R. B., só intentaram as ações de insolvência melhor descritas em 20., porque o gerente de facto e de direito da requerida, A. T. e os restantes gerentes da mesma, deixaram de atender aos seus pedidos de reuniões. 24. Deixando de comparecer na sede da Y – Comércio de Frutas, Lda, desde 15.10.2020. 25. Não cuidando de informar ou justificar as razões para o não pagamento atempado dos valores em dívida da requerida a alguns dos seus sócios produtores de maçã e da razão para o avolumar dos créditos da requerida sobre os seus sócios, nomeadamente sobre a “W – Sociedade Agro- Comercial de Maçã, Lda”; “Casa Agrícola R. S., Lda” e “A. T.”. 26. O gerente A. T. emite cheques da sociedade requerida a seu favor sem qualquer explicação ou justificação aos sócios assinados somente por si, quando nos termos constantes do pacto social da requerida, esta em atos e contratos, apenas se obriga, com a assinatura, no mínimo, de dois gerentes. 27. O gerente A. T. concede empréstimos aos sócios da requerida, principalmente àqueles com quem tem especial ligação e onde detém participações e emite cheques a favor de entidades estranhas à sociedade como é o caso da empresa Fruta ... frutas, Lda desconhecendo-se a que título faz. 28. Os requerentes não estavam legitimados para requerer a insolvência da W, Lda., da Casa Agrícola R. S., Lda. e do Eng.º A. T. à revelia e contra a vontade dos restantes três gerentes e dos sócios. * Além disso considerou-se que não resultaram, indiciariamente, provados os seguintes factos: a. Os demais sócios tinham e têm apenas poderes “nominais” de gerência, não passando de simples gerentes de direito. b. Limitando-se o aqui requerente, R. B., a assinar cheques da sociedade quando tal lhe era pedido pelo gerente A. T., fazendo-o esporadicamente e na base da confiança, opondo a sua assinatura normalmente, em vários cheques, que eram entregues em branco, sem preenchimento, ao gerente A. T., que depois com total liberdade, os preenchia e afetava a quem tivesse por conveniente. c. Ficando a não entrega da maçã a dever-se, a prática consertada dos sócios, em deliberação tomada em assembleia e lavrada em ata, (ata nº 115), ata essa, que nunca veio a ser assinada pelo sócio gerente A. T. e por outros sócios. d. Os requerentes distorcem deliberadamente a realidade, com o propósito, por um lado, de subverter uma prática lícita nas empresas deste setor como os adiantamentos por conta de fornecimentos e, por outro lado, referindo serem meros gerentes de direito, submetidos ao domínio e à gestão danosa do Eng.º A. T., o que se reveste de intensa gravidade. * A recorrente anuncia a sua intenção de questionar os pontos 17, 22, 26 e 27 dos factos provados, decorrendo que pretenderia que os mesmos fossem considerados não provados. Cabe em primeiro lugar verificar se cumpriu os requisitos que se impõem na impugnação da matéria de facto em sede de recurso, da sua assertividade e pertinência. De facto, só após esta estar assente, nesta fase de recurso já definitivamente, se pode sindicar o enquadramento de direito. A sentença e o acórdão que sobre a mesma incide seguem um percurso lógico, em que, e salva a apreciação de exceções não dependentes de matéria de facto apurada, se indicam os fundamentos de facto, a sua motivação, e depois aplica-se o direito, concluindo-se pela decisão final e custas devidas –artºs. 607º e 608º, e 663º, nº. 2, do C.P.C.. Igualmente em sede de recurso terá de se seguir um percurso lógico na sindicância da decisão visada. Em circunstâncias “normais” a primeira matéria a ser chamada será a das nulidades de decisão (artº. 615º), a reapreciação de alguma exceção dilatória, a que se seguirá a impugnação da matéria de facto, e de seguida o desacerto na aplicação do direito. Quem pretende recorrer de facto e de direito tem de cumprir determinados pressupostos formais, uma vez que tem de fundamentar por que pede a alteração ou anulação da decisão –nº. 1, do artº. 639º, C.P.C.. No que concerne ao recurso sobre a aplicação do direito, o nº. 2 desse artigo impõe que verta nas conclusões do recurso as normas jurídicas que entende terem sido violadas, o sentido com que, no seu entender as que entende se aplicam devem ser interpretadas e aplicadas invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no seu entender devia ter sido aplicada. Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artº. 640º do C.P.C.. Os requisitos ou ónus da impugnação a cumprir são: a indicação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; a especificação na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, a indicação na motivação das passagens da gravação relevantes; a apreciação critica dos meios de prova, expressando na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; tudo conforme resulta do disposto no artº. 640º, nºs. 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.) e vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, pags. 155 e 156. Conforme Acs. do STJ, designadamente de 29/10/2015, 03/05/2016 e de 21/03/2019 (www.dgsi.pt), podemos distinguir nestas exigências um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação, e um ónus secundário tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. No primeiro caso cabem as exigências de concretização dos pontos de factos que se consideram incorretamente julgados, especificação dos concretos meios de prova que sustentam a decisão errada e/ou diversa (sendo que o Tribunal pode considerar esses e ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, excepto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão, conforme artº. 607º, nº. 5 do C.P.C.), e a indicação do sentido em que se deveria ter julgado a matéria de facto, na posição do recorrente, ou da decisão a proferir (artº. 640º, nº. 1, a), b) e c)). No segundo caso cabe a exigência de indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver reapreciados (a), nº. 2, do artº. 640º). Em ambos os casos a cominação para a falta de cumprimento das exigências é a rejeição imediata do recurso (cfr. a dita disposição), sem possibilidade de prévia oportunidade de aperfeiçoamento da peça. Em ambos os casos os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade devem orientar a decisão de rejeição (-já que a parte ficará prejudicada ao não ver apreciado o seu recurso por motivos de ordem formal). A “nuance” entre os dois casos decorrerá do bom senso com que se analisam as exigências, as quais antes de mais têm que ver com o facto de possibilitar á parte contrária um efetivo exercício do contraditório para além de serem decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, visando-se com elas assegurar a seriedade do próprio recurso. Se as primeiras exigências são imprescindíveis a esse exercício e orientam também o Tribunal de recurso relativamente ao que se lhe pretende sujeitar, a segunda exigência, tendo em vista a melhor orientação para esse efeito, ainda que seja cumprida de forma imprecisa, caso a parte contrária tendo apreendido convenientemente o alcance do visado, e o Tribunal esteja habilitado ao pretendido reexame, não se imporá a rejeição do recurso, mas antes o seu aproveitamento. Desde modo se dará prevalência ao mérito sobre a forma, princípio informador do atual C.P.C.. Além disso, a sanção de rejeição do recurso apenas poderá abarcar o segmento relativo à impugnação da matéria de facto e, dentro deste segmento, apenas pode abranger os pontos relativamente aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras. Por último, e continuando a seguir a orientação do nosso STJ, face ao que se pretende assegurar com cada um dos ónus, a especificação dos pontos concretos de facto deve constar das conclusões (artºs. 635º, nº. 4, 640º, nº. 1, a), e 639º, nº. 1, do C.P.C.). No mais (meios de prova concretos e indicação das passagens das gravações) basta que contem do corpo das alegações. Também os Acs. desta Relação de Guimarães de 28/06/2018 e de 26/04/2018 (www.dgsi.pt), analisaram de forma coincidente com a orientação do STJ esta matéria. * Apreciando.E iniciando pelo ponto 17 dos factos provados, a sua redação consiste no seguinte: 17. Os requerentes chamaram a atenção dos demais sócios e do presidente da assembleia para o facto de se encontrarem impossibilitados de exercer o seu direito de voto na deliberação a aprovar, ficando o sócio R. B. impedido de votar na destituição ou não do gerente A. N. e a sócia X – Sociedade Agrícola, Unipessoal, Lda impedida de votar a destituição ou não do gerente R. B.. A motivação do Tribunal recorrido para tal facto assim ser considerado, é a seguinte: “Quanto à matéria constante dos pontos 17., 19., e 20. dos factos provados o Tribunal valorou as declarações de parte de A. N. que confirmou o seu teor, de forma que cremos ter sido coerente e verosímil.” Ora, a nossa interpretação desse ponto da matéria de facto é que reproduz apenas o que foi dito em assembleia pelos requerentes, relata o circunstancialismo lá invocado, não afirma que a dita impossibilidade se verificou. Nessa sequência segue-se o ponto 18 que diz que “Os requerentes por considerarem estar legalmente impedidos de votar declararam não votar o ponto único da ordem de trabalhos da referida assembleia.”; decorrente da “… cópia certificada da ata de reunião da sociedade requerida, junta com o r.i. sob doc. 5., de onde consta tal declaração efetuada pelos gerentes R. B. e A. N..” A acta -doc 5 junto com a p.i.- que foi elaborada pela Conservadora de Registos em exercício de funções notariais no Cartório Notarial de …, é um documento autêntico, fazendo prova plena de terem sido produzidas as declarações acima transcritas e da pessoa do seu autor, nos termos do disposto no artº. 371º, nº. 1, do C.C. (cfr. ainda o artº. 63º, nº. 6, do Código das Sociedades Comerciais -DL nº. 262/86 de 2/9, a seguir designado por C.S.C.-, aqui aplicável dado que inserido na parte geral do código). Ora, analisadas as conclusões/alegações de recurso, a recorrente não rebate a matéria de facto –a emissão daquela declaração; rebate sim a (não) verificação da impossibilidade de votar. Isso diz respeito ao erro de julgamento, à eventual incorreta aplicação do direito (error júris), nos termos que mais à frente se analisarão, e não à impugnação da matéria de facto. De facto, nos erros de julgamento (error in judicando), podemos distinguir os que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti), dos que se verificam na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos. Se analisarmos as conclusões nada se diz que pretenda contrariar que aquela declaração foi proferida, inclusive quando se remete para as declarações de A. N., faz-se referência ao alegado comportamento dos gerentes. Assim sendo, e porque não estamos verdadeiramente perante a impugnação do conteúdo do ponto 17, nada há que apreciar neste âmbito; e ainda que assim não se entendesse, não é apontado nenhum vício/erro na formação da convicção do Tribunal recorrido, nem indicados os concretos meios de prova que impunham que, diversamente, se considerasse que a declaração não foi proferida, o que conduziria à rejeição do recurso na parte respeitante a esse segmento da impugnação. * Face à restante matéria impugnada e ao sentido da decisão proferida, e ainda à apreciação que infra se fará da mesma, cumpre assentar que tem vindo a ser posição do Tribunal de recurso que, por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal da Relação não deve reapreciar a matéria de facto quando os factos objeto da impugnação não forem suscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual inútil (artºs. 2º, nº. 1 e 130º, do C.P.C.).Isto posto, insurge-se também a recorrente relativamente ao ponto 22 dos factos provados. Desse ponto consta o seguinte: “22. Foram registadas penhoras efetuadas às quotas dos sócios da sociedade W – Sociedade Agro-Comercial de Maçã, Lda, com um débito à requerida, no valor de € 684 419,19, o que é justificativo do receio dos requerentes e outros sócios da requerida, na perda irremediável desses créditos.” A motivação apresentada na decisão recorrida é a seguinte: “No que concerne às penhoras registadas sobre quotas dos sócios da sociedade W, cuja requerente é a própria sociedade W, constante do facto 22. é o mesmo um facto objetivo que decorre da análise da certidão permanente da referida sociedade (cfr. doc. 2 junto com o r.i.). Já quanto ao montante em débito à requerida, para além do mesmo resultar dos balancetes gerais relativos aos anos 2019, 2020 e 2021 (até julho), juntos com o r.i. sob os doc. n.º 6, 7 e 8, acabou por ser confirmado em sede de audiência, em declarações de parte prestadas pelo sócio gerente da requerida, A. T..” Diz a recorrente a propósito que (LXVIII.) “Daí que se impusesse decisão diferente também no que concerne ao ponto 22. do rol de factualidade provada, que deveria integrar o acervo de factos não provados, porquanto se retira da certidão permanente da sociedade Requerida/Recorrente, documento anexo à petição inicial, que a sociedade foi alvo de penhores e não de penhoras.” Ora, como veremos esta matéria será irrelevante para a decisão de recurso, como foi para o Tribunal recorrido como melhor veremos. Contudo por uma questão de rigor e porque está em causa, em primeira linha, a análise de uma prova documental com especial valor- certidão permanente da “W…”, doc. 2 junto com a p.i., consultada online, impõe-se a sua correção já que da sua leitura constata-se que efetivamente sobre as quotas encontram-se registados penhores, e penhora apenas relativamente à quota de 76,92 inscrita a favor de M. C. e F. G., em comum e sem determinação de parte ou direito, conforme retificação levada também a registo, tudo conforme decorre do doc. em apreço e para o qual se remete. Relativamente à parte final do ponto 22, e muito embora também aqui não haja relevo para a decisão a proferir como se verá, porque constante do mesmo ponto impugnado e também por uma questão de rigor, e porque entendemos que a expressão é conclusiva, deve ser retirada a parte que refere “…o que é justificativo do receio dos requerentes e outros sócios da requerida, na perda irremediável desses créditos”. De facto, a justificação da atuação dos requerentes seria algo que teria de resultar da restante factualidade, caso chegássemos a essa apreciação. A discussão sobre a técnica usada na enunciação dos factos provados e não provados, e concretamente sobre o que deve constar destes (excluído o que for estritamente jurídico, valorativo ou conclusivo), ou deve antes ser remetido para a matéria de direito, prende-se com a eliminação no CPC de 2013 do nº. 4 do artº. 646º do C.P.C. que considerava não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito –e por analogia que contenha juízos de valor ou conclusivos. Esta eliminação prende-se desde logo com a nova estrutura do Código no que concerne à eliminação primeiro do questionário e depois da base instrutória, para os ainda mais genéricos (e por vezes até com pendor conclusivo) temas de prova –artº. 596º, nº. 1, do C.P.C.. Sobre os factos que encerrem em si mesmo essa valoração jurídica, veja-se a propósito António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa “O Código de Processo Civil Anotado”, Vol I, pags. 698 a 702, e pags. 716 a 722. E defendendo que a eliminação da dita disposição não significa que se tenha deixado de ter de considerar apenas factos, Ac. da Rel. do Porto de 7/10/2013 (Relator José Eusébio Almeida, www.dgsi.pt). Nesse sentido deve ser lido o artº. 607º, nº. 4, do C.P.C., devendo o Tribunal responder apenas aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta decisão a alegação que contenha matéria conclusiva, irrelevante ou de direito. Neste sentido veja-se o Ac. do S.T.J de 28/9/2017 (relatora Fernanda Isabel Pereira, www.dgsi.pt). Apenas poderá ser equiparado aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes" -Ac. do S.T.J. de 12/3/2014, relator Mário Belo Morgado, www.dgsi.pt. Este vício pode ser conhecido e corrigido por este Tribunal ao abrigo do disposto no artº. 662º, nº. 2, c), do C.P.C., pelo que se elimina essa parte do ponto 22, sem necessidade de outras apreciações ou considerandos. O ponto 22 passa então a ter a seguinte redação: Foram registadas penhores e penhora efetuadas às quotas dos sócios da sociedade W – Sociedade Agro-Comercial de Maçã, Lda, com um débito à requerida, no valor de € 684 419,19.” * Impugna ainda a recorrente o sentido dos pontos 26 e 27 dos factos. Aí diz-se: “26. O gerente A. T. emite cheques da sociedade requerida a seu favor sem qualquer explicação ou justificação aos sócios assinados somente por si, quando nos termos constantes do pacto social da requerida, esta em atos e contratos, apenas se obriga, com a assinatura, no mínimo, de dois gerentes. 27. O gerente A. T. concede empréstimos aos sócios da requerida, principalmente àqueles com quem tem especial ligação e onde detém participações e emite cheques a favor de entidades estranhas à sociedade como é o caso da empresa Fruta ... frutas, Lda desconhecendo-se a que título faz.” Manifestamente verificam-se aqui as razões de desnecessidade de apreciação desta matéria. Justificaremos esta nossa posição na apreciação da aplicação do direito que faremos, onde se verá que não há que averiguar da justificação da conduta dos requerentes de modo a afastar a justa causa de destituição. *** Dispõe o artº. 607º, nº. 4, C.P.C., aqui aplicável ex vi artº. 663º, nº. 2, do mesmo, que na fundamentação declara-se e toma-se em consideração os factos provados por documentos. Ora, já mencionados o valor probatório da ata junta aos autos como documento 4 da p.i., pelo que face à sua força probatória plena, acrescentamos o seguinte do seu teor aos factos: 29) Da ata elaborada relativamente à Assembleia Geral supra mencionada consta que foi apresentado a votação o ponto único da ordem de trabalhos, e que A. N. e R. B. declararam não votar por considerarem estarem impedidos de o fazer; e que abstiveram-se de votar os sócios (…) e J. B., por si e como gerente, mas este somente quanto à destituição de A. N.; e que votaram contra a destituição (…) J. B., por si e enquanto gerente, no que respeita à destituição de R. B.. * Em conclusão, procede parcialmente a impugnação da matéria de facto (ponto 22), improcedendo ou rejeitando-se no que concerne ao ponto 17, e não se apreciando outra parte (pontos 26 e 27), e adita-se o ponto supra mencionado. *** III MATÉRIA A CONSIDERAR.A matéria a considerar é a que consta supra, com a correção determinada e com o aditamento feito, o qual se torna desnecessário transcrever novamente aqui. *** IV O MÉRITO DO RECURSO.As deliberações sociais podem ser formal ou substancialmente inválidas, feridas de nulidade, anulabilidade, ineficácia ou inexistência, vícios que podem ser assacados às mesmas em sede de ação declarativa. A suspensão das deliberações obtida através do procedimento cautelar em apreço permite antecipar os efeitos práticos da sentença que poderá vir a ser proferida, obstando á sua execução. De acordo com o disposto no artº. 380°, n°. 1, do C.P.C., a suspensão da execução de deliberações sociais depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: ser o requerente sócio da sociedade que a tomou; ser essa deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao contato social e resultar da sua execução dano apreciável. O Ac. da Rel. de Coimbra de 8/11/2011 (relator Carvalho Martins, www.dgsi.pt) sintetizou no seu sumário esta matéria deste modo que mantém atualidade e pertinência: 1. O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais ( art.396 CPC ) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (1) ser o requerente sócio da sociedade que a tomou; (2) ser essa deliberação contrária à lei ou ao pacto social e (3) resultar da sua execução dano apreciável. 2. O primeiro requisito constitui pressuposto da legitimidade activa e os dois restantes são elementos integrantes da causa de pedir. 3. A qualidade de sócio e a ilegalidade da deliberação bastam-se com um mero juízo de verosimilhança, mas, quanto ao “dano apreciável”, exige-se, pelo menos, uma probabilidade muito forte da sua verificação. 4. Por sócio tem de entender-se, naturalmente, aquele que já o era no momento da deliberação impugnada e conserva esta qualidade ao tempo da impugnação. 5. A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar “dano apreciável” reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade. 6. O “dano apreciável” não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o “periculum in mora”, ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo. 7. O “dano apreciável” tanto pode referir-se a danos morais, como a danos patrimoniais, sejam eles da sociedade ou dos sócios. * Não se discutindo a qualidade de sócios dos requerentes, face ao ponto 2 dos factos indiciariamente apurados, a questão que a seguir se coloca em primeiro lugar é se a deliberação é contrária à lei ou ao contrato social, estando nós perante uma sociedade por quotas. De facto, devemos iniciar a apreciação pelo vício procedimental apontado, tal como fez o Tribunal recorrido, já que tal prejudicaria a apreciação do “mérito” da deliberação, embora no caso, como veremos, discordamos do que foi decidido nessa primeira questão. Mais uma vez recorrendo á leitura das peças processuais e assim analisando a lógica das alegações de recurso, os requerentes apontavam os seguintes óbices à manutenção da deliberação, ou apresentavam as seguintes razões para o pedido de suspensão: -a deliberação é inválida por força do impedimento de voto –cfr. artº. 251º, nº. 1, f), do C.S.C; -não há justa causa que fundamente a destituição, sendo a conduta dos gerentes visados justificável em face da conduta do sócio gerente A. T.; -a manutenção da suspensão causa danos aos requerentes, resultando o “periculum in mora” (de forma aqui sumária); Neste sentido, e muito embora o Tribunal tenha concluído pela verificação de vício procedimental, a recorrente rebateu aqueles argumentos: -o impedimento de voto resulta da lei, e na prática não se verificou; -a deliberação foi tomada por maioria e não cabe ao Tribunal sindicar a mesma; de qualquer modo, há justa causa; -da deliberação tomada não resulta dano apreciável para os requerentes/recorridos, não se verificando o “periculum in mora”. * Em primeiro lugar a destituição de gerentes, nas sociedades por quotas como é o caso, depende de deliberação –artº. 246º, nº. 1, d), do C.S.C..Dispõe o artº. 248º quanto ao funcionamento das assembleias gerais, remetendo para o disposto a propósito das sociedades anónimas, e ainda versando sobre específicas matérias, a que acresce o disposto nos artºs. 247º, 249º e 250º. Note-se contudo que efetivamente os requerentes nada apontam quanto ao teor da convocatória ou ao modo como se processou a assembleia (cfr. artº. 377º ex vi aquele 248º), como tal nada se nos afigura face aos factos dever tratar a esse propósito. Estabelece o artº. 257º do C.S.C. que: “1- Os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes. 2- O contrato de sociedade pode exigir para a deliberação de destituição uma maioria qualificada ou outros requisitos; se, porém, a destituição se fundar em justa causa, pode ser sempre deliberada por maioria simples. 3- A cláusula do contrato de sociedade que atribui a um sócio um direito especial à gerência não pode ser alterada sem consentimento do mesmo sócio. Podem, todavia, os sócios deliberar que a sociedade requeira a suspensão e destituição judicial do gerente por justa causa e designar para tanto um representante especial. 4- Existindo justa causa, pode qualquer sócio requerer a suspensão e a destituição do gerente, em ação intentada contra a sociedade. 5- Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser decidida em ação intentada pelo outro. 6- Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções. 7- Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado”. Decorre da leitura dos nºs. 1 e 7 que no âmbito das sociedades comerciais por quotas vigora o princípio da livre destituibilidade dos gerentes, nos termos do qual estes podem ser destituídos a todo o tempo pelos sócios, com ou sem justa causa, não necessitando essa destituição de ser motivada, conferindo-lhes apenas a destituição sem justa causa o direito a serem indemnizados nos termos e limites fixados no n.º 7, pelos prejuízos que sofram em consequência dessa destituição -António Menezes Cordeiro, “Código das Sociedades Comerciais Anotado”, 2ª ed., pag. 746; e António Pereira de Almeida, “Sociedades Comerciais e Valores Imobiliários”, 5ª ed., pags. 252 a 253. A regra, em sede de sociedades comerciais é, assim, que a destituição de gerente ocorre em consequência de deliberação dos sócios. Voltando às palavras do citado Menezes Cordeiro mas agora in “Direito das Sociedades”, vol. II, pag. 431, “O princípio básico, consagrado no n.º 1, é o de que a destituição é livre, ou seja, “o da livre revogabilidade da sua situação por acto unilateral e discricionário da sociedade”. Esse princípio regra apenas sofre a exceção prevista no nº. 5: nos casos em que a sociedade apenas tenha dois sócios, e em que ambos, ou apenas um deles, exerçam funções de gerência, tendo nesta especifica situação a destituição de gerência de ser decretada judicialmente, com justa causa, em ação intentada por um sócio ou sócio-gerente contra o outro sócio-gerente. Essa exceção tem por fundamento a necessidade de não se deixar o sócio-gerente nas mãos do outro sócio ou sócio-gerente, que requer a sua suspensão e/ou destituição, uma vez que o próprio não pode votar- António Menezes Cordeiro, agora na pag. 747. Sobre o alcance desta exceção, veja-se o Ac. desta Relação de 1/10/2020 (relator Fernando Fernandes Freitas), citando além de doutrina o Ac. do S.T.J. de 26/10/2010, ambos em www.dgsi.pt. Apesar desse nº. 5 não o dizer expressamente, dele resulta que a exceção ao princípio da livre destituibilidade de gerentes apenas é aplicável às sociedades comerciais que apenas tenham dois sócios e em que um deles ou ambos sejam gerentes, o que significa que essa limitação não se aplica às sociedades comerciais com apenas dois sócios, mas em que a gerência é exercida por um terceiro não sócio. Por outro lado, da mesma leitura agora do nº. 4, resulta que existindo justa causa, qualquer sócio poderá sempre requerer a suspensão e a destituição do gerente, em ação intentada contra a sociedade, resultando daqui que os requisitos legais para a suspensão das funções de gerente são os mesmos que se aplicam para a sua destituição, ou seja, em ambos os casos exige a lei a verificação de “justa causa”. A “justa causa” é, assim, o fundamento da suspensão e da destituição das funções de gerente. * Antes de se se entrar na análise do conceito indeterminado de “justa causa” (o que nem será necessário, como veremos), teremos de nos deter na matéria da convocação das assembleias e da votação de deliberações que nelas ocorra. O artº. 251º, nº. 1, C.S.C. é que trata da matéria questionada pelos requerentes –impedimento de voto- ao dispor no seu nº. 1, f), que “O sócio não pode votar nem por si, nem por representante, nem em representação de outrem, quando, relativamente à matéria da deliberação, se encontre em situação de conflito de interesses com a sociedade. Entende-se que a referida situação de conflito de interesses se verifica designadamente quando se tratar de deliberação que recaia sobre: (…) f) Destituição, por justa causa, da gerência que estiver exercendo”. E acrescenta no seu nº. 2 que essa regra não pode ser preterida no contrato de sociedade. Significa isto que nenhum dos dois gerentes em causa podia votar na deliberação no que respeita á sua própria destituição. O que cabe então verificar, e faremos isso infra, é se o facto de ter sido apresentada a votação uma única deliberação e independentemente dos motivos a tal subjacentes, isso impediu cada um deles de votar na decisão relativa à destituição do outro. Desde já se refere que, quanto às consequências dos vícios, dispõe o artº. 56º C.S.C –deliberações nulas- que: “- São nulas as deliberações dos sócios: a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados; b) Tomadas mediante voto escrito sem que todos os sócios com direito de voto tenham sido convidados a exercer esse direito, a não ser que todos eles tenham dado por escrito o seu voto; c) Cujo conteúdo não esteja, por natureza, sujeito a deliberação dos sócios; d) Cujo conteúdo, directamente ou por actos de outros órgãos que determine ou permita, seja ofensivo dos bons costumes ou de preceitos legais que não possam ser derrogados, nem sequer por vontade unânime dos sócios. E de acordo com o artº. 58º, nº. 1, “- São anuláveis as deliberações que: a) violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56.º, quer do contrato de sociedade; (…)”. Em primeiro lugar e reanalisadas as normas relativas às formalidades da convocatória, não é na realidade levantada nenhuma questão quanto ao seu conteúdo –cfr. a questão do estado de “quase indefesa” tratada por exemplo no Ac. do STJ de 13/7/2017 (relator Fonseca Ramos, www.dgsi.pt) e artº. 58º, nº. 1, c), e nº. 4, do C. S.C., sendo certo que, de todo o modo, no início da Assembleia foram elencadas as razões da destituição e sobre as mesmas os gerentes em causa tomaram a palavra. Não é, de facto e lida a p.i., levantada qualquer questão que diga efetivamente respeito às formalidades respeitantes à convocatória; a questão de ter sido apresentado um ponto único não diz respeito a essa matéria da convocação, mas á votação. E quanto a esta, o artº. 21º, nº. 1, b), do C.S.C. dispõe que “– Todo o sócio tem direito: (…) b) A participar nas deliberações de sócios, sem prejuízo das restrições previstas na lei; (…)”; e o artº. 250º, nº. 1, dispõe como regra que conta-se um voto por cada cêntimo do valor nominal da quota. Ora, analisada a ata e concretamente o ponto 29 que se aditou aos factos, constata-se que aos sócios/requerentes não foi coartada a possibilidade de votar, os mesmos é que entenderam não votar por entenderem estar perante um impedimento legal. Salvo o devido respeito, o motivo apresentado não se afigura válido já que, como frisamos nos factos, o sócio J. B. apresentou posição individualizada quanto a cada uma das destituições, a respeitante a R. B. e a respeitante a A. N., ora votando contra, ora abstendo-se de votar, no que não foi impedido. Significa isto que o facto de se ter apresentado a votação um único ponto, não significou que não estivessem em causa duas situações tratadas individualmente, e que a votação não pudesse incidir ora sobre a destituição de um, ora sobre a destituição de outro dos gerentes, e desse modo cada um dos sócios aqui em causa poderia ter apresentado o seu voto (ou abstenção de voto) relativamente à destituição do outro. O impedimento legal tem o alcance que lhe demos, mas factualmente, e não obstante ter sido apresentada a votação um ponto, o impedimento não se verificou. Isto mesmo vem defendido quer na contestação apresentada nos autos, quer nas alegações de recurso, quando se chama a atenção para o conteúdo da ata no que concerne ao modo como a deliberação foi tomada. Desse modo se conclui de forma diferente da 1ª instância, e se entende que não houve qualquer impedimento de voto, logo não se vislumbra aqui qualquer vício procedimental. Impõe-se por isso a não confirmação da decisão de suspensão tomada pelo Tribunal recorrido, na procedência dos argumentos da apelação. * Por força do artº. 665º, nº. 2, do C.P.C., cabe a este Tribunal apreciar as questões que o tribunal recorrido julgou prejudicadas face ao caminho pelo qual enveredou e que diverge do deste Tribunal, uma vez que o elenco da matéria que se nos apresenta o permite. Daqui partimos então para o conteúdo da deliberação. A matéria a isso respeitante foi já sujeita a contraditório, quer porque levantada na oposição, quer porque debatida nas alegações de recurso. * Ora, já enunciamos os princípios vigentes no que respeita à destituição de gerentes. No caso a requerida, tem por sócios os dois requerentes, sendo legal representante da sócia “X…” seu gerente, tal como o outro requerente o é. Para além disso são também gerentes A. T., A. P. e F. T., que por sua vez são sócios da “W…”, a qual é sócia maioritária da requerida. A. T. é também sócio da requerida e da “W…”, e é ainda sócio gerente de outra sócia da requerida. Significa isto que os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes; a invocação ou não de justo motivo importa apenas para a maioria exigida para a deliberação, bem como para o direito a indemnização, situação esta que não releva por isso para a suspensão da deliberação em sede cautelar –artº. 257º, nºs. 1 e 2, e 7, do C.S.C.. Será este um caso de responsabilidade por acto lícito. No caso a deliberação foi tomada e não se coloca nenhum obstáculo relativamente à maioria obtida. Não se mostrava por isso necessário qualquer argumento relativo à verificação de justa causa (-a invocação do motivo serve antes de mais para permitir ao gerente visado a sua defesa), como para efeitos de apreciação da suspensão da execução da deliberação aqui pedida também não há que indagar se a conduta dos requerentes era ou não “justificada” (cfr. artº. 608º, nº. 2, ex vi artº. 663º, nº. 2, ambos do C.P.C.). Não se afigura, pois, que se verifique qualquer obstáculo à validade da deliberação tomada. Isto face ao aqui alegado e sem prejuízo de questões que possam ainda ser aduzidas. Fica por isso prejudicado a questão da verificação de um “dano apreciável”, que correspondia á verificação do requisito do periculum in mora, próprio das providências cautelares (cfr. novamente o artº. 608º, nº. , C.P.C.), já que falece a verificação do que corresponderá em sede cautelar comum ao fumus boni juris. * Face ao teor da conclusão 16 das contra-alegações afigura-se necessário fazer uma alusão á figura do abuso de direito, não expressamente invocada mas que poderia sempre ser oficiosamente apreciada. Começando por enquadrar a matéria, diz o artº. 334ºdo C.C.: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. A justificação desta figura prende-se com razões de justiça e de equidade e deriva do facto das normas jurídicas serem gerais e abstratas. O instituto do abuso de direito é uma verdadeira “válvula de segurança” para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, é uma forma de antijuricidade cujas consequências devem ser as mesmas de todo o ato ilícito (Ac. do STJ, de 23/1/2014, www.dgsi.pt). É sempre uma figura de carácter e aplicação subsidiária. Poder-se-á dizer que ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante (Ac. da Rel. de Coimbra, de 9/1/2017, www.dgsi.pt). Há abuso de direito quando o direito, em princípio legítimo e razoável, é exercido em determinado caso de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante. De facto, não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório e ofensivo daqueles valores, conforme decorre dos termos do artigo citado. O “supra” referido Acórdão do STJ guia-nos nos critérios para determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, havendo que lançar mão dos valores éticos predominantes na sociedade e para os impostos pelo fim social ou económico do direito deverão considerar-se os juízos de valor positivamente consagrados na lei. A nossa lei adota a conceção objetiva do abuso do direito pois não exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo: não é necessário que o titular do direito tenha a consciência de que, ao exercê-lo, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico; basta que objetivamente esses limites tenham sido excedidos de forma evidente para que se considere preenchida a atuação com abuso de direito. Antunes Varela diz que o abuso de direito é um instituto que rege para as situações concretas em que é clamorosa, sensível e evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjetivo e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou dos direitos de certo tipo -Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 128º, pág. 241. Haverá abuso de direito, conforme Coutinho de Abreu "quando um comportamento aparentando ser exercício de um direito se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumental e na negação de interesses sensíveis de outrem" (“Abuso de Direito”, pag. 43). Haverá um comportamento antijurídico quando há um exercício anormal do direito próprio, que não passa necessariamente pela violação de um direito de outrém ou pela ofensa de uma norma tuteladora de um interesse alheio; e não basta que o exercício do direito pelo seu titular cause prejuízo a alguém - a atribuição de um direito traduz deliberadamente a supremacia de certos interesses sobre outros interesses com aqueles confluentes, sendo necessário, sim, que o titular dele manifestamente exceda os limites que lhe cumpre observar, impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do próprio direito exercido (Acórdão da Relação de Guimarães de 2/7/2009, do STJ de 1/7/2004, da Relação de Coimbra de 2/12/2003, www. dgsi.pt). Esta figura, sendo como se disse de conhecimento oficioso, pode ser conhecido pelo Tribunal de recurso, e ainda que por força da iniciativa da parte que o faz pela primeira vez em sede de recurso, não se colocando o obstáculo da “questão nova”. O abuso de direito pode revestir as modalidades de “suppressio”, de “venire contra factum proprium” e de desequilíbrio. O abuso de direito na sua vertente de “venire contra factum proprium” pressupõe que aquele em quem se confiou viole com a sua conduta os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio. A proibição da conduta contraditória em face da convicção criada implica que o exercício do direito seja abusivo ou ilegítimo. Impõe que alguém exerça o seu direito em contradição com a sua conduta anterior em que a outra parte tenha confiado. Ou seja, consiste no exercício duma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente que, objetivamente interpretada no confronto da lei, da boa fé e dos bons costumes é ostensivamente violadora da boa fé ou da tutela da confiança da contraparte porque gerou a convicção na outra parte de que o direito não seria por aquele exercido e, com base nisso a contraparte programou a sua atividade. Pressupõe uma situação objetiva de confiança. Ficam ressalvados contudo os casos em que a conduta assenta numa circunstância justificativa e, designadamente, no surgimento ou na consciência de elementos que determinem o agente a mudar de atitude. O abuso de direito na modalidade do desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados abrange subtipos diversificados: -o exercício de direito sem qualquer benefício para o exercente e com dano considerável a outrem; -- o da atuação dolosa daquele que vem exigir a outrem o que lhe deverá restituir logo a seguir; -o da desproporção entre a vantagem obtida pelo titular do direito exercido e o sacrifício por ele imposto a outrem. Tem de qualquer modo de haver um excesso manifesto, o que significa que a existência do abuso de direito tem de ser facilmente apreensível para que o artº. 334º seja aplicável. A “suppressio” designa a posição do direito subjetivo ou, mais latamente, a de qualquer situação jurídica, que, não tendo sido exercida em determinadas circunstâncias e por um certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa fé. A boa fé significa que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros. * Seguindo de perto o Ac. da Rel. do Porto de 17/2/2011 (relatora Maria de Deus Correia, www.dgsi.pt) e que faz a aplicação do instituto à vida societária, recorremos desde logo ao artº. 58º nº. 1 b), do C.S.C. que dispõe que são anuláveis as deliberações que sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos.”Voltando ao estudo de António Menezes Cordeiro apresentado no mesmo Código Anotado, pags. 236 e 237, diz este que as deliberações sociais podem incorrer em abuso, violando através daquelas modalidades (que não são taxativas) o artº. 334º do C.C.. Quando isso sucede segue-se o regime da nulidade por violação de um princípio injuntivo –artº. 56º, nº. 1, d), do C.S.C.. O artº. 58º, nº. 1, b), C.S.C., não pretende objetivamente ocupar o lugar do artº. 334º do C.C., nem varia sentido que, violado este último, se seguisse a mera anulabilidade. E continua dizendo que este artº. 58º, nº. 1, b), não atinge em si, pela origem, pela letra, pelo espírito e pelo sistema, todo o abuso de direito. “Queda-se pelo exercício danoso do voto com propósitos extra-societários e pelos atos emulativos, desde que reunidos os requisitos objectivos e subjectivos. Em rigor temos, aí, um exercício do voto fora do objetivo para que ele foi concedido. Faltará, já, o inerente direito. E porque este é disponível, temos mera anulabilidade.” E continua dizendo que a jurisprudência aceita por vezes e verbalmente a ideia de que o abuso societário se cinge ao artº. 58º, nº. 1, b). Na aplicação fixa, porém, contornos mais precisos: exige a intenção subjetiva, dispensável no abuso, e condena situações de conflitos de interesses e de preterição de interesses societários. Assim conclui que o abuso de direito, indutor de nulidade, deve manter-se disponível, com base no artº. 334º do C.C., para assegurar a salvaguarda e a reprodução do sistema, caindo no artº. 56º, nº. 1, d), do C.S.C.. * Analisando na perspetiva da jurisprudência citada, a deliberação é abusiva quando, sem violar disposições específicas da lei ou dos estatutos da sociedade, é apropriada para satisfazer o propósito do sócio de conseguir vantagens especiais para si ou para outrem, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou tem o propósito de prejudicar aquela ou estes.Diz o acórdão mencionado que “Há, portanto, duas espécies de deliberações abusivas:” -aquelas que são apropriadas a satisfazer o propósito de conseguir vantagens especiais para o sócio ou para terceiros; -aqueloutras cujo propósito é de prejudicar os outros sócios ou a sociedade (deliberações emulativas). “Ambas têm pontos em comum: como pressuposto subjectivo, o “propósito” de um ou mais votantes; e como pressuposto objectivo que a deliberação seja objectivamente apropriada para satisfazer o propósito.” “Porém, têm também pontos distintos: nas primeiras, o propósito relevante é o de alcançar vantagens especiais, quanto às segundas, o propósito relevante é o de causar prejuízos” –“Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Vol. II, Sociedades Comerciais, Almedina, 3.º edição.” E continua o citado acórdão nestes termos: “Ou seja, o art.º 58.º b) do CSC sanciona com a anulabilidade as deliberações tomadas com o objectivo de um dos sócios conseguir, com o seu direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, à revelia do interesse social ou contra este, nada mais traduzindo do que uma modalidade de abuso de direito, subsumível aos princípios do art.º 334.º do Código Civil. O referido dispositivo legal constitui, pois, a consagração da figura do abuso de direito em matéria de deliberações sociais, estando em causa as “deliberações que se apresentem formalmente como regulares – que não contrariam formalmente a lei nem o contrato de sociedade - mas que lesam ou ameaçam interesses da sociedade ou dos sócios, em termos tão chocantes que se impõe e justifica a possibilidade da sua impugnação” [ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9-10-2003 (P.03B1816) in www.dgsi.pt]. (…) “E o disposto no art.º 58.º b) do CSC constitui o mecanismo adequado a evitá-lo, devidamente integrado e iluminado pelo estatuído no art.º 334.º do Código Civil”. [Pinto Furtado, Deliberações dos sócios, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993, p.384]. * Aplicando ao caso, não se pode, face aos factos indiciados, retirar da posição maioritária ou relativa de cada sócio um exercício abusivo da sua posição. Tal como se conclui no acórdão que vimos seguindo, pelo facto de numa sociedade se formar uma maioria correspondente a determinada parte do capital social, também maioritária, não é sinónimo de abuso da posição de domínio -Acórdão do STJ de 16-12-2003, P.04A1663, www.dgsi.pt. Por definição, como consequência natural do funcionamento de uma sociedade de quotas, é o sócio ou são os sócios maioritários que conseguem a aprovação das suas propostas, o que se refletirá igualmente no consequente controlo dos destinos da sociedade. Igualmente a falta de justa causa para a destituição é uma faculdade/direito que decorre da lei. A apreciação de uma atuação abusiva em qualquer daquelas situações não decorre da factualidade indiciariamente provada. Note-se que uma coisa é se a gestão da sociedade é realizada pelo sócio, seja maioritário ou não, de forma abusiva –que seria o que decorre de algumas alusões feitas pelos requerentes e nomeadamente quando alude à matéria veiculada nos pontos 26 e 27, indiciariamente apurados (e que nos abstivemos de reapreciar por irrelevantes). Outra coisa, e isso é que relevaria para os autos, é uma conduta abusiva na tomada de deliberação, ou seja, que a deliberação constitua em si mesma uma prática abusiva, ou seja, e como alegam os requerentes antes a propósito do dano, se a deliberação teve o objetivo de lhes retirar o papel “fiscalizador” da atuação dos demais gerentes da requerida, podendo assim livremente favorecer a si ou a “W…”, ou outros sócios -esta matéria, e não obstante os contornos conclusivos da alegação, não se apurou, desde logo por falta do elemento subjetivo. Note-se que os sócios ainda que não gerentes mantêm os seus direitos, nomeadamente e tal como enunciado no artº. 21º do C.S.S. “b) A participar nas deliberações de sócios, sem prejuízo das restrições previstas na lei; c) A obter informações sobre a vida da sociedade, nos termos da lei e do contrato;”. O simples facto de deixarem de ser gerentes não lhes retira por isso o papel fiscalizador; e ao contrário, e pelo que alegam, não foi o facto de serem gerentes suficiente para impedirem a atuação dos demais. Veja-se ainda o disposto no artº. 259º do C.S.C. a propósito da competência da gerência. A propósito veja-se ainda o Ac. da Relação de Coimbra de 8/7/2021 (relator Avelino Gonçalves) e do S.T.J. de 7/11/2017 (relator Fonseca Ramos), www.dgsi.pt. Foram alegadas razões para a destituição, sendo necessário apurar se a verdadeira intenção era outra. Igualmente a questão da propriedade do meio, que resultaria no pressuposto objetivo. Repete-se que não foram alegados os factos necessários a esta apreciação. Ainda que na perspetiva mais ampla propugnada por António Menezes Cordeiro, sob a perspetiva da figura do abuso de direito enquanto conduta violadora da boa fé, a matéria aduzida nos autos é escassa para uma tal consideração (desde logo no confronto dos factos provados e não provados, e independentemente do sentido dos pontos 26 e 27, de cuja leitura nada se infere de relevo), impondo-se uma indagação mais profunda da vida da sociedade. De facto, o que importa ao caso não é a justificação para a atitude dos requerentes, mas antes de mais a legalidade da mesma e se justifica a tomada de deliberação. Teria de ser melhor desenvolvida e abordada a matéria que consta dos pontos 23, 24 e 25, e ainda 28, expurgada dos juízos conclusivos que encerram, face desde logo aos poderes dos requerentes ora como sócios, ora como (também) gerentes, em desencadear atuações e em interferir na vida da sociedade. * Resta, assim, determinar a procedência da presente apelação e a consequente revogação da decisão sob recurso.*** V DISPOSITIVO.Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, dar provimento à apelação e revogar a decisão recorrida, julgando improcedente o presente procedimento cautelar de suspensão da deliberação social tomada em Assembleia Geral Extraordinária da requerida Y – COMÉRCIO DE FRUTAS, LDA, de 30.09.2021. Custas do recurso a cargo dos recorridos –artº. 527º, nº. 1 e 2, do C.P.C.. * Guimarães, 31 de março de 2022. O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos Relatora - Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade; 1.º Adjunto - Fernando Barroso Cabanelas; 2.ª Adjunta - Eugénia Pedro. |