Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | VERA SOTTOMAYOR | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR DUPLO JUÍZO E SANÇÃO NOTA DE CULPA COMISSÕES DE VENDAS SUSPENSÃO PREVENTIVA DO TRABALHADOR RETRIBUIÇÃO MISTA DOCUMENTO EM PODER DA PARTE CONTRÁRIA | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO – PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – Sem prejuízo dos prazos de prescrição e de caducidade, não se verifica a violação princípio “ne bis in idem” nem do n.º 1 do art.º 330.º do CT. na situação em que o trabalhador é alvo de um procedimento disciplinar pela prática de infracção disciplinar relativamente a factos, que embora praticados no mesmo período de tempo, a que se reporta um outro procedimento disciplinar, não haviam sido objecto deste. II – Do articulado motivador do despedimento só relevam os factos e os fundamentos constantes da decisão disciplinar, que constem da nota de culpa – cfr. n.º 4 do art.º 357.º do CT, conjugado com o n.º1 do art.º 98.º J do CPT. II – É de considerar terem natureza retributiva as prestações quantitativamente variáveis, desde que auferidas de forma regular e periódica, normalmente são designadas de complementos salariais, entre as quais se incluem as comissões por vendas. III- Declarada a invalidade do despedimento tudo se passa como se o vínculo laboral nunca tivesse sido interrompido e por isso são devidas ao trabalhador todas as retribuições certas ou variáveis que teria auferido, caso o vínculo laboral nunca tivesse sido interrompido. Se tal é o que sucede com a declaração da ilicitude do despedimento por maioria de razão tal deve verificar-se durante a suspensão preventiva do trabalhador, tendo este direito a auferir as retribuições que auferiria se estivesse a trabalhar. IV- O Recorrente tem direito a receber o montante referente às comissões de venda que teria auferido durante o período da suspensão preventiva, uma vez que esta não pode implicar perda de retribuição. V- Sendo a retribuição auferida pelo trabalhador, uma retribuição mista (uma parte certa e outra variável), enquanto o trabalhador se mantiver suspenso preventivamente em processo disciplinar, deve ser-lhe liquidado mensalmente não só o valor certo, mas também a média das comissões referentes aos 12 meses anteriores à suspensão, por ser este o princípio mais adequado à tutela do direito à retribuição. VI- A pertinência da apresentação de um documento em poder da parte contrária, está dependente da circunstância de os factos que se visam provar com esse documento interessarem à decisão da causa e pressupõe a verificação dos seguintes requisitos a saber: - a identificação concreta do documento cuja junção se requer; - a indicação de quais os factos que com o documento se pretendem provar; - e que se trate de documento que se encontre em poder da parte contrária e que a própria parte não consiga obter. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães Tribunal da Comarca ..., Juízo do Trabalho ..., Juiz ... I – RELATÓRIO Nos presentes autos de acção especial de impugnação do despedimento que AA propôs contra B..., LDA, pede que se que declare a ilicitude do seu despedimento com as consequências legais. Os autos prosseguiram a sua tramitação normal e aquando da prolação do despacho saneador, a Mma. Juiz a quo proferiu o seguinte despacho, referente à impossibilidade de duplo juízo e sanção, aos factos não alegados na nota de culpa, às diferenças salariais no período da suspensão preventiva e ao indeferimento dos meios de prova requeridos pelo Trabalhador: ”Na sua contestação, o trabalhador, invoca vários vícios do procedimento disciplinar, que cumpre apreciar. A) DA IMPOSSIBILIDADE DE DUPLO JUÍZO E SANÇÃO, estando em causa o facto de terem sido levados em conta factos praticados em data anterior a 28/10/2021, data em que lhe foi aplicada uma repreensão escrita por parte da entidade patronal. Ora, o trabalhador não invoca nenhuma norma legal que fundamente a sua posição, Por outro lado, estando em causa factos diferentes daqueles apreciados em anterior procedimento disciplinar, independentemente da data, não está a empregadora impedida de os apreciar, em novo procedimento disciplinar. B) Violação direito defesa, estando em causa a ausência de descrição suficiente, no que se refere ao tempo, modo e lugar dos factos descritos em 41, 46, 52, 74, 84 e 134 da nota de culpa. Ora, lido o teor do processo disciplinar, retira-se que, com a nota de culpa, foi o qui trabalhador notificado da possibilidade de consultar os elementos do processo sendo que, por despacho do instrutor do processo, de 13/01/2022, foi determinado que aquele tivesse acesso à identificação dos clientes referidos nos factos imputados, com a concessão de um novo prazo de 10 dias para responder à nota de culpa. Assim, entendemos não ter razão o trabalhador C) FACTOS NÃO ALEGADOS NA NOTA DE CULPA, estando em causa os factos 60, 62 a), 82 b), 93 b), 111 a) a h), 113 c), 130 c) e 176, b) da motivação de despedimento. Lidas a nota de culpa e a motivação do despedimento, constata-se que, neste documento, existe a preocupação constante de relacionar os factos dados como provados na motivação do processo disciplinar, com aqueles descritos na nota de culpa, pelo que, também aqui, improcedem os argumentos do trabalhador. Pelo exposto, julgo desde já improcedentes os invocados vícios do procedimento disciplinar. Notifique. (…) * Por fim, e quanto a diferenças salariais no período da suspensão do trabalhador, por força do processo disciplinar, entendemos ser de conhecer, desde já, o mérito do pedido reconvencional, por se tratar de questão de direito, nos termos do artigo 61º n.º 2 do CPT.Assim, dispõe o artigo 354º, n.º 1 do CT que “com a notificação da nota de culpa, o empregador pode suspender preventivamente o trabalhador cuja presença na empresa se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição.” Sabemos que o trabalhador recebia, para além da remuneração base, comissões relacionadas com as vendas por si realizadas. No acórdão do STJ de 26/05/2015, relatado pelo Exmo. R. Juiz Conselheiro, Dr. Fernandes da Silva, e disponível em www.dgsi.pt, onde estava em causa um prémio anual de produtividade, escreveu-se que “(…) tratando-se de uma prestação específica, dependente do preenchimento de requisitos pré-estabelecidos (avaliação de desempenho/alcance dos objectivos), que poderiam ou não, no final do período temporal respectivo, ser alcançados, excluída estava a antecipada garantia do direito ao seu pagamento. A lei retira-lhe expressamente a natureza retributiva – art. 260.º, n.º 1, c), do Cód. Trabalho: não se consideram retribuição (c) as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido. (…) E sendo a função principal de tal prestação condicional – como o postulante expressamente reconhece – a de premiar a produtividade e o desempenho profissional dos trabalhadores, num ciclo temporal anual, com a sua atribuição dependente, além do mais, de uma avaliação de desempenho, conceder-se-á que não colhe o entendimento preconizado no sentido de que, no contexto delineado, a pretendida atribuição era obrigatória.” No caso dos autos, as comissões revestem precisamente, este carácter, estando dependentes do efectivo trabalho por parte do trabalhador. Assim, não pode proceder o pedido C) (parcialmente), com este fundamento. Por todo o exposto, julgo desde já parcialmente o pedido reconvencional formulado na alínea C), no que se refere ao montante de €9.036,05, relativo a diferenças salariais, absolvendo a empregadora do mesmo. Custas pelo trabalhador. Registe e notifique. (…) * Quanto aos inúmeros documentos cuja junção o autor requer, para além da resposta da empregadora, sempre diremos que parte deles destinam-se a fazer prova de factos cujo ónus de prova é da empregadora.Assim, indefiro o requerido sem prejuízo de, após a produção de prova, considerarmos que a sua junção é pertinente.” Inconformado com tal despacho veio o Autor interpor recurso de apelação, em separado, no qual formula as seguintes conclusões que passamos a transcrever: “I - Merece censura a decisão sobre a exceção aduzida pelo Apelante quanto a factos a ser expurgados nesta sede, porque já haviam sido coligidos ou atendidos em sanção anterior de advertência escrita datada daquela mesma data. II - O Apelante invocou um princípio de direito estruturante e conhecido – ne bis in idem – como norma legal atinente – artigo 330.º do CT – pelo que apenas por mero lapso pode ter-se afirmado o que se afirmou como alicerce do decidido. III - Não se vê em que funda o Tribunal a quo o entendimento de que, relativamente à questão da dupla sanção, estão em causa factos diferentes, quando muito podia afirmar não ter ainda elementos para decidir a montante do julgamento, relegando a decisão para final. IV - Merece reparo, igualmente, a improcedência da exceção de existência de factos da motivação do despedimento – pontos 60, 62 a), 82 b), 93 b), 111 a) a h), 113 c), 130 c) e 176, b) – que são um acréscimo à nota de culpa e, portanto, sobre os quais não teve o Apelante oportunidade de defesa, devendo ser expurgados. V - O Tribunal a quo tem entendimento, salvo melhor opinião, contrário à lei no que concerne ao pagamento devido de diferenças salariais, por valores não liquidados ao Apelante durante o período de suspensão preventiva no quadro do processo disciplinar, a saber respeitantes à parte variável da sua retribuição (comissões). VI - Temos, com o devido respeito, que o Tribunal a quo mal andou ao pretender comparar prémios de produtividade ou assiduidade ou desempenho com o que nesta sede se reivindica, parte varável da retribuição. VII - As prestações a que o Apelante se considera credor a título de diferenças salariais são o resultado direto do trabalho do Apelante, contrapartida do trabalho efetuado. VIII - As referidas prestações variáveis foram pagas ao longo de todos os anos de atividade de forma ininterrupta e de forma muito intensa, com uma cadência mensal – ver documentos juntos com a Resposta da Ré quanto a comissões – revestindo, por isso, as características da regularidade e da periodicidade assumindo, assim, natureza de retribuição. IX - A retirada da remuneração variável durante o período de suspensão preventiva (faculdade unilateral do empregador e no seu interesse) viola o princípio da irredutibilidade daquela – tal não é uma interpretação inédita ou peregrina, sendo mesmo acolhida pelo STJ, por exemplo extraindo-se do aresto deste Tribunal Superior de 18/6/2008 (www.dgsi.pt). X - A remuneração mista do trabalhador suspenso preventivamente em processo disciplinar e enquanto a suspensão se mantiver, deve ser liquidada pelo valor fixo acrescido da média das comissões dos 12 meses anteriores à suspensão sendo este o princípio mais adequado para a tutela do direito à retribuição. XI - A decisão de indeferimento de meios probatórios requeridos pelo Apelante deve ser alterada. XII - Os pedidos probatórios do Apelante têm relevância porque se destinam a demonstrar os factos invocados, mormente na Reconvenção, mas também uma pré-motivação da entidade empregadora para o despedimento consubstanciada numa posição de abuso e assédio, bem assim são proporcionais e em nada colidem com qualquer proteção de dados porque a defesa de uma sanção de tal modo grave, como é a do despedimento, sobrepõe-se àquela. XIII - O Tribunal a quo, salvo melhor opinião, coarta a garantia do Apelante ao seu direito fundamental à prova, ou seja, ao seu direito à produção de prova/ contraprova, sendo que a circunstância de o ónus de prova do facto para cuja prova é oferecido um determinado meio de prova, não pode fundamentar a recusa da respetiva produção pelo Tribunal. XIV - A utilização dos meios de prova não se destina, apenas, à prova dos factos que a parte tem o ónus de provar, mas, também, para questionar, colocar em causa os factos que são desfavoráveis às suas pretensões que em princípio não terão o ónus de provar, tudo como emanação do princípio do contraditório constante do artigo 3.º do CPC” Peticiona o Apelante a revogação dos despachos ínsitos no despacho saneador com as consequências legais. A apelada não apresentou contra-alegação. O recurso foi admitido, como apelação a subir imediatamente em separado e com efeito devolutivo. Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da procedência parcial do recurso. Tal parecer mereceu resposta da recorrida que veio manifestar a sua discordância relativamente ao facto da ilustre Procuradora Geral-Adjunta entender que a retribuição devida ao trabalhador no período de suspensão preventiva de funções deve corresponder à que aquele auferira se estivesse a trabalhar (cfr. art.º 264.º n.º 1 do CT), defendendo assim a revogação da decisão recorrida no que respeita ao facto de o valor das comissões não ter sido incluído no valor da retribuição auferida pelo trabalhador no decurso do período de suspensão preventiva de funções. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento. II OBJECTO DO RECURSO Delimitado o âmbito do recurso pelas conclusões do Recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87º n.º 1 do CPT), cumpre apreciar as seguintes questões: - Da impossibilidade de duplo juízo e sanção; - Dos factos não alegados na nota de culpa; - Do pagamento de comissões no período da suspensão preventiva; - Da admissibilidade dos meios de prova. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos relevantes para a decisão da causa são os que resultam do relatório supra, a que acrescem os seguintes, que já se encontram assentes: 1. A empregadora tem como actividade primordial o comércio de aparelhos auditivos e respectivos acessórios, girando sob a marca ...2.º 2. O trabalhador foi trabalhador da empregadora desde 13 de Junho de 2016 até 18 de Agosto de 2022, na categoria profissional de Vendedor; 3. Auferindo um vencimento base mensal, à data da instauração do procedimento disciplinar, de 1.130,00 €, acrescido da quantia mensal de 200,00 €, a título de isenção de horário; 4. Com efeito, as partes acordaram na fixação da isenção de horário; 5. Prestando o trabalho 40 horas por semana, durante 5 dias semanais; 6. Em regra, das 09h30 às 18h30, com uma hora de almoço; 7. Podendo o horário ser adaptado pela empregadora, de acordo com as suas necessidades; 8. O trabalhador esteve sem trabalhar entre o dia 19 de Novembro de 2021 e 18 de Agosto de 2022, parcialmente por força do processo disciplinar; 9. Sendo que, 29/11/2021 até 5/4/2022, esteve de baixa por motivo de doença; 10.Durante esse período não recebeu a parte variável do seu vencimento; 11. O teor funcional da actividade desempenhada pelo aquele estava directamente relacionado com a promoção e venda dos produtos comercializados pela empregadora, prestação de assistência a clientes, explicação do preço dos produtos e forma de pagamento; 12. No âmbito das suas competências, o trabalhador representava a empregadora perante os seus clientes; 13. O trabalhador auferia uma parte da sua remuneração em comissões, pelo que o seu vencimento mensal estava directamente relacionado com o número e montante das vendas mensais que realizava. 14. De acordo com o contrato de trabalho, o trabalhador assumiu as seguintes obrigações: a) “Efectuar uma avaliação responsável das necessidades dos clientes e da sua adequação aos produtos comercializados pela PRIMEIRA CONTRAENTE”; b) “Explicar aos clientes, de forma integral e clara, o modo de funcionamento do produto, o preço e o modo de pagamento”; c) “Comparecer ao serviço com assiduidade, desempenhar as suas funções com zelo e a devida diligência e prosseguindo, no âmbito da sua competência, a máxima rentabilidade da PRIMEIRA CONTRAENTE”; 15. O trabalhador, no cumprimento das suas funções de vendedor, tinha contacto com dados pessoais de clientes; 16. Razão pela qual, e em cumprimento do disposto no Regulamento Geral de Protecção de Dados e na Lei de Protecção de Dados, se obrigou a cumprir um conjunto de regras básicas, que sempre decorreriam da lei; 17. Entre outros deveres decorrentes da referida declaração, o trabalhador obrigou-se a: a) “Solicitar e registar apenas os dados pessoais pertinentes para as categorias de dados necessárias e para a finalidade que preside ao tratamento de dados pessoais”; b) “Não utilizar dados pessoais a que tenha acesso no âmbito da sua prestação de trabalho para qualquer outra finalidade, seja para uso próprio ou alheio, na vigência ou após a cessação do seu contrato de trabalho”. 18. O Autor conhecia os procedimentos instituídos na Ré, relativamente ao cumprimento de instruções dos clientes, as quais têm de ser executadas de forma imediata, em especial no que respeita às devoluções, nomeadamente: a) “Devolução dos valores recebidos no prazo máximo de 10 dias após a primeira notificação do cliente”; b) “... [sede] processamento em 48 horas após recepção da documentação”; c) “Rapidez é fórmula”; d) Tratar rápida e correctamente os processos de cancelamento e devolução devolve e aumenta a confiança do cliente”; e) “Demorar e tratar mal estes processos só nos dá má reputação”; 19. O trabalhador tinha conhecimento da política comercial da empregadora, e que se caracteriza por aceitar, voluntariamente, devoluções durante os primeiros 30 (trinta) dias após a venda; 20.Em cada proposta de crédito o trabalhador subscrevia um termo de responsabilidade, onde atestava que identificou e verificou os documentos do cliente e que compreendeu os seus deveres perante os clientes. 21. O trabalhador tinha conhecimento de que a disponibilização gratuita dos aparelhos auditivos comercializados pela Ré aos clientes não era permitida. 22. O trabalhador sabia que todos os clientes têm de ser devidamente informados dos termos e consequências de todos os documentos que são propostos para sua assinatura; 23.No procedimento disciplinar, foram dados como assentes, entre outros, os seguintes factos: a) Em 19/11/2021 foi aberto, pela empregadora, procedimento disciplinar, em relação ao trabalhador b) Em 15 de Dezembro de 2022 foi remetida ao trabalhador nota de culpa, com intenção de despedimento por justa causa; c) Por decisão de 18/08/2022, e no âmbito do referido procedimento disciplinar, a empregadora decidiu-se pelo despedimento do trabalhador, com justa causa; d) Decisão que lhe foi comunicada por carta registada, datada de 18/08/2022, que aquele rececionou; e) Constando da mesma a cessação imediata do contrato de trabalho; f) Em 19 de Agosto de 2021, o trabalhador comunicou à empregadora a realização de uma venda de um aparelho auditivo ao cliente com o ID 523042 (Sr. BB), bem como de um contrato de crédito com o mesmo cliente; g) O trabalhador realizou a venda sem cobrar qualquer sinal ao cliente; h) O qual apresentou uma reclamação no CIAB – Tribunal Arbitral de Consumo, onde alegou, em resumo que “dirigiu-se a uma loja da aqui requerida no sentido de pedir um orçamento para uma prótese auditiva (…). Nesse contacto foi aconselhado a trazer um aparelho auditivo para experimentar, tendo feito a sua assinatura num tablet. Nesse contacto referiu qual a finalidade do orçamento (…). Dia 24 de Agosto recebeu pelo correio o referido orçamento (…). Mais tarde recebe factura em casa (…) e após análise dos documentos com a ajuda de familiares verifica que na sua documentação (…) existe um contrato de compra e venda (…) e um crédito ao consumo (…). O requerente sente-se enganado pois, em momento algum, foi informado do que estava a assinar ou sequer solicitou a compra de um aparelho”; i) O trabalhador havia obtido os dados do Sr. BB e apresentou, para assinatura, um contrato de compra e venda e um contrato de crédito, sem informar o cliente da natureza da documentação apresentada. j) Tendo o referido cliente sido convencido, pelo trabalhador, de que estaria a usar os aparelhos auditivos a título experimental e que teria subscrito, unicamente, um pedido de orçamento para aquisição de aparelho auditivo. k) Em 9 de Outubro de 2021, o trabalhador comunicou à empregadora a realização de uma venda de dois aparelhos auditivos ao cliente com o ID ... (Sr. CC), bem como de um contrato de crédito associado; l) O trabalhador realizou a venda sem cobrar qualquer sinal ao cliente, e sem pedir autorização superior; m) Após o dia .../.../2021, o Sr. CC dirigiu-se à loja em causa afirmando querer levantar os seus aparelhos que tinham ficado para reparação e devolver os aparelhos que tinha consigo, a título de empréstimo, e disponibilizados anteriormente; n) O cliente não tinha conhecimento de que tinha celebrado um contrato de compra e venda dos aparelhos auditivos nem de um contrato de crédito. o) Sendo que o trabalhador não lhe explicou a verdadeira natureza dos mesmos; p) Quando o cliente tomou conhecimento de que, sem o saber, tinha celebrado um contrato de compra e venda e respectivo financiamento, procedeu de imediato à devolução dos equipamentos; q) Em 12 de Outubro de 2021, o trabalhador comunicou à empregadora a realização de uma venda de dois aparelhos auditivos ao cliente com o ID 541159, a Senhora D. DD, bem como de um contrato de crédito associado; r) Após a venda, e em chamada de controlo de qualidade, a Senhora D. DD solicitou um agendamento com intenção de proceder à devolução dos equipamentos, uma vez que tinha desenvolvido uma alergia ao aparelho auditivo. s) No dia do agendamento, a cliente deslocou-se à loja e foi informada pelo trabalhador de que não havia qualquer agendamento e, por isso, não podia aceitar a devolução do aparelho. t) Por esse motivo, a cliente voltou a ligar para o serviço de atendimento ao cliente da empregadora, enquanto estava na loja, para verificar por que motivo não tinham agendado o atendimento conforme combinado. u) Nesse momento, o trabalhador interrompeu a chamada, pegando no telemóvel do cliente e, dirigindo-se ao colega do serviço de atendimento ao cliente da empregadora que estava em chamada, disse que “o agendamento nunca deveria ter sido marcado” e que “estavam a enviar clientes para a loja sem necessidade”. v) A Senhora D. DD acabou por efectuar a devolução dos equipamentos a 28 de Outubro de 2021; w) Em 26 de Outubro de 2021, o trabalhador comunicou à empregadora a realização de uma venda de dois aparelhos auditivos ao cliente com o I... (Sr. EE); x) O trabalhador realizou a venda sem cobrar qualquer sinal ao cliente; y) Em 6 de Novembro de 2021, o Sr. EE deslocou-se à loja com intenção de proceder à devolução dos equipamentos, de que acreditava estar a usufruir “a título experimental”, disponibilizados pelo trabalhador; z) O Autor utilizou os dados do Sr. EE para apresentar, para assinatura, um contrato de compra e venda e um contrato de crédito, sem informar o cliente da natureza da documentação apresentada. aa) O cliente subscreveu os contratos de compra e venda e de crédito sem que lhe fosse explicada a verdadeira natureza dos contratos; bb) Em virtude da reclamação apresentada pelo Sr. EE, a Ré procedeu à anulação da venda realizada, no dia 6 de Novembro de 2021; cc) Em 27 de Outubro de 2021, o trabalhador comunicou à empregadora a realização de uma venda de dois aparelhos auditivos com o ID ... (Sr. FF), bem como de um contrato de crédito associado; dd) No entanto, ao receber a comunicação da empresa financeira relativamente ao contrato de crédito celebrado, o Sr. FF contactou a Ré, indicando não ter sido informado sobre a celebração de um contrato de crédito. ee) O trabalhador informou o cliente de que o pagamento seria parcelado em prestações pagas directamente à empregadora, não tendo referido ao cliente a existência de qualquer crédito pessoal. ff) Ao tomar conhecimento do ocorrido, a empregadora acedeu ao pedido do cliente, alterando o método de pagamento e aceitando o pagamento em 24 (vinte e quatro) prestações, pagamento esse efectuado directamente a si; gg) O Autor utilizou os dados do Sr. FF para apresentar, para assinatura, um contrato de compra e venda e um contrato de crédito, sem informar o cliente da natureza da documentação apresentada. hh) Em 30 de Outubro de 2021, o trabalhador comunicou à empregadora a realização de uma venda de dois aparelhos auditivos ao cliente com o ... (Sr. GG), bem como de um contrato de crédito associado; ii) O trabalhador utilizou os dados do cliente para apresentar ao cliente, para assinatura, um contrato de compra e venda e um contrato de crédito, sem informar o cliente da natureza da documentação apresentada. jj) O Sr. GG subscreveu os contratos de compra e venda e de crédito sem que o trabalhador lhe explicasse a verdadeira natureza dos contratos; kk) A 20 de Novembro de 2021, o Sr. GG procedeu à devolução dos aparelhos, uma vez que estava convencido de que os utilizava apenas “à experiência” e não conhecia a natureza dos contratos que havia subscrito; ll) Em 27 de Setembro de 2021, o trabalhador comunicou à empregadora a realização de uma venda de dois aparelhos auditivos ao cliente com o ID ... (Sr. HH), bem como de um contrato de crédito associado; mm) O Autor realizou a venda sem cobrar qualquer sinal ao cliente, e sem pedir autorização superior; nn) No dia 26 de Outubro de 2021, o Sr. HH recebeu a comunicação da empresa financeira relativamente ao contrato de crédito celebrado e, de imediato, se deslocou à loja da Ré, para informar que não tinha celebrado nenhuma aquisição e, muito menos, um novo contrato de crédito. oo) O cliente, no dia 27 de Setembro de 2021, havia solicitado ao trabalhador a reparação dos seus aparelhos auditivos, tendo este disponibilizado, “a título de empréstimo”, um conjunto de novos aparelhos auditivos. pp) Passadas duas semanas da entrega dos seus aparelhos para reparação, o Sr. HH deslocou-se à loja para proceder ao levantamento dos seus equipamentos, tendo sido informado, pelo trabalhador, que não seria possível proceder à devolução pois, teria de esperar que passassem os 30 (trinta) dias do “período experimental” do conjunto que lhe tinha sido entregue para o efeito. qq) Posteriormente, quando recebeu a comunicação da empresa financeira, o Sr. HH procurou de imediato proceder à devolução dos aparelhos que tinha em sua posse, dado que estava convencido que usava os aparelhos a título de empréstimo; rr) O trabalhador utilizou os dados do cliente para apresentar ao cliente, para assinatura, um contrato de compra e venda e um contrato de crédito, sem informar o cliente da natureza da documentação apresentada. ss) O cliente subscreveu os contratos de compra e venda e de crédito sem que o trabalhador lhe explicasse a verdadeira natureza dos contratos; tt) O Sr. HH não tinha qualquer intenção de adquirir novos aparelhos auditivos, mas apenas de reparar os que usava; uu) A empregadora aceitou a anulação da venda e a devolução dos aparelhos auditivos; vv) Na sequência, o Sr. HH apresentou reclamação no Livro de Reclamações, o seguinte: “em 27/09/2021 desloquei-me às instalações da loja “...”, situada na zona central de ... (Avenida ...) para reparação dos meus aparelhos auditivos, adquiridos anteriormente nesta loja. Enquanto os aparelhos foram para reparar, fizeram-me um empréstimo de 1 novo conjunto, e nunca uma nova aquisição. Passadas cerca de 2 semanas vim levantar os aparelhos reparados e devolver os emprestados, situação que não foi aceite, informando que só poderia fazer a 26/10/2021 quando perfizessem os 30 dias. Em 26/10/2021 vim devolver os aparelhos sem que me tivesse sido entregue qualquer documento. Entretanto, na última semana de Outubro, para meu espanto, recebo por correio um contrato de financiamento no valor de 4.293,27€!!! Também dei conta que a meu pedido me foi enviada a nota de devolução do equipamento emprestado, mas datada de 27/10/2021 e não de 26/10/2021 aquando da minha entrega”. ww) Em 5 de Novembro de 2021, o trabalhador comunicou à empregadora a realização de uma venda de dois aparelhos auditivos ao cliente com o ID ... (Sra. D. II), bem como de um contrato de crédito associado; xx) No dia 17 de Novembro de 2021, a cliente tentou proceder à devolução dos equipamentos adquiridos, tendo sido persuadido pelo trabalhador a não prosseguir com a devolução e a reagendar para o dia 3 de Dezembro de 2021. yy) Contudo, a Sra. D. II solicitou a antecipação do agendamento para 24 de Novembro de 2021, tendo logrado devolver os equipamentos por ter sido atendido pelo vendedor JJ; zz) Em 27 de Outubro de 2021, o trabalhador comunicou à empregadora a realização de uma venda de dois aparelhos auditivos ao cliente com o ID ... (Sra. D. KK), bem como de um contrato de crédito associado; aaa) No dia 10 de Novembro de 2021, a cliente dirigiu-se à loja da Ré com intenção de proceder à entrega dos aparelhos auditivos que lhe haviam sido disponibilizados “à experiência” pelo trabalhador. bbb) Confrontada com o facto de ser celebrado um contrato de compra e venda e um contrato de crédito, a cliente de imediato solicitou a devolução dos aparelhos auditivos, o que ocorreu; ccc) O trabalhador utilizou os dados da Sra. D. KK para apresentar, para assinatura, um contrato de compra e venda e um contrato de crédito, sem informar a cliente da natureza da documentação apresentada. ddd) A cliente subscreveu os contratos de compra e venda e de crédito sem que o trabalhador lhe explicasse a verdadeira natureza dos contratos; eee) Em 6 de Agosto de 2021, o cliente com o ID ... (Sr. LL) adquiriu um aparelho auditivo com intervenção do trabalhador; fff)No entanto, em 18 de Novembro de 2021, o cliente contactou o serviço de atendimento ao cliente da Ré, informando que tinha um primeiro crédito pessoal por aquisição de um primeiro aparelho auditivo e, quando comprou o segundo equipamento auditivo em Agosto, solicitou ao trabalhador uma consolidação dos dois créditos. ggg) Na altura, o trabalhador informou que iria tratar da consolidação dos créditos através da sociedade financeira, mas não o fez. hhh) Ao verificar que continuava a pagar dois créditos, o cliente contactou o trabalhador com vista a obter a consolidação dos créditos, mas o Autor não se disponibilizou a tratar da situação, tendo remetido o cliente para a loja. iii) Em 17 de Novembro de 2021, o trabalhador vendeu dois aparelhos auditivos ao cliente com o ... (Sra. D. MM); jjj) Em 19 de Novembro de 2021, em chamada telefónica com vista ao controlo de qualidade do serviço prestado pela Ré, a cliente reportou que o trabalhador não havia realizado, previamente à venda e colocação dos aparelhos auditivos, os testes necessários à avaliação da situação do cliente e de adequação do aparelho auditivo. kkk) Em 20 de Outubro de 2021, o trabalhador comunicou à empregadora a realização da venda de dois aparelhos auditivos ao cliente com o ID ... (Sr. NN), bem como de um contrato de crédito associado; lll) O trabalhador realizou a venda sem cobrar qualquer sinal ao cliente, e sem requerer autorização superior; mmm) No dia 20 de Novembro de 2021, o Sr. NN contactou o serviço de atendimento ao cliente da empregadora com vista a obter agendamento para devolver os aparelhos auditivos que lhe tinham sido disponibilizados pelo trabalhador “à experiência”. nnn) Nesse mesmo dia, o cliente deslocou-se à loja para proceder à devolução dos equipamentos auditivos, por não ter interesse na aquisição dos mesmos. ooo) O Sr. NN não tinha conhecimento de já ter subscrito um contrato de compra e venda e um contrato de crédito com vista à aquisição dos equipamentos auditivos. ppp) O trabalhador utilizou os dados do Sr. NN para apresentar, para assinatura, um contrato de compra e venda e um contrato de crédito, sem informar o cliente da natureza da documentação apresentada. qqq) O cliente subscreveu os contratos de compra e venda e de crédito sem que o trabalhador lhe explicasse a verdadeira natureza dos contratos; rrr)Em virtude da reclamação apresentada pelo cliente, a empregadora foi forçada a proceder à anulação da venda realizada, no dia 20 de Novembro de 2021; sss) Em 5 de Novembro de 2021, o trabalhador vendeu dois aparelhos auditivos ao cliente com o ID ... (Sra. D. OO); ttt)No dia 10 de Novembro de 2021, a cliente deslocou-se à loja da empregadora, solicitando a devolução dos aparelhos e apresentando reclamação no livro de reclamações uuu) A cliente apresentou reclamação indicando que, no âmbito do teste realizado pelo trabalhador, foi indicado que sofria de perda auditiva e incapacidade de percepção, tendo sido de imediato apresentada uma proposta para aquisição de aparelhos auditivos. vvv) Contudo, a cliente solicitou aconselhamento médico e foi-lhe indicado que não padece de qualquer problema auditivo, pelo que, não tinha qualquer necessidade de utilização de próteses auditivas; www) Em virtude da reclamação apresentada pela cliente, a empregadora procedeu à anulação da venda realizada, no dia 15 de Novembro de 2021; xxx) Em 26 de Outubro de 2021, o trabalhador comunicou à empregadora a realização da venda de dois aparelhos auditivos ao cliente com o ID ... (Sr. PP), bem como de um contrato de crédito associado; yyy) No dia 27 de Novembro de 2021, o cliente deslocou-se à loja para proceder à devolução dos equipamentos auditivos, que tinha vindo a usar a título de “experiência”, disponibilizados pelo trabalhador. zzz) O Sr. PP nunca teve intenção de adquirir os equipamentos auditivos, por estar desempregado, mas tinha vindo a utilizar os mesmos, porque o trabalhador os tinha disponibilizado gratuitamente. aaaa)O Autor utilizou os dados do Sr. PP para apresentar, para assinatura, um contrato de compra e venda e um contrato de crédito, sem informar o cliente da natureza da documentação apresentada. bbbb)O cliente subscreveu os contratos de compra e venda e de crédito sem que o trabalhador lhe explicasse a verdadeira natureza dos contratos; cccc) Em virtude da reclamação apresentada pelo cliente, a empregadora procedeu à anulação da venda realizada, no dia 27 de Novembro de 2021; dddd)No dia 26 de Novembro de 2021, o vendedor da empregadora, QQ, vendeu dois aparelhos auditivos à cliente com o ID 556971 (Sra. D. RR); eeee)A cliente informou nessa data que, no mês anterior, se tinha deslocado a uma loja da empregadora e tinha sido atendido pelo trabalhador, o qual tinha disponibilizado os seus dados pessoais, tinha efectuado teste de adequação do aparelho auditivo e tinha obtido orçamento dos aparelhos auditivos que pretendia adquirir. ffff) O vendedor utilizou o sistema informático da Ré com vista a consultar a ficha da cliente e inteirar-se do processo, mas nada constava no sistema sobre a mesma; gggg) Esta conduta obrigou o vendedor QQ a solicitar novamente os dados da cliente. 24. A empregadora opõe-se à reintegração do trabalhador; 25. O trabalhador não recebeu formação, nem no ano de 2021, nem no ano de 2022. Ao abrigo do prescrito no art.º 662.º n.º 1 do CPC. iremos proceder ao aditamento de factos que consideramos de relevantes para a boa decisão da causa e que se encontram provados quer, por documento, quer por acordo das partes: 26. Datada de 29.10.2021 foi comunicado pelo empregador ao trabalhador o seguinte: “Assunto: Repreensão Escrita Exmo. Senhor, Apesar de repetidas advertências verbais, a última das quais em reunião com o responsável comercial do norte do país, Sr. SS, e com o director geral da B..., Dr. TT, no pretérito dia 1 de Setembro em ..., V. Exa. Continua a não cumprir os procedimentos básicos da sua função profissional. A demora no envio dos processos de crédito para as financeiras, a ocultação de devoluções pedidas pelos clientes e a falta de preenchimento dos mais variados relatórios, são apenas alguns dos mais recentes exemplos que causam elevados prejuízos financeiros à empresa e danos na imagem e reputação da loja onde tem prestado serviço. Esta atitude e total desrespeito pelas regras da empresa e desobediência às ordens directas dos seus superiores hierárquicos não será mais tolerada e despoletará as consequentes acções disciplinares. (…)” 27. Nos últimos dozes meses que antecederam a suspensão preventiva do Trabalhador, foram-lhe liquidados os seguintes valores a título de comissões: 12/2020 - €1.973,01 01/2021 - €1.438,25 02/2021- €1.290,57 03/2021 - €354,25 04/2021 - €1.998,45 05/2021 - €2.613,19 06/2021 - €5.044,77 07/2021 - €2.186,77 08/2021 - €2.387,25 09/2021 - €2.577,24 10/2021 - €1.650,05 11/2021 - €2.136,94 IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO 1. Da impossibilidade de duplo juízo e sanção Insurge-se o Recorrente quanto ao facto de não poder ser julgado disciplinarmente, e muito menos punido, uma segunda vez pela prática dos mesmos factos, dizendo que em 29.10.2021 foi sancionado disciplinarmente, com uma advertência escrita, por factos que se reportam a data anterior, razão pela qual todos os factos que lhe foram agora imputados pelo empregador em data anterior a 29.10.2021 não podem ser objecto de procedimento disciplinar, sob pena de vir a ser sancionado duas vezes pela prática dos mesmos factos. O Tribunal a quo conclui pela inexistência do mencionado vício do procedimento disciplinar, quer porque o autor não invocou a norma legal na qual fundamenta a sua posição, quer porque estando em causa factos distintos dos apreciados no anterior procedimento disciplinar, independentemente da data, não estava o empregador impedido de os apreciar. No que respeita à invocação de norma legal, teremos de dizer que neste conspecto assiste razão ao recorrente, pois o autor não só invocou o princípio “ne bis in idem” como mencionou o n.º 1 do art.º 330.º do CT. o qual prescreve que “A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção.” Tendo presente o princípio de coerência disciplinar, bem como o teor da citada norma, dela resulta, além do mais, que não se pode aplicar mais do que uma sanção por cada infracção, ainda que estejamos perante uma infracção continuada. Daqui também decorre que os factos abrangidos por determinado procedimento disciplinar, relativamente aos quais foi aplicada determinada sanção, não podem ser objecto de nova sanção. Assim sendo, não podemos deixar de concordar com o Tribunal a quo ao ter considerado estarem agora em causa factos distintos dos anteriormente apreciados, podendo por isso os novos factos, ainda que tendo ocorrido em data anterior à instauração de um outro procedimento disciplinar, ser objecto quer de procedimento disciplinar, quer aplicação de nova sanção. Em suma, sem prejuízo dos prazos de prescrição e de caducidade, não se verifica a violação princípio “ne bis in idem” nem do n.º 1 do art.º 330.º do CT. na situação em que o trabalhador é alvo de um procedimento disciplinar pela prática de infracção disciplinar relativamente a factos, que embora praticados no mesmo período de tempo, a que se reporta um outro procedimento disciplinar, não haviam sido objecto deste. Tal é o que sucede no caso em apreço, basta atentarmos no teor dos factos que constam da decisão que aplicou a sanção da repreensão escrita, que apenas se referem à demora no envio dos processos de crédito para as financeiras, à ocultação de devoluções pedidas pelos clientes e à falta de preenchimento dos mais variados relatórios, para concluirmos que os factos que constam do procedimento disciplinar objecto dos presentes autos e que ocorreram em data anterior à prática da infracção objecto da aplicação de tal sanção são distintos daqueles, já que respeitam à violação do procedimento determinado pelo empregador relativo à venda de aparelhos auditivos e ao abuso de confiança perante os clientes do empregador - cfr. ponto 23 alíneas f) a t), ll), oo) a vv) dos pontos de factos provados. É de manter nesta parte a decisão recorrida, pois nem sequer se vislumbra qualquer necessidade de relegar o conhecimento desta excepção para momento ulterior, uma vez que os autos já contêm todos os elementos essenciais que nos permitem concluir pela inexistência de aplicação de uma dupla sanção. 2. Dos factos não alegados na nota de culpa Pretende o Recorrente que sejam expurgados da motivação do despedimento os factos que constam dos seus artigos 60, 62 a), 82 b), 93 b), 111 a) a h), 113 c), 130 c) e 176 b) da decisão do despedimento, já que são um acréscimo à nota de culpa e sobre os mesmos não teve oportunidade de se pronunciar. O Tribunal recorrido a este propósito entendeu que o empregador no articulado motivador do despedimento teve como preocupação relacionar os factos dados como provados no processo disciplinar, com aqueles descritos na nota de culpa, não padecendo de qualquer vicio. Como é consabido resulta do prescrito no n.º 4 do art.º 357.º do Código do Trabalho que na decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador não podem ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo e atenuarem a responsabilidade do trabalhador. Os factos que o recorrente defende que devem ser expurgados da motivação do despedimento (articulado junto aos autos pelo empregador) respeitam ao comportamento assumido pelo autor para com seis dos identificados clientes do empregador, relativamente aos quais, o empregador não fez constar da nota de culpa devidamente discriminado, o seguinte: ”Que o Apelante não cumpriu normas e procedimentos internos em vigor na Ré em particular: realizou a venda de aparelho auditivo ao cliente sem o recebimento de qualquer valor a título de sinal” Importa desde já reter que o Recorrente confunde decisão de despedimento com motivação do despedimento correspondendo este último ao articulado apresentado pelo empregador, o qual se destina a demonstrar das razões da licitude e da regularidade do despedimento e no qual o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador, uma vez que são apenas estes os factos que relevam na apreciação do tribunal da decisão do despedimento – cfr. art.º 98.º J do CPC. Assim, o que importa apurar, que será apreciado em altura própria, é se os factos dados como provados na decisão final proferida no procedimento disciplinar diferem daqueles que se fizeram constar da nota de culpa. Na verdade, o facto do articulado motivador do despedimento não ser coincidente como teor da nota de culpa não viola sequer o prescrito no n.º 4 do art.º 357.º do CT., que respeita apenas ao facto de na decisão disciplinar não poderem ser invocados factos que não constam da nota de culpa, precisamente, como alega o Recorrente, para o trabalhador poder atempadamente exercer o seu direito de defesa. Ora, no caso em apreço não sabemos, porque não é invocado, se os factos que constam da decisão disciplinar, diferem ou não, ou foram, ou não, acrescidos de outros factos que não constavam da nota de culpa. Assim sendo, não se vislumbra que possa assistir qualquer razão ao Recorrente, sendo certo que sem necessidade de expurgar do articulado motivador do despedimento, o que quer que seja, deixamos consignado que de tal articulado só relevam os factos e os fundamentos constantes da decisão disciplinar, que constem da nota de culpa – cfr. n.º 4 do art.º 357.º do CT, conjugado com o n.º1 do art.º 98.º J do CPT. Por fim, acresce dizer que da nota de culpa resulta de forma exuberante que o trabalhador ciente dos seus deveres foi useiro e vezeiro em proceder à realização de vendas de aparelhos auditivos, sem o recebimento de qualquer valor a título de sinal, não podendo, por isso, deixar de concordar com o tribunal a quo, ao constatar a preocupação do empregador em relacionar os factos que fez constar no articulado de motivação do despedimento com aqueles descritos na nota de culpa. Os invocados factos novos já constavam da nota de culpa, sendo agora repetidos relativamente a cada uma das vendas realizadas pelo trabalhador. É manter a decisão recorrida e consequentemente improcede a apelação nesta parte. 3. Do direito ao pagamento de comissões no período da suspensão preventiva Pretende o Recorrente que o empregador seja condenado a pagar-lhe, durante o período em que esteve suspenso preventivamente de funções, a média das comissões de venda que faziam parte da sua retribuição e que sempre auferiu. O legislador nos artigos 329.º n.º 5 e 354.º ambos do CT., referindo-se o primeiro ao procedimento disciplinar comum e o segundo ao procedimento disciplinar para despedimento, decidiu conferir ao empregador a faculdade de suspensão preventiva do trabalhador mantendo, porém, o pagamento da retribuição, sem que se confunda esta faculdade com uma sanção disciplinar, ou com o regime da suspensão de contrato de trabalho. A propósito da suspensão preventiva do trabalhador prescreve o n.º 1, do art.º 354.º do CT. que “Com a notificação da nota de culpa, o empregador pode suspender preventivamente o trabalhador cuja presença na empresa se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição.” E prescreve o n.º 5 do art. 329.º do CT que “Iniciado o procedimento disciplinar, o empregador pode suspender o trabalhador, se a presença deste se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição”. Resulta destas normas que em caso de suspensão preventiva do trabalhador, este mantém o direito à retribuição e o empregador a inerente obrigação, uma vez que esta medida, ditada por decisão do empregador no sentido da inconveniência da continuação da presença do trabalhador na empresa, numa fase em que ainda não há decisão quanto à sua responsabilidade disciplinar, não pode constituir ela própria uma antecipação à sanção disciplinar que possa vir a ser aplicada. Neste sentido ver Ac. STJ de 02-07-2008, proc. n.º 07S4752, relator Sousa Grandão, consultável in www.dgsi.pt. Para estes efeitos específicos, a lei não nos esclarece o que entende por retribuição, o que obriga a remeter para o conceito geral de retribuição prescrito no art.º 258º do CT, do qual consta o seguinte: “1 – Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho. 2 - A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. 3 – Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador. 4 – (…)” (sic nº3)” Como refere o Prof. João Leal Amado, in Direito do Trabalho (Relação Individual, pág. 777, “A noção legal de retribuição pressupõe a conjugação de dois elementos fundamentais: o caracter obrigatório da prestação e a correspectividade desta com o trabalho. A falta de qualquer destes elementos retirará carácter retributivo à prestação efectuada.” A retribuição do trabalho é o conjunto de valores (pecuniários ou não) que o empregador se obriga a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada, ou pela disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida. A retribuição integra em si não só a remuneração de base como todas as outras prestações regulares e periódicas, feitas, direta ou indiretamente, que criem no trabalhador a convicção de que elas constituem um complemento do seu salário. Acresce dizer que a lei exclui do conceito de retribuição, as quantias pagas a título de liberalidades ou que não contenham em si as características supra referidas. É o que resulta do disposto no art.º 259.º e 260.º do CT., neles se incluindo a título meramente exemplificativo as ajudas de custo os abonos de viagem, as gratificações (prémios de produtividade e de assiduidade), etc. Ora, as comissões constituem uma das modalidades de retribuição variável (cfr. art.º 261.º do CT) que se traduz na atribuição ao trabalhador de uma parte, normalmente definida em percentagem, do valor das transacções por ele realizadas, em nome e proveito do empregador. Com efeito, é de considerar terem natureza retributiva as prestações quantitativamente variáveis, desde que auferidas de forma regular e periódica, normalmente são designadas de complementos salariais, entre as quais se incluem as comissões por vendas. Assim sendo, desde que convencionadas no contrato ou prestadas com regularidade e periodicidade, a respectiva remuneração é de considerar de retribuição, em face do disposto nos artigos 258.º e 261.º do CT. A este propósito refere o Acórdão da Relação de Lisboa de 3.12.2009 proferido no processo n.º 2195/05.8TTLSB-4 (consultável in www.dgsi.pt) as comissões “têm o duplo significado de participação e incentivo: visam proporcionar a retribuição ao resultado da prestação e, simultaneamente, estimular o trabalhador a um desempenho mais diligente e empenhado das funções atribuídas com a promessa de um ganho proporcional à utilidade obtida para o empregador”, pelo que “a conexão entre a atribuição patrimonial assim efectuada e a quantidade e qualidade do trabalho é perfeitamente irrecusável”. No caso em apreço a natureza retributiva das comissões que mensalmente o trabalhador auferia não oferece dúvidas pois, além de regulares e periódicas (ponto 27 dos pontos de facto assentes), constituíam uma componente da contrapartida do trabalho, convencionada entre as partes (pontos10 e 13 dos pontos de facto provados). Assente assim, a natureza retributiva das comissões, cabe responder à questão de saber se devem as mesmas imputar no específico conceito de retribuição a atender para quantificar os valores devidos ao trabalhador durante a suspensão preventiva de funções. Quanto à retribuição devida no período de suspensão preventiva do contrato entendemos que o legislador pretendeu que a inatividade produtiva do trabalhador correspondente a uma vontade, ainda que fundamentada do empregador, não prejudicasse nem tivesse qualquer impacto negativo sobre a retribuição a pagar ao trabalhador, devendo por isso corresponder à retribuição que o trabalhador receberia se estivesse a trabalhar. Decorre do prescrito no art.º 390.º n.º 1 do CT, que sendo o despedimento declarado ilícito o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal. Isto é, declarada a invalidade do despedimento tudo se passa como se o vínculo laboral nunca tivesse sido interrompido e por isso são devidas ao trabalhador todas as retribuições certas ou variáveis que teria auferido, caso o vínculo laboral nunca tivesse sido interrompido. Se tal é o que sucede com a declaração da ilicitude do despedimento por maioria de razão tal deve verificar-se durante a suspensão preventiva do trabalhador, tendo este direito a auferir as retribuições que auferiria se estivesse a trabalhar. Não podemos esquecer que, a suspensão preventiva do trabalhador, não se confunde com a suspensão do contrato de trabalho (arts.º 294.º e ss do CT) aquela é uma faculdade concedida ao empregador que ele pode exercer ou não, segundo as suas razões de conveniência. Contudo ao exercer tal faculdade tem de assegurar ao trabalhador a retribuição na sua totalidade, já que a suspensão não é, nem equivale ao despedimento, sendo certo que só este põe termo à relação laboral, enquanto não for declarado ilícito. Assim, se o empregador entender usar da faculdade de suspensão preventiva fica obrigado a pagar a retribuição com tudo o que esta comporta, como se o trabalhador estivesse ao serviço e até à data da declaração do despedimento, se este vier a ocorrer. Não se nos afiguraria de adequada outra solução, basta pensar na possibilidade do empregador entender aplicar uma outra sanção que não o despedimento, mantendo-se assim o contrato em vigor, para não se encontrar qualquer razão para que durante o período da suspensão preventiva deixasse o trabalhador de auferir a retribuição (certa e variável) que auferiria se estivesse ao serviço Em suma, o Recorrente tem direito a receber o montante referente às comissões de venda que teria auferido durante o período da suspensão preventiva, uma vez que esta não pode implicar perda de retribuição (cfr Ac. STJ de 18.06.2008, consultável in www.dgsi.pt). Resultando da posição por nós acima defendida que as comissões são retribuição, ou seja, são contrapartida do trabalho, atendendo ao produto do trabalho, e tendo presente que no caso não existe trabalho durante o período de suspensão preventiva, é evidente que o respectivo montante não pode reportar ao trabalho prestado nesse período. Afigura-se-nos, assim, ter de recorrer ao critério legal prescrito no n.º 3 do artigo 261.º do CT. do qual resulta que para determinar o valor da retribuição variável, quando não seja aplicável o respectivo critério, considera-se a média dos montantes das prestações correspondentes aos últimos 12 meses, ou ao tempo de execução de contrato que tenha durado menos tempo. Daqui resulta que o valor a ter em atenção para efeitos de atribuição da retribuição variável devida ao trabalhador no período de suspensão preventiva é a média das comissões nos últimos doze meses, sendo este o critério mais adequado para a tutela efetiva do direito à retribuição. Resultando da factualidade apurada que a média mensal auferida a título de comissões nos 12 meses anteriores à suspensão se cifrou em €2.137,56 (cfr. ponto 27 dos pontos de facto provados) e estando por liquidar as comissões devidas no período compreendido entre Abril a Agosto de 2022, o que corresponde a 93 dias úteis, é devida ao Recorrente a este título a quantia global de €9.036,05, em conformidade com o por si reclamado. Em jeito de conclusão diremos que sendo a retribuição auferida pelo trabalhador, uma retribuição mista (uma parte certa e outra variável), enquanto o trabalhador se mantiver suspenso preventivamente em processo disciplinar, deve ser-lhe liquidado mensalmente não só o valor certo, mas também a média das comissões referentes aos 12 meses anteriores à suspensão, por ser este o princípio mais adequado à tutela do direito à retribuição. Procede nesta parte o recurso. 4. Da admissibilidade dos meios de prova. Por fim, insurge-se o Recorrente quanto ao facto de o Tribunal a quo ter indeferido os meios de prova defendendo que os meios de prova requeridos são relevantes e que a posição do tribunal a quo coarta o seu direito à produção de prova/contraprova. O Tribunal a quo indeferiu os meios de prova requeridos pelo recorrente com fundamento na concordância da posição assumida pelo empregador, acrescentando ainda que parte dos meios de prova requeridos se destinavam a fazer prova de factos cujo ónus é do empregador. Os meios de prova requeridos pelo recorrente, que consistem na junção de documentos alegadamente na posse do empregador, sob os quais incidiu o despacho recorrido são os seguintes: “Que a seja Ré notificada a fim de juntar aos autos: a) Todas as alterações contratuais ao contrato inicial, mormente em sede de renovações até final; b) Todos os registos de trabalho suplementar – artigo 231.º CT – do Autor desde o início do contrato até à sua cessação, nos termos em que está determinado legalmente, designadamente o registo dos dias de sábado, feriados ou de férias em que aquele prestou trabalho; c) Tempos de trabalho nos termos que impõe o artigo 202.º CT desde o início da relação laboral até final; d) Todos os documentos denominados de Comission Statment do Autor relativo a todos os anos da sua relação laboral; e) Todos os contratos de Compra e Venda (também denominados por D’Order) em que o Autor foi o vendedor; f) Agenda de especialista em CRM do Autor relativo a todos os anos da sua relação laboral; g) Todas as devoluções e contratos de venda no ano de 2021 dos outros vendedores das lojas em que o Autor trabalhou, bem como pedidos escritos de autorizações e autorizações naqueles em que não cumpram os alegados critérios de sinal; h) Todos os e-mail ou outras comunicações escritas dirigidas pela empresa ou superiores hierárquicos para o e-mail do Autor ou por sms ou WhatsApp para o número de telefone atribuído de junho de 2021 até à data da suspensão, bem assim as comunicações deste para aqueles; i) Todas as comunicações escritas dirigidas ao Autor via postal por referência a bónus, prémios, ou promoções de categoria; j) Todas as reclamações no respetivo livro físico ou online no ano de 2021 na loja de ... e ..., bem assim reclamações registadas em CRM, as Respostas aos clientes e à ASAE (ou a outra entidade competente) nos termos do artigo 5.º do DL 156/2005na redação atual; k) Gravações das chamadas de controlo e qualidade referidas nos factos da motivação do despedimento; l) Todas as comunicações escritas de denúncias dos factos imputados por trabalhadores da Ré ou superiores hierárquicos anteriores a 19/11/2021, bem assim procedimentos de auditorias internas que tenham sido levadas a cabo e resultados no período temporal dos factos, nomeadamente sobre cancelamentos e devoluções; m) Fichas dos clientes em CRM integrais e com todo o seu histórico daqueles reportados nos factos; n) Instruções existentes na plataforma de procedimentos internos sobre sinais, autorizações, devoluções, agendamentos e consolidação de créditos. O empregador em resposta ao requerimento de prova veio dizer o seguinte: Juntam-se, sob Documento n.º ... da presente resposta, os documentos requeridos na al. a) do requerimento probatório do Autor; b) Quanto aos documentos requeridos na al. b) do requerimento probatório do Autor, confirma-se que não existe registo de trabalho suplementar, dado que o trabalhador não prestou trabalho suplementar; c) Juntam-se, sob Documento n.º ... da presente resposta, os documentos requeridos na al. c) do requerimento probatório do Autor; d) Juntam-se, sob Documento n.º ... da presente resposta, os documentos requeridos na al. d) do requerimento probatório do Autor; e) Relativamente aos documentos requeridos na al. e) do requerimento probatório do Autor, vem a Ré esclarecer que todos os contratos de compra e venda em que o Autor foi vendedor com relevância para a presente acção judicial (isto é, aqueles relativamente aos quais são imputadas infrações disciplinares ao Autor), já se encontram juntos ao processo disciplinar. Ao exposto, acresce que os referidos documentos contêm dados pessoais dos clientes da Ré, assumindo-se como um esforço manifestamente desproporcional a pseudoanonimização desses dados em centenas de documentos; f) Relativamente aos documentos requeridos na al. f) do requerimento probatório do Autor, vem a Ré esclarecer que não se vislumbra qualquer relevância na junção da agenda de especialista em CRM do Autor e, muito menos, a referida agenda relativa a todos os anos da sua relação laboral dado que os factos imputados ao mesmo ocorreram, exclusivamente, entre 19 de Agosto de 2021 e 18 de Novembro de 2021. Ao exposto, acresce que os referidos documentos contêm dados pessoais dos clientes da Ré, assumindo-se como um esforço manifestamente desproporcional a pseudoanonimização desses dados num documento com a extensão da referida agenda; g) Relativamente aos documentos requeridos na al. g) do requerimento probatório do Autor, vem a Ré esclarecer que as autorizações existentes se encontram juntas ao processo disciplinar. Não obstante, não entende a relevância da junção de tais documentos na medida em que, por força das inquirições das testemunhas arroladas pelo Autor e pela Ré no âmbito do processo disciplinar, ficou manifestamente provada a necessidade de os vendedores obterem autorização dos respectivos superiores hierárquicos para a realização de vendas sem sinal, bem como declarou a Ré os casos em qual tal ocorreu e os casos em que não ocorreu; h) Relativamente aos documentos requeridos na al. h) do requerimento probatório do Autor, vem a Ré confirmar que os documentos solicitados pelo Autor já não se encontram disponíveis, na medida em que tais informações são automaticamente eliminadas após 6 meses; i) Relativamente aos documentos requeridos na al. i) do requerimento probatório do Autor, vem a Ré esclarecer que, durante a vigência da relação laboral com o Autor, nunca enviou qualquer comunicação por via postal relativa a bónus, prémios, ou promoções de categoria, sendo que, se tal tivesse ocorrido, certamente o Autor estaria na posse desses documentos; j) Juntam-se, sob Documento n.º ... da presente resposta, os documentos requeridos na al. j) do requerimento probatório do Autor; k) Relativamente aos documentos requeridos na al. k) do requerimento probatório do Autor, vem a Ré confirmar que não procede à gravação de chamadas; l) Relativamente aos documentos requeridos na al. l) do requerimento probatório do Autor, vem a Ré confirmar que os documentos solicitados pelo Autor já não se encontram disponíveis, na medida em que tais informações são automaticamente eliminadas após 6 meses; m) Relativamente aos documentos requeridos na al. m) do requerimento probatório do Autor, vem a Ré esclarecer que das fichas de clientes constam dados pessoais dos mesmos, incluindo dados de saúde, pelo que os mesmos nunca poderiam ser disponibilizados. Adicionalmente, importa aferir a relevância da junção de tal documentação para o presente processo judicial, dado que, durante o procedimento disciplinar, foi providenciada ao Autor a identificação de todos os clientes relacionados com os factos que são imputados ao mesmo. Ao exposto, acresce que seria um esforço manifestamente desproporcional a pseudoanonimização desses dados em centenas de documentos; n) Relativamente aos documentos requeridos na al. n) do requerimento probatório do Autor, vem a Ré esclarecer que tais instruções já constam de fls. 176 do processo disciplinar. o) Por fim, e relativamente ao pedido de informação da Ré, vem esta esclarecer que os aparelhos auditivos por si comercializados são dispositivos médicos (de classe de risco II a) pessoais e intransmissíveis, que são ajustados/programados especialmente para o cliente. Nestes termos, sempre que se verifique uma devolução de aparelhos auditivos pelo cliente, os mesmos são assim devolvidos ao fabricante até porque nunca poderiam ser entregues a outra pessoa por decisão ou acção da Ré – nos termos do Decreto-Lei n.º 145/2009, de17 de Junho e do Regulamento (EU) 2017/745 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 deAbril de2017. O Autor, com todo o conhecimento da actividade que alega ter, tem certamente conhecimento destas normas nacionais e comunitárias, pelo que não faz sentido o pedido de notificação de fabricantes para confirmarem algo que decorre directamente da classificação dos produtos e da legislação em vigor. Daqui resulta, atenta a colaboração do empregador, que apenas foi indeferida a junção dos seguintes meios probatórios: parcialmente os requeridos sob a alínea e), bem como os requeridos sob as alíneas f) e m), já que os restantes foram juntos aos autos pelo empregador ou aquele declarou não os possuir. Tais meios de prova objecto de indeferimento, respeitam à totalidade dos contratos de compra e venda em que o autor foi o vendedor, uma vez que estão juntos aos autos os contratos que relevam no âmbito do procedimento disciplinar; a Agenda de especialista em CRM do Autor relativa a todos os anos da sua relação laboral; e as Fichas dos clientes em CRM integrais e com todo o seu histórico daqueles reportados nos factos. Vejamos: Sob a epígrafe “documentos em poder da parte contrária”, o artigo 429.º do CPC prescreve o seguinte: “1 –Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que seja ela notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar. 2 –Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação.” Daqui decorre que o uso do documento em poder da parte contrária destina-se a provar os factos que tenham sido alegados pela parte que requer a sua apresentação e está dependente da verificação de determinados requisitos destinados a aferir da utilidade e pertinência da junção. O artigo 429.º do CPC constitui uma manifestação do denominado “princípio da cooperação intersubjectiva”, consagrado no actual art.º 7.º do Código de Processo Civil, o qual pressupõe que o requerente não pode, por ele, obter o documento, tendo em vista a prova de factos desfavoráveis ao detentor do documento. Ao juiz cabe controlar a pretensa idoneidade do documento para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova, ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus, exigindo tal normativo que o requerente identifique tanto quanto possível o documento e especifique os factos que com ele quer provar. Como ensina o Professor Alberto dos Reis, a propósito do artigo 552.º do Código de Processo Civil de 1939, in Código do Processo Civil anotado, vol. IV pág. 38 e 39 que contém um regime idêntico ao prescrito no actual artigo 429.º do CPC. “A parte tem de especificar no seu requerimento: a) Em que consiste o documento; b) Quais os factos que por meio dele intenta provar. A 1ª exigência tem por fim dar a conhecer ao notificado qual o documento que dele se requisita. Portanto a frase “em que consiste o documento” deve entender-se neste sentido: Cumpre ao requerente identificar, quanto possível o documento. (…) A 2ª exigência destina-se, em primeiro lugar, a habilitar o juiz a deferir ou indeferir o requerimento e, em segundo lugar, a fazer funcionar a sanção”. Resumindo, a pertinência da apresentação de um documento em poder da parte contrária, está dependente da circunstância de os factos que se visam provar com esse documento interessarem à decisão da causa e pressupõe a verificação dos seguintes requisitos a saber: - a identificação concreta do documento cuja junção se requer; - a indicação de quais os factos que com o documento se pretendem provar; - e que se trate de documento que se encontre em poder da parte contrária e que a própria parte não consiga obter. No que respeita a este último requisito dele resulta inequívoco que o juiz pode indeferir a pretensão do requerente quando a parte pretender a junção de documento que ela própria possa obter. Assim, a faculdade prevista no citado artigo 429.º do CPC. destina-se a suprir as situações em que a parte para provar determinado facto pretenda utilizar documento ou documentos de que só a parte contrária disponha. Acresce ainda dizer que, um meio de prova é de considerar de pertinente desde que com ele se pretenda provar um facto relevante para a resolução do litígio, seja de modo direto, por se tratar de um facto constitutivo, impeditivo ou modificativo ou extintivo, seja de modo indirecto, por se tratar de um facto que permite acionar ou impugnar presunções das quais se extraiam factos essenciais ou ainda por se tratar de facto importante para apreciar a fiabilidade de outro meio de prova. Retornando ao caso em apreço teremos de dizer que, o trabalhador/recorrente não indicou os factos que com os documentos a juntar pelo empregador pretendia provar. O recorrente não concretizou a relevância dos meios de prova que pretendia, nem concretizou os factos que pretendia provar ou rebater com os diversos elementos de prova que requerer, para que se pudesse aferir da sua relevância. Contudo foi determinada a notificação ao empregador para juntar os documentos pretendidos pelo autor, tendo aquele dado parcial cumprimento ao solicitado e justificado das razões pelas quais não deu satisfação plena ao solicitado pelo autor. Importa ainda realçar que não se vislumbra que os documentos em falta constituam um meio de prova relevante para a boa decisão da causa. Ao invés, para além do Recorrente não ter sequer indicado os factos que pretendia provar com o manancial de documentos cuja junção requereu aos autos, os mesmos, em concordância com o entendido pelo empregador, não têm qualquer relevância para a boa decisão da causa, não podendo por isso ser considerados de pertinentes. Em face do exposto teremos de concluir que bem andou o tribunal a quo ao indeferir estes meios de prova, pois para além do recorrente não ter indicado os factos que pretendia provar com tais documentos, os mesmos não são de considerar de pertinentes. V - DECISÃO Acordam os Juízes nesta Relação em dar parcial provimento `apelação e consequentemente julgam procedente o pedido reconvencional referente às diferenças salariais e condenam o empregador a pagar ao Autor a título e comissões devidas no período de suspensão preventiva de funções, a quantia global de €9.036,05, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a data da cessação do contrato e até integral e efectivo pagamento. Custas a cargo do recorrente na proporção de 2/3 e a cargo da recorrida na proporção de 1/3. Notifique. 12 de Outubro de 2023 Vera Maria Sottomayor (relatora) Antero Dinis Ramos Veiga Francisco Sousa Pereira |